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As Atividades Maravilhosas do Senhor Kṛṣṇa
gopy ādade tvayi kṛtāgasi dāma tāvad
yā te daśāśru-kalilāñjana-sambhramākṣam
vaktraṁ ninīya bhaya-bhāvanayā sthitasya
sā māṁ vimohayati bhīr api yad bibheti
Meu querido Kṛṣṇa, Yaśodā pegou uma corda para atar-Te quando fizeste uma travessura, e Teus olhos perturbados inundaram-se de lágrimas, as quais lavaram o maquiagem de Teus olhos. E estavas temeroso, embora até mesmo o medo personificado tenha medo de Ti. Essa visão é desconcertante para mim.
Śrīmad-Bhāgavatam 1.8.31
Eis outra explicação sobre a confusão causada pelos passatempos do Senhor Supremo. O Senhor Supremo é o Supremo em todas as circunstâncias, como já se explicou. Aqui está um exemplo específico de que o Senhor é o Supremo e, ao mesmo tempo, um brinquedo na presença de Seu devoto puro. O devoto puro presta serviço ao Senhor apenas por amor imaculado e, enquanto desempenha esse serviço devocional, esquece a posição do Senhor Supremo. O Senhor Supremo também aceita com mais gosto o serviço amoroso de Seus devotos quando esse serviço é prestado com atitude espontânea, por afeição pura, sem nem um pouco de admiração reverencial. Geralmente, o Senhor é adorado pelos devotos numa atitude reverencial. Mas Ele fica mais satisfeito quando o devoto, por afeição e amor puros, O considera como menos importante que ele mesmo. Os passatempos do Senhor, na morada original de Goloka Vṛndāvana, são intercambiados nesse espírito. Os amigos de Kṛṣṇa consideram-nO como um deles. Eles não O consideram como sendo de importância reverencial. Os pais do Senhor (que são todos devotos puros) consideram-nO apenas como uma criança. O Senhor aceita os castigos de Seus pais mais alegremente que as orações dos hinos védicos. De modo semelhante, Ele aceita as repreensões de Suas noivas mais saborosamente que os hinos védicos. Quando o Senhor Kṛṣṇa esteve presente neste mundo material, para manifestar Seus passatempos eternos do reino transcendental de Goloka Vṛndāvana, como uma atração para as pessoas em geral, Ele revelou um quadro único de subordinação diante de Sua mãe adotiva, Yaśodā. O Senhor, em Suas atividades brincalhonas naturalmente infantis, costumava estragar a manteiga que mãe Yaśodā mantinha em estoque, quebrando os potes e distribuindo o conteúdo a Seus amigos e companheiros de folguedos, incluindo os célebres macacos de Vṛndāvana, que se aproveitavam da munificência do Senhor. Mãe Yaśodā viu isso e, por seu amor puro, quis fazer uma encenação de castigo para seu filho transcendental. Ela pegou uma corda e ameaçou amarrá-lO, assim como geralmente fazem os chefes de família comuns. Vendo a corda nas mãos de mãe Yaśodā, o Senhor inclinou Sua cabeça e começou a chorar como uma criança, e lágrimas rolaram por Suas bochechas, lavando o unguento negro de Seus belos olhos. Este retrato do Senhor é adorado por Kuntīdevī, porque ela é consciente da posição suprema do Senhor. Embora seja frequentemente temido pelo medo personificado, Ele teme Sua mãe, que quis simplesmente castigá-lO, como se faz habitualmente. Kuntī estava consciente da posição elevada de Kṛṣṇa, ao passo que Yaśodā não estava. Portanto, a posição de Yaśodā era mais elevada que a de Kuntī. Mãe Yaśodā obteve o Senhor como seu filho, e o Senhor fê-la esquecer-se completamente de que Ele era o próprio Senhor. Se mãe Yaśodā fosse consciente da posição elevada do Senhor, certamente teria hesitado em castigá-lO. O Senhor, porém, fez com que ela esquecesse tal fato, porque queria comportar-Se exatamente como uma criança diante da afetuosa Yaśodā. Esse intercâmbio de amor entre a mãe e o filho foi executado de maneira natural, e Kuntī, lembrando-se da cena, ficou desconcertada. Ela não pôde fazer nada além de louvar o amor filial transcendental. Indiretamente, mãe Yaśodā é louvada por sua posição única de amor, pois ela pôde controlar mesmo o Senhor Todo-poderoso, como seu amado filho.
