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Capítulo Quatro

As Razões Confidenciais para o Aparecimento do Senhor Caitanya

Neste capítulo do épico Caitanya-caritāmṛta, Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī enfatiza que o Senhor Caitanya apareceu para três objetivos principais dEle próprio. O primeiro objetivo foi saborear a posição de Śrīmatī Rādhārāṇī, que é a principal pessoa a reciprocar amor transcendental com Śrī Kṛṣṇa. O Senhor Kṛṣṇa é o reservatório de aventuras amorosas transcendentais com Śrīmatī Rādhārāṇī. O sujeito de tais aventuras amorosas é o próprio Senhor, e Rādhārāṇī é o objeto. Desta forma, o Senhor, como o sujeito, desejou saborear a doçura amorosa na posição do objeto, Rādhārāṇī.

A segunda razão para o aparecimento dEle foi compreender Sua própria doçura transcendental. O Senhor Kṛṣṇa é completamente doce. A atração de Rādhārāṇī por Kṛṣṇa é sublime, e, para experimentar essa atração e compreender Sua própria doçura transcendental, Ele aceitou a mentalidade de Rādhārāṇī.

A terceira razão pela qual o Senhor Caitanya apareceu foi gozar da bem-aventurança saboreada por Rādhārāṇī. O Senhor pensou que, sem dúvida, Rādhārāṇī gozava da companhia dEle e Ele gozava da companhia de Rādhārāṇī, mas o intercâmbio de doçura transcendental entre o casal espiritual era mais agradável para Śrīmatī Rādhārāṇī do que para Kṛṣṇa. Rādhārāṇī sentia mais prazer transcendental na companhia de Kṛṣṇa do que Ele podia compreender sem assumir a posição dEla. Porém, era impossível para Śrī Kṛṣṇa desfrutar na posição de Śrīmatī Rādhārāṇī, pois tal posição era-Lhe inteiramente estranha. Kṛṣṇa é o ser masculino transcendental, e Rādhārāṇī é o ser feminino transcendental. Portanto, a fim de conhecer o prazer transcendental de amar a Kṛṣṇa, o próprio Senhor Kṛṣṇa apareceu como o Senhor Caitanya, aceitando as emoções e o brilho do corpo de Śrīmatī Rādhārāṇī.

O Senhor Caitanya apareceu para satisfazer esses desejos confidenciais e também para pregar a importância especial de cantar Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare, e para responder ao chamado de Advaita Prabhu. Essas foram as razões secundárias.

Śrī Svarūpa Dāmodara Gosvāmī foi a figura principal entre os devotos íntimos do Senhor Caitanya. As anotações de seu diário revelam esses objetivos confidenciais do Senhor. As afirmações de Śrīla Rūpa Gosvāmī em suas diversas orações e poemas confirmam essas revelações.

Este capítulo também descreve especificamente a diferença entre luxúria e amor. As relações entre Kṛṣṇa e Rādhārāṇī são inteiramente diferentes das de luxúria material. Portanto, o autor faz uma distinção muito clara entre elas.

VERSO 1: Pela misericórdia do Senhor Caitanya Mahāprabhu, mesmo uma criança tola pode descrever plenamente a verdadeira natureza do Senhor Kṛṣṇa, o desfrutador dos passatempos de Vraja, de acordo com a visão das escrituras reveladas.

VERSO 2: Todas as glórias ao Senhor Caitanya Mahāprabhu. Todas as glórias ao Senhor Nityānanda. Todas as glórias a Śrī Advaita Ācārya. E todas as glórias a todos os devotos do Senhor Caitanya.

VERSO 3: Acabo de descrever o significado do quarto verso. Agora, ó devotos, por obséquio, escutai a explicação do quinto verso.

VERSO 4: Só para explicar o verso original, vou primeiro sugerir seu significado.

VERSO 5: Acabo de dar o significado essencial do quarto verso: esta encarnação desce para propagar o canto do santo nome e difundir amor a Deus.

VERSO 6: Embora isso seja verdade, essa é apenas a razão externa para a encarnação do Senhor. Por favor, escutai outra razão – a razão confidencial – para o aparecimento do Senhor.

