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Capítulo 7

O Senhor Kapila Começa a Explicar a Autorrealização

Verso 12

maitreya uvāca
iti sva-mātur niravadyam īpsitaṁ
niśamya puṁsām apavarga-vardhanam
dhiyābhinandyātmavatāṁ satāṁ gatir
babhāṣa īṣat-smita-śobhitānanaḥ

Após tomar conhecimento do desejo impoluto que Sua mãe tinha de adquirir compreensão transcendental, o Senhor agradeceu-lhe internamente por suas perguntas e, assim, com o rosto sorridente, explicou-lhe o caminho dos transcendentalistas, aqueles interessados em autorrealização.

SIGNIFICADO—Devahūti se confessa enredada materialmente e manifesta seu desejo de libertar-se. Suas perguntas ao Senhor Kapila são muito interessantes para pessoas que estejam realmente tentando libertar-se do enredamento material e alcançar a fase de perfeição da vida humana. A menos que estejamos interessados em entender nossa vida espiritual, ou nossa posição constitucional, e a menos que também nos sintamos inconvenientes na existência material, arruinamos nossa forma de vida humana. Quem não se importa com essas necessidades transcendentais da vida e simplesmente se ocupa, como um animal, em comer, dormir, defender-se e acasalar-se, desperdiça sua vida. O Senhor Kapila ficou muito satisfeito com as perguntas de Sua mãe, visto que as respostas estimulam o desejo de libertar-se da vida condicionada da existência material. Tais perguntas são conhecidas como apavarga-vardhanam. Aqueles que têm verdadeiro interesse espiritual são chamados de sat, ou devotos. Satāṁ prasaṅgāt. Sat significa “aquilo que existe eternamente”, e asat significa “aquilo que não é eterno”. A não ser que uma pessoa esteja situada na plataforma espiritual, ela não é sat; ela é asat. O asat permanece em uma plataforma que não existirá, mas qualquer um que permaneça na plataforma espiritual existirá eternamente. Como almas espirituais, todos existem eternamente, mas o asat aceita o mundo material como seu abrigo, em razão do que vive cheio de ansiedade. Asad-grāhān, a incompatível situação da alma espiritual que tem a falsa ideia de desfrutar da matéria, é a causa de a alma ser asat. Na verdade, a alma espiritual não é asat. Tão logo alguém se conscientize desse fato e adote a consciência de Kṛṣṇa, torna-se sat. Satāṁ gatiḥ, o caminho do eterno, é muito interessante para pessoas que buscam a liberação, sobre cujo caminho passou a falar Sua Onipotência Kapila.

Aqueles que são sat são, portanto, transcendentalistas avançados na vida espiritual e, ao ouvirem perguntas daqueles que desejam compreender a vida espiritual, ficam muito felizes. Transcendentalistas não têm interesse por conversas mundanas. Na verdade, conversas mundanas lhes são muito desagradáveis, e eles evitam a companhia daqueles que falam sobre assuntos mundanos despropositados. Śrī Caitanya Mahāprabhu aconselhou a Seus discípulos que grāmya-kathā nā śunibe. A palavra grāmya se refere àquilo que diz respeito à vila, sociedade e vizinhança de alguém. As pessoas estão interessadas em falar sobre grāmya-kathā. Os jornais, por exemplo, estão repletos de grāmya-kathā. Não há neles nenhuma compreensão espiritual. Nos Estados Unidos, existem muitos jornais, e muitas árvores têm de ser mortas apenas para publicar o New York Times. Hoje em dia, há escassez de papel. Por que eles inutilmente matam árvores apenas em prol de grāmya-kathā? Eles só têm interesse em lucro.

Há, entretanto, outro tipo de kathā – kṛṣṇa-kathā. Existem livros que talvez sejam muito bem apresentados do ponto de vista literário, mas, se não há neles glorificação do Senhor Supremo, tornam-se inúteis.

na yad vacaś citra-padaṁ harer yaśo
jagat-pavitraṁ pragṛṇīta karhicit
tad vāyasaṁ tīrtham uśanti mānasā
na yatra haṁsā niramanty uśik-kṣayāḥ

“Aquelas palavras que não descrevem as glórias do Senhor, que por si só podem santificar a atmosfera de todo o universo, são consideradas pelas pessoas santas como se fossem local de peregrinação para corvos. Uma vez que as pessoas todo-perfeitas são habitantes da morada transcendental, elas não obtêm aí nenhum prazer.” (Śrīmad-Bhāgavatam 1.5.10)

