Capítulo Trinta e Um
A Perfeição Suprema
Em qualquer posição que alguém esteja, se ele possui pleno conhecimento sobre a ciência de Kṛṣṇa, a consciência de Kṛṣṇa, pode tornar-se um mestre espiritual genuíno, iniciador ou professor desta ciência. Em outras palavras, pode tornar-se um mestre espiritual genuíno quem possui suficiente conhecimento sobre a ciência de Kṛṣṇa, consciência de Kṛṣṇa. A posição não depende de uma situação específica na sociedade ou no nascimento. Esta é a conclusão do Senhor Caitanya Mahāprabhu, e está em concordância com os preceitos védicos. Baseado nesta conclusão, o Senhor Caitanya, antes conhecido como Viśvambhara, aceitou um mestre espiritual, Īśvara Purī, que era um sannyāsī. Da mesma forma, o Senhor Nityānanda Prabhu e Śrī Advaita Ācārya também aceitaram outro sannyāsī, Mādhavendra Purī, como mestre espiritual. Este Mādhavendra Purī também é conhecido como Lakṣmīpati Tīrtha. Outro eminente ācārya, Śrī Rasikānanda, aceitou Śrī Śyāmānanda como seu mestre espiritual, embora este não tivesse nascido em família de brāhmaṇas. Assim também Gaṅgānārāyaṇa Cakravartī aceitou Narottama dāsa Ṭhākura como mestre espiritual. Outrora, houve até um caçador chamado Dharma, que se tornou mestre espiritual de muitas pessoas. Existem instruções claras no Mahābhārata e Śrīmad-Bhāgavatam (7.11.32) afirmando que uma pessoa – seja ela brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya ou śūdra – deve ser aceita por suas qualificações pessoais e não pelo nascimento. A posição da pessoa deve ser estabelecida pelas qualificações pessoais e não pelo nascimento. Por exemplo, caso um homem nasça em família de brāhmaṇas, mas suas qualificações pessoais sejam de śūdra, ele deve ser aceito como śūdra. Do mesmo modo, caso alguém nasça em família de śūdras, mas tem as qualificações de brāhmaṇa, deve ser aceito como brāhmaṇa. Todos os preceitos śāstricos, bem como as versões dos grandes sábios e autoridades, estabelecem que um mestre espiritual genuíno nem sempre é um brāhmaṇa. A única qualificação é que ele seja versado na ciência de Kṛṣṇa, consciência de Kṛṣṇa. Apenas isto torna a pessoa um candidato perfeito para se tornar mestre espiritual. Esta é a conclusão de Śrī Caitanya Mahāprabhu em Suas conversas com Rāmānanda Rāya.
No Hari-bhakti-vilāsa, afirma-se que, se um mestre espiritual genuíno nasceu em família de brāhmaṇas e outro, que também é qualificado, nasceu em família de śūdras, deve-se aceitar o que nasceu na família de brāhmaṇas. Esta afirmação serve como compromisso social, mas não tem nada a ver com a compreensão espiritual. Este preceito só é aplicável àqueles que consideram que a posição social é mais importante que a posição espiritual. Não é para pessoas com seriedade espiritual. A pessoa séria aceitará a instrução de Caitanya Mahāprabhu de que qualquer um – não importa sua posição – que seja versado na ciência de Kṛṣṇa, deve ser aceito como mestre espiritual. Em muitos trechos do Padma Purāṇa, afirma-se que um devoto espiritualmente elevadíssimo é sempre de primeira classe e, portanto, é um mestre espiritual, mas uma pessoa muito elevada, nascida numa família de brāhmaṇas, não pode ser um mestre espiritual a menos que seja um devoto do Senhor. Quem nasce em família de brāhmaṇas, talvez seja versado em todos os rituais das escrituras védicas, porém, se não for um devoto puro, não pode ser mestre espiritual. Em todos os śāstras, a qualificação principal de um mestre espiritual genuíno é que ele seja versado na ciência de Kṛṣṇa.
O Senhor Caitanya, portanto, pediu a Rāmānanda Rāya que continuasse instruindo-O sem hesitação, não considerando Sua posição como sannyāsī. Assim, o Senhor Caitanya insistiu que ele falasse mais sobre os passatempos de Rādhā e Kṛṣṇa.
“Porque estás me pedindo para falar sobre os passatempos de Rādhā e Kṛṣṇa”, assentiu humildemente Rāmānanda Rāya, “obedecerei a Tua ordem. Falarei de qualquer maneira que desejares.” Dessa maneira, Rāmānanda Rāya submeteu-se como uma humilde marionete diante do Senhor Caitanya, o mestre das marionetes. Ele só queria dançar segundo o desejo de Caitanya Mahāprabhu. Ele comparou sua língua a um instrumento de cordas, dizendo: “És o tocador deste instrumento”. Assim, conforme o Senhor Caitanya tocasse, Rāmānanda Rāya vibraria o som.
Ele disse que o Senhor Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, a fonte de todas as encarnações e a causa de todas as causas. Existem inumeráveis planetas Vaikuṇṭhas, inumeráveis encarnações e expansões do Senhor Supremo, e inumeráveis universos também, e o Supremo Senhor Kṛṣṇa é a única fonte de todas estas existências. Seu corpo transcendental é constituído de eternidade, bem-aventurança e conhecimento, e Ele é conhecido como o filho de Mahārāja Nanda e como o habitante de Goloka Vṛndāvana. Ele é pleno de seis opulências – riqueza, força, fama, beleza, conhecimento e renúncia. Na Brahma-saṁhitā (5.1), confirma-se que Kṛṣṇa é o Senhor Supremo, o Senhor de todos os senhores, e Seu corpo transcendental é sac-cid-ānanda. Ninguém é a fonte de Kṛṣṇa, mas Kṛṣṇa é a fonte de todos. Ele é a suprema causa de todas as causas e o residente de Vṛndāvana. Ele também é muito atrativo, tal qual Cupido. Ele pode ser adorado com o mantra kāma-gāyatrī.