VERSO 7: As escrituras proclamam que, anteriormente, o Senhor Kṛṣṇa desceu para aliviar o fardo da Terra.

VERSO 8: Entretanto, aliviar esse fardo não é tarefa da Suprema Personalidade de Deus. O Senhor Viṣṇu, o mantenedor, é aquele que protege o universo.

VERSO 9: Porém, a época de aliviar o fardo do mundo coincidiu com a época da encarnação do Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 10: Quando a Suprema Personalidade de Deus completa desce, todas as demais encarnações do Senhor reúnem-Se dentro dEle.

VERSOS 11-12: O Senhor Nārāyaṇa, as quatro expansões primárias [Vāsudeva, Saṅkarṣaṇa, Pradyumna e Aniruddha], Matsya e as outras encarnações līlā, os yuga-avatāras e as encarnações manvantara – e tantas outras encarnações quantas existam – todas descem no corpo do Senhor Kṛṣṇa. Dessa maneira, a plena Divindade Suprema, o próprio Senhor Kṛṣṇa, aparece.

VERSO 13: Portanto, nessa ocasião, o Senhor Viṣṇu está presente no corpo do Senhor Kṛṣṇa, e o Senhor Kṛṣṇa mata os demônios através dEle.

VERSO 14: Assim, a matança dos demônios é apenas uma tarefa secundária. Falarei agora sobre a razão principal para a encarnação do Senhor.

VERSOS 15-16: O desejo do Senhor de aparecer nasceu de duas razões: Ele desejava saborear a doce essência dos deleites do amor a Deus, e desejava propagar ao mundo o serviço devocional na plataforma de atração espontânea. Deste modo, Ele é conhecido como supremamente jubiloso e como o mais misericordioso de todos.

VERSO 17: “Todo o universo está repleto do conceito de Minha majestade, mas o amor enfraquecido por esse senso de majestade não Me satisfaz.”

VERSO 18: “Se alguém Me considera o Senhor Supremo e se considera subordinado, não Me torno subalterno a seu amor, nem pode tal amor Me controlar.”

VERSO 19: “Correspondo com Meu devoto segundo a doçura transcendental na qual ele Me adore. Esse é o Meu comportamento natural.”

VERSO 20: “‘Recompenso Meus devotos proporcionalmente à maneira como eles se rendam a Mim. Todos seguem Meu caminho sob todos os aspectos, ó filho de Pṛthā.’”

VERSOS 21-22: “Se alguém nutre pura devoção amorosa por Mim, considerando-Me seu filho, seu amigo ou seu amante, julgando-se grande e considerando-Me igual ou inferior a ele, torno-Me subordinado a ele.”

VERSO 23: “‘Os seres vivos recuperam sua vida eterna prestando-Me serviço devocional. Ó Minhas queridas donzelas de Vraja, vossa afeição por Mim é vossa boa fortuna, pois é o único meio pelo qual obtivestes Meu favor.’”

VERSO 24: “Às vezes, mamãe Me amarra como seu filho. Ela Me alimenta e Me protege, considerando-Me totalmente desamparado.”

VERSO 25: “Meus amigos sobem em Meus ombros com amizade pura, dizendo: ‘Que espécie de grande homem és Tu? Tu e eu somos iguais!’”

VERSO 26: “Se Minha amada consorte Me repreende mal-humorada, isso furta Minha mente dos reverentes hinos dos Vedas.”

VERSOS 27-28: “Levando esses devotos puros comigo, vou descer e Me divertir de diversas maneiras maravilhosas, desconhecidas mesmo em Vaikuṇṭha. Vou difundir esses passatempos com os quais até Eu Me espanto.”

VERSO 29: “A influência de yogamāyā inspirará as gopīs com o sentimento de que Eu sou amante delas.”      

VERSO 30: “Nem as gopīs nem Eu perceberemos isso, pois nossas mentes estarão sempre fascinadas pela beleza e qualidades um do outro.”

VERSO 31: “O apego puro nos unirá mesmo em detrimento de deveres morais e religiosos [dharma]. Às vezes, o destino nos unirá e, outras vezes, nos separará.”