Este passatempo apresenta outra opulência de Kṛṣṇa – Sua opulência de beleza. Kṛṣṇa tem seis opulências: toda riqueza, toda força, toda influência, todo conhecimento, toda renúncia e toda beleza. A natureza de Kṛṣṇa é que Ele é maior do que o maior e menor que o menor (aṇor aṇīyān mahato mahīyān). Nós oferecemos reverências a Kṛṣṇa com respeito e veneração, mas ninguém vai até Kṛṣṇa com uma corda, dizendo: “Kṛṣṇa. Você cometeu uma ofensa, e agora eu vou amarrá-lO”. Porém, esta é uma prerrogativa do devoto mais perfeito, e Kṛṣṇa deseja ser tratado dessa maneira.
Pensando na opulência de Kṛṣṇa. Kuntīdevī não quis agir como Yaśodā, porque, embora fosse tia de Kṛṣṇa, ela não tinha o privilégio de se aproximar dEle da mesma maneira que Yaśodāmayī, que era uma devota tão avançada que tinha o direito de castigar a Suprema Personalidade de Deus. Esta é uma prerrogativa especial de Yaśodāmayī. Kuntīdevī estava simplesmente pensando em como Yaśodā era afortunada a ponto de poder ralhar com a Suprema Personalidade de Deus, que é assustador para a própria personificação do medo (bhīr api yad bibheti). Quem não tem medo de Kṛṣṇa? Ninguém. Mas Kṛṣṇa tem medo de Yaśodāmayī. Esta é a sobreexcelência de Kṛṣṇa.
Para dar outro exemplo dessa opulência, Kṛṣṇa é conhecido como Madana-mohana. Madana significa “Cupido”. Cupido encanta todo mundo, mas Kṛṣṇa é conhecido como Madana-mohana, porque é tão belo que encanta o próprio Cupido. Apesar disso, o próprio Kṛṣṇa é encantado por Śrīmatī Rādhārāṇī, e, portanto, Śrīmatī Rādhārāṇī é conhecida como Madana-mohana-mohinī, “aquela que encanta quem encanta Cupido”. Kṛṣṇa encanta Cupido e Śrīmatī Rādhārāṇī encanta esse encantador.
Estas são compreensões espirituais muito elevadas na consciência de Kṛṣṇa. Elas não são fictícias, imaginárias ou forjadas; elas são fatos. Todo devoto que seja realmente avançado tem o privilégio de compreendê-las e, na verdade, pode participar dos passatempos de Kṛṣṇa. Não devemos pensar que o privilégio dado a mãe Yaśodā não seja obtenível por nós. Todos podemos ter um privilégio similar.
Quem amar Kṛṣṇa como seu filho terá esse privilégio, porque a mãe tem um amor enorme pelo filho. Mesmo neste mundo material não há comparação para o amor materno, porque a mãe ama seu filho sem desejar nada em troca. Mas, embora geralmente isso seja verdade, este mundo material é tão poluído que uma mãe às vezes pensa: “Meu filho vai crescer e tornar-se um homem e quando ganhar algum dinheiro, vou pegar para mim”. Assim, ainda existe algum desejo para conseguir algo em troca. Mas, quando se ama Kṛṣṇa, não existem sentimentos egoístas, porque o amor é puro, imotivado, livre de ganhos materiais (anyābhilāṣitā-śūnyam).
Não devemos amar Kṛṣṇa em troca de ganho material. Não é que devamos dizer: “Kṛṣṇa, dê-nos o pão de cada dia – nós, então, O amaremos. Kṛṣṇa, dê-me isto ou aquilo – nós, então, O amarei”. Não deve haver escambo, pois Kṛṣṇa deseja amor puro e imotivado.
Quando Kṛṣṇa viu mãe Yaśodā vindo com uma corda para amarrá-lO, Ele ficou imediatamente muito amedrontado, pensando: “Oh! Mamãe vai me amarrar”. Ele começou a chorar, e as lágrimas lavaram a maquiagem de Seus olhos. Olhando para Sua mãe com grande respeito, Ele apelou para ela com sentimento: “Sim, mãe, Eu a ofendi. Por favor, perdoe-Me”, e curvou imediatamente a cabeça. Kuntīdevī apreciou essa cena, porque essa é outra das perfeições de Kṛṣṇa. Embora seja a Suprema Personalidade de Deus, Ele Se deixa controlar por mãe Yaśodā. Na Bhagavad-gītā (7.7), o Senhor diz, mattaḥ parataraṁ nānyat kiñcid asti dhanañja: “Meu querido Arjuna, não existe ninguém superior a Mim”. Ainda assim, essa Suprema Personalidade de Deus, que é superior a todos, inclina-Se perante mãe Yaśodā, aceitando: “Sim, minha querida mãe, Eu sou um ofensor”.