A Brahma-saṁhitā descreve que a terra transcendental de Vṛndāvana é sempre espiritual. Essa terra espiritual é habitada por deusas da fortuna, conhecidas como gopīs. Todas elas são queridas por Kṛṣṇa, e Kṛṣṇa é o único amante de todas essas gopīs. As árvores dessa terra são kalpa-vṛkṣa, árvores-dos-desejos, e pode-se conseguir delas qualquer coisa que se deseje. A terra é feita de pedras filosofais e a água é néctar. Nessa terra todas as palavras são canções, e todos os movimentos são dança, e o companheiro constante é a flauta. Tudo é autoluminoso, tal como o Sol neste mundo material. A forma de vida humana destina-se a entender essa terra transcendental de Vṛndāvana, e quem é afortunado deve cultivar conhecimento sobre Vṛndāvana e seus habitantes. Nesta morada suprema, existem vacas surabhis que inundam de leite a terra. Lá não se desperdiça um único momento – em outras palavras, não existe passado, presente nem futuro. Uma expansão desta Vṛndāvana, que é a morada suprema de Kṛṣṇa, também está presente nesta Terra, e devotos elevados a adoram como a morada suprema. Todavia, ninguém pode apreciar Vṛndāvana sem ser muitíssimo elevado em conhecimento espiritual, consciência de Kṛṣṇa. Segundo a experiência ordinária, Vṛndāvana parece tal qual uma aldeia qualquer, porém, aos olhos dos devotos que são muitíssimo elevados, ela está no mesmo nível que a Vṛndāvana original. Um eminente ācārya santo cantou: “Quando minha mente ficará limpa de todas as contaminações para que eu possa ver Vṛndāvana como ela é? E quando serei capaz de compreender todos os textos deixados pelos Gosvāmīs de modo que seja capaz de conhecer os passatempos transcendentais de Rādhā e Kṛṣṇa?”
Os casos amorosos entre Kṛṣṇa e as gopīs em Vṛndāvana também são transcendentais. Eles parecem casos luxuriosos ordinários deste mundo material, mas há um abismo de diferença. No mundo material, pode haver um despertar temporário de luxúria, mas ele desaparece depois da suposta satisfação. No mundo espiritual, o amor entre as gopīs e Kṛṣṇa está sempre aumentando. Esta é a diferença entre amor transcendental e luxúria material. A luxúria, ou o pretenso amor, que surge deste corpo é tão temporário quanto o próprio corpo, porém, o amor que nasce da alma eterna no mundo espiritual, está na plataforma espiritual, e também é eterno. Portanto, Kṛṣṇa é chamado de o sempre jovem Cupido.
O Senhor Kṛṣṇa é adorado pelo mantra gāyatrī, e o mantra específico, pelo qual é adorado, chama-se kāma-gāyatrī. Os textos védicos explicam que a vibração sonora que pode elevar-nos acima do nível das invenções mentais chama-se gāyatrī. O mantra kāma-gāyatrī é composto por vinte e quatro sílabas e meia: klīṁ kāma-devāya vidmahe
puṣpa-bāṇāya dhīmahi tan no ’naṅgaḥ pracodayāt. O mestre espiritual concede este kāma-gāyatrī ao discípulo que é avançado no cantar de Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. Em outras palavras, o mestre espiritual oferece este mantra kāma-gāyatrī e saṁskāra, ou reforma de um brāhmaṇa perfeito, quando vê que o discípulo é proficiente em conhecimento espiritual. Mesmo então, o kāma-gāyatrī não é pronunciado em determinadas circunstâncias. Contudo, o cantar de Hare Kṛṣṇa é suficiente para elevar alguém à plataforma espiritual suprema.
Na Brahma-saṁhitā, dá-se uma boa descrição da flauta de Kṛṣṇa: “Quando Kṛṣṇa começou a tocar Sua flauta, a vibração sonora entrou no ouvido de Brahmā como o mantra védico om”. Este om é composto de três letras – A, U e M – e descreve nosso relacionamento com o Senhor Supremo, as atividades através das quais podemos alcançar a perfeição máxima do amor e a verdadeira posição do amor na plataforma espiritual. Quando a vibração sonora da flauta de Kṛṣṇa é expressa através da boca de Brahmā, ela se torna o gāyatrī. Desta forma, sendo influenciado pela vibração sonora da flauta de Kṛṣṇa, Brahmā, a criatura suprema e a primeira entidade viva deste mundo material, foi iniciado como brāhmaṇa. Śrīla Jīva Gosvāmī confirma que Brahmā foi iniciado como brāhmaṇa pela flauta de Kṛṣṇa. Ao ser iluminado pelo mantra gāyatrī através da flauta de Kṛṣṇa, Brahmā adquiriu todo o conhecimento védico. Como manifestação de apreço pela bênção recebida de Kṛṣṇa, ele tornou-se o mestre espiritual original de todas as entidades vivas.
A Brahma-saṁhitā explica que a palavra klīm adicionada ao mantra gāyatrī é a semente transcendental do amor a Deus, ou a semente do kāma-gāyatrī. O objeto é Kṛṣṇa, o sempre jovem Cupido, e através da verbalização do mantra klīm, adora-se Kṛṣṇa. O Gopāla-tāpanī Upaniṣad também confirma que, quando Kṛṣṇa é chamado de Cupido, não se deve pensar que Ele é como o Cupido deste mundo material. Como já explicado, Vṛndāvana é a morada espiritual de Kṛṣṇa, e a palavra Cupido também é espiritual e transcendental. Não se deve pensar que Kṛṣṇa e o Cupido material estão no mesmo nível. O Cupido material representa a atração da carne e corpo externos, mas o Cupido espiritual é a atração pela qual a Superalma atrai a alma individual. Na verdade, luxúria e sexo existem na vida espiritual, porém, quando a alma espiritual está corporificada em elementos materiais, este impulso original se expressa através do corpo material e, portanto, reflete-se pervertidamente. Quando alguém se torna deveras versado na ciência da consciência de Kṛṣṇa, pode entender que seu desejo material por sexo é abominável, ao passo que o sexo espiritual é desejável.