Livros mundanos são como lugares onde os corvos se comprazem. Na sociedade dos pássaros, existem corvos e cisnes, e os corvos se interessam por lugares onde se atiram coisas imundas. Os cisnes, contudo, preferem água limpa e cristalina com flores de lótus, e é nesses lugares que sentem prazer. Analogamente, há homens que são como corvos e homens que são como cisnes. Essa é uma divisão natural. Segundo um antigo provérbio: “Cada qual com seu igual.” Corvos misturam-se com corvos, e cisnes, com cisnes. Visto que os devotos são como cisnes (haṁsas), o devoto mais elevado é chamado de paramahaṁsa. Os paramahaṁsas não estão interessados em assuntos próprios para corvos. Alguém que manifesta interesse em perguntar sobre assuntos transcendentais, kṛṣṇa-kathā, muito alegra um paramahaṁsa. Por isso, Kapiladeva ficou muito feliz ao ouvir que Sua mãe estava ansiosa para receber informações sobre como libertar-se do cativeiro material:

atha me deva sammoham
apākraṣṭuṁ tvam arhasi
yo ’vagraho ’haṁ mametīty
etasmin yojitas tvayā

“Agora, meu Senhor, faze o obséquio de dissipar minha grande ilusão. Devido a meu sentimento de falso ego, tenho sido ocupada por Tua māyā e tenho me identificado com o corpo e consequentes relações corpóreas.” (Śrīmad-Bhāgavatam 3.25.10)

Caitanya Mahāprabhu aconselhou Seus discípulos a nunca comer comida saborosa, a nunca conversar sobre assuntos de vila e a nunca ler romances, poemas ou jornais ordinários. Talvez alguém pergunte: “Como é possível que, em plena era moderna, esses europeus e americanos do movimento da consciência de Kṛṣṇa não se interessem em ler jornais?” Os jornais são muito populares no Ocidente. Todos os dias, publicam-se jornais em três ou quatro edições, e todos são vendidos. Entretanto, esses rapazes e moças americanos que vieram para a consciência de Kṛṣṇa deixaram de ler jornais. Eles não sabem o que acontece no cotidiano, mas tais acontecimentos não têm importância. Tudo isso é uma perda de tempo. É melhor que leiam livros como o Śrīmad-Bhāgavatam e a Bhagavad-gītā. Por que alguém deveria desperdiçar seu valioso tempo?

Kapiladeva ficou muito feliz com o fato de Sua mãe estar interessada apenas no avanço espiritual. Este mundo material chama-se pavarga, e anulá-lo chama-se apavarga. Neste mundo material, os homens trabalham muito duro somente para conseguir algum dinheiro. Isso cria uma situação infernal, e a vida material é assim. Eles se tornaram tão estúpidos que nem compreendem o significado de liberação. Tornaram-se exatamente como animais. Caso se diga a um animal que existe algo como a liberação, como ele irá compreender? Isso não é possível. Da mesma maneira, no momento atual, os seres humanos se tornaram exatamente como animais. Eles desconhecem o significado de apavarga, ou liberação. Ainda assim, houve um tempo em que as pessoas compreendiam que a vida humana se destinava a apavarga. Devahūti faz as perguntas, e Kapiladeva dá as respostas. Isso é apavarga-vardhanam. No que diz respeito à manutenção material, os śāstras nunca dão ênfase a esse ponto. Ao contrário, eles dizem que nossa manutenção acontecerá automaticamente. Deus alimenta os animais, os pássaros e seres aquáticos. Por que Ele não manteria alguém que está interessado em apavarga? Infelizmente, ninguém tem fé, daí boa associação ser algo necessário.