Quando viu que Kṛṣṇa estava com tanto medo, Yaśodā também ficou perturbada. Na verdade, ela não queria que Kṛṣṇa sofresse com o castigo. Não era esse o seu desejo. Mas existe um sistema, ainda corrente na Índia, que, quando uma criança é muito levada e causa muitas perturbações, sua mãe a amarra em algum lugar. Por ser esse um sistema muito comum, mãe Yaśodā o adotou.
Essa cena é muito apreciada pelos devotos puros, porque mostra quanta grandeza existe na Pessoa Suprema, que brinca exatamente como uma criança. Quando brinca assim, Kṛṣṇa brinca perfeitamente. Quando atua como o esposo de dezesseis mil esposas, Ele é um esposo perfeito; quando age como o amante das gopīs, Ele é o amante perfeito, e, quando Se diverte como o amigo dos vaqueirinhos, Ele é o amigo perfeito.
Todos os vaqueirinhos dependem de Kṛṣṇa. Uma vez eles desejaram pegar frutas numa floresta de palmeiras. Mas nessa floresta morava um demônio chamado Gardabhāsura, que não permitia a entrada de ninguém naquele lugar. Então, os vaqueirinhos amigos de Kṛṣṇa lhe disseram: “Kṛṣṇa, gostaríamos de provar aquelas frutas, se Você puder providenciar...” Kṛṣṇa de imediato disse que sim, e junto com Balarāma foram à floresta, onde o demônio vivia com outros demônios que tinham assumido a forma de asnos. Quando os asnos-demônios, com seus cascos afiados, vieram dar coices em Kṛṣṇa e Balarāma, Balarāma pegou um deles, jogou-o em cima de uma das palmeiras, e o demônio morreu. Então, Kṛṣṇa e Balarāma mataram todos os demônios da mesma maneira. Dessa forma, Seus amigos vaqueirinhos ficaram muito agradecidos aos dois.
Em outra ocasião, os vaqueirinhos ficaram rodeados por fogo. Não conhecendo ninguém além de Kṛṣṇa, eles O chamaram imediatamente, e Kṛṣṇa estava pronto: “Sim!” E Kṛṣṇa imediatamente engoliu todo o fogo. Muitos demônios atacavam os meninos, e diariamente eles voltavam para suas mães dizendo: “Mamãe, Kṛṣṇa é maravilhoso”, e eles, então, lhes explicavam o que tinha acontecido naquele dia. E as mães respondiam: “Sim, nosso Kṛṣṇa é maravilhoso”. Eles não sabiam que Kṛṣṇa era Deus, a Pessoa Suprema. Eles só sabiam que Kṛṣṇa era maravilhoso. Isso é tudo. E quanto mais eles viam as atividades maravilhosas de Kṛṣṇa, mais aumentava seu amor. “Talvez Ele seja um semideus”, eles pensavam. Quando Nanda Mahārāja, o pai de Kṛṣṇa, conversava com seus amigos, eles falavam sobre Kṛṣṇa e diziam: “Ó Nanda Mahārāja, seu filho Kṛṣṇa é maravilhoso”. E Nanda Mahārāja respondia: “Sim, eu vejo isso. Talvez Ele seja algum semideus”. E, mesmo assim, não havia certeza – “talvez”.
Assim, os habitantes de Vṛndāvana não se importam com “quem é Deus e quem não é”. Eles amam Kṛṣṇa e isso é tudo. Aqueles que pensam primeiro em analisar Kṛṣṇa, para ver se Ele é Deus mesmo, não são devotos de primeira classe. Os devotos de primeira classe são aqueles que têm amor espontâneo por Kṛṣṇa. Como poderíamos analisar Kṛṣṇa? Ele é ilimitado. Portanto, é impossível analisá-lO. Nós temos percepção limitada e nossos sentidos têm potência limitada. Então, como poderíamos estudar Kṛṣṇa? Não é absolutamente possível. Kṛṣṇa Se revela até certo ponto, e isso já é suficiente.
Não devemos ser como os filósofos māyāvādīs, que tentam encontrar Deus através da especulação filosófica. “Neti, neti”, eles dizem. “Deus não é isto e Deus não é aquilo”. Mas o que é Deus eles não sabem. Os cientistas materialistas também tentam encontrar a causa primordial, mas seu processo é o mesmo: “Isto não, e aquilo também não”. Quanto mais avançarem, sempre concluirão: “Isto não, e aquilo também não”. Mas qual, na verdade, é a causa primordial, eles nunca descobrirão. Isto não é possível.