VERSO 32: “Vou saborear a essência de todas essas rasas e, dessa maneira, vou favorecer a todos os devotos.”

VERSO 33: “Então, ao ouvirem sobre o amor puro dos residentes de Vraja, os devotos hão de Me adorar no caminho de amor espontâneo, abandonando todos os rituais de religiosidade e atividades fruitivas.”

VERSO 34: “Kṛṣṇa manifesta Sua eterna forma semelhante à humana e executa Seus passatempos para mostrar misericórdia aos devotos. Quem ouve esses passatempos deve dedicar-se a servi-lO.”

VERSO 35: O uso do verbo “bhavet” aqui, no modo imperativo, nos diz que com certeza isso deve ser feito. O não-cumprimento seria abandono do dever.

VERSOS 36-37: Assim como esses desejos constituem a razão fundamental para o aparecimento de Kṛṣṇa ao passo que destruir os demônios é apenas uma necessidade acidental, da mesma forma, para Śrī Kṛṣṇa Caitanya, a Suprema Personalidade de Deus, promulgar o dharma da era é acidental.

VERSO 38: Quando o Senhor desejou aparecer por outra razão, a época de promulgar a religião da era também surgiu.

VERSO 39: Com essas duas intenções, o Senhor apareceu com Seus devotos e saboreou o néctar de prema com o canto congregacional do santo nome.

VERSO 40: Dessa maneira, Ele espalhou o kīrtana inclusive entre os intocáveis. Ele fez uma guirlanda do santo nome e de prema, com a qual enguirlandou o mundo material inteiro.

VERSO 41: Dessa maneira, assumindo o sentimento de um devoto, Ele pregou o serviço devocional enquanto o praticava pessoalmente.

VERSO 42: Quatro classes de devotos são os receptáculos das quatro espécies de doçuras em amor a Deus, a saber, servidão, amizade, afeição de pai ou mãe e amor conjugal.

VERSO 43: Cada classe de devoto acha que seu sentimento é o mais excelente, e assim, com esse espírito, experimenta grande felicidade com o Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 44: Contudo, se compararmos os sentimentos com espírito imparcial, descobriremos que o sentimento conjugal é superior a todos em doçura.

VERSO 45: “Experimenta-se amor crescente em diversos sabores, um acima do outro. Porém, o amor que tem o sabor mais elevado na sucessão gradual de desejo manifesta-se sob a forma de amor conjugal.”

VERSO 46: Portanto, chamo-o de madhura-rasa. Ele tem duas divisões adicionais, a saber, amor de casado e amor de solteiro.

VERSO 47: Há um grande aumento de doçura na atitude conjugal de solteiro. Um amor assim só se encontra em Vraja.

VERSO 48: Essa atitude é extremada nas donzelas de Vraja, mas, entre elas, encontra sua perfeição em Śrī Rādhā.

VERSO 49: Seu amor puro e maduro ultrapassa o de todas as demais. É por causa do amor dEla que o Senhor Kṛṣṇa saboreia a doçura da relação conjugal.

VERSO 50: Portanto, o Senhor Gaurāṅga, que é o próprio Śrī Hari, aceitou os sentimentos de Rādhā e, assim, satisfez Seus próprios desejos.

VERSO 51: “O Senhor Caitanya é o refúgio dos semideuses, a meta das Upaniṣads, a existência e a finalidade dos grandes sábios, o belo refúgio de Seus devotos e a essência do amor para as gopīs de olhos de lótus. Será Ele novamente o objeto de minha visão?”

VERSO 52: “O Senhor Kṛṣṇa desejou saborear as nectáreas doçuras ilimitadas do amor de uma dentre Sua multidão de donzelas amorosas [Śrī Rādhā], e assim assumiu a forma do Senhor Caitanya. Ele saboreou esse amor enquanto ocultava Sua própria tez morena sob a cor amarela e refulgente dEla. Que esse Senhor Caitanya nos conceda Sua graça.”

VERSO 53: Aceitar amor extático foi o motivo principal pelo qual Ele apareceu e restabeleceu o sistema religioso para esta era. Passo agora a explicar este motivo. Por favor, escutai todos.

