Capítulo 16
As Opulências Espirituais dos Devotos Puros
Verso 37
atho vibhūtiṁ mama māyāvinas tām
aiśvaryam aṣṭāṅgam anupravṛttam
śriyaṁ bhāgavatīṁ vāspṛhayanti bhadrāṁ
parasya me te ’śnuvate tu loke
Assim, por estar inteiramente absorto em pensar em Mim, o devoto não deseja nem mesmo a mais elevada das bênçãos obteníveis nos sistemas planetários superiores, incluindo Satyaloka. Ele não deseja as oito perfeições materiais obtidas do yoga místico, nem deseja ser elevado ao reino de Deus. Todavia, mesmo sem desejá-las, o devoto desfruta, mesmo nesta vida, de todas as bênçãos oferecidas.
SIGNIFICADO—Há muitas variedades de vibhūti, ou opulências, oferecidas por māyā. Temos experiência de diferentes variedades de gozo material mesmo neste planeta, mas, se alguém consegue promover-se a planetas superiores – como Candraloka ou o Sol, ou planetas ainda mais elevados, como Maharloka Janaloka e Tapoloka, ou mesmo, finalmente, ao planeta mais elevado, que é habitado por Brahmā e chama-se Satyaloka –, há imensas possibilidades de gozo material. Por exemplo, a duração de vida em planetas superiores é muito maior do que neste planeta. Afirma-se que, na Lua, a duração de vida é tal que seis de nossos meses equivalem a um dia de lá. Não podemos nem mesmo imaginar a duração de vida no planeta mais elevado. A Bhagavad-gītā afirma que doze horas de Brahmā são inconcebíveis até mesmo para os nossos matemáticos. Tudo isso são descrições da energia externa do Senhor, ou māyā. Além dessas, há outras opulências que os yogīs podem alcançar mediante seu poder místico. Elas também são materiais. O devoto não aspira a nenhum desses prazeres materiais, embora eles estejam à sua disposição se ele simplesmente os desejar. Pela graça do Senhor, o devoto pode alcançar um sucesso maravilhoso simplesmente pela vontade, mas o verdadeiro devoto não gosta disso. O Senhor Caitanya Mahāprabhu ensina que não se deve desejar opulência nem reputação materiais, nem se deve tentar gozar da beleza material. A única aspiração deve ser de absorver-se no serviço devocional ao Senhor, mesmo que não se obtenha a liberação, mas se tenha de continuar o processo de nascimento e morte ilimitadamente. Na realidade, entretanto, para quem se ocupa em consciência de Kṛṣṇa, a liberação já está garantida. Os devotos gozam de todos os benefícios dos planetas superiores e também dos planetas Vaikuṇṭha. Aqui se menciona em especial que bhāgavatīṁ bhadrām. Nos planetas Vaikuṇṭha, tudo é eternamente pacífico, mas o devoto puro não aspira nem mesmo a ter essa promoção. Porém, de qualquer modo, ele obtém esta vantagem: goza de todas as facilidades dos mundos material e espiritual, mesmo durante o atual período de vida.
De acordo com Caitanya Mahāprabhu, Rūpa Gosvāmī, em seu Bhakti-rasāmṛta-sindhu, Nārada Muni no Nārada-pañcarātra e Bhagavān Śrī Kṛṣṇa na Bhagavad-gītā, um devoto puro nunca deseja nada do Senhor. Se ele nem mesmo deseja a liberação, o que se dizer, então, de posses materiais? Em geral, as pessoas desejam dharma, artha, kāma e mokṣa. Primeiro, elas querem ser religiosas (dharma) para obter opulência material (artha). E querem opulência material para entregar-se ao gozo dos sentidos (kāma), e quando se frustram nessa tentativa de gozo dos sentidos, elas desejam a liberação (mokṣa). Dessa maneira é que ocorre dharma, artha, kāma e mokṣa. O devoto, todavia, não está interessado em nada disso. Na religião cristã, eles oram: “O pão nosso de cada dia, dai-nos hoje”, mas um bhakta puro não pede nem mesmo o pão de cada dia. O devoto puro fica nas mãos de Kṛṣṇa como se fosse uma joia muito preciosa. Quando você segura algo muito valioso na mão, você toma muito cuidado. De igual modo, Kṛṣṇa segura o devoto e cuida dele.
Podemos simplesmente imaginar nossa posição se um homem riquíssimo nos diz: “Não se preocupe. Cuidarei de tudo para você.” Kṛṣṇa, o Senhor Supremo, é o proprietário de toda a opulência. Não há ninguém mais opulento do que Kṛṣṇa; portanto, caso Kṛṣṇa diga que cuidará de Seu devoto, não há questão de pobreza. A maioria das pessoas deseja opulência material, mas não sabe que Kṛṣṇa é o proprietário de toda opulência. Esse é o infortúnio delas. Embora o proprietário de toda opulência diga: “Simplesmente rendam-se a Mim, e Eu cuidarei de vocês”, elas não seguem essa instrução. Em vez disso, elas dizem: “Cuidarei de meu próprio negócio. Eu me sustentarei. Cuidarei de mim, de minha família, de meus amigos e de meu país.” Arjuna era muito inteligente porque escolheu apenas Kṛṣṇa, ao passo que Duryodhana ficou com os soldados de Kṛṣṇa. Não é possível conquistar Kṛṣṇa, mas o devoto pode capturar Kṛṣṇa com bhakti, amor.