As pessoas não devem desperdiçar seu tempo associando-se com corvos; elas devem associar-se com cisnes. Quando se joga o lixo fora, os corvos e cães se aproximam para ver o que está ali, mas nenhum homem sóbrio faz isso. Aqueles que estão interessados em tentar tirar prazer deste mundo material, na verdade, estão mastigando o mastigado. Punaḥ punaś carvita-carvaṇānām (Śrīmad-Bhāgavatam 7.5.30). Se alguém tenta chupar um pedaço de cana-de-açúcar que já foi chupado, ele é um tolo. Devemos saber que o suco já foi tirado dessa cana-de-açúcar. O que se conseguirá chupando tal cana-de-açúcar? Contudo, há animais que só se interessam em mastigar o mastigado. Vida material significa mastigar o mastigado. Um pai educa seu filho para ganhar a vida, casar-se e estabelecer-se, mas ele próprio já sabe que, por fazer isso, não ficou satisfeito. Por que, então, ele ocupa seu filho da mesma maneira? Um pai de verdade é aquele que não permite que seu filho mastigue o mastigado. Pitā na sa syāj jananī na sā syāt na mocayed yaḥ samupeta-mṛtyum: ninguém deve tornar-se pai nem mãe, se não for capaz de salvar seus filhos das ameaçadoras garras da morte. (Śrīmad-Bhāgavatam 5.5.18) Esse é o dever do pai e da mãe. Como se pode fazer isso? O pai e a mãe devem educar os filhos em consciência de Kṛṣṇa. Eles, então, podem ser salvos. Os pais devem educar os filhos de tal maneira que não haja mais pavarga. Se não nos esforçarmos pela liberação, criaremos uma civilização de cães e gatos. Comer, dormir, acasalar-se, defender-se, temer e morrer são experiências vividas também pelos cães e gatos, mas a vida humana destina-se a outro propósito. É claro que temos de cuidar do corpo; não é que devemos negligenciá-lo. Mas não devemos nos ocupar desnecessariamente na manutenção do corpo.

yasyātma-buddhiḥ kuṇape tri-dhātuke
sva-dhīḥ kalatrādiṣu bhauma ijya-dhīḥ
yat tīrtha-buddhiḥ salile na karhicij
janeṣv abhijñeṣu sa eva go-kharaḥ

“O ser humano que identifica como seu eu este corpo feito de três elementos, que considera como seus parentes os subprodutos do corpo, que considera adorável a sua terra natal e que vai aos lugares de peregrinação apenas para tomar banho, deixando de encontrar-se com homens de conhecimento transcendental, deve ser tido como uma vaca ou um asno.” (Śrīmad-Bhāgavatam 10.84.13)

A partir dos Vedas, podemos receber todos os tipos de educação. Em uma mangueira, há mangas verdes e mangas maduras. O Śrīmad-Bhāgavatam é a manga madura da árvore-dos-desejos do conhecimento védico: nigama-kalpa-taror galitaṁ phalam. Se a manga é provada por um papagaio, ela fica duas vezes mais saborosa. A palavra śuka significa papagaio, e Śukadeva Gosvāmī falou o Śrīmad-Bhāgavatam. Esse, portanto, fica ainda mais saboroso depois que emanou de seus lábios.

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nigama-kalpa-taror galitaṁ phalaṁ
śuka-mukhād amṛta-drava-saṁyutam
pibata bhāgavataṁ rasam ālayaṁ
muhur aho rasikā bhuvi bhāvukāḥ

“Ó homens hábeis e pensativos, saboreai o Śrīmad-Bhāgavatam, o fruto maduro da árvore-dos-desejos da literatura védica. Ele emanou dos lábios de Śrī Śukadeva Gosvāmī. Portanto, este fruto tornou-se ainda mais saboroso, embora seu sumo nectáreo já fosse saboreável por todos, inclusive as almas liberadas.” (Śrīmad-Bhāgavatam 1.1.3) É lamentável que na Índia, onde todas estas escrituras estão disponíveis, as pessoas não estejam interessadas. Elas se interessam em literatura marxista, mas não no Śrīmad-Bhāgavatam. Este é o infortúnio da Índia.

Quando um estudante ouve os temas espirituais com atenção, o mestre espiritual fica muito feliz. Kapiladeva estava muito feliz de ver Sua mãe ávida por compreender assuntos espirituais. Por isso, agradeceu-lhe as perguntas.

Em geral, as pessoas se interessam por coisas que proporcionam prazer imediato. Desejamos provar algo saboroso para a língua, sem levar em conta se o alimento é adequado ou não. Os porcos estão muito ansiosos por comer excremento, e eles o fazem sem discriminação. Eles não fazem ideia do que é tapasya, penitência. Quando alguém se ocupa em autorrealização, ele tem de se submeter a tapasya. Entretanto, Caitanya Mahāprabhu facilitou enormemente este processo. Ceto-darpaṇa-mārjanaṁ bhava-mahā-dāvāgni-nirvāpaṇam. Tudo o que temos de fazer é reservar um pouco de tempo para cantar Hare Kṛṣṇa, mas não estamos prontos nem mesmo para esse pequeno tapasya.

