VERSO 39
dṛṣṭvā teṣāṁ mitho nṛṇām
avajñānātmatāṁ nṛpa
tretādiṣu harer arcā
kriyāyai kavibhiḥ kṛtā
dṛṣṭvā — após verem na prática; teṣām — entre os brāhmaṇas e vaiṣṇavas; mithaḥ — mutuamente; nṛṇām — da sociedade humana; avajñāna-ātmatām — o comportamento mutuamente desrespeitoso; nṛpa — ó rei; tretā-ādiṣu — começando por Tretā-yuga; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; arcā — a adoração à Deidade (no templo); kriyāyai — com o propósito de introduzir o método de adoração; kavibhiḥ — pelas pessoas eruditas; kṛtā — foi feito.
Meu querido rei, quando os grandes sábios e pessoas santas viram que, no começo de Tretā-yuga, os relacionamentos se maculavam com desrespeito mútuo, introduziu-se no templo a adoração à Deidade, realizada com toda a parafernália.
SIGNIFICADO—Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (12.3.52):
kṛte yad dhyāyato viṣṇuṁ
tretāyāṁ yajato makhaiḥ
dvāpare paricaryāyāṁ
kalau tad dhari-kīrtanāt
“Todo o resultado obtido em Satya-yuga através da meditação em Viṣṇu; em Tretā-yuga, através da realização de sacrifícios; em Dvāpara-yuga, através do serviço aos pés de lótus do Senhor; também pode ser obtido em Kali-yuga simplesmente cantando o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa.” Em Satya-yuga, todas as pessoas eram espiritualmente avançadas, e não havia inveja entre as grandes personalidades. Pouco a pouco, entretanto, devido à contaminação material que surgiu com o passar das eras, relações desrespeitosas foram aparecendo mesmo entre brāhmaṇas e vaiṣṇavas. Na verdade, o vaiṣṇava avançado deve ser mais respeitado do que o próprio Viṣṇu. Como se afirma no Padma Purāṇa, ārādhanānāṁ sarveṣāṁ viṣṇor ārādhanaṁ param: de todas as espécies de adoração, a adoração ao Senhor Viṣṇu é a melhor. Tasmāt parataraṁ devi tadīyānāṁ samarcanam: e mais recomendada do que a adoração a Viṣṇu é a adoração ao vaiṣṇava.
Outrora, todas as atividades eram realizadas para satisfazer Viṣṇu, mas, após Satya-yuga, começaram a surgir evidências de que as relações entre os vaiṣṇavas se deterioravam. Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura diz que vaiṣṇava é aquele que ajuda os outros a se tornarem vaiṣṇavas. Exemplo de alguém que converteu muitos outros em vaiṣṇavas é Nārada Muni. Um vaiṣṇava poderoso que converte outras pessoas ao vaiṣṇavismo deve ser adorado, mas, devido à contaminação material, às vezes semelhante vaiṣṇava exímio é desrespeitado por outros vaiṣṇavas menos expressivos. Ao verem essa contaminação, as grandes pessoas santas introduziram a realização da adoração à Deidade no templo. Esse processo, que começou em Tretā-yuga, ganhou corpo em Dvāpara-yuga (dvāpare paricaryāyāṁ). Em Kali-yuga, entretanto, a adoração à Deidade está sendo negligenciada. Acontece que o canto do mantra Hare Kṛṣṇa é mais poderoso do que a adoração à Deidade. Śrī Caitanya Mahāprabhu mostrou o exemplo prático, pois não estabeleceu nenhum templo ou Deidade, senão que introduziu largamente o movimento de saṅkīrtana. Portanto, os pregadores da consciência de Kṛṣṇa devem dar mais ênfase ao movimento de saṅkīrtana, em especial distribuindo cada vez mais a literatura transcendental. Isso ajuda o movimento de saṅkīrtana. Sempre que houver possibilidade de se adorar a Deidade, podem-se estabelecer muitos centros, mas, de um modo geral, deve-se dar mais ênfase à distribuição das publicações transcendentais, pois isso será mais eficaz em converter as pessoas à consciência de Kṛṣṇa.
No Śrīmad-Bhāgavatam (11.2.47), afirma-se:
arcāyām eva haraye
pūjāṁ yaḥ śraddhayehate
na tad-bhakteṣu cānyeṣu
sa bhaktaḥ prākṛtaḥ smṛtaḥ
“Quem está muito fielmente ocupado na adoração à Deidade no templo, mas não sabe como se portar com os devotos ou com as pessoas em geral se chama prākṛta-bhakta, ou kaniṣṭha-adhikārī.” O devoto prākṛta, neófito, ainda está na plataforma material, e, embora se ocupe em adorar a Deidade, não sabe apreciar as atividades do devoto puro. De fato, pode-se ver que mesmo um devoto conceituado que presta serviço ao Senhor, pregando a missão da consciência de Kṛṣṇa, às vezes é criticado pelos devotos neófitos. Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura descreve da seguinte maneira tais neófitos: sarva-prāṇi-sammānanāsamarthānām avajñā spardhādimatāṁ tu bhagavat-pratimaiva pātram ity āha. Para aqueles que não conseguem dar a devida apreciação às atividades de devotos autênticos, a adoração à Deidade é o único meio de obterem avanço espiritual. O Caitanyacaritāmṛta (Antya 7.11) diz claramente que kṛṣṇa-śakti vinā nahe tāra pravartana: sem ser autorizado por Kṛṣṇa, ninguém pode sair pregando os santos nomes do Senhor. Entretanto, o devoto que aceita essa missão é criticado pelos neófitos, kaniṣṭha-adhikārīs, que estão nas fases inferiores do serviço devocional. Para eles, recomenda-se enfaticamente a adoração à Deidade.