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Capítulo Sete

Bebendo Veneno, o Senhor Śiva Salva o Universo

O resumo do sétimo capítulo é o seguinte. Como se descreve neste capítulo, a Suprema Personalidade de Deus, aparecendo sob Sua encarnação de tartaruga, mergulhou muito fundo no oceano para carregar sobre Suas costas a montanha Mandara. Primeiramente, a batedura ocorrida no oceano produziu o veneno kālakūṭa. Todos temiam esse veneno, mas o senhor Śiva agradou a todos bebendo o veneno.

Tendo chegado a um acordo de que, quando o néctar fosse produzido através da batedura, eles o repartiriam igualmente, os semi­deuses e demônios trouxeram então Vāsuki para ser usado como a corda do bastão com o qual se realizaria a batedura. Pelo hábil ar­ranjo da Suprema Personalidade de Deus, os demônios seguraram a serpente perto da boca, ao passo que os semideuses seguraram a cauda da grande serpente. Então, com grande esforço, eles começa­ram a puxar a serpente em ambas as direções. Visto que o bastão que seria utilizado na batedura, a montanha Mandara, era muito pe­sado e não tinha nenhum suporte na água, ele afundou no oceano, e, dessa maneira, a força dos demônios e dos semideuses se esgotou. Então, a Suprema Personalidade de Deus apareceu sob a forma de tartaruga e sustentou sobre Suas costas a montanha Mandara. Com isso, a batedura voltou então a ser realizada com muito ím­peto. Como resultado da batedura, produziu-se uma enorme quanti­dade de veneno. Os prajāpatis, não vendo outrem capaz de salvá-los, aproximaram-se do senhor Śiva e ofereceram-lhe orações cheias de verdades. O senhor Śiva se chama Āśutoṣa porque fica muito satisfeito se alguém é um devoto. Portanto, ele facilmente concor­dou em beber todo o veneno gerado pela batedura. A deusa Durgā, Bhavānī, esposa do senhor Śiva, não se assustou nem um pouco quando ele concordou em beber o veneno, pois ela conhecia o poder do senhor Śiva. Na verdade, ela expressou seu prazer com essa decisão tomada pelo senhor Śiva. Então, o senhor Śiva reuniu o veneno devastador, que estava espalhado por toda parte, colo­cou o mesmo em sua mão e o bebeu. Após beber o veneno, seu pescoço se tornou azulado. Uma pequena quantidade de veneno escorregou de suas mãos, caindo ao chão. É por causa desse veneno que existem neste mundo serpentes e escorpiões venenosos, plantas tóxicas e outras entidades peçonhentas.

VERSO 1: Śukadeva Gosvāmī disse: Ó melhor dos Kurus, Mahārāja Parīkṣit, os semideuses e demônios convocaram Vāsuki, o rei das serpentes, pedindo-lhe que viesse e prometendo dar-lhe uma parte do néctar. Enrolando Vāsuki em torno da montanha Mandara para que servisse de corda a ser utilizada na batedura, eles, com grande prazer, esforçaram-se por produzir néctar, batendo o oceano de leite.

VERSO 2: A Personalidade de Deus, Ajita, agarrou a parte dianteira da serpente, e, em seguida, os semideuses fizeram o mesmo.

VERSO 3: Os líderes dos demônios julgaram imprudente segurar a cauda, a parte inauspiciosa da serpente. Em vez disso, queriam segurar a parte da frente, a qual a Personalidade de Deus e os semideuses pegaram, porque essa parte era auspiciosa e gloriosa. Então, os demô­nios, sob o pretexto de que eram todos estudantes altamente avançados em conhecimento védico e famosos em virtude de seu nascimento e atividades, protestaram, pois queriam agarrar a extremidade dianteira da serpente.

VERSO 4: Assim, os demônios permaneceram silenciosos, opondo-se ao desejo dos semideuses. Observando os demônios e compreendendo seus motivos, a Personalidade de Deus sorriu. Sem entrar em discus­são, Ele imediatamente aceitou a proposta deles, pegando a cauda da serpente, e os semideuses imitaram-nO.

VERSO 5: Após fazerem esse acordo segundo o qual a serpente seria segurada dessa maneira, os filhos de Kaśyapa, tanto os semideuses quanto os demônios, come­çaram suas atividades desejando obter o néctar ao baterem o oceano de leite.

VERSO 6: Ó filho da dinastia Pāṇḍu, quando estava sendo usada como um bastão para bater o oceano de leite, a montanha Mandara não tinha suporte algum e, portanto, embora fosse segurada pelas fortes mãos dos semideuses e dos demônios, ela afundou na água.