VERSO 54: Tendo a princípio feito alusões ao verso que descreve a razão principal pela qual o Senhor apareceu, agora vou manifestar todo o seu significado.

VERSO 55: “As aventuras amorosas de Śrī Rādhā e Kṛṣṇa são manifestações transcendentais da potência interna outorgante de prazer do Senhor. Embora Rādhā e Kṛṣṇa sejam iguais em Sua identidade, Eles separaram-Se eternamente. Agora, essas duas identidades transcendentais uniram-Se novamente sob a forma de Śrī Kṛṣṇa Caitanya. Prostro-me ante Ele, que Se manifesta com os sentimentos e a tez de Śrīmatī Rādhārāṇī apesar de ser o próprio Kṛṣṇa.”

VERSO 56: Rādhā e Kṛṣṇa são idênticos, mas Eles assumiram dois corpos. Assim, Eles desfrutam um do outro, saboreando as doçuras do amor.

VERSO 57: Agora, para experimentar rasa, Eles apareceram em um só corpo, como o Senhor Caitanya Mahāprabhu.

VERSO 58: Portanto, primeiro vou delinear a posição de Rādhā e Kṛṣṇa. A partir disso, será conhecida a glória do Senhor Caitanya.

VERSO 59: Śrīmatī Rādhikā é a transformação do amor de Kṛṣṇa. Ela é Sua energia interna chamada hlādinī.

VERSO 60: Essa energia hlādinī dá prazer a Kṛṣṇa e nutre Seus devotos.

VERSO 61: O corpo do Senhor Kṛṣṇa é eterno [sat], pleno de conhecimento [cit] e pleno de bem-aventurança [ānanda]. Sua energia espiritual única manifesta três formas.

VERSO 62: Hlādinī é Seu aspecto de bem-aventurança; sandhinī, de existência eterna, e samvit, de percepção, que é também aceito como conhecimento.

VERSO 63: “Ó Senhor, sois o apoio de tudo. Os três atributos hlādinī, sandhini e samvit existem em Vós como energia espiritual única. Porém, os modos materiais, causadores de felicidade, miséria e misturas de ambas, não existem em Vós, pois não tendes qualidades materiais.”

VERSO 64: A porção essencial da potência sandhinī é śuddha-sattva. A existência do Senhor Kṛṣṇa apoia-se nela.

VERSO 65: A mãe, o pai, a morada, a casa, a cama, os assentos e assim por diante de Kṛṣṇa são todos transformações de śuddha-sattva.

VERSO 66: “A condição de bondade pura [śuddha-sattva], na qual a Suprema Personalidade de Deus Se revela, chama-se vasudeva. Neste estado puro, minha mente percebe a Divindade Suprema, que está além dos sentidos materiais e que é conhecida como Vāsudeva.”

VERSO 67: A essência da potência samvit é o conhecimento de que a Suprema Personalidade de Deus é o Senhor Kṛṣṇa. Todas as outras classes de conhecimento, tais como o conhecimento de Brahman, são componentes deste.

VERSO 68: A essência da potência hlādinī é o amor a Deus, a essência do amor a Deus é a emoção [bhāva], e o desenvolvimento final da emoção é mahābhāva.

VERSO 69: Śrī Rādha Ṭhākurāṇī é a personificação de mahābhāva. Ela é o repositório de todas as boas qualidades e a joia mais preciosa entre todas as amorosas consortes do Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 70: “Destas duas gopīs [Rādhārāṇī e Candrāvalī], Śrīmatī Rādhārāṇī é superior sob todos os aspectos. Ela é a corporificação de mahābhāva, e supera a todas em boas qualidades.”

VERSO 71: A mente, os sentidos e o corpo dEla são saturados de amor por Kṛṣṇa. Ela é a própria energia de Kṛṣṇa e ajuda-O em Seus passatempos.

VERSO 72: “Adoro Govinda, o Senhor primordial, que reside em Seu próprio reino, Goloka, com Rādhā, a qual Se assemelha à própria figura espiritual dEle e que personifica a potência extática [hlādinī]. As companheiras dEles são confidentes dEla, e corporificam extensões de Sua forma corpórea, estando imbuídas e impregnadas de rasa espiritual sempre bem-aventurado.”