É impossível para o povo em geral compreender a grande opulência de Śrī Kṛṣṇa. Por isso, Caitanya Mahāprabhu nos diz para deixarmos de especular sobre Deus. Há uma história de uma rã que vivia em um poço. Certa vez, ela se encontrou com um amigo que lhe disse: “Minha cara rã, acabei de ver um enorme reservatório de água.” “Que reservatório era esse?”, perguntou a rã. “O Oceano Atlântico”, respondeu o amigo. “Oh! O Oceano Atlântico! Ele é maior do que este poço? Ele mede dois metros? Quatro metros?”
Nossa tentativa de especular sobre Deus é exatamente assim. Se desejamos compreender Deus, temos de tentar compreendê-lO ouvindo os Seus próprios ensinamentos. Vamos supor que tenhamos um vizinho riquíssimo, influente, inteligente, forte e belo, e assim podemos especular a respeito de sua opulência. Mas se fizermos amizade com ele, poderemos compreender sua posição ouvindo-o falar sobre si mesmo. Deus não está sujeito à nossa imaginação. Nossa imaginação é limitada, e nossos sentidos são imperfeitos. O processo de bhakti-mārga é um processo de submissão. Não há possibilidade de sujeitar Deus à nossa imaginação. Basta sermos muito humildes e submissos e orarmos a Kṛṣṇa com sinceridade: “Kṛṣṇa, não me é possível conhecer-Te. Por favor, explica-me como posso conhecer-Te, e então isso será possível.” Arjuna se aproximou de Kṛṣṇa com essa atitude no décimo primeiro capítulo da Bhagavad-gītā.
Mal podemos entender os inumeráveis universos. A palavra jagat se refere a este universo, mas existe mais de um universo. Apesar de vermos apenas um universo, existem milhões de universos, e Kṛṣṇa está sustentando todos esses milhões de universos com um simples fragmento Seu. Isso também se confirma em vários outros textos védicos:
yasyaika-niśvasita-kālam athāvalambya
jīvanti loma-vila-jā jagad-aṇḍa-nāthāḥ
viṣṇur mahān sa iha yasya kalā-viśeṣo
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi
“Brahmā e outros senhores dos mundos materiais, que aparecem dos poros de Mahā-Viṣṇu, vivem somente durante o tempo de uma única exalação dEle. Adoro o Senhor primordial, Govinda, de quem Mahā-Viṣṇu é a porção de uma porção.” (Brahma-saṁhitā 5.48)
Essa é a informação que apresenta a Brahma-saṁhitā, as orações oferecidas pelo senhor Brahmā. Essa Brahma-saṁhitā foi aceita por Śrī Caitanya Mahāprabhu, que a copiou enquanto viajava pelo Sul da Índia. Antigamente, não havia gráficas para se imprimir esses livros, de modo que eles eram escritos à mão. Esses livros não eram muito baratos, e apenas os brāhmaṇas altamente qualificados podiam mantê-los. Eles eram adorados no templo como a Deidade śāstra. Não se tinha acesso a eles em qualquer parte. Agora, evidentemente, as gráficas mudaram tudo isso, mas, ainda assim, devemos sempre compreender que os granthas, as escrituras, devem ser adorados como Deus, pois são a encarnação sonora de Deus. Não se deve considerar a Bhagavad-gītā ou o Śrīmad-Bhāgavatam como livros comuns, e é preciso cuidar deles com tanto cuidado quanto se cuida da Deidade.
De qualquer forma, ao retornar do Sul da Índia com uma cópia da Brahma-saṁhitā, Śrī Caitanya Mahāprabhu a ofereceu a Seus discípulos e disse-lhes que aquele era um resumo do Vedānta e do Śrīmad-Bhāgavatam. Portanto, aceitamos a Brahma-saṁhitā como uma escritura autorizada, pois Caitanya Mahāprabhu, o Senhor Supremo, a aceitou. Assim como Śrī Kṛṣṇa explica na Bhagavad-gītā de diversas maneiras que toda a criação material repousa em uma de Suas porções, a Brahma-saṁhitā explica o mesmo assunto. Afirma-se que emanam dos poros de Mahā-Viṣṇu todos os universos. Em cada universo, existe um Brahmā, um supervisor, que é o ser e administrador supremos. Esses administradores vivem apenas durante uma exalação de Mahā-Viṣṇu. Quando Ele exala, todos os universos são criados, e, quando inala, todos eles retornam para Seu corpo. Dessa maneira, muitos universos e Brahmās vêm e vão. A Bhagavad-gītā explica que a duração dessas respirações, que constituem uma vida de Brahmā, estende-se por trilhões de anos terrestres. Há quem diga que tudo isso é fictício e imaginário, mas, a menos que alguém acredite nessas afirmações, ele não tem o direito de tocar a Bhagavad-gītā.