Sexo espiritual é de duas classes: um é de acordo com a posição constitucional do eu, e o outro é de acordo com o objeto. Quando compreende a verdade sobre esta vida, mas não está completamente limpo da contaminação material, a pessoa não se situa de fato na morada transcendental, Vṛndāvana, embora possa entender a vida espiritual. Quando, porém, alguém se livra dos impulsos sexuais do corpo material, pode realmente alcançar a suprema morada, Vṛndāvana. Quando alguém está assim situado, pode pronunciar o kāma-gāyatrī e o mantra kāma-bīja.
Rāmānanda Rāya explicou, a seguir, que Kṛṣṇa é atrativo tanto para os homens quanto para as mulheres, para os seres móveis e inertes – na realidade, para todas as entidades vivas. Por esta razão, Ele é chamado de Cupido transcendental. Rāmānanda Rāya, então, citou um verso do Śrīmad-Bhāgavatam (10.32.2) afirmando que, ao aparecer diante das donzelas de Vraja sorrindo e tocando Sua flauta, o Senhor parecia tal qual Cupido.
Existem diferentes classes de devotos com diferentes aptidões e relacionamentos com o Senhor Supremo. Qualquer um dos relacionamentos com o Senhor é tão bom quanto qualquer outro, porque o ponto central é Kṛṣṇa. Como se afirma no Bhakti-rasāmṛta-sindhu: “Kṛṣṇa é o reservatório de todos os prazeres, e Ele está sempre atraindo as gopīs pelo fulgor espiritual de Seu corpo. Ele atrai sobretudo Tārakā, Pāli, Śyāmā e Lalitā. Kṛṣṇa é muito querido por Rādhārāṇī, a principal gopī”. Como Kṛṣṇa, as gopīs são glorificadas pelos passatempos de Kṛṣṇa. Existem diferentes espécies de relacionamentos com Kṛṣṇa e qualquer pessoa atraída a Kṛṣṇa por um relacionamento específico é gloriosa.
Kṛṣṇa é tão belo, transcendental e atrativo que, às vezes, atrai até mesmo a Si próprio. O verso seguinte aparece no Gīta-govinda (1.11):
viśveṣām anurañjanena janayann ānandam indīvara-
śreṇī-śyāmala-komalair upanayann aṅgair anaṅgotsavam
svacchandaṁ vraja-sundarībhir abhitaḥ praty-aṅgam āliṅgitaḥ
śṛṅgāraḥ sakhi mūrtimān iva madhau mugdho hariḥ krīḍati
“Meu querido amigo, vê só como Kṛṣṇa está desfrutando Seus passatempos transcendentais na primavera, expandindo a beleza de Seu próprio corpo. Suas mãos e pernas macias, assim como a mais bela das luas, são usadas nos corpos das gopīs. Ao abraçar diferentes partes de seus corpos, Ele é tão belo! Kṛṣṇa é tão belo que atrai até mesmo Nārāyaṇa, bem como a deusa da fortuna que é a companheira de Nārāyaṇa.”
No Śrīmad-Bhāgavatam (10.89.58), o Bhūmā-puruṣa (Mahā-Viṣṇu) disse a Kṛṣṇa: “Meus queridos Kṛṣṇa e Arjuna, Eu trouxe os filhos do brāhmaṇa só para Vos ver”. Arjuna tentou salvar alguns jovens que haviam morrido prematuramente em Dvārakā e, como falhou nesta tentativa, Kṛṣṇa o levou a Bhūmā-puruṣa. Ao trazer de volta à vida aqueles corpos mortos, Bhūmā-puruṣa disse: “Vós aparecestes no mundo para preservar os princípios religiosos e aniquilar os demônios”. Em outras palavras, o Bhūmā-puruṣa também estava atraído pela beleza de Kṛṣṇa, e inventou este passatempo apenas como pretexto para ver Kṛṣṇa. Menciona-se no Śrīmad-Bhāgavatam (10.16.36) que, depois que Kṛṣṇa puniu a serpente Kāliya, uma das esposas de Kāliya disse a Kṛṣṇa: “Meu querido Senhor, não podemos compreender como esta serpente degenerada obteve a oportunidade de ser chutada por Vossos pés de lótus, ao passo que a própria deusa da fortuna se submeteu a austeridades por muitos anos só para ver-Vos”.
O Lalita-mādhava (8.34) descreve como Kṛṣṇa fica atraído por Sua própria beleza. Após ver Seu próprio reflexo, Kṛṣṇa se lamentou: “Quão gloriosa é esta pessoa! Ela está Me atraindo tal como atrai Rādhārāṇī.”
Depois de apresentar um resumo sobre a beleza de Kṛṣṇa, Rāmānanda Rāya começou a falar sobre a energia espiritual de Kṛṣṇa, que é encabeçada por Śrīmatī Rādhārāṇī. Kṛṣṇa possui expansões energéticas imensas. Três energias são predominantes: a energia interna, a energia externa e a energia marginal. Isto é confirmado no Sexto Capítulo do Viṣṇu Purāṇa, onde se afirma que Viṣṇu tem uma energia, chamada energia espiritual, que se manifesta de três maneiras. Quando a energia espiritual é sobrepujada pela ignorância, ela chama-se energia marginal. Com relação à própria energia espiritual, ela se exibe sob três formas porque Kṛṣṇa é uma combinação de eternidade, bem-aventurança e conhecimento. Quanto a Sua bem-aventurança, Sua energia espiritual manifesta-se como a potência de prazer. Sua eternidade manifesta-se como energia, e Seu conhecimento manifesta-se como perfeição espiritual. Como confirma o Viṣṇu Purāṇa (1.12.69): “A potência de prazer de Kṛṣṇa concede-Lhe prazer e bem-aventurança transcendentais”. Dessa maneira, quando Kṛṣṇa quer desfrutar de prazer, Ele exibe Sua própria potência espiritual conhecida como hlādinī.