VERSO 73: Agora, por favor, escutai como as consortes do Senhor Kṛṣṇa ajudam-nO a saborear rasa e como elas O ajudam em Seus passatempos.

VERSOS 74-75: As amadas consortes do Senhor Kṛṣṇa são de três tipos: as deusas da fortuna, as rainhas e as ordenhadoras de Vraja, que são as principais de todas. Todas estas consortes provêm de Rādhikā.

VERSO 76: Assim como a fonte original, o Senhor Kṛṣṇa, é a causa de todas as encarnações, do mesmo modo, Śrī Rādhā é a causa de todas essas consortes.

VERSO 77: As deusas da fortuna são manifestações parciais de Śrīmatī Rādhikā, e as rainhas são reflexos da imagem dEla.

VERSO 78: As deusas da fortuna são Suas porções plenárias, e manifestam as formas de vaibhāva-vilāsa. As rainhas são da natureza do vaibhāva-prakāśa dEla.

VERSO 79: As Vraja-devīs têm diversas características corpóreas. Elas são expansões dEla e são os instrumentos para expandir rasa.

VERSO 80: Sem muitas consortes, não há tanto júbilo em rasa. Portanto, há muitas manifestações de Śrīmatī Rādhārāṇī como auxiliares nos passatempos do Senhor.

VERSO 81: Entre elas, estão vários grupos de consortes em Vraja que têm variedades de sentimentos e doçuras. Elas ajudam o Senhor Kṛṣṇa a saborear toda a doçura da dança da rāsa e de outros passatempos.

VERSO 82: Rādhā é aquela que dá prazer a Govinda e também a que encanta Govinda. Ela é a vida e alma de Govinda, e a joia mais preciosa dentre todas as consortes dEle.

VERSO 83: “A deusa transcendental Śrīmatī Rādhārāṇī é o complemento direto do Senhor Śrī Kṛṣṇa. Ela é a figura central para todas as deusas da fortuna. Ela possui toda a atratividade para atrair a todo-atrativa Personalidade de Deus. Ela é a potência interna primordial do Senhor.”

VERSO 84: “Devī” significa “resplandecente e belíssima.” Ou, ainda, significa “a adorável morada da adoração e das aventuras amorosas do Senhor Kṛṣṇa.”

VERSO 85: “Kṛṣṇamayī” significa “aquela cujo interior e cujo exterior são o Senhor Kṛṣṇa.” Ela vê o Senhor Kṛṣṇa aonde quer que lance Seu olhar.

VERSO 86: Ou, ainda, Ela é idêntica ao Senhor Kṛṣṇa, pois corporifica as doçuras do amor. A energia do Senhor Kṛṣṇa é idêntica a Ele.

VERSO 87: A adoração dEla [ārādhana] consiste em satisfazer os desejos do Senhor Kṛṣṇa. Portanto, os Purāṇas chamam-nA Rādhikā.

VERSO 88: “Ela tem adorado a Personalidade de Deus de verdade. Portanto, o Senhor Govinda, estando satisfeito, levou-A a um local solitário, deixando todas nós para trás.”

VERSO 89: Portanto, Rādhā é parama-devatā, a suprema deusa, e Ela é adorável para todos. Ela é a protetora de todos e é a mãe do universo inteiro.

VERSO 90: Já expliquei o significado de “sarva-lakṣmī”. Rādhā é a fonte original de todas as deusas da fortuna.

VERSO 91: Ou “sarva-lakṣmī” indica que Ela representa plenamente as seis opulências de Kṛṣṇa. Portanto, Ela é a energia suprema do Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 92: A palavra “sarva-kānti” indica que toda a beleza e fulgor repousam no corpo dEla. A beleza de todas as lakṣmīs deriva dEla.

VERSO 93: “Kānti” pode também significar “todos os desejos do Senhor Kṛṣṇa.” Todos os desejos do Senhor Kṛṣṇa descansam em Śrīmatī Rādhārāṇī.