Kṛṣṇa está mais interessado em nos guiar no caminho da liberação do que nós em segui-lo. Ele nos deu um método muito simples: harer nāma harer nāma harer nāmaiva kevalam. Temos apenas de cantar Hare Kṛṣṇa. Para aperfeiçoar este cantar de Hare Kṛṣṇa, não existem regras rígidas. Simplesmente por cantar, alcançaremos a perfeição. Entretanto, por estarmos contaminados por Kali-yuga, somos desafortunados e, por isso, não sentimos atração pelos santos nomes de Kṛṣṇa. Portanto, quando Kapiladeva ou Seu representante veem alguém um pouco interessado, eles ficam muito felizes e o agradecem. Ao ver o interesse de Sua mãe, Kapiladeva lhe agradeceu internamente, não em palavras.

Kapiladeva ficou muito satisfeito e passou a falar. Kapiladeva era uma encarnação de Deus e um jovem rapaz; logo, Seu rosto era muito belo. Ao responder a essa pergunta, Ele ficou ainda mais belo e sorriu, pois estava satisfeito com a pergunta de Sua mãe. Kṛṣṇa também é muito belo, mas, quando um devoto O serve ou se aproxima dEle, Kṛṣṇa fica ainda mais belo. Quando um devoto, com todo seu coração e alma, serve a Kṛṣṇa, veste-O com roupas belas e oferece-Lhe uma flor, Kṛṣṇa sorri. Se você conseguir que Kṛṣṇa sorria para você apenas uma vez, a meta de sua vida será atingida.

Sorrindo dessa maneira, Kapiladeva começou a iluminar Sua mãe.

Verso 13

śrī-bhagavān uvāca
yoga ādhyātmikaḥ puṁsāṁ
mato niḥśreyasāya me
atyantoparatir yatra
duḥkhasya ca sukhasya ca

A Personalidade de Deus respondeu: O sistema de yoga que se relaciona com o Senhor e a alma individual, que se destina ao benefício máximo da entidade viva e que causa desapego de toda felicidade e de toda aflição no mundo material, é o sistema de yoga mais elevado.

SIGNIFICADO—No mundo material, todos vivem tentando obter alguma felicidade material, mas, assim que obtemos alguma felicidade material, ela também vem acompanhada de aflição material. No mundo material, não se pode ter felicidade inadulterada. Qualquer espécie de felicidade que se tenha também se contamina pela aflição. Por exemplo, se quisermos beber leite, teremos que nos dar ao trabalho de manter uma vaca e alimentá-la bem para ela fornecer leite. Beber leite é muito bom; é um prazer também. Contudo, para poder beber leite, é preciso submeter-se a muitos incômodos. O sistema de yoga, como aqui afirma o Senhor, destina-se a acabar com toda felicidade e toda aflição materiais. O melhor yoga, como Kṛṣṇa ensina na Bhagavad-gītā, é o bhakti-yoga. Na Gītā, também se menciona que devemos tentar ser tolerantes e não nos deixar perturbar pela felicidade ou aflição materiais. Evidentemente, alguém pode dizer que a felicidade material não o perturba, mas não sabe que, após alguém desfrutar da chamada felicidade material, logo virá a aflição material. Essa é a lei do mundo material. O Senhor Kapila declara que o sistema de yoga é a ciência do espírito. Pratica-se yoga para alcançar a perfeição na plataforma espiritual, onde não há possibilidade de felicidade ou aflição materiais. O yoga é transcendental. O Senhor Kapila explicará mais tarde como o yoga é transcendental, mas está introduzindo o assunto aqui.

Neste mundo material, a tentativa de minimizar o sofrimento e aumentar ao máximo a felicidade é chamada de luta pela existência. Em geral, as pessoas praticam yoga a fim de obter alguma vantagem material. Existem oito tipos de perfeições ióguicas (siddhis): aṇimā, laghimā, prāpti, īśitva, vaśitva, mahimā, prākāmya e kāmāvasāyitā. O verdadeiro yogī pode tornar-se menor que o menor, mais leve que o mais leve e maior que o maior. O que quer que deseje, ele pode produzir de imediato em sua mão. Ele pode até mesmo criar um planeta. Esses são alguns dos yoga-siddhis, mas aqui se afirma que o sistema supremo de yoga não visa à felicidade material ou ao alívio dos sofrimentos causados por inconveniências materiais. O mundo inteiro está tentando livrar-se do sofrimento material e conseguir alguma felicidade. De qualquer modo, quando algo é material, o que existe é apenas a suposta felicidade e o suposto sofrimento. Por exemplo, estão soltando fogos de artifício, e isso pode ser felicidade para alguém, mas é incômodo para nós. Há quem pense que esses fogos de artifício são muito agradáveis, mas nós os consideramos muito inconvenientes. Assim é o mundo material. De um lado, há felicidade, e do outro, sofrimento. Na verdade, tanto a felicidade quanto o sofrimento são ilusões. No verão, a água traz felicidade, mas, no inverno, traz sofrimento. A água é a mesma, mas, em certa ocasião, proporciona felicidade e, em outra, sofrimento. Quando um filho nasce, ele traz felicidade, mas, quando morre, traz tristeza. Em ambos os casos, o filho é o mesmo.