Quase o mundo inteiro está interessado em ir para os sistemas planetários superiores a fim de ser mais opulento. Esse é o processo de karma-kāṇḍīya, e as pessoas realizam yajñas e atividades piedosas para se elevar aos planetas superiores. A ideia é que assim elas poderão desfrutar mais, tendo uma longa duração de vida, mais opulência, belas mulheres, belos jardins e assim por diante. Na verdade, é isso o que acontece, mas o devoto não está nem um pouco interessado nessas coisas, pois ele aceita Kṛṣṇa. Na Bhagavad-gītā (8.16), Śrī Kṛṣṇa diz que ā-brahma-bhuvanāl lokāḥ punar āvartino ’rjuna: “Do planeta mais elevado do mundo material até o mais baixo, todos são lugares de sofrimentos, nos quais acontecem repetidos nascimentos e mortes.”
Mesmo se fôssemos promovidos ao planeta mais elevado, Brahmaloka, o planeta onde vive o senhor Brahmā, ainda assim nossa permanência ali não seria eterna. Então, por que o devoto deveria se interessar em ir para tal lugar? O devoto só está interessado no eterno supremo, Śrī Kṛṣṇa. O Senhor Supremo é o líder supremo dos nityas, as entidades vivas eternas. Todos nós somos nityas, eternos, e Kṛṣṇa nos guia e brinca conosco. No mundo espiritual, Kṛṣṇa e Seus devotos são amigos e brincam juntos como vaqueirinhos. Eles não têm interesse de ir para Brahmaloka ou Candraloka, pois esses planetas serão aniquilados no final. Existem algumas entidades vivas que vivem apenas alguns segundos ou, no máximo, uma noite. Pela manhã, estão todas mortas. Qualquer vida no mundo material se compara a isso. Brahmā pode viver por milhões de anos, mas, por fim, ele tem de morrer. Quer estejamos no planeta mais elevado ou no mais baixo, quer tenhamos um corpo de Brahmā ou de um gato, teremos de morrer no final. Kṛṣṇa Se apresenta para os ateístas como a morte. Ele apareceu dessa maneira perante Hiraṇyakaśipu, que dissera: “Eu sou Deus. Todos os semideuses têm medo de mim. Sou muito poderoso.” Kṛṣṇa aparece diante de semelhantes ateístas como a morte e leva tudo embora – poder, opulência, dinheiro – tudo. Os teístas adoram a Deus enquanto vivem, e sua única ocupação nesta vida é servir a Deus. Após a morte, eles continuam a prestar o mesmo serviço; para o devoto, portanto, não há diferença entre Vaikuṇṭha e um templo. Em qualquer lugar, sua ocupação é a mesma. Por que, então, desejaria ir para Vaikuṇṭha?
Nos planetas Vaikuṇṭha, o devoto obtém opulência semelhante à de Kṛṣṇa ou Nārāyaṇa. Há cinco classes de mukti, liberação, e uma delas é sārṣṭi. Esse tipo de liberação concede à pessoa opulência igual à do Senhor. Nos planetas Vaikuṇṭha, todos têm quatro braços como Nārāyaṇa e são igualmente opulentos. Em Goloka Vṛndāvana, os vaqueirinhos são tão opulentos quanto Kṛṣṇa. Em Vṛndāvana, os vaqueirinhos não sabem que Kṛṣṇa é Deus. Eles tratam Kṛṣṇa de igual para igual. Essa é a opulência da posição devocional deles.
Os devotos, no entanto, não aspiram a toda essa opulência. Sua única aspiração é ocupar-se no serviço ao Senhor. Dessa maneira, eles conseguem tudo. Tampouco estão os devotos interessados em obter os yoga-siddhis místicos. Eles não precisam ter o poder de criar um planeta, pois podem criar Vaikuṇṭha no templo mediante a adoração de Kṛṣṇa. O templo é nirguṇa, transcendental aos guṇas. Nos śāstras, afirma-se que a floresta se caracteriza por sattva-guṇa, bondade, e a cidade se caracteriza por rajo-guṇa, paixão, pois, na cidade, há enorme quantidade de sexo ilícito, intoxicação, jogos de azar e consumo de carne. Antigamente, quando as pessoas aspiravam à realização espiritual, elas abandonavam as cidades e iam para as florestas. Essa era a fase de vānaprastha. A palavra vana significa “floresta”. Antes de aceitar sannyāsa, o homem abandonava a família e ia para a floresta praticar austeridades. Vanaṁ gato yad dharim āśrayeta.
Na realidade, melhor do que viver na floresta é viver no templo, porque o templo é nirguṇa, superior a todos os guṇas, até mesmo a sattva-guṇa. Os habitantes do templo de fato se encontram em Vaikuṇṭha.
A seguir, o Senhor Kapiladeva explica a natureza das opulências especiais dos devotos.
Verso 38
na karhicin mat-parāḥ śānta-rūpe
naṅkṣyanti no me ’nimiṣo leḍhi hetiḥ
yeṣām ahaṁ priya ātmā sutaś ca
sakhā guruḥ suhṛdo daivam iṣṭam
O Senhor continuou: Minha querida mãe, os devotos que recebem tais opulências transcendentais nunca são delas privados. Nem armas, nem o passar do tempo podem destruir tais opulências. Visto que os devotos Me aceitam como seu amigo, parente, filho, preceptor, benfeitor e Deidade Suprema, eles não podem ser privados de suas posses em tempo algum.