VERSO 94: Śrīmatī Rādhikā satisfaz todos os desejos do Senhor Kṛṣṇa. Esse é o significado de “sarva-kānti.”

VERSO 95: O Senhor Kṛṣṇa encanta o mundo, mas Śrī Rādhā encanta inclusive o Senhor Kṛṣṇa. Portanto, Ela é a deusa suprema de todos.

VERSO 96: Śrī Rādhā é o poder pleno, e o Senhor Kṛṣṇa é o possuidor de pleno poder. Os dois não são diferentes, como evidenciam as escrituras reveladas.

VERSO 97: De fato, Eles são a mesma coisa, assim como o almíscar e sua fragrância são inseparáveis, ou como o fogo não é diferente de seu calor.

VERSO 98: Assim, Rādhā e o Senhor Kṛṣṇa são um só, mas aceitam duas formas para desfrutar das doçuras de passatempos.

VERSOS 99-100: A fim de promulgar prema-bhakti [serviço devocional por amor a Deus], Kṛṣṇa apareceu como Śrī Kṛṣṇa Caitanya com a disposição e a tez de Śrī Rādhā. Assim, acabo de explicar o significado do quinto verso.

VERSO 101: Para explicar o sexto verso, primeiro vou sugerir seu significado.

VERSO 102: O Senhor veio para propagar saṅkīrtana. Esse é o propósito externo, como já indiquei.

VERSO 103: Há uma causa principal para o aparecimento do Senhor Kṛṣṇa. Ela surge de Seus próprios compromissos como o desfrutador principal de trocas amorosas.

VERSO 104: Essa causa muito confidencial é tripla. Svarūpa Dāmodara revelou-a.

VERSO 105: Svarūpa Gosāñi é o associado mais íntimo do Senhor. Portanto, ele conhece muito bem todos esses temas.

VERSO 106: O coração do Senhor Caitanya é a imagem das emoções de Śrī Rādhārāṇī. Assim, sentimentos de prazer e dor surgem constantemente nessa condição.

VERSO 107: Na parte final de Seus passatempos, o Senhor Caitanya era atormentado pela loucura da saudade que sentia do Senhor Kṛṣṇa. Ele agia de maneiras incorretas e falava delirantemente.

VERSO 108: Assim como Rādhikā ficou louca ao avistar Uddhava, da mesma forma, o Senhor Caitanya vivia dia e noite atormentado pela loucura da separação.

VERSO 109: À noite, Ele falava incoerentemente aflito, com Seus braços em volta do pescoço de Svarūpa Dāmodara. Ele abria Seu coração com inspiração extática.

VERSO 110: Sempre que um sentimento em particular surgia em Seu coração, Svarūpa Dāmodara satisfazia-O, cantando canções ou recitando versos da mesma natureza.

VERSO 111: Não é necessário analisar esses passatempos agora. Mais tarde, vou descrevê-los em pormenores.

VERSO 112: Anteriormente, em Vraja, o Senhor Kṛṣṇa manifestou três idades, a saber, a infância, a meninice e a adolescência. Sua adolescência é especialmente significativa.

VERSO 113: A afeição de pai e mãe fez Sua infância fértil. Sua meninice foi exitosa com Seus amigos.

VERSO 114: Na juventude, Ele saboreou a essência da rasa, satisfazendo Seus desejos em passatempos como o da dança da rāsa com Śrīmatī Rādhikā e as outras gopīs.

VERSO 115: Em Sua juventude, o Senhor Kṛṣṇa coroou de êxito todas as Suas três idades, bem como o universo inteiro, por Seus passatempos de romances amorosos, tais como a dança da rāsa.

VERSO 116: “O Senhor Madhusūdana gozou de Sua juventude com passatempos nas noites de outono no meio das vaqueirinhas que eram como joias. Assim, Ele dissipou todos os infortúnios do mundo.”