Este mundo material é um mundo de dualidade, e não podemos compreender a felicidade sem a tristeza, nem a tristeza sem a felicidade. Portanto, este mundo é chamado de relativo. A felicidade espiritual está acima dessas dualidades, e essa felicidade espiritual é a perfeição do yoga. Yoga ādhyātmikaḥ. Yoga é a felicidade da alma, e a alma individual pode ser feliz quando está com a Superalma, a Alma Suprema. Nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām. Existe a Alma Suprema, ou a entidade viva suprema, e existem muitas almas individuais, seres individuais. Nós somos muitos, mas a entidade viva principal é uma, Kṛṣṇa. Ele é o fogo, e nós somos as centelhas desse fogo. As centelhas permanecem iluminadas enquanto estão com o fogo original, mas, se não estão mais associadas com o fogo original, elas se extinguem. Analogamente, nossa verdadeira felicidade consiste em desfrutar com o Ser Supremo. Felicidade é estar em Sua companhia. Kṛṣṇa não está sozinho; está sempre com Seus amigos, sejam as gopīs, sejam os pastorzinhos, sejam Seus pais. Jamais encontramos Kṛṣṇa sozinho. Ele pode estar com Rādhārāṇī ou com Seus devotos. Ele é como um rei ou presidente. Quando se diz que o presidente está chegando, entende-se que ele não está chegando sozinho. Ele vem com seus secretários, ministros e muitos outros membros da comitiva.

A palavra yoga significa “conexão”, e ātmā significa “alma” e, às vezes, “mente” ou “corpo”. O corpo material não tem nada a ver com o Ser Supremo, pois o Ser Supremo é completamente espiritual. Ele não possui cobertura material. Quem pensa que Kṛṣṇa, o Ser Supremo, possui uma cobertura material, está ele próprio coberto por māyā. Kṛṣṇa não diz que vem como um ser vivo comum. Ao contrário, Seu advento é totalmente transcendental. Janma karma ca me divyam evaṁ yo vetti tattvataḥ. (Bhagavad-gītā 4.4). Temos, portanto, de aprender como Kṛṣṇa aceita um nascimento, o qual não é comum. Se fosse comum, por que celebraríamos a cerimônia de Janmāṣṭamī? Seu nascimento é divyam, divino. Tudo o que se relaciona a Kṛṣṇa é divino, e, se pensamos que Kṛṣṇa é como um de nós, tornamo-nos mūḍhas, tolos, imediatamente. Segundo as palavras da Bhagavad-gītā (9.11):

avajānanti māṁ mūḍhā
mānuṣīṁ tanum āśritam
paraṁ bhāvam ajānanto
mama bhūta-maheśvaram

“Os tolos zombam de Mim quando desço na forma humana. Eles não conhecem Minha natureza transcendental como o Supremo Senhor de tudo o que existe.”

De fato, Kṛṣṇa é o Ser Supremo original, a alma espiritual original. Somos apenas diminutas partes integrantes de Kṛṣṇa. Se nos conectamos com Kṛṣṇa, ficamos iluminados assim como Kṛṣṇa. Se nos afastamos de Kṛṣṇa, nosso poder espiritual e iluminação se extinguem. A palavra yoga significa conectar-se ou unir-se com a fonte original. Yoga é uma palavra sânscrita que significa “conexão”, e viyoga significa “desconexão”.

