VERSO 27
yathā vairānubandhena
martyas tan-mayatām iyāt
na tathā bhakti-yogena
iti me niścitā matiḥ
yathā — como; vaira-anubandhena — pela constante inimizade; martyaḥ — uma pessoa; tat-mayatām — absorção nEle; iyāt — pode alcançar; na — não; tathā — de maneira semelhante; bhakti-yogena — pelo serviço devocional; iti — assim; me — minha; niścitā — definitiva; matiḥ — opinião.
Nārada Muni prosseguiu: Através do serviço devocional, ninguém pode absorver-se em pensar tão intensamente na Suprema Personalidade de Deus como o pode aquele que Lhe tem inimizade. Esta é a minha opinião.
SIGNIFICADO—Śrīmān Nārada Muni, o mais elevado devoto puro, glorifica os inimigos de Kṛṣṇa, tais como Śiśupāla, porque a mente deles sempre está absorta em Kṛṣṇa. Na verdade, ele julga que sua inspiração para se sentir absorto em consciência de Kṛṣṇa é deficiente. Entretanto, isso não significa que os inimigos de Kṛṣṇa são mais elevados do que os devotos puros de Kṛṣṇa. No Caitanya-caritāmṛta (Ādi 5.205), Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī também se julga de maneira muito humilde:
jagāi mādhāi haite muñi se pāpiṣṭha
purīṣera kīṭa haite muñi se laghiṣṭha
“Sou mais pecaminoso do que Jagāi e Mādhāi e, inclusive, mais baixo do que os vermes no excremento.” O devoto puro sempre se julga mais imperfeito do que todas as outras pessoas. Se um devoto se aproxima de Śrīmatī Rādhārāṇī para oferecer algum serviço a Kṛṣṇa, mesmo Śrīmatī Rādhārāṇī pensa que o devoto é maior do que Ela. Assim, Nārada Muni diz que, de acordo com sua opinião, os inimigos de Kṛṣṇa estão mais bem situados porque, com intenção de matá-lO, estão plenamente absortos em pensar em Kṛṣṇa, assim como um homem muito luxurioso sempre pensa em mulheres e na companhia delas.
O ponto essencial a esse respeito é que a pessoa deve estar plenamente absorta em pensar em Kṛṣṇa vinte e quatro horas por dia. Existem muitos devotos em rāga-mārga, atitude manifestada em Vṛndāvana. Seja em dāsya-rasa, sakhya-rasa, vātsalya-rasa ou mādhurya-rasa, todos os devotos de Kṛṣṇa estão absortos em pensar em Kṛṣṇa. Quando Kṛṣṇa, ausente de Vṛndāvana, está apascentando as vacas na floresta, as gopīs, em mādhurya-rasa, estão sempre absortas em pensar em como Kṛṣṇa caminha pela floresta. As solas dos Seus pés são tão suaves que as gopīs não ousariam manter Seus pés de lótus sobre seus seios macios. Na verdade, elas consideram seus seios um lugar muito duro para os pés de lótus de Kṛṣṇa, apesar do que esses pés de lótus percorrem a floresta repleta de plantas espinhosas. Em casa, as gopīs se deixam absorver nesses pensamentos, embora Kṛṣṇa esteja distante delas. Igualmente, quando Kṛṣṇa brinca com Seus jovens amigos, mãe Yaśodā fica muito inquieta pensando em Kṛṣṇa, porque Ele brinca demais e não Se alimenta apropriadamente, podendo ficar fraco. Esses exemplos do êxtase sublime sentido no serviço a Kṛṣṇa são manifestos em Vṛndāvana. Neste verso, Nārada Muni louva indiretamente esse serviço. Em especial à alma condicionada, Nārada Muni recomenda que, de alguma forma, absorva-se em pensar em Kṛṣṇa, pois isso a salvará de todos os perigos da existência material. A completa absorção em pensar em Kṛṣṇa é a plataforma mais elevada de bhakti-yoga.