SIGNIFICADO—Afirma-se na Bhagavad-gītā que alguém pode elevar-se aos sistemas planetários superiores, inclusive a Brahmaloka, em virtude de atividades piedosas, porém, ao se acabarem os efeitos dessas atividades piedosas, ele volta novamente a esta Terra para começar uma nova vida de atividades. Desse modo, mesmo que sejamos promovidos ao sistema planetário superior para gozar prazeres celestiais e longa duração de vida, ainda assim, esse não será um arranjo permanente. Porém, quanto aos devotos, seus bens – a obtenção de serviço devocional e a consequente opulência de Vaikuṇṭha, mesmo neste planeta – nunca são destruídos. Neste verso, Kapiladeva chama Sua mãe de śānta-rūpa, indicando que as opulências dos devotos são fixas porque os devotos estão eternamente fixos na atmosfera de Vaikuṇṭha, que se chama śānta-rūpa por estar no modo da bondade pura, sem perturbação dos modos da paixão e ignorância. Uma vez que alguém se fixe no serviço devocional ao Senhor, sua posição de serviço transcendental não poderá ser destruída, e o prazer e o serviço farão apenas aumentar ilimitadamente. Para os devotos ocupados em consciência de Kṛṣṇa, na atmosfera Vaikuṇṭha, não há influência do tempo. No mundo material, a influência do tempo destrói tudo, mas, na atmosfera Vaikuṇṭha, não há influência do tempo nem dos semideuses, porque não há semideuses nos planetas Vaikuṇṭha. Nossas atividades aqui são controladas por diferentes semideuses; mesmo a ação de mexer nossa mão e nossa perna é controlada pelos semideuses. Porém, na atmosfera Vaikuṇṭha, não há influência dos semideuses nem do tempo; portanto, não há possibilidade de destruição. Quando o elemento tempo está presente, certamente há destruição, mas, na ausência do elemento tempo – passado, presente ou futuro –, tudo é eterno. Portanto, este verso usa as palavras naṅkṣyanti no, indicando que as opulências transcendentais jamais serão destruídas.
Descreve-se também o motivo da ausência de destruição. Os devotos aceitam o Senhor Supremo como a personalidade mais querida e correspondem com Ele em diferentes relações. Eles aceitam a Suprema Personalidade de Deus como o amigo mais querido, o parente mais querido, o filho mais querido, o preceptor mais querido, o benquerente mais querido ou a mais querida Deidade. O Senhor é eterno; portanto, qualquer relação na qual O aceitemos também é eterna. Confirma-se claramente nesta passagem que as relações não podem ser destruídas, motivo pelo qual as opulências dessas relações jamais serão destruídas. Toda entidade viva tem a propensão a amar alguém. Podemos ver que, se alguém não tem objeto de amor, geralmente dirige seu amor a um animal de estimação, como um cão ou um gato. Assim, a eterna propensão ao amor em todas as entidades vivas sempre está procurando um lugar para residir. A partir deste verso, podemos aprender que podemos amar a Suprema Personalidade de Deus como nosso objeto mais querido – como amigo, filho, preceptor ou benquerente – e não haverá mentiras nem fim para esse amor. Desfrutaremos eternamente da relação com o Senhor Supremo sob diferentes aspectos. Um aspecto especial deste verso é a aceitação do Senhor Supremo como o supremo preceptor. A Bhagavad-gītā foi falada diretamente pelo Senhor Supremo, e Arjuna aceitou Kṛṣṇa como guru, ou mestre espiritual. Do mesmo modo, devemos aceitar apenas Kṛṣṇa como o mestre espiritual supremo.
Naturalmente, Kṛṣṇa significa Kṛṣṇa e Seus devotos íntimos; Kṛṣṇa não anda sozinho. Quando falamos de Kṛṣṇa, “Kṛṣṇa” significa Kṛṣṇa em Seu nome, em Sua forma, em Suas qualidades, em Sua morada, em Seus companheiros etc. Kṛṣṇa nunca está sozinho, pois os devotos de Kṛṣṇa não são impersonalistas. Por exemplo, um rei está sempre associado com seu secretário, seu comandante, seu criado e tanta parafernália. Tão logo aceitemos Kṛṣṇa e Seus companheiros como nossos preceptores, nenhum efeito negativo poderá destruir o nosso conhecimento. No mundo material, o conhecimento que adquirimos pode mudar por causa da influência do tempo, mas as conclusões recebidas da Bhagavad-gītā, diretamente das palavras do Senhor Supremo, Kṛṣṇa, jamais poderão mudar. De nada adianta interpretar a Bhagavad-gītā; ela é eterna.