Kapiladeva é tratado como Bhagavān, a Suprema Personalidade de Deus. Bhagavān não comete erros. Nārāyaṇaḥ paro ’vyaktāt: até mesmo Śaṅkarācārya diz que “Bhagavān, Nārāyaṇa, não pertence a este mundo material.” Quando falamos de Bhagavān, ou quando os śāstras se referem a Bhagavān, referimo-nos àquele que está acima da compreensão material. Como se declara neste verso: śrī-bhagavān uvāca. Aqui não se diz vyāsadeva uvāca ou kapiladeva uvāca. Do mesmo modo, na Bhagavad-gītā, Vyāsadeva diz: śrī-bhagavān uvāca. Bhagavān se refere àquele que está acima dos defeitos deste mundo material. Bhagavān não está sujeito às quatro deficiências das entidades vivas. Por serem imperfeitas, as entidades vivas se iludem e estão sujeitas a cometer erros. Elas também têm a tendência de enganar os outros. Quando alguém que não tem conhecimento tenta tornar-se um professor ou pregador, ele, na verdade, está enganando os outros. Já que nós mesmos não possuímos conhecimento perfeito, tentamos ensinar apenas o que Śrī Bhagavān diz. Não inventamos nossos próprios ensinamentos. Os ditos homens eruditos e cultos inventam seus próprios ensinamentos e dão suas opiniões. Em especial no Ocidente, encontramos muita especulação filosófica e ginástica mental, mas semelhante filosofia nunca pode ser perfeita. Temos de receber nossas ideias de Bhagavān, então elas serão perfeitas. Nós lemos a Bhagavad-gītā porque ela é perfeita. Ali, não existe engano, não existe ilusão, não existe enganação. Tampouco foi apresentada por alguém cujos sentidos são imperfeitos. Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā (7.26):

vedāhaṁ samatītāni
vartamānāni cārjuna
bhaviṣyāṇi ca bhūtāni
māṁ tu veda na kaścana

“Ó Arjuna, por ser a Suprema Personalidade de Deus, sei de tudo o que aconteceu no passado, tudo o que está acontecendo no presente e tudo o que ainda vai acontecer. Conheço também todas as entidades vivas; mas a Mim ninguém conhece.”

Deus conhece tudo, mas nós não conhecemos quem é Deus. Essa é a nossa posição. Nossa posição é não saber. Īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati (Bhagavad-gītā 18.61). Īśvara, Deus, Kṛṣṇa, está situado no coração de todos. Sarvasya cāhaṁ hṛdi sanniviṣṭaḥ: “Eu entrei no coração de todos.” (Bhagavad-gītā 15.15) O Senhor Supremo refere-Se não apenas aos corações dos seres humanos, mas também aos dos animais e tudo mais.

aṇḍāntara-stha-paramāṇu-cayāntara-sthaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

(Brahma-saṁhitā 5.35)

O Senhor Supremo, como Paramātmā, está dentro do átomo e, portanto, também está dentro da alma individual. Porque está dentro de tudo, Ele conhece tudo. Visto que Ele conhece tudo, devemos receber instruções dEle. Se aceitamos como conhecimento perfeito o que Bhagavān diz, recebemos conhecimento perfeito. Para receber esse conhecimento, existe uma sucessão discipular (paramparā), que é descrita na Bhagavad-gītā (4.2):

evaṁ paramparā-prāptam
imaṁ rājarṣayo viduḥ

“Esta ciência suprema foi então recebida através da corrente de sucessão discipular, e os reis santos compreenderam-na dessa maneira.” Essa filosofia da consciência de Kṛṣṇa é muito fácil porque não inventamos nenhuma ideia. Recebemos as ideias e as palavras pronunciadas pela Pessoa Suprema, Kṛṣṇa, por Sua encarnação ou por Seu representante. Seu representante não diz nada que o próprio Kṛṣṇa não diga. É muito fácil ser um representante, mas ninguém pode ser um representante de Kṛṣṇa se tenta interpretar as palavras de Kṛṣṇa de forma caprichosa.

Não existe autoridade superior a Śrī Kṛṣṇa, e se nos atemos a esse princípio, podemos nos tornar gurus. Não é preciso mudar de posição para ser um guru. Tudo o que temos de fazer é seguir na sucessão discipular que provém de Śrī Kṛṣṇa. Caitanya Mahāprabhu aconselhou: āmāra ājñāya guru hañā tāra’ ei deśa (Caitanya-caritāmṛta, Madhya 7.128). Caitanya Mahāprabhu instruía as pessoas a aprenderem com Ele e, em seguida, ensinarem aos outros em suas próprias vilas. Talvez alguém pense: “Sou analfabeto e não tenho educação. Não nasci em uma família muito elevada. Como posso me tornar guru?” Caitanya Mahāprabhu diz que não é muito difícil. Yāre dekha, tāre kaha ‘kṛṣṇa’-upadeśa: “Fale apenas o que Kṛṣṇa fala. Você, então, torna-se um guru.” Quem quer que fale o que Kṛṣṇa não falou não é um guru, mas sim um patife. Um guru só fala o que Kṛṣṇa falou. Esse é o preceito do śāstra.