Em Sua forma espiritual, Kṛṣṇa desfruta Sua energia espiritual, e esta é a essência dos passatempos de Rādhā-Kṛṣṇa. Esses passatempos só podem ser compreendidos por devotos elevados. Ninguém deve tentar compreender as potências e passatempos de Rādhā-Kṛṣṇa do ponto de vista mundano. Em geral, as pessoas as interpretam mal, considerando-as materiais.
Ao intensificar-se ainda mais, a potência de prazer chama-se mahābhāva. Śrīmatī Rādhārāṇī, a eterna consorte de Kṛṣṇa, é a personificação deste mahābhāva. A este respeito, no Ujjvala-nīlamaṇi (4.3), Rūpa Gosvāmī afirma que existem duas competidoras em amor por Kṛṣṇa. Rādhārāṇī e Candrāvalī. Ao serem comparadas, parece que Rādhārāṇī é superior, pois Ela possui mahābhāva-svarūpa. Mahābhāva-svarūpa, a personificação de mahābhāva, só é aplicável a Rādhārāṇī. Mahābhāva é plena da potência de prazer, e é uma exibição do máximo amor por Kṛṣṇa. Rādhārāṇī é, por isso conhecida em todo o mundo como a mais querida de Kṛṣṇa, e Seu nome está sempre associado ao de Kṛṣṇa como Rādhā-Kṛṣṇa.
A Brahma-saṁhitā (5.37) também confirma que Kṛṣṇa expande-Se através de Sua potência de prazer no mundo espiritual e que todas essas potências não são diferentes de Kṛṣṇa. Embora Kṛṣṇa esteja sempre desfrutando a companhia de Suas expansões da potência de prazer, Ele é todo-penetrante. Brahmā ofereceu, pois, suas respeitosas reverências a Govinda, a causa de todas as causas.
Assim como Kṛṣṇa é o máximo emblema da perfeição espiritual, Rādhārāṇī é o máximo emblema desta potência de prazer espiritual que satisfaz Kṛṣṇa. Sendo Kṛṣṇa ilimitado, para satisfazê-lO, também Rādhārāṇī é ilimitada. Kṛṣṇa fica satisfeito só por ver Rādhārāṇī, mas Rādhārāṇī expande-Se de tal modo que Kṛṣṇa deseja desfrutá-lA ainda mais. Porque era incapaz de estimar a potência de prazer de Rādhārāṇī, Kṛṣṇa decidiu aceitar o papel de Rādhārāṇī, e esta combinação é Śrī Caitanya Mahāprabhu.
Rāmānanda Rāya começou, pois, a explicar que Rādhārāṇī é o emblema supremo da potência de prazer de Kṛṣṇa. Rādhārāṇī expande-Se sob diferentes formas, conhecidas como Lalitā, Viśākhā e Suas outras companheiras confidenciais. Em seu livro Ujjvala-nīlamaṇi, Rūpa Gosvāmī explica as características de Śrīmatī Rādhārāṇī. Ele salienta que o corpo de Rādhārāṇī é, em si mesmo, uma verdadeira evolução de prazer transcendental. Este corpo é decorado com flores e aromas fragrantes e é completo em amor transcendental por Kṛṣṇa. Ele é a personificação de Sua potência de prazer. Este corpo transcendental se banha três vezes: primeiro, na água da misericórdia; então, na água da beleza juvenil; e depois, na água do fulgor juvenil. Após banhar-se três vezes, Seu corpo é coberto com roupas brilhantes e decorado com a beleza pessoal de Kṛṣṇa, que é comparada a cosméticos. Assim, Sua beleza constitui a arte suprema. Seu corpo também é decorado com os ornamentos do êxtase espiritual: tremor, lágrimas, petrificação, transpiração, asfixia, cessação de todas as funções corpóreas em virtude do prazer, gagueira, pressão sanguínea alta e loucura transcendentais.
A transcendental potência de prazer decorativa manifesta nove sintomas. Cinco destes sintomas manifestam-se através da expansão de Sua beleza pessoal, que é adornada com guirlandas de flores. Sua paciente calma é comparada a uma cobertura de tecidos que foram lavados com cânfora. Sua agonia confidencial por Kṛṣṇa é o arranjo de Seu cabelo, e a marca de tilaka em Sua testa é Sua fortuna. A audição de Rādhārāṇī está eternamente fixa no nome e fama de Kṛṣṇa. Ao se mascar nozes de bétel, os lábios ficam avermelhados. Da mesma forma, as bordas dos olhos de Rādhārāṇī são enegrecidas devido a Seu completo apego a Kṛṣṇa. Este enegrecimento pode ser comparado ao unguento usado pela natureza quando esta brinca com Rādhā e Kṛṣṇa. O sorriso de Rādhārāṇī é tal qual o sabor de cânfora. A guirlanda da separação move-se em Seu corpo quando Ela Se deita na cama do orgulho que fica no quarto do aroma. Em virtude da afeição extática por Kṛṣṇa, Seus seios são cobertos pela blusa da ira. Famosa como a melhor de todas as namoradas de Kṛṣṇa, Ela toca um instrumento de cordas. Quando Kṛṣṇa fica em Sua postura juvenil, Ela põe Sua mão no ombro dEle. Embora possua tantas qualidades transcendentais, Ela está sempre ocupada no serviço a Kṛṣṇa.