Kṛṣṇa, o Senhor Supremo, deve ser aceito como nosso melhor amigo. Ele jamais nos enganará. Ele sempre dará Seu conselho amigável e Sua proteção amigável ao devoto. Caso Kṛṣṇa seja aceito como filho, Ele jamais morrerá. Aqui podemos ter filhos muito amorosos, mas o pai e a mãe, ou aqueles que lhes são afeiçoados, sempre esperam: “Que meu filho não morra.” Kṛṣṇa, porém, jamais morrerá. Portanto, aqueles que aceitarem Kṛṣṇa, ou o Senhor Supremo, como seu filho jamais serão privados desse filho. Em muitos casos, os devotos aceitaram a Deidade como seu filho. Na Bengala, há muitos exemplos assim, e, mesmo após a morte do devoto, a Deidade executa a cerimônia de śrāddha para o pai. A relação nunca é destruída. As pessoas estão acostumadas a adorar diferentes formas de semideuses, mas a Bhagavad-gītā condena tal mentalidade; portanto, devemos ter a inteligência de adorar apenas a Suprema Personalidade de Deus em Suas diferentes formas, tais como Lakṣmī-Nārāyaṇa, Sītā-Rāma e Rādhā-Kṛṣṇa. Assim, jamais seremos enganados. Adorando os semideuses, podemos elevar-nos aos planetas superiores, mas, durante a dissolução do mundo material, a deidade e a morada da deidade serão destruídas. Contudo, aquele que adora a Suprema Personalidade de Deus é promovido aos planetas Vaikuṇṭha, onde não há influência de tempo, destruição ou aniquilação. A conclusão é que a influência do tempo não pode atuar sobre os devotos que aceitaram a Suprema Personalidade de Deus como tudo.
A vida espiritual é eterna; não se pode destruí-la. Tudo o que temos aqui neste mundo material está sujeito à destruição. No mundo material, aspiramos por uma bela casa, boas propriedades, filhos, amigos e riquezas, mas tudo isso será destruído ao final, incluindo nós mesmos. Aqui nada é permanente, daí tudo ser considerado ilusório. Na realidade, não compreendemos isso; pensamos que a matéria é permanente. O fato, entretanto, é que só Kṛṣṇa é permanente. A energia material de Kṛṣṇa não é permanente.
Os māyāvādīs pensam que, no mundo espiritual, não existem relacionamentos. Entretanto, declara-se nos śāstras que a vida verdadeira se encontra no mundo espiritual. A vida neste mundo material não passa de uma sombra da vida que existe lá. No décimo quinto capítulo da Bhagavad-gītā, Kṛṣṇa compara este mundo material a uma figueira-de-bengala com as raízes para cima e os galhos para baixo. Isso significa que este mundo é tal qual uma sombra. Ao ficarmos diante de um reservatório d’água, vemos a árvore refletida de cabeça para baixo. Também temos a experiência de uma miragem neste mundo material. Pensamos que existe água na miragem, mas, na verdade, não existe água alguma ali. Às vezes, os marinheiros, enquanto estão no mar, pensam que veem terra, mas, na verdade, é apenas uma miragem. Este mundo material é assim. Em nossas vidas, pensamos que estamos desfrutando alguma rasa, algum relacionamento. Nossos filhos nos chamam de pai, e desfrutamos um relacionamento com nossa esposa, mas todas essas relações são como sombras, apesar de ninguém ter informações acerca disso. O verdadeiro desfrute que provém desses relacionamentos pode ser alcançado no mundo espiritual com Kṛṣṇa. Portanto, Kṛṣṇa vem em pessoa para nos ensinar que podemos desfrutar desses mesmos relacionamentos com Ele. Podemos tê-lO como nosso mestre, nosso amigo, nosso filho, nosso pai ou nosso amante e, dessa maneira, desfrutar com Ele.
Os filósofos māyāvādīs dizem que, se Kṛṣṇa se transformou em tudo, então não é possível que Kṛṣṇa exista como uma entidade ou pessoa. Esse é um pensamento materialista. Se rasgamos uma folha de papel em muitos pedacinhos e a jogamos ao vento, a folha de papel deixa de existir. Kṛṣṇa, entretanto, não é assim.
advaitam acyutam anādim ananta-rūpam
ādyaṁ purāṇa-puruṣaṁ nava-yauvanaṁ ca
“Adoro a Suprema Personalidade de Deus, Govinda [Kṛṣṇa], que é a pessoa original – absoluta, infalível, sem começo, que, embora Se expanda em formas ilimitadas, continua a mesma pessoa original e que, apesar de ser o mais velho, parece sempre um rapaz em plena juventude.” (Brahma-saṁhitā 5.33) Kṛṣṇa tem muitos milhões de expansões e, além disso, está situado no coração de todos. Ele está não apenas dentro dos seres humanos, como também dentro dos animais, árvores, plantas, seres aquáticos e assim por diante. É um conceito materialista pensar que Kṛṣṇa não tem existência individual só porque entrou em tantos milhões de corações. Muito embora tenha Se distribuído em muitos milhões de partes, Kṛṣṇa continua presente com a mesma potência. Kṛṣṇa é sarvaiśvarya-pūrṇa. Ele nunca diminui.