VERSO 117: “O Senhor Kṛṣṇa fez Śrīmatī Rādhārāṇī cerrar os olhos, envergonhada diante de Suas amigas, ao relatar com as palavras dEle Suas atividades amorosas da noite anterior. Então, Ele demonstrou o limite máximo de destreza ao desenhar nos seios dEla figuras de golfinhos exibindo diversos movimentos esportivos. Dessa maneira, o Senhor Hari coroou de êxito a Sua juventude, executando passatempos nos bosques com Śrī Rādhā e Suas amigas.”

VERSO 118: “Ó Paurṇamāsī, se o Senhor Hari não tivesse aparecido em Mathurā com Śrīmatī Rādhārāṇī, esta criação inteira – e especialmente Cupido, o semideus do amor – teriam sido inúteis.”

VERSOS 119-120: Muito embora o Senhor Kṛṣṇa, a morada de todas as doçuras, tivesse anteriormente degustado dessa maneira a essência das doçuras do amor, de qualquer modo, Ele foi incapaz de satisfazer três desejos, embora Se esforçasse para saboreá-los.

VERSO 121: Vou explicar Seu primeiro desejo. Kṛṣṇa diz: “Sou a causa primordial de todas as rasas.”

VERSO 122: “Sou a verdade espiritual plena e sou feito de alegria plena, mas o amor de Śrīmatī Rādhārāṇī deixa-Me louco.”

VERSO 123: “Não conheço a força do amor de Rādhā, com o qual Ela sempre Me arrebata.”

VERSO 124: “O amor de Rādhikā é Meu mestre, e Eu sou seu aluno de dança. O prema dEla faz-Me dançar diversas danças singulares.”

VERSO 125: “Ó minha querida amiga Vṛndā, de onde vens?”

VERSO 126: “Todo o prazer que Eu sinto ao saborear Meu amor por Śrīmatī Rādhārāṇī, Ela saboreia dez milhões de vezes mais do que Eu devido ao amor dEla.”

VERSO 127: “Assim como Eu sou a morada de todas as características mutuamente contraditórias, da mesma forma, o amor de Rādhā é sempre repleto de contradições semelhantes.”

VERSO 128: “O amor de Rādhā é onipenetrante, não deixando lugar para expansão. Mas, de qualquer modo, expande-se constantemente.”

VERSO 129: “Decerto, não há nada superior ao amor dEla. Porém, Seu amor é desprovido de orgulho, o que demonstra quão grande ele é.”

VERSO 130: “Nada é mais puro do que o amor dEla. Apesar disso, esse amor sempre se comporta de maneira perversa e desleal.”

VERSO 131: “Todas as glórias ao amor de Rādhā por Kṛṣṇa, o inimigo do demônio Mura. Apesar de ser onipenetrante, tende a aumentar a cada instante. Apesar de ser importante, é desprovido de orgulho. E, embora puro, é sempre cercado de duplicidade.”

VERSO 132: “Śrī Rādhikā é a morada máxima desse amor, cujo único objeto sou Eu.”

VERSO 133: “Saboreio a bem-aventurança que cabe ao objeto do amor. Contudo, o prazer de Rādhā, a morada desse amor, é dez milhões de vezes maior.”

VERSO 134: “Minha mente precipita-se para saborear o prazer experimentado pela morada, mas não posso saboreá-lo, nem mesmo com Meus melhores esforços. Como poderei saboreá-lo?”

VERSO 135: “Se Eu puder alguma vez ser a morada desse amor, somente então poderei experimentar sua alegria.”

VERSO 136: Pensando dessa maneira, o Senhor Kṛṣṇa ficou curioso para saborear aquele amor. Seu ávido desejo de ter aquele amor ardia cada vez mais em Seu coração.

VERSO 137: Este é um desejo. Agora, por favor, escutai-me falar de outro. Vendo a Sua própria beleza, o Senhor Kṛṣṇa passou a considerar.

VERSO 138: “Minha doçura é maravilhosa, infinita e plena. Ninguém nos três mundos pode descobrir seu limite.”

VERSO 139: “Somente Rādhikā, pela intensidade de Seu amor, saboreia todo o néctar de Minha doçura.”

VERSO 140: “Embora o amor de Rādhā seja puro como um espelho, sua pureza aumenta a cada momento.”