Śrīmatī Rādhārāṇī é decorada com as emoções sūddīpta-sāttvika, que ora incluem tribulação ora, pacificação. Todos os êxtases transcendentais manifestam-se no corpo de Śrīmatī Rādhārāṇī. As emoções sūddīpta-sāttvika manifestam-se quando o amante está dominado por certos sentimentos que não pode controlar. Rādhārāṇī tem outra emoção chamada kilakiñcita, que se manifesta de vinte maneiras distintas. Essas emoções manifestam-se parcialmente devido ao corpo, à mente e ao hábito. Com relação às emoções corpóreas, elas se manifestam na postura e no movimento. Com relação às emoções mentais, elas se manifestam como beleza, fulgor, tez, sabor, conversa, magnanimidade e paciência. Com relação às emoções habituais, elas se manifestam como passatempos, desfrute, preparação e esquecimento.
A tilaka da fortuna está na testa de Śrīmatī Rādhārāṇī, e Ela também tem um medalhão de prema-vaicittya. Prema-vaicittya se manifesta quando o amante e a amada se encontram e temem a separação.
Śrīmatī Rādhārāṇī é quinze dias mais nova que Kṛṣṇa. Ela sempre mantém Sua mão nos ombros de Suas amigas, e está sempre falando e pensando nos passatempos de Kṛṣṇa. Ela sempre oferece a Kṛṣṇa uma espécie de intoxicação através de Suas doces conversas, e Ela está sempre preparada a satisfazer os desejos de Kṛṣṇa. Em outras palavras, Ela atende todas as necessidades de Kṛṣṇa, e possui qualidades inigualáveis e incomuns para a satisfação de Kṛṣṇa.
No Govinda-līlāmṛta, há um verso que afirma: “Quem é a origem da afeição de Kṛṣṇa? A resposta é que a origem está apenas em Śrīmatī Rādhikā. Qual é o mais adorável objeto de Kṛṣṇa? A resposta é que só Śrīmatī Rādhikā e ninguém mais”. Brilho no cabelo, umidade nos olhos e firmeza nos seios são qualidades presentes em Śrīmatī Rādhikā. Apenas Śrīmatī Rādhikā é capaz de satisfazer todos os desejos de Kṛṣṇa. Ninguém mais pode fazer isto.
Satyabhāmā é outra competidora de Śrīmatī Rādhārāṇī, mas ela sempre deseja alcançar o padrão de Śrīmatī Rādhārāṇī. Rādhārāṇī é tão perita em tudo que todas as donzelas de Vraja vão aprender artes com Ela. Ela possui beleza tão extraordinária que mesmo a deusa da fortuna e Pārvatī, a esposa do Senhor Śiva, desejam elevar-se ao padrão de beleza dEla. Arundhutī, conhecida como a mais casta dama do Universo, deseja aprender o padrão de castidade com Śrīmatī Rādhārāṇī. Se nem mesmo o Senhor Kṛṣṇa pode estimar as elevadíssimas qualidades transcendentais de Rādhārāṇī, que se dizer, então, de um ser humano comum.
Após ouvir Rāmānanda Rāya falar sobre as qualidades de Rādhā-Kṛṣṇa, o Senhor Caitanya desejou ouvir sobre a reciprocação de amor entre Eles. Rāmānanda Rāya qualificou Kṛṣṇa como dhīra-lalita, uma palavra que descreve quem é muito astuto e juvenil, que é sempre hábil em brincadeiras, que não tem ansiedades e é sempre subordinado a sua namorada. Kṛṣṇa está sempre ocupado em casos amorosos com Rādhārāṇī, e Ele usa os bosques de Vṛndāvana para desfrutar Suas atividades luxuriosas com Ela. Deste modo, Ele satisfaz com sucesso Seus instintos luxuriosos. No Bhakti-rasāmṛta-sindhu, afirma-se: “Com Suas impudentes e ousadas conversas sobre deleite sexual, Kṛṣṇa obrigou Śrīmatī Rādhārāṇī a fechar Seus olhos, e aproveitando-Se disto, Kṛṣṇa desenhou muitas figuras em Seus seios. Estas figuras serviam como assunto para as amigas de Rādhārāṇī fazerem piadas. Deste modo, Kṛṣṇa estava sempre ocupado em atividades luxuriosas, e assim foi bem-sucedido em Sua juventude”.
Ao ouvir sobre estas atividades transcendentais, o Senhor Caitanya disse: “Meu querido Rāmānanda, o que explicaste sobre os passatempos transcendentais de Śrī Rādhā e Kṛṣṇa é perfeitamente correto, entretanto, existe algo mais que Eu gostaria de ouvir de ti”.
“É muito difícil para mim expressar qualquer coisa além disto”, respondeu Rāmānanda Rāya. “Posso apenas dizer que existe uma atividade emocional chamada prema-vilāsa-vivarta, que tentarei explicar, porém, não sei se ficarás feliz em ouvir isto.” Existem duas classes de atividades emocionais em prema-vilāsa – separação e encontro. Esta separação transcendental é tão aguda que de fato é mais extática que o encontro. Rāmānanda Rāya era perito na compreensão destas relações sumamente elevadas entre Rādhā e Kṛṣṇa, e compôs uma bela canção que narrou ao Senhor. O significado desta canção é que o amante e a amada, antes de se encontrarem, provocam um tipo de emoção através da troca de suas atividades transcendentais. Esta emoção chama-se rāga, ou atração. Śrīmatī Rādhārāṇī expressou Seu desejo de que “esta atração e afeição entre Nós alcance a máxima amplitude”, mas a causa desta atração é a própria Rādhārāṇī. “Qualquer que possa ser a causa”, disse Rādhārāṇī, “esta afeição entre Mim e Ti amalgamou-Nos numa unidade. Agora que é a hora da separação, não posso ver a história evolutiva deste amor. Não existiu causa ou mediador em Nosso amor, salvo Nosso próprio encontro e uma imaginária troca de sentimentos.”