Com relação a isso, há uma história interessante de um menino pobre que estudava em uma escola. Durante a cerimônia anual do Dia dos Pais, o professor pediu que seus alunos lhe dessem algum tipo de tributo. Na Índia antiga, os professores não ganhavam salários; eles recebiam qualquer coisa que os estudantes trouxessem da casa de seus pais ou que conseguissem mendigando. Os brāhmaṇas em geral eram professores e não podiam cobrar nada. Assim, alguns estudantes levaram arroz para o professor, e outros levaram diferentes alimentos. Esse estudante em particular era tão pobre que não conseguiu pensar em nada que pudesse levar; ele, por isso, disse ao professor que primeiro teria de falar com sua mãe. Depois da aula, ele disse a sua mãe: “Minha querida mãe, todos os meus colegas prometeram dar algum presente ao professor. O que posso oferecer?” A mãe respondeu: “Meu querido filho, somos tão pobres que não podemos dar nada. Kṛṣṇa, porém, é o amigo dos pobres. Se Ele lhe der algo, você pode oferecer isso ao seu professor.” “Oh! Onde está Kṛṣṇa?”, perguntou o menininho. “Bem, acho que Ele está na floresta”, disse a mãe. Dessa maneira, o menininho foi para a floresta e chamou por Kṛṣṇa. Ele, então, começou a chorar, e Kṛṣṇa apareceu por fim. Quando um devoto está muito ansioso por ver Kṛṣṇa, Kṛṣṇa é tão bondoso que lhe aparece. “Então, o que você quer?”, disse Kṛṣṇa ao garotinho. “Você é o amigo dos pobres”, disse o menino. “Eu sou muito pobre e tenho que dar algo para o meu professor. O que posso oferecer?” Kṛṣṇa, então, disse-lhe: “Você pode dizer a seu professor que lhe dará um pouco de iogurte, um pouco de dahī,” O menininho ficou muito satisfeito com as palavras de Kṛṣṇa e, no dia seguinte, foi até seu professor e disse: “Trarei tanto iogurte quanto o senhor precisar.” O professor achou muito bom e ficou satisfeito com o menino. No dia da cerimônia, o menino retornou à floresta e chamou por Kṛṣṇa. Kṛṣṇa apareceu e lhe deu um litro de iogurte. O menininho levou esse iogurte para o professor e disse: “Esta é minha contribuição, senhor”. O professor olhou para o iogurte e disse: “O que é isto? Centenas de pessoas estão para chegar e você só trouxe este tanto de iogurte?” O professor ficou tão zangado que jogou fora o pote com todo o iogurte. Quando se abaixou para pegar o pote, ele viu que esse ainda estava cheio. Ele jogou tudo fora outra vez, e o pote voltou a aparecer cheio. Então, ele pôde compreender que o iogurte era espiritual.
Essa é a natureza de Kṛṣṇa. Alguém pode tirar tudo dEle e, ainda assim, tudo permanece o mesmo. No mundo material, um menos um é igual a zero, mas, no mundo espiritual, um menos um é igual a um. Isso se chama advaya-jñāna. Não existe dualidade no mundo espiritual. Um mais um é um, e um menos um é um. Se amamos Kṛṣṇa, esse amor não será destruído como o amor deste mundo material. No mundo material, o servo serve ao patrão enquanto o servo está satisfeito, e o patrão também. O servo fica satisfeito enquanto o patrão paga, e o patrão fica satisfeito enquanto o servo presta um bom serviço. No mundo espiritual, contudo, se o servo não pode prestar serviço sob determinadas circunstâncias, o mestre ainda assim fica satisfeito. E se o mestre não paga, o servo também fica satisfeito. Isso se chama unidade, absoluto. O guru pode ter centenas de discípulos, centenas de servos, mas não tem de pagar-lhes. Eles servem devido ao amor espiritual, e o guru ensina sem receber salário algum. Essa é uma relação espiritual. Não há nem enganadores nem enganados nesse relacionamento. Se aceitamos Kṛṣṇa como nosso filho, amigo ou amante, nunca seremos enganados. Entretanto, temos de abandonar o servo, filho, pai ou amante falsos e ilusórios, pois eles certamente nos enganarão. Podemos amar nosso filho de todo coração, mas esse mesmo filho, algum dia, talvez se torne nosso inimigo. Podemos amar demais nossa esposa, mas, algum dia, essa mesma esposa pode se transformar em um inimigo tal que nos matará em prol de seus próprios interesses. Há muitos exemplos assim na história. Os filósofos māyāvādīs temem semelhantes relacionamentos porque têm experiências amargas com relação a essa espécie de relacionamento no mundo material. Portanto, eles desejam negar todos os relacionamentos e, assim, dizem que não querem mais saber de filhos, filhas, amantes, mestres ou qualquer outra coisa. Desgostosos com essas coisas, eles tentam transformar tudo em vazio. No entanto, se tivermos esses mesmos relacionamentos com Kṛṣṇa, nunca ficaremos desapontados. Nosso entusiasmo crescerá cada vez mais. Portanto, Kṛṣṇa nos encoraja a aceitá-lO como nosso filho, como nosso amigo e como nosso mestre. Nós, então, seremos felizes.
Versos 39 e 40
imaṁ lokaṁ tathaivāmum
ātmānam ubhayāyinam
ātmānam anu ye ceha
ye rāyaḥ paśavo gṛhāḥ
visṛjya sarvān anyāṁś ca
mām evaṁ viśvato-mukham
bhajanty ananyayā bhaktyā
tān mṛtyor atipāraye
Assim, o devoto que adora a Mim, o Senhor onipenetrante do universo, com serviço devocional inabalável, abandona todas as aspirações a ser promovido a planetas celestiais ou a tornar-se feliz neste mundo com riqueza, filhos, gado, lar ou qualquer coisa relativa ao corpo. Eu o levo para o outro lado do nascimento e da morte.
