VERSO 34
anugrahāya bhaktānāṁ
mānuṣaṁ deham āśritaḥ
bhajate tādṛśīḥ krīḍā
yāḥ śrutvā tat-paro bhavet
anugrahāya — para mostrar favor; bhaktānām — aos devotos; mānuṣam — semelhante ao humano; deham — corpo; āśritaḥ — aceitando; bhajate — Ele desfruta; tādṛśīḥ — tais; krīḍāḥ — passatempos; yāḥ — que; śrutvā — tendo ouvido; tat-paraḥ — plenamente concentrado nEle; bhavet — deve-se tornar-se.
“Kṛṣṇa manifesta Sua eterna forma semelhante à humana e executa Seus passatempos para mostrar misericórdia aos devotos. Quem ouve esses passatempos deve dedicar-se a servi-lO.”
SIGNIFICADO—Este verso é do Śrīmad-Bhāgavatam (10.33.37). A Suprema Personalidade de Deus tem inúmeras expansões de Sua forma transcendental que existem eternamente no mundo espiritual. Este mundo material não passa de um reflexo pervertido do mundo espiritual, onde tudo se manifesta sem inebriamentos. Lá, tudo tem sua existência original, livre do domínio do tempo. O tempo não pode deteriorar ou interferir com as condições no mundo espiritual, onde diferentes manifestações da Suprema Personalidade de Deus são os recipientes da adoração de diferentes entidades vivas em suas posições espirituais constitucionais. No mundo espiritual, toda a existência é bondade inadulterada. A bondade encontrada no mundo material é contaminada pelos modos da paixão e da ignorância.
Ao se dizer que a forma humana de vida é a melhor posição para se praticar serviço devocional, isso tem importância especial porque apenas nessa forma é que uma entidade viva pode reviver sua relação eterna com a Suprema Personalidade de Deus. A forma humana é considerada o estado máximo no ciclo das espécies de vida no mundo material. Quem tira proveito dessa espécie mais elevada de forma material pode recuperar sua posição de serviço devocional ao Senhor.
As encarnações da Suprema Personalidade de Deus aparecem em todas as espécies de vida, embora isso seja inconcebível para o cérebro humano. Os passatempos do Senhor são diferenciados segundo a capacidade apreciativa das diferentes espécies de corpos das entidades vivas. O Senhor Supremo concede a bênção mais misericordiosa à sociedade humana ao aparecer sob Sua forma humana. É então que a humanidade obtém a oportunidade de ocupar-se em diferentes tipos de serviço eterno ao Senhor.
A apreciação natural especial das descrições de um passatempo específico de Deus indica a posição constitucional de uma entidade viva. Adoração, servidão, amizade, afeição de pai ou mãe e amor conjugal são as cinco relações primárias com Kṛṣṇa. A fase perfectiva mais elevada da relação conjugal, enriquecida por muitos sentimentos, fornece ao devoto a mais saborosa das doçuras.
O Senhor aparece sob diferentes encarnações – como peixe, tartaruga e javali, como Paraśurāma, Senhor Rāma, Buddha e assim por diante – para corresponder às diferentes apreciações de entidades vivas em diferentes fases de evolução. A relação conjugal de romance amoroso chamada parakīya-rasa é a perfeição incomparável de amor manifesta pelo Senhor Kṛṣṇa e Seus devotos.
Uma classe de ditos devotos, conhecidos como sahajiyās, tentam imitar os passatempos do Senhor, embora não tenham compreensão alguma do romance amoroso do Senhor em Suas expansões de potência de prazer. Sua imitação superficial pode provocar estragos no caminho de avanço de nossa relação espiritual com o Senhor. Não se pode, de forma alguma, equiparar prazer sexual material com amor espiritual, que está em bondade inadulterada. As atividades dos sahajiyās só fazem afundar alguém mais e mais na contaminação material dos sentidos e da mente. Os passatempos transcendentais de Kṛṣṇa revelam servidão eterna a Adhokṣaja, o Senhor Supremo, que está além de tudo que se pode conceber através dos sentidos materiais. Almas condicionadas materialistas não compreendem as transcendentais trocas de amor, senão que gostam de entregar-se ao gozo dos sentidos em nome do serviço devocional. As atividades do Senhor Supremo não podem ser entendidas de modo algum por pessoas irresponsáveis que consideram os passatempos de Rādhā e Kṛṣṇa como romances ordinários. A dança da rāsa é organizada por yogamāyā, a potência interna de Kṛṣṇa, e está além do alcance da pessoa contagiada materialmente. Tentando comprometer a transcendência com sua perversidade, os sahajiyās interpretam mal os dizeres tat-paratvena nirmalam e tat-paro bhavet. Interpretando erroneamente tādṛśīḥ krīḍāḥ, eles desejam entregar-se ao sexo enquanto se atrevem a imitar o Senhor Kṛṣṇa. Porém, deve-se realmente compreender os significados das palavras através da inteligência dos gosvāmīs autorizados. Śrīla Narottama Dāsa Ṭhākura, em suas orações aos Gosvāmīs, expõe sua incapacidade de compreender tais romances espirituais.
rūpa-raghunātha-pade ha-ibe ākuti
kabe hāma bujhaba se yugala-pīriti
“Quando eu ansiar por compreender a literatura dada pelos Gosvāmīs, só então serei capaz de entender os transcendentais romances amorosos de Rādhā e Kṛṣṇa.” Em outras palavras, a não ser que alguém seja treinado sob a sucessão discipular dos Gosvāmīs, não poderá compreender Rādhā e Kṛṣṇa. As almas condicionadas são naturalmente avessas a compreender a existência espiritual do Senhor, e, caso tentem conhecer a natureza transcendental dos passatempos do Senhor enquanto permaneçam absortas no materialismo, com certeza colocarão tudo a perder, como os sahajiyās.