Esta troca de sentimentos entre Kṛṣṇa e Rādhārāṇī é muito difícil de entender, a menos que a pessoa tenha se elevado à plataforma de bondade pura. Semelhantes reciprocações transcendentais não podem nem mesmo ser compreendidas na plataforma da bondade material. Tem-se que realmente transcender a bondade material para compreendê-las. Isto acontece porque a troca de sentimentos entre Rādhā e Kṛṣṇa não é um assunto deste mundo material. Mesmo o mais ilustre especulador mental não consegue entender isto, direta ou indiretamente. As atividades materiais manifestam-se ou para o corpo grosseiro ou para a mente sutil, porém, esta troca de sentimentos entre Rādhā e Kṛṣṇa está além de tais manifestações e além da especulação mental e intelectual. Estes assuntos só podem ser compreendidos quando os sentidos estão purificados e livres de todas as designações do mundo material.
Aqueles que possuem sentidos purificados podem compreender estas características e trocas transcendentais, mas aqueles que são impersonalistas e que não têm nenhum conhecimento dos sentidos espirituais só podem discriminar dentro do âmbito dos sentidos materiais. Logo, não conseguem compreender as trocas espirituais ou as atividades sensuais-espirituais. Aqueles que se elevam por intermédio de conhecimento empírico só podem satisfazer seus embotados sentidos materiais através das atividades corpóreas grosseiras ou da especulação mental. Tudo que é gerado do corpo ou da mente é sempre imperfeito e perecível, porém, as transcendentais atividades espirituais são sempre brilhantes e maravilhosas. Amor puro na plataforma transcendental é a quintessência da pureza desprovida de afeição material e plena de espiritualidade. A afeição à matéria, como se manifesta através do inebriamento do sexo no mundo material, é perecível, porém, não existe semelhante inebriamento no mundo espiritual. Obstáculos no caminho da satisfação dos sentidos causam sofrimento material, mas não se pode comparar isto à separação espiritual. Na separação espiritual não existe inebriamento nem ineficácia, como se encontra na separação mundana.
O Senhor Caitanya admitiu que esta é a posição máxima da reciprocação amorosa transcendental, e disse a Rāmānanda Rāya: “Apenas devido a tua graça fui capaz de compreender tão elevada posição transcendental. Semelhante posição não pode ser alcançada sem a execução de atividades transcendentais. Queres, por favor, explicar como posso elevar-Me a esta plataforma?”
“É igualmente difícil para mim fazer-Te entender”, respondeu Rāmānanda Rāya. “Quanto a mim, posso falar apenas aquilo que desejas. Ninguém pode escapar de Tua vontade suprema. De fato, não há ninguém no mundo que possa superar Tua vontade suprema e, embora pareça que eu esteja falando, na realidade não sou eu quem fala. Tu é que estás falando. Portanto, és o orador e a audiência. Sendo assim, que eu fale apenas o que queiras sobre as atividades necessárias para se alcançar esta posição transcendental máxima.”
Rāmānanda Rāya começou então a narrar as confidenciais e transcendentais atividades de Rādhā e Kṛṣṇa. Estas atividades não podem ser entendidas no relacionamento emocional com o Senhor Supremo sob a forma de amo e servo, amigo e amigo ou pai e filho. Este assunto confidencial só pode ser entendido na companhia das donzelas de Vraja, pois as atividades confidenciais surgiram dos sentimentos e emoções destas donzelas. Sem a companhia das donzelas de Vraja, não é possível acalentar nem nutrir tal compreensão transcendental. Em outras palavras, estes passatempos confidenciais de Rādhā e Kṛṣṇa se expandiram através da misericórdia das donzelas. Sem a misericórdia delas, eles não podem ser compreendidos. Para compreendê-los, a pessoa deve seguir os passos das donzelas de Vraja.
Quando alguém está realmente situado nesta compreensão, torna-se qualificado para entrar nos passatempos confidenciais de Rādhā e Kṛṣṇa. Esta é a única saída para quem deseja compreender os passatempos confidenciais dEles. Confirma isto o Govinda-līlāmṛta (10.17): “Embora sejam manifestas, felizes, expandidas e ilimitadas, as relações emocionais entre Rādhā e Kṛṣṇa só podem ser compreendidas pelas donzelas de Vraja ou por seus seguidores”.
Assim como não se pode compreender a expansão da energia espiritual do Senhor Supremo sem Sua misericórdia imotivada, ninguém pode compreender a transcendental vida sexual de Rādhā e Kṛṣṇa sem seguir os passos das donzelas de Vraja. As companheiras pessoais de Rādhārāṇī chamam-se sakhīs, e Suas assistentes próximas chamam-se mañjarīs. É muito difícil explicar suas relações com Kṛṣṇa, pois elas não têm desejo de se associar com Kṛṣṇa ou desfrutá-lO pessoalmente. Senão que estão sempre prontas a ajudar Rādhārāṇī a se associar com Kṛṣṇa. A afeição delas por Kṛṣṇa e Rādhārāṇī é tão pura que ficam satisfeitas só por ver Rādhā e Kṛṣṇa juntos. Na realidade, o prazer transcendental delas está em ver Rādhā e Kṛṣṇa unidos. A forma verdadeira de Rādhārāṇī é como a de uma trepadeira abraçada à árvore de Kṛṣṇa, e as donzelas de Vraja, as companheiras de Rādhārāṇī, são como as folhas e flores desta trepadeira. Quando uma trepadeira abraça uma árvore, as folhas e flores também a abraçam. O Govinda-līlāmṛta (10.16) confirma que Rādhārāṇī é a expansão da potência de prazer de Kṛṣṇa e é comparada a uma trepadeira, e Suas companheiras, as donzelas de Vraja, são comparadas às flores e folhas da trepadeira. Quando Rādhārāṇī e Kṛṣṇa desfrutam, as donzelas de Vraja saboreiam um prazer maior que o da própria Rādhārāṇī.