SIGNIFICADO—Serviço devocional inabalável, como se descreve nestes dois versos, significa ocupar-se em plena consciência de Kṛṣṇa, ou serviço devocional, aceitando o Senhor Supremo como o todo de tudo. Uma vez que o Senhor Supremo é todo-abrangente, se alguém O adorar com fé inabalável, terá alcançado automaticamente todas as demais opulências e executado todos os demais deveres. Neste verso, o Senhor promete que leva Seu devoto para o outro lado do nascimento e da morte. O Senhor Caitanya recomendou, portanto, a quem aspira a transcender nascimento e morte que não deve ter posses materiais. Isso significa que não se deve tentar ser feliz neste mundo ou ser promovido ao mundo celestial, nem se esforçar por obter riqueza material, filhos, casas ou gado.
Os sintomas da liberação e como ela é alcançada imperceptivelmente pelo devoto puro já foram explicados. Para a alma condicionada, há dois status de vida. Um status é nossa vida atual, e o outro é a nossa preparação para a vida seguinte. Se estou no modo da bondade, então posso estar me preparando para a promoção aos planetas superiores; se estou no modo da paixão, então permanecerei aqui em uma sociedade onde haja muita atividade, e, se estou no modo da ignorância, posso me degradar à vida animal ou a um grau inferior de vida humana. Mas, para o devoto, não há interesse por esta vida nem pela seguinte, porque, em nenhuma vida, ele deseja elevação em termos de prosperidade material ou uma vida de grau superior ou grau inferior. Ele ora ao Senhor: “Meu querido Senhor, não me importa onde nascerei, mas deixa-me nascer, mesmo que seja como uma formiga, na casa de um devoto.” O devoto puro não ora ao Senhor pedindo liberação deste cativeiro material. Na verdade, o devoto puro nunca pensa que está apto à liberação. Considerando sua vida passada e suas atividades malignas, ele se acha digno de ser enviado à mais baixa região do inferno. Se nesta vida estou tentando me tornar um devoto, isso não quer dizer que em minhas muitas vidas passadas eu era cem por cento piedoso. Isso não acontece. O devoto, portanto, é sempre consciente de sua verdadeira posição. É apenas devido à sua plena rendição ao Senhor, pela graça do Senhor, que seus sofrimentos são abreviados. Como se afirma na Bhagavad-gītā: “Rende-te a Mim, e Eu hei de proteger-te contra todas as espécies de reação pecaminosa.” Essa é a Sua misericórdia. Mas isso não significa que alguém que se rendeu aos pés de lótus do Senhor não tenha cometido más ações em sua vida passada. O devoto sempre ora: “Por minhas más ações, que eu nasça repetidamente, mas minha única oração é que eu não me esqueça de Teu serviço.” O devoto tem essa força mental, e ora ao Senhor: “Que eu nasça repetidamente, mas deixa-me nascer no lar de Teu devoto puro para que eu possa outra vez ter a oportunidade de desenvolver-me.”
O devoto puro não anseia por elevar-se em seu próximo nascimento. Ele já abandonou esse tipo de esperança. Em qualquer condição de vida em que se nasça, como chefe de família, ou mesmo como animal, sempre se tem alguns filhos, alguns recursos ou algumas posses, mas o devoto não anseia possuir nada. Ele se contenta com qualquer coisa que obtenha pela graça do Senhor. Não está em nada apegado à ideia de melhorar seu status social ou de melhorar o status de educação de seus filhos. Ele não é negligente – é cumpridor de seus deveres –, mas não gasta muito tempo pensando em melhorar a temporária condição de sua família ou sua condição social. Ele se ocupa plenamente no serviço ao Senhor, e, quanto aos outros assuntos, ele simplesmente lhes reserva o tempo absolutamente necessário (yathārham upayuñjataḥ). Um devoto puro assim não se importa com o que vai acontecer na próxima vida ou nesta vida; ele nem mesmo se importa com família, filhos ou sociedade. Ele se ocupa plenamente no serviço ao Senhor em consciência de Kṛṣṇa. A Bhagavad-gītā afirma que, sem o devoto saber, o Senhor providencia sua transferência imediata à Sua morada transcendental logo após o devoto deixar este corpo. Após abandonar o corpo, o devoto não vai para o ventre de outra mãe. A entidade viva comum, após a morte, é transferida ao ventre de outra mãe, segundo seu karma, ou atividades, para receber outro tipo de corpo. Porém, quanto ao devoto, ele é imediatamente transferido ao mundo espiritual, na companhia do Senhor. Isso é a misericórdia especial do Senhor. Como isso é possível explica-se nos versos seguintes. Visto que é todo-poderoso, o Senhor pode fazer qualquer coisa. Ele pode perdoar todas as reações pecaminosas. Ele pode transferir imediatamente uma pessoa a Vaikuṇṭha-loka. Esse é o poder inconcebível da Suprema Personalidade de Deus, que tem disposição favorável aos devotos puros.
