VERSO 47
aham evāsam evāgre
nānyat kiñcāntaraṁ bahiḥ
saṁjñāna-mātram avyaktaṁ
prasuptam iva viśvataḥ
aham — Eu, a Suprema Personalidade de Deus; eva — somente; āsam — existia; eva — com certeza; agre — no começo, antes da criação; na — não; anyat — outra; kiñca — coisa alguma; antaram — além de Mim; bahiḥ — externa (uma vez que a manifestação cósmica é externa ao mundo espiritual, o mundo espiritual já existia antes do mundo material); saṁjñāna-mātram — apenas a consciência das entidades vivas; avyaktam — imanifesta; prasuptam — sono; iva — como; viśvataḥ — a todo momento.
Antes da criação desta manifestação cósmica, Eu existia sozinho com Minhas potências espirituais. A consciência, então, estava imanifesta, assim como a consciência fica imanifesta durante o sono.
SIGNIFICADO—A palavra aham indica uma pessoa. Como explicam os Vedas, nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām (Kaṭha Upaniṣad 2.2.13): O Senhor é o eterno supremo entre inúmeros eternos e o ser vivo supremo entre inúmeros seres vivos. O Senhor é uma pessoa que também possui aspectos impessoais. Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.11):
vadanti tat tattva-vidas
tattvaṁ yaj jñānam advayam
brahmeti paramātmeti
bhagavān iti śabdyate
“Transcendentalistas eruditos que conhecem a Verdade Absoluta chamam essa substância não-dual de Brahman, Paramātmā ou Bhagavān.” Somente após a criação é que se fez referência ao Paramātmā e ao Brahman impessoal; antes da criação, existia apenas a Suprema Personalidade de Deus. Como se declara firmemente na Bhagavad-gītā (18.55), o Senhor pode ser compreendido apenas através do bhakti-yoga. A causa última, a suprema causa da criação, é a Suprema Personalidade de Deus, que pode ser compreendido apenas através de bhakti-yoga. Ele não pode ser compreendido mediante análise filosófica especulativa ou meditação, uma vez que todos esses processos passaram a existir após a criação material. As ponderações impessoal e localizada a respeito do Senhor Supremo são, até certo ponto, materialmente contaminadas. Portanto, o verdadeiro processo espiritual é o bhakti-yoga. Como o Senhor diz, bhaktyā mām abhijānāti: “Somente através do serviço devocional é que posso ser compreendido.” Conforme aqui indicado pela palavra aham, o Senhor existia como pessoa antes da criação. Ao vê-lO como uma pessoa que estava belamente vestida e ornamentada, o prajāpati Dakṣa, através do serviço devocional, pôde realmente experimentar o significado dessa palavra aham.
Toda pessoa é eterna. Porque o Senhor diz que antes da criação (agre) existia como pessoa e também continuará existindo após a aniquilação, Ele é eternamente uma pessoa. Portanto, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura cita esses versos do Śrīmad-Bhāgavatam (10.9.13-14):
na cāntar na bahir yasya
na pūrvaṁ nāpi cāparam
pūrvāparaṁ bahiś cāntar
jagato yo jagac ca yaḥ
taṁ matvātmajam avyaktaṁ
martya-liṅgam adhokṣajam
gopikolūkhale dāmnā
babandha prākṛtaṁ yathā
A Personalidade de Deus apareceu em Vṛndāvana como filho de mãe Yaśodā, que amarrou o Senhor com uma corda, assim como uma mãe comum amarra um filho material. De fato, a forma da Suprema Personalidade de Deus (sac-cid-ānanda-vigraha) não é constituída de divisões externa e interna, mas, quando Ele aparece sob Sua própria forma, as pessoas sem inteligência O consideram uma pessoa comum. Avajānanti māṁ mūḍhā mānuṣīṁ tanum āśritam: embora Ele advenha em Seu próprio corpo, que jamais passa por transformações, os mūḍhas, aqueles que não têm inteligência, pensam que, para vir sob a forma de uma pessoa, o Brahman impessoal assumiu um corpo material. Os seres vivos comuns aceitam corpos materiais, mas tal fenômeno não se aplica à Suprema Personalidade de Deus. Como a Suprema Personalidade de Deus é a consciência Suprema, afirma-se nesta passagem que saṁjñāna-mātram, a consciência original, a consciência de Kṛṣṇa, estava imanifesta antes da criação, embora a consciência da Suprema Personalidade de Deus seja a origem de tudo. Na Bhagavad-gītā (2.12), o Senhor diz: “Nunca houve um tempo em que Eu não existisse, nem você, nem todos esses reis; e no futuro nenhum de nós deixará de existir.” Assim, a pessoa do Senhor é a Verdade Absoluta no passado, no presente e no futuro.
A esse respeito, Madhvācārya cita dois versos do Matsya Purāṇa:
nānā-varṇo haris tv eko
bahu-śīrṣa-bhujo rūpāt
āsīl laye tad-anyat tu
sūkṣma-rūpaṁ śriyaṁ vinā
asuptaḥ supta iva ca
mīlitākṣo ’bhavad dhariḥ
anyatrānādarād viṣṇau
śrīś ca līneva kathyate
sūkṣmatvena harau sthānāl
līnam anyad apīṣyate
Após a aniquilação de tudo, o Senhor Supremo, devido ao Seu sac-cid-ānanda-vigraha, permanece sob Sua forma original, mas, como as outras entidades vivas têm corpos materiais, a matéria imerge na matéria, e a forma sutil da alma espiritual permanece dentro do corpo do Senhor. O Senhor não dorme, mas as entidades vivas comuns ficam adormecidas até a próxima criação. Pessoas sem inteligência pensam que, após a aniquilação, a opulência do Senhor Supremo inexiste, mas isso não é verdade. No mundo espiritual, a opulência da Suprema Personalidade de Deus permanece incólume, mas, no mundo material é que tudo é dissolvido. Brahma-līna, a imersão no Brahman Supremo, não é verdadeira līna, ou aniquilação, visto que, após a criação material, a forma sutil que está imersa na refulgência Brahman regressará ao mundo material e reassumirá uma forma material. Descreve-se isso como bhūtvā bhūtvā pralīyate. Quando o corpo material é aniquilado, a alma espiritual permanece sob uma forma sutil, que mais tarde adquire outro corpo material. Isso é válido em relação às almas condicionadas, mas a Suprema Personalidade de Deus continua eternamente em Sua consciência e corpo espiritual originais.