Embora as associadas de Rādhārāṇī não esperem nenhuma atenção pessoal de Kṛṣṇa, Rādhārāṇī fica tão satisfeita com elas que arranja encontros individuais entre Kṛṣṇa e as donzelas de Vraja. Na verdade, Rādhārāṇī tenta combinar ou unir Suas companheiras com Kṛṣṇa através de muitas artimanhas transcendentais, e obtém mais prazer destes encontros do que de Seus próprios encontros com Ele. Ao ver que Rādhārāṇī e Suas companheiras estão satisfeitas devido a Sua companhia, Kṛṣṇa fica mais satisfeito. Semelhante associação e reciprocação amorosa não tem nada a ver com luxúria material, embora se assemelhe à união material entre homem e mulher. Apenas devido a esta semelhança é que tal reciprocação é, algumas vezes, chamada, na linguagem transcendental, de luxúria transcendental. Como se explica no Gautamīya-tantra (Bhakti-rasāmṛta-sindhu 1.2.285): “Luxúria significa apego ao gozo dos próprios sentidos. Porém, em relação a Rādhārāṇī e Suas companheiras, elas não desejavam gozo dos próprios sentidos. Elas só queriam satisfazer Kṛṣṇa”. O Śrīmad-Bhāgavatam (10.31.19) também confirma isso em uma das conversas das gopīs:
yat te sujāta-caraṇāmburuhaṁ staneṣu
bhītāḥ śanaiḥ priya dadhīmahi karkaśeṣu
tenāṭavīm aṭasi tad vyathate na kiṁ svit
kūrpādibhir bhramati dhīr bhavad-āyuṣāṁ naḥ
“Meu querido amigo Kṛṣṇa, agora estás vagando na floresta com Teus pés descalços, os quais, às vezes, manténs em nossos seios. Quando Teus pés estão em nossos seios, pensamos que estes são muito ásperos para Teus pés macios. Agora estás passeando pela floresta e caminhando sobre pedras, e não sabemos como estás Te sentindo. Como és nossa vida e alma, o desprazer que sentes ao passar sobre pedras ásperas está nos causando grande sofrimento.”
Tais sentimentos expressos pelas donzelas de Vraja constituem as máximas emoções conscientes de Kṛṣṇa. Qualquer um que de fato é cativado pela consciência de Kṛṣṇa aproxima-se deste nível das gopīs. Existem sessenta e quatro categorias de serviço devocional, que, se as executarmos, poderemos nos elevar ao nível de devoção incondicional das gopīs. Afeição por Kṛṣṇa ao nível das gopīs chama-se rāgānuga, amor espontâneo. Quando alguém participa de um caso amoroso espontâneo com Kṛṣṇa, não existe necessidade de seguir as regras e regulações védicas.
Há várias classes de devotos pessoais do Senhor Kṛṣṇa na morada transcendental. Por exemplo, existem servos de Kṛṣṇa tais como Raktaka e Patraka, e amigos de Kṛṣṇa como Śrīdāmā e Sudāma. Há também os pais de Kṛṣṇa, como Nanda e Yaśodā, que também estão ocupados em serviço a Kṛṣṇa de acordo com suas respectivas emoções transcendentais. Quem deseja entrar na suprema morada de Kṛṣṇa, pode se refugiar em um destes servos transcendentais. Então, através da execução de serviço amoroso, pode-se alcançar afeição transcendental por Kṛṣṇa. Em outras palavras, o devoto que, neste mundo material, executa serviço amoroso seguindo as atividades desses eternos companheiros de Kṛṣṇa, também alcança a mesma posição ao se tornar perfeito.
Os sábios mencionados nos Upaniṣads e no śruti também desejam a posição das gopīs, e também seguem os passos das gopīs a fim de alcançar esta suprema meta da vida. Isto é confirmado no Śrīmad-Bhāgavatam (10.87.23), onde se afirma que os sábios praticam prāṇāyāma (transe) controlando a respiração, a mente e os sentidos através da prática do yoga místico. Assim, eles tentam fundir-se no Brahman Supremo. Esta mesma meta é alcançada pelos ateístas, que negam a existência de Deus. Se tais ateístas são mortos por uma encarnação da Suprema Personalidade de Deus, também se fundem na existência Brahman do Senhor Supremo. Contudo, quando as donzelas de Vṛndāvana adoram Śrī Kṛṣṇa, é como se elas fossem picadas por uma serpente, pois o corpo de Kṛṣṇa é comparado ao corpo de uma serpente. O corpo da serpente nunca está reto; ele está sempre sinuoso. De igual modo, Kṛṣṇa sempre fica numa postura curvada em três partes, e pica as gopīs com amor transcendental. As gopīs estão decerto melhor situadas que todos os yogīs místicos e outros que desejam fundir-se no Brahman Supremo. Os sábios de Daṇḍakāraṇya também seguiram os passos das donzelas de Vraja a fim de alcançarem uma posição semelhante. Ninguém pode alcançar esta posição apenas seguindo os princípios reguladores. Senão que deve seguir à risca os princípios das gopīs. Isto é confirmado no Śrīmad-Bhāgavatam (10.9.21), onde se afirma que o Senhor Śrī Kṛṣṇa, o filho de Śrīmatī Yaśodā, não é de fácil acesso aos seguidores dos princípios da especulação mental, mas é de fácil acesso a todas as classes de seres vivos que seguem o caminho do serviço devocional.
Existem muitos pseudodevotos, que alegam pertencer à seita do Senhor Caitanya Mahāprabhu, vestindo-se artificialmente como as donzelas de Vraja, e isto não é aprovado pelos espiritualistas e estudantes adiantados do serviço devocional. Tais pessoas vestem o corpo material externo porque, sendo tolas, confundem o corpo com a alma. Estão enganadas ao pensarem que os corpos espirituais de Kṛṣṇa, de Rādhārāṇī e de Suas companheiras, as donzelas de Vraja, são constituídos de elementos materiais. Deve-se saber com perfeita ciência que todas estas manifestações são expansões de bem-aventurança e conhecimento eternos do mundo transcendental. Eles não têm nada a ver com estes corpos materiais; logo, os corpos, roupas, adornos e atividades das donzelas de Vṛndāvana não pertencem a esta manifestação cósmica material. As donzelas de Vṛndāvana não são objeto de atração para os que estão no mundo material; elas são atrações transcendentais do todo-atrativo Kṛṣṇa. Porque é todo-atrativo, o Senhor chama-se Kṛṣṇa, porém, as donzelas de Vṛndāvana são atrativas até para Kṛṣṇa. Portanto, elas não pertencem a este mundo material.