VERSO 7: Porque a montanha afundara por força da providência, os se­mideuses e demônios ficaram desapontados, e as expressões em suas faces pareceram murchar.

VERSO 8: Vendo a situação que fora criada por Sua própria vontade, o Senhor ilimitadamente poderoso, cuja determinação é infalível, assu­miu uma maravilhosa forma de tartaruga, entrou na água e ergueu a grande montanha Mandara.

VERSO 9: Ao verem que a montanha Mandara fora erguida, os semideuses e demônios reanimaram-se, sentindo-se cheios de disposição para reiniciar a batedura. A montanha repousava sobre as costas da grande tartaruga, cuja extensão era de um milhão e duzentos e oitenta mil quilômetros, como uma grande ilha.

VERSO 10: Ó rei, quando os semideuses e demônios, com a força de seus braços, giraram a montanha Mandara sobre as costas da extraordinária tartaruga, a tartaruga acolheu a rotação da montanha como uma atividade que servia para coçar Seu corpo, e isso Lhe dava uma sensação agradável.

VERSO 11: Em seguida, o Senhor Viṣṇu entrou nos demônios como a qualidade da paixão; nos semideuses, como a qualidade da bondade, e em Vāsuki, como a qualidade da ignorância. Ele o fez a fim de encorajá-los e intensi­ficar suas várias classes de forças e energias.

VERSO 12: Manifestando-Se com milhares de mãos, o Senhor, parecendo outra montanha enorme, apareceu, então, no pico da montanha Mandara e, com Sua mão, sustentou a montanha Mandara. Nos sistemas planetários superiores, o senhor Brahmā e o senhor Śiva, juntamente com Indra, o rei dos céus, e outros semideuses, ofereceram orações ao Senhor e lançaram sobre Ele uma chuva de flores.

VERSO 13: Na tentativa de obter o néctar, os semideuses e os demônios se empenhavam quase como se tivessem perdido sua sanidade, e esse seu frenesi era impulsionado pelo Senhor, que estava acima e abaixo da montanha e que entrara nos semideu­ses, nos demônios, em Vāsuki e na própria montanha. Devido à grande força dos semideuses e demônios, o oceano de leite foi tão intensamente agitado que, na água, todos os crocodilos ficaram muito perturbados. Entretanto, a batedura do oceano continuou dessa maneira.

VERSO 14: Vāsuki tinha milhares de olhos e bocas. De suas bocas, exalava fumaça e um fogo abrasador, que afetavam os demônios, encabeçados por Pauloma, Kāleya, Bali e Ilvala. Assim, os demônios, que pare­ciam árvores sarala queimadas por um incêndio florestal, gradual­mente perderam o seu poder.

VERSO 15: Visto que os semideuses também ficaram afetados pela respiração abrasadora de Vāsuki, seu brilho corpóreo diminuiu, e suas roupas, guirlandas, armas e rostos ficaram enegrecidos pela fumaça. Entretanto, pela graça da Suprema Personalidade de Deus, apareceram nuvens no mar, derramando torrentes de chuvas, e as brisas sopra­ram, carregando partículas de água das ondas do mar, e ambos os fenômenos serviram para aliviar os semideuses.

VERSO 16: Visto que, depois de tanto esforço desempenhado pelos melhores semideuses e demônios, o néctar não surgia no oceano de leite, a Su­prema Personalidade de Deus, Ajita, pessoalmente começou a bater o oceano.

VERSO 17: O Senhor parecia uma nuvem escura. Ele vestia roupas amarelas, Seus brincos em Suas orelhas emitiam raios brilhantes, e Seu cabe­lo caía espalhado pelos ombros. Ele usava uma guirlanda de flores, e Seus olhos eram rosados. Com Seus braços fortes e gloriosos, que inspiram destemor em todo o universo, Ele segurou Vāsuki e, usando a montanha Mandara como o bastão com o qual se realizaria a ba­tedura, começou a bater o oceano. Enquanto executava essa ta­refa, o Senhor parecia uma bela montanha chamada Indranīla.

VERSO 18: Os peixes, tubarões, tartarugas e serpentes ficaram muito agitados e perturbados. Todo o oceano se tornou turbulento, e até mesmo os maiores animais aquáticos, tais como as baleias, elefantes aquá­ticos, crocodilos e os peixes timiṅgilas [enormes baleias que podem engolir pequenas baleias] subiram à superfície. Enquanto era batido dessa maneira, o oceano primeiramente produziu um veneno perigoso chamado hālahala.