Os cientistas materialistas não conseguem compreender nem mesmo os objetos materiais. O que dizer, então, de compreender Kṛṣṇa? Eles estão tentando ir à Lua, mas, na verdade, nem sabem o que é a Lua. Se compreendessem o que é a Lua, por que teriam voltado para cá? Se soubessem exatamente o que é a Lua, eles já estariam morando lá. Eles estiveram tentando, nos últimos vinte anos, chegar à Lua para ficar, mas estão apenas vendo – “Isto não, e aquilo também não. Não existem entidades vivas, e não há possibilidade de vivermos aqui”. Desta maneira eles podem dizer o que não há na Lua, mas será que eles sabem o que existe lá? Não, eles não sabem. E é apenas um planeta ou uma estrela.
De acordo com a literatura védica, a Lua é considerada uma estrela. Os cientistas dizem que todas as estrelas são sóis, mas, de acordo com a Bhagavad-gītā, as estrelas são da mesma natureza que a Lua. Na Bhagavad-gītā (10.2), o Senhor Kṛṣṇa diz, nakṣatrānām ahaṁ śāśī: “Entre as estrelas, Eu sou a Lua”. Assim, a Lua é como muitas estrelas. Qual é a natureza da Lua? Ela brilha porque reflete a luz do Sol. Por conseguinte, embora os cientistas digam que as estrelas são sóis, nós não concordamos. De acordo com os cálculos védicos, existem inumeráveis sóis, mas em cada universo há apenas um.
O que estamos vendo neste universo, estamos vendo imperfeitamente, e nosso conhecimento não é perfeito. Não podemos contar quantas estrelas e planetas existem. Não podemos compreender completamente as coisas materiais que estão à nossa volta. Então, como pretendemos compreender o Senhor Supremo, que criou este universo? Isto não é possível. Por isso, na Brahma-saṁhitā (5.34), está declarado:
panthās tu koṭi-śata-vatsara-sampragamyo
vāyor athāpi manaso muni-puṅgavānām
so ’py asti yat-prapada-sīmny avicintya-tattve
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi
O espaço é ilimitado, e a Brahma-saṁhitā sugere: suponhamos que alguém viaje num foguete interplanetário, por milhões de anos, à velocidade do vento ou mesmo à velocidade da mente. Todos sabem que a mente é tão rápida e sutil que em um milésimo de segundo pode viajar milhões de quilômetros. Se tivéssemos visto alguma coisa a milhões de quilômetros daqui, a mente poderia chegar lá imediatamente. Mas, mesmo se viajássemos a essa velocidade, numa nave espacial manufaturada por muni-puṅgavānām, os maiores cientistas e pensadores, seria isto a perfeição? Não. A Brahma-saṁhitā diz, so ’py asti yat-prapada-sīmny avicintya-tattve: Ainda assim, esta criação permanecerá inconcebível pelo nosso entendimento. E Kṛṣṇa criou todas essas coisas. Então, como poderíamos estudar Kṛṣṇa? Se não podemos compreender nem mesmo as coisas que Kṛṣṇa criou, como poderemos compreender Kṛṣṇa? Isto é absolutamente impossível.
Por conseguinte, a mentalidade de Vṛndāvana é a posição mais perfeita para a mente dos devotos. Os habitantes de Vṛndāvana não têm preocupação em compreender Kṛṣṇa. Ao contrário, eles querem amar Kṛṣṇa incondicionalmente. Não é que eles pensem: “Kṛṣṇa é Deus, e, por isso, eu O amo”. Em Vṛndāvana, Kṛṣṇa não age como Deus. Ele age como um vaqueirinho comum, e embora às vezes prove que é a Suprema Personalidade de Deus, os devotos não se importam em saber disso.
Kuntīdevī, entretanto, não era uma habitante de Vṛndāvana. Ela era de Hastināpura, que fica fora de Vṛndāvana. Os devotos de fora de Vṛndāvana estudam como são elevados os habitantes de Vṛndāvana, mas os moradores de Vṛndāvana não se importam com a grandeza de Kṛṣṇa. Esta é a diferença entre eles. Então, nossa preocupação deveria ser simplesmente amar a Kṛṣṇa. Quanto mais amarmos a Kṛṣṇa, mais nos aperfeiçoaremos. Não é necessário compreender Kṛṣṇa, ou como Ele cria. Kṛṣṇa Se explica na Bhagavad-gītā, e não deveríamos tentar compreender muito mais. Não devemos nos preocupar muito em conhecer Kṛṣṇa. Isto não é possível. Temos simplesmente que incrementar nosso amor puro por Kṛṣṇa. Esta é a perfeição da vida.