ṣaṭ-karma-nipuṇo vipro
mantra-tantra-viśāradaḥ
avaiṣṇavo gurur na syād
vaiṣṇavaḥ śva-paco guruḥ

“Um brāhmaṇa erudito, versado em todos os assuntos do conhecimento védico, não está apto a tornar-se mestre espiritual se não for um vaiṣṇava, ou hábil na ciência da consciência de Kṛṣṇa. Mas a pessoa nascida em família de casta inferior pode tornar-se mestre espiritual se for vaiṣṇava, ou consciente de Kṛṣṇa.” (Padma Purāṇa)

As pessoas estão na escuridão e têm de ser iluminadas. Passamos, afinal, do reino animal para a forma humana, e agora esta forma humana nos dá a oportunidade de sairmos do ciclo de nascimentos e mortes. A missão desta sociedade para a consciência de Kṛṣṇa é despertar as pessoas para sua consciência original. Jīva jāga, jīva jāga, gaurācānda bale. A palavra gaurācānda refere-se a Caitanya Mahāprabhu, que diz à entidade viva: “Acorde! Acorde! Por mais quanto tempo você continuará dormindo?” Kota nidrā yāo māyā-piśācīra kole. Declara-se o mesmo nesta passagem. É dever primordial dos seres humanos conectar-se de novo com a Alma Suprema. O propósito do yoga é despertar a consciência de Kṛṣṇa e conectar a alma individual de novo com Kṛṣṇa. Isso é ādhyātmika-yoga. Yoga não significa mostrar alguma mágica mística. O próprio Śrī Kṛṣṇa descreve na Bhagavad-gītā (6.47) quem é o yogī supremo:

yoginām api sarveṣāṁ
mad-gatenāntar-ātmanā
śraddhāvān bhajate yo māṁ
sa me yukta-tamo mataḥ

“E de todos os yogīs, aquele que tem muita fé e sempre se refugia em Mim, pensa em Mim dentro de Si mesmo e Me presta transcendental serviço amoroso, é o mais intimamente unido a Mim em yoga e é o mais elevado de todos. Esta é a Minha opinião.”

Existem muitos yogīs e muitos tipos de sistemas de yoga, e todos eles são apresentados na Bhagavad-gītā. Existe haṭha-yoga, karma-yoga, jñāna-yoga e rāja-yoga; entretanto, o verdadeiro sistema de yoga se destina a reviver nossa conexão com Kṛṣṇa. Aqui se diz que yoga ādhyātmikaḥ puṁsām. Ādhyātmikaḥ: somos entidades vivas, almas. Não é que estejamos desconectados de Kṛṣṇa, mas simplesmente nos esquecemos dEle. Não é possível que nos desconectemos, mas é possível que fiquemos encobertos. Conforme as palavras de Kṛṣṇa na Bhagavad-gītā (7.25):

nāhaṁ prakāśaḥ sarvasya
yoga-māyā-samāvṛtaḥ
mūḍho ’yaṁ nābhijānāti
loko mām ajam avyayam

“Eu nunca Me manifesto aos tolos e aos ininteligentes. Para eles, estou coberto por Minha potência interna, e, portanto, eles não sabem que Eu sou não nascido e infalível.”

Existe yoga, e existe yogamāyā. Yogamāyā significa esquecimento. Antes de qualquer coisa, temos de compreender o que é a alma. Atualmente, as pessoas se encontram em tanta escuridão que nem mesmo compreendem a alma. Logo, a Bhagavad-gītā (2.13), antes de qualquer coisa, ensina o que é a alma:

dehino ’smin yathā dehe
kaumāraṁ yauvanaṁ jarā
tathā dehāntara-prāptir
dhīras tatra na muhyati

“Assim como, neste corpo, a alma corporificada seguidamente passa da infância à juventude e à velhice, do mesmo modo, chegando a morte, a alma passa para outro corpo. Uma pessoa ponderada não fica confusa com essa mudança.” A palavra dehī significa “o proprietário do corpo”. Estamos pensando: “Eu sou este corpo”, mas, na realidade, isso não é verdade. Somos os proprietários do corpo, e essa é a verdadeira compreensão acerca do eu. Não dizemos: “Sou este dedo” ou “Sou esta mão”. Em vez disso, dizemos: “Este é meu dedo, esta é minha cabeça, esta é minha perna etc.” De modo semelhante, pode-se dizer o mesmo em relação ao corpo inteiro. “Este é meu corpo.” Isso quer dizer que eu sou o proprietário deste corpo. O corpo foi dado por māyā, a energia material.