VERSO 19: Ó rei, vendo que aquele veneno incontrolável se espalhava implacavelmente para cima e para baixo e em todas as direções, todos os semideuses, juntamente com o próprio Senhor, aproximaram-se do senhor Śiva [Sadāśiva]. Sentindo-se desprotegidos e amedronta­dos, buscaram refúgio nele.

VERSO 20: Os semideuses observaram que, no topo da colina Kailāsa, o senhor Śiva estava sentado com sua esposa, Bhavānī, para que ocorresse o auspicioso desenvolvimento dos três mundos. Ele era adorado por grandes pessoas santas que desejavam a liberação. Com grande respeito, os semideuses lhe ofereceram reverências e orações.

VERSO 21: Os prajāpatis disseram: Ó maior de todos os semideuses, Mahādeva, a Superalma de todas as entidades vivas e a causa de sua felicidade e prosperidade, viemos refugiar-nos em teus pés de lótus. Portanto, sê bondoso conosco e salva-nos deste veneno ardente, que está se espalhando por todos os três mundos.

VERSO 22: Ó senhor, és a causa do cativeiro e liberação a que se submete todo o universo porque és o seu governante. Aqueles que são avançados em consciência espiritual rendem-se a ti e, portanto, de ti é que vem a mitigação de suas aflições, e também sua liberação. Por­tanto, adoramos Vossa Onipotência.

VERSO 23: Ó senhor, és autorrefulgente e supremo. Através de tua energia pessoal, crias este mundo material e assumes os nomes Brahmā, Viṣṇu e Maheśvara quando ages na criação, manutenção e aniquilação.

VERSO 24: És a causa de todas as causas, o autorrefulgente e inconcebível Brahman impessoal, que é originalmente Parabrahman. Apresentas várias potências nesta manifestação cósmica.

VERSO 25: Ó senhor, és a fonte que origina a literatura védica. És a causa que origina a criação material, a força vital, os sentidos, os cinco elementos, os três modos e o mahat-tattva. És o tempo eterno, a determinação e os dois sistemas religiosos chamados verdade [satya] e veracidade [ṛta]. És o refúgio da sílaba oṁ, a qual é composta das três letras “a-u-m”.

VERSO 26: Ó pai de todos os planetas, os estudiosos eruditos sabem que o fogo é tua boca, a superfície do globo são teus pés de lótus, o tempo eterno é teu movimento, todas as direções são teus ouvidos, e Varuṇa, o senhor das águas, é tua língua.

VERSO 27: Ó senhor, o céu é teu umbigo; o ar, tua respiração; o Sol, teus olhos, e a água, teu sêmen. És o refúgio de toda classe de entidades vivas, superiores e inferiores. O deus da Lua é tua mente, e o sistema planetário superior, tua cabeça.

VERSO 28: Ó senhor, és os três Vedas personificados. Os sete mares são teu abdômen, e as montanhas, teus ossos. Todas as substâncias medicinais, trepadeiras e vegetais são os pelos do teu corpo; os mantras védicos, como o Gāyatrī, são as sete camadas do teu corpo, e o sistema religioso védico é o âmago do teu coração.

VERSO 29: Ó senhor, os cinco importantes mantras védicos são representados por teus cinco rostos, a partir dos quais foram gerados os trinta e oito mantras védicos mais célebres. Vossa Onipotência, sendo famoso como senhor Śiva, é autoiluminado. Estás diretamente situado como a verdade suprema, conhecida como Paramātmā.

VERSO 30: Ó senhor, tua sombra se projeta sob a forma de irreligião, que provoca muitas variedades de criações irreligiosas. Os três modos da natureza – bondade, paixão e ignorância – são teus três olhos. Todos os textos védicos, que estão cheios de versos, são tuas emana­ções, pois foi após receberem teu olhar que aqueles encarregados de compilá-los escreveram as várias escrituras.

VERSO 31: Ó Senhor Girīśa, uma vez que a refulgência Brahman impessoal é transcendental aos modos materiais manifestos sob a forma de bondade, paixão e ignorância, os vários diretores deste mundo mate­rial decerto não podem apreciá-la ou sequer saber onde ela está. Ela não é compreensível nem mesmo ao senhor Brahmā, ao Senhor Viṣṇu ou a Mahendra, o rei dos céus.