Se alguém comete o equívoco de pensar que este corpo material é tão perfeito quanto o corpo espiritual e passa a imitar as donzelas de Vṛndāvana, fica infestado pela filosofia impersonalista. Os impersonalistas recomendam o processo de ahaṁ grahopāsanā, através do qual se adora o próprio corpo como sendo o Supremo. Pensando dessa maneira, tais pseudotranscendentalistas vestem-se como as donzelas de Vraja. Semelhantes atividades são inaceitáveis no serviço devocional. Mesmo Śrīla Jīva Gosvāmī, o ācārya mais autorizado na Gauḍīya-sampradāya, condenou tais impostores. O processo de compreensão transcendental consiste em seguir os passos dos companheiros do Senhor Supremo; portanto, se alguém se julga um companheiro direto do Senhor Supremo, ele está condenado. Segundo os princípios vaiṣṇavas autorizados, a pessoa deve seguir um devoto específico, em vez de considerar-se um companheiro de Kṛṣṇa.
Deste modo, Rāmānanda Rāya explicou que se deve aceitar o humor das donzelas de Vraja. No Caitanya-caritāmṛta, afirma-se claramente que se devem aceitar as atividades emocionais e não imitar os trajes dos companheiros de Kṛṣṇa. A pessoa deve sempre meditar nos casos amorosos que Rādhā e Kṛṣṇa executam no mundo espiritual. Ela deve pensar em Rādhā e Kṛṣṇa vinte e quatro horas por dia, e ocupar-se eternamente em serviço a Eles. Não é necessário mudar os trajes externos. Por seguir o humor dos associados e amigos de Rādhārāṇī, pode-se, afinal, alcançar a etapa perfectiva e ser transferido a Goloka Vṛndāvana, a morada transcendental de Kṛṣṇa.
O humor das atividades emocionais das gopīs chama-se siddha-deha. Esta palavra indica o corpo espiritual puro, que está além dos sentidos, da mente e da inteligência. Siddha-deha é a alma purificada que está mais adequada a servir ao Senhor Supremo. Ninguém pode servir o Senhor Supremo como Seu companheiro sem estar situado em sua identidade espiritual pura. Esta identidade é completamente livre de toda contaminação material. Como se afirma na Bhagavad-gītā, a pessoa que tem contaminações materiais transmigra a outro corpo material devido à consciência material. Na hora da morte, ela pensa em atividades materiais, e por isso é transferida a outro corpo material. De maneira semelhante, ao situar-se em sua identidade espiritual pura e pensar nos serviços amorosos prestados ao Senhor Supremo, a pessoa é transferida ao reino espiritual para partilhar da companhia de Kṛṣṇa. Em outras palavras, por se alcançar a própria identidade espiritual e pensar nos companheiros de Kṛṣṇa, a pessoa pode se tornar qualificada para ser transferida ao reino espiritual. Ninguém pode contemplar ou pensar nas atividades do reino espiritual sem estar situado em sua identidade espiritual pura (siddha). Assim, Rāmānanda Rāya disse que, sem alcançar siddha-deha, não é possível tornar-se um associado das donzelas nem prestar serviço diretamente à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, e Sua consorte eterna, Rādhārāṇī. A esse respeito, Rāmānanda citou o Śrīmad-Bhāgavatam (10.47.60):
nāyaṁ śriyo ’ṅga u nitānta-rateḥ prasādaḥ
svar-yoṣitāṁ nalina-gandha-rucāṁ kuto ’nyāḥ
rāsotsave ’sya bhuja-daṇḍa-gṛhīta-kaṇṭha-
labdhāśiṣāṁ ya udagād vraja-vallabhīnām
“Se nem a deusa da fortuna, Lakṣmī, nem mesmo as donzelas do reino celestial, podem obter as facilidades das donzelas de Vrajabhūmi, que se dizer, então, de mulheres mundanas.”
O Senhor Caitanya, ficando satisfeitíssimo em ouvir estas afirmações, abraçou Rāmānanda Rāya. Então, ambos começaram a chorar em virtude do êxtase da compreensão transcendental. Assim, o Senhor e Rāmānanda Rāya discutiram os passatempos transcendentais de Rādhā e Kṛṣṇa durante toda a noite, separando-se ao amanhecer. Rāmānanda partiu para sua residência, e o Senhor foi Se banhar.
Na hora da separação, Rāmānanda prostrou-se aos pés do Senhor Caitanya e orou: “Meu querido Senhor, vieste só para me salvar deste lamaçal de ignorância. Portanto, peço que permaneças aqui pelo menos dez dias a fim de purificar minha mente desta contaminação material. Não existe ninguém mais que possa conceder semelhante transcendental amor por Deus”.
“Vim a ti para Me purificar ouvindo os passatempos transcendentais de Rādhā e Kṛṣṇa”, respondeu o Senhor. “Sou tão afortunado, pois és o único professor dotado de conhecimento sobre tais passatempos transcendentais. Não conheço no mundo ninguém mais que possa compreender as transcendentais reciprocações amorosas entre Rādhā e Kṛṣṇa. Estás pedindo para Eu ficar aqui por dez dias, mas tenho vontade de permanecer contigo pelo resto de Minha vida. Por favor, vem a Jagannātha Purī, Minha sede, e permaneceremos juntos pelo resto de nossas vidas. Dessa maneira, posso passar o resto de Meus dias aprendendo sobre Kṛṣṇa e Rādhā em tua companhia.”