prakṛteḥ kriyamāṇāni
guṇaiḥ karmāṇi sarvaśaḥ
ahaṅkāra-vimūḍhātmā
kartāham iti manyate

“Confusa, a alma espiritual que está sob a influência do falso ego julga-se a autora das atividades que, de fato, são executadas pelos três modos da natureza material.” (Bhagavad-gītā 3.27)

A entidade viva recebe diferentes tipos de corpos de acordo com o karma. Uma entidade viva pode receber um corpo de gato; outra, um corpo de cão, e assim por diante. Por que existem tantos corpos diferentes? Por que não existe apenas um tipo de corpo? A resposta a isso é dada na Bhagavad-gītā (13.22):

kāraṇaṁ guṇa-saṅgo ’sya
sad-asad-yoni janmasu

“Isso decorre de sua associação com essa natureza material. Assim, ela se encontra com o bem e o mal entre as várias espécies de vida.”

Porque a alma dentro do corpo se associa com os três modos da natureza material (bondade, paixão e ignorância), ela recebe diferentes tipos de corpos. Ninguém deve aspirar pelo próximo corpo; pode-se ter certeza de que será um corpo diferente. Por outro lado, Kṛṣṇa não diz que tipo de corpo a pessoa receberá. Isso depende da qualificação. Se alguém se associa com o modo da bondade, ele se eleva aos sistemas planetários superiores. Se alguém se associa com o modo da paixão, permanece aqui. E se alguém se associa com o modo da ignorância e escuridão, desce para as formas inferioresanimais, árvores e plantas. Essas são as palavras de Śrī Kṛṣṇa na Bhagavad-gītā (14.18):

ūrdhvaṁ gacchanti sattva-sthā
madhye tiṣṭhanti rājasāḥ
jaghanya-guṇa-vṛtti-sthā
adho gacchanti tāmasāḥ

“Aqueles situados no modo da bondade gradualmente elevam-se aos planetas superiores, aqueles no modo da paixão vivem nos planetas terrestres, e aqueles no abominável modo da ignorância descem para os mundos infernais.”

Existem 8.400.000 espécies de vida, e todas elas surgem da associação da alma condicionada com os modos da natureza (kāraṇaṁ guṇa-saṅgo ’sya). E, de acordo com o corpo, ela se submete ao sofrimento e à felicidade. Não se pode pensar que um cão desfruta a mesma felicidade desfrutada por um rei ou por um homem rico. Quer alguém desfrute desta ou daquela felicidade, quer sofra desta ou daquela infelicidade, tanto a felicidade quanto a infelicidade devem-se ao corpo material. Yoga quer dizer transcender a infelicidade e a felicidade do corpo material. Se nos conectamos com Kṛṣṇa através do yoga supremo, podemos nos livrar da felicidade e infelicidade materiais que surgem do corpo. Religar-se com Kṛṣṇa chama-se bhakti-yoga, e Kṛṣṇa vem para nos ensinar este yoga supremo. Em essência, Ele diz: “Simplesmente reviva sua ligação coMigo, seu patife. Abandone todos esses yogas e religiões inventados e renda-se a Mim.” Essa é a instrução de Kṛṣṇa, e o representante de Kṛṣṇa, a encarnação ou o guru, dizem a mesma coisa. Embora seja uma encarnação de Kṛṣṇa, Kapiladeva age como o representante de Kṛṣṇa, o guru. Se simplesmente aceitarmos o princípio de rendição a Kṛṣṇa, nós nos tornaremos transcendentais à dita felicidade material. Não devemos nos deixar cativar pela felicidade material nem nos perturbar pela infelicidade material. Elas são causas de cativeiro. Felicidade material não é verdadeira felicidade. É, na verdade, infelicidade. Tentamos ser felizes obtendo dinheiro, mas dinheiro não é fácil de obter e, por isso, temos de nos submeter a muitas perturbações. Entretanto, aceitamos esses problemas com a esperança de obter um pouco de falsa felicidade. Se purificamos nossos sentidos, contudo, podemos alcançar a plataforma espiritual. Felicidade verdadeira consiste em ocupar os sentidos na satisfação dos sentidos de Kṛṣṇa. Dessa maneira, nossos sentidos se espiritualizam, e isso se chama ādhyātmika-yoga ou bhakti-yoga. É esse yoga que o Senhor Kapiladeva está expondo aqui.

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