VERSO 32: Quando a aniquilação é efetuada por meio das chamas e centelhas que emanam de teus olhos, toda a criação é reduzida a cinzas. Entretanto, não sabes como isso acontece. Porém, que se há de dizer de tuas atividades em que destróis o Dakṣa-yajña, Tripurāsura e o veneno kālakūṭa? Tais atividades não podem ser os temas das orações oferecidas a ti.

VERSO 33: As pessoas magnânimas, autossatisfeitas e que pregam para o mundo inteiro pensam constantemente em teus pés de lótus dentro de seus corações. Todavia, quando aqueles que não conhecem tuas austeridades te veem caminhando com Umā, confundem-te com alguém luxurioso ou, quando te veem perambulando pelos crematórios, pensam que és cruel e invejoso. Com certeza, eles são sujeitos desavergonhados que não podem entender tuas atividades.

VERSO 34: Nem mesmo personalidades como o senhor Brahmā e outros semideuses podem entender tua posição, pois estás situado além da criação móvel e imóvel. Uma vez que ninguém consegue entender-te de verdade, como alguém poderia oferecer-te orações? Isso é impossível. No que se refere a nós, somos entidades incluídas na criação realizada pelo senhor Brahmā. Nessas circunstâncias, portanto, não podemos oferecer-te orações adequadas, mas, na medida em que nossa ha­bilidade o permite, expressamos os nossos sentimentos.

VERSO 35: Ó maior de todos os governantes, tua verdadeira identidade é im­possível de ser entendida por nós. Até onde podemos ver, tua pre­sença traz para todos uma próspera felicidade. Ninguém pode apreciar as outras atividades que executas. Nossa compreensão se resume a isso.

VERSO 36: Śrīla Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: O senhor Śiva é sempre be­nevolente para com todas as entidades vivas. Ao perceber que as entidades vivas estavam muito assustadas com o veneno, que se espalhava por toda parte, ele se compadeceu delas. Então, dirigiu a Satī, sua eterna consorte, as seguintes palavras.

VERSO 37: O senhor Śiva disse: Minha querida Bhavānī, observa como todas estas entidades vivas foram postas em perigo devido ao veneno pro­duzido pela batedura do oceano de leite.

VERSO 38: É meu dever dar proteção e segurança a todas as entidades vivas que lutam pela existência. Certamente é dever do mestre proteger seus dependentes que sofrem.

VERSO 39: A população em geral, estando desorientada pela energia ilusória da Suprema Personalidade de Deus, está sempre ocupada em lutar entre si. Mas os devotos, mesmo arriscando suas próprias vidas temporárias, esforçam-se para salvá-la.

VERSO 40: Minha querida e gentil esposa Bhavānī, quando alguém realiza atividades benéficas para os outros, a Suprema Personalidade de Deus, Hari, fica muito satisfeito. E, quando o Senhor está satisfeito, eu também fico satisfeito, juntamente com todas as outras criaturas vivas. Portanto, beberei este veneno para que eu ajude todas as entidades vivas a se tornarem felizes.

VERSO 41: Śrīla Śukadeva Gosvāmī continuou: Após transmitir a Bhavānī esta informação, o senhor Śiva passou a beber o veneno, e Bhavānī, que conhecia perfeitamente bem a capacidade do senhor Śiva, concedeu-lhe a permissão para que ele assim procedesse.

VERSO 42: Em seguida, o senhor Śiva, que se dedica a realizar trabalho aus­picioso e benévolo em prol da humanidade, compassivamente colocou todo aquele veneno na palma da mão e o bebeu.

VERSO 43: Como se fosse uma difamação, o veneno nascido do oceano de leite manifestou sua potência marcando o pescoço do senhor Śiva com uma linha azulada. Essa linha, entretanto, agora é aceita como um adorno do senhor.

VERSO 44: Afirma-se que grandes personalidades quase sempre aceitam sofri­mentos voluntários para poderem debelar o sofrimento da população em geral. Esse é considerado o método mais elevado de adorar a Su­prema Personalidade de Deus, que está presente no coração de todos.

VERSO 45: Ao ouvirem sobre esse ato, todos, incluindo Bhavānī [a filha de Mahārāja Dakṣa], o senhor Brahmā, o Senhor Viṣṇu e a população em geral, louvaram calorosamente essa façanha realizada pelo senhor Śiva, o qual é adorado pelos semideuses e concede bênçãos às pessoas.

VERSO 46: Enquanto o senhor Śiva tomava o veneno, os escorpiões, as cobras, as drogas venenosas e outros animais cujas picadas são peçonhentas aproveitaram-se da oportunidade para beber qualquer resquício de veneno que caiu da mão do senhor Śiva e se espalhou enquanto ele bebia.

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