Nestes versos, Kapiladeva descreve de que maneira o devoto aceita Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, como o mais querido de todos. Se desejamos amar Kṛṣṇa como um filho, Kṛṣṇa está pronto para ser nosso filho. Arjuna aceitou Kṛṣṇa como seu amigo, e Kṛṣṇa foi seu melhor amigo. Todos podem aceitar Kṛṣṇa de diferentes maneiras. Podemos amar Kṛṣṇa como Arjuna O amou, ou como mãe Yaśodā O amou. Parīkṣit Mahārāja, do mesmo modo, só por ouvir sobre Kṛṣṇa, desenvolveu amor por Ele. O yogī de primeira classe aceita Kṛṣṇa como tudo – priya, suta, sakhā, guru, tudo. Esse é o verdadeiro bhakti. Se queremos um filho, Kṛṣṇa está pronto para ser nosso filho. Se queremos um amado, Ele está pronto para ser nosso amado. Se queremos um amigo, Ele está pronto para ser nosso amigo. Qualquer relacionamento que desejemos no mundo material, podemos ter com Kṛṣṇa. Todos temos alguma propensão amorosa, e Kṛṣṇa está pronto para satisfazer essa propensão. Kṛṣṇa não é alguém como nós. Nós ocupamos apenas um corpo, mas Kṛṣṇa é o proprietário de todos os corpos. O corpo é uma máquina dada por Kṛṣṇa. No mundo material, um pai pode dar um carro a seu filho. Analogamente, Kṛṣṇa confere às entidades vivas 8.400.000 tipos de corpos diferentes. A entidade viva entra no corpo assim como alguém entra em um carro e sai por aí. Podemos dirigir esta máquina chamada corpo por muitos anos, após o que ele envelhece e temos de trocá-lo por outra máquina. Esse é o processo de nascimento e morte. Dirigimos um carro por algum tempo e, por fim, o carro quebra ou bate. Podemos sofrer um acidente ou não, mas, ao final, o carro acabará no ferro-velho e, então, teremos de conseguir outro carro.
Na realidade, nossa posição é que nunca nascemos nem morremos, mas por que fomos colocados nesta situação em que temos de aceitar essas máquinas? Esse é nosso verdadeiro problema. Qual é a causa disso? Queremos desfrutar este mundo material com suas riquezas e posses. Enquanto estivermos atrás de bens materiais, não poderemos transcender o ciclo de nascimentos e mortes. Entretanto, temos de abandonar tudo isso e nos abrigar em Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, e adorá-lO. Todavia, não podemos adorá-lO caprichosamente, mas sim da maneira que Ele deseja. Se Kṛṣṇa diz: “Desejo um copo d’água”, temos de Lhe dar água. Não podemos dizer: “Leite é melhor do que água. Acho que vou Lhe dar leite.” Isso não é serviço favorável. Alguns pretensos bhaktas dizem: “Posso adorar o Senhor da minha maneira.” Isso é simplesmente imaginação. Os māyāvādīs dizem que o Brahman não possui rūpa, forma, e sugerem que imaginemos alguma forma. Isso não serve em relação a Kṛṣṇa. Kṛṣṇa está presente em Sua forma original e é descrito nas escrituras védicas. Já falamos sobre essas descrições antes. Se desejamos obter um corpo como o de Brahmā, podemos obtê-lo. Ou, se desejamos um corpo como o de Kṛṣṇa, também podemos consegui-lo. Esse é o nosso verdadeiro corpo constituído de sac-cid-ānanda. Também podemos obter um corpo como o dos semideuses e ir para os planetas celestiais. Ou podemos permanecer aqui no sistema planetário intermediário. Nosso destino somos nós que escolhemos. Recebemos liberdade completa através de nossas atividades. Mediante atividades piedosas, vamos para os planetas celestiais e, mediante atividades conscientes de Kṛṣṇa, vamos para Vaikuṇṭha-loka.
Somos partes integrantes de Kṛṣṇa, mas, de uma maneira ou outra, nós nos esquecemos disso. No Caitanya-caritāmṛta (Madhya 20.117), afirma-se:
kṛṣṇa bhuli’ sei jīva anādi-bahirmukha
ataeva māyā tāre deya saṁsāra-duḥkha
“Esquecendo-se de Kṛṣṇa, a entidade viva, desde tempos imemoriais, tem se deixado atrair pelo aspecto externo. Portanto, a energia ilusória [māyā] causa-lhe todas as espécies de sofrimentos ao longo de sua existência material.” Porque nos esquecemos de Kṛṣṇa, Kṛṣṇa nos deu todos estes Vedas e Purāṇas. Kṛṣṇa também vem a este mundo material para nos fazer lembrar dEle. Neste Kali-yuga, as pessoas estão se esquecendo mais e mais de Kṛṣṇa. Elas nem mesmo estão interessadas nEle, mas Kṛṣṇa está interessado nelas porque elas são Seus filhos. Um filho louco pode não estar mais interessado em sua casa, em seu pai ou em sua mãe, mas, mesmo assim, o pai nunca deixa de se interessar pelo filho. Ele está sempre preocupado com seu filho que abandonou o lar e está sofrendo. De maneira semelhante, o filho de Kṛṣṇa deixa o mundo espiritual e aceita um corpo material após outro e, dessa maneira, viaja de um planeta para outro em diferentes espécies de vida. Kṛṣṇa, por isso, vem para resgatá-lo.