VERSO 141: “Minha doçura também não tem como expandir-se, mas ela brilha diante desse espelho com beleza sempre nova.”

VERSO 142: “Há uma competição constante entre Minha doçura e o espelho do amor de Rādhā. Embora ambos estejam sempre ampliando-se, nenhum deles conhece a derrota.”

VERSO 143: “Minha doçura é sempre e cada vez mais nova. Os devotos saboreiam-na segundo seu próprio e respectivo amor.”

VERSO 144: “Se contemplo Minha doçura num espelho, sinto-Me incitado a saboreá-la, mas, não obstante, não posso.”

VERSO 145: “Se delibero sobre um modo de saboreá-la, descubro que anseio pela posição de Rādhikā.”

VERSO 146: “Quem manifesta uma abundância de doçura maior do que a Minha, o que não foi jamais experimentado antes e que surpreende a todos? Ai de Mim! Eu próprio, com Minha mente confundida ao ver essa beleza, desejo impetuosamente desfrutá-la como o faz Śrīmatī Rādhārāṇī.”

VERSO 147: A beleza de Kṛṣṇa tem uma força natural: ela empolga o coração de todos os homens e mulheres, a começar com o próprio Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 148: Todas as mentes sentem-se atraídas por ouvir Sua doce voz e Sua flauta, ou por ver Sua beleza. O próprio Senhor Kṛṣṇa esforça-Se por saborear essa doçura.

VERSO 149: A sede de quem sempre bebe o néctar dessa doçura não é jamais satisfeita. Pelo contrário, essa sede aumenta constantemente.

VERSO 150: Estando insatisfeita, uma pessoa assim começa a blasfemar o senhor Brahmā, dizendo que ele não conhece bem a arte de criar e é simplesmente inexperiente.

VERSO 151: Ele não nos deu milhões de olhos para ver a beleza de Kṛṣṇa. Só nos deu dois olhos, e mesmo esses dois piscam. Como, então, verei o amável rosto de Kṛṣṇa?

VERSO 152: [As gopīs dizem:] “Ó Kṛṣṇa, quando vais à floresta durante o dia e ficamos sem ver Teu doce rosto, que é rodeado por belas madeixas cacheadas, meio segundo torna-se para nós tão longo quanto toda uma era. E achamos que o criador, que colocou pálpebras nos olhos que usamos para ver-Te, não passa de mero tolo.”

VERSO 153: “As gopīs viram seu amado Kṛṣṇa em Kurukṣetra após uma longa separação. Elas abrigaram-nO e abraçaram-nO em seus corações por meio de seus olhos, e atingiram uma alegria tão intensa que nem mesmo yogīs perfeitos podem atingir. As gopīs amaldiçoaram o criador por ter criado pálpebras que interferiam na sua visão.”

VERSO 154: Não há outra consumação para os olhos senão a visão de Kṛṣṇa. Na verdade, quem quer que O veja é muito afortunado.

VERSO 155: [As gopīs dizem:] “Ó amigas, os olhos que veem as belas faces dos filhos de Mahārāja Nanda são certamente afortunados. Enquanto esses dois filhos entram na floresta, rodeados por Seus amigos, tocando as vacas à Sua frente, Eles seguram as flautas em Sua boca e lançam olhares amorosos para os residentes de Vṛndāvana. Para aqueles que têm olhos, julgamos não haver um objeto de visão superior.”

VERSO 156: [As mulheres de Mathurā dizem:] “Que austeridades as gopīs devem ter praticado! Com seus olhos, elas sempre bebem o néctar do rosto do Senhor Kṛṣṇa, que é a essência da amabilidade e não pode ser jamais igualado nem superado. Essa amabilidade é a única morada da beleza, da fama e da opulência. É autoperfeita, sempre viçosa e extremamente rara.”

VERSO 157: A doçura do Senhor Kṛṣṇa não tem precedentes, e sua força é também sem precedentes. A mente fica instável simplesmente por ouvir falar de tal beleza.

VERSO 158: A beleza do Senhor Kṛṣṇa atrai o próprio Senhor Kṛṣṇa. Contudo, como Ele não pode desfrutá-la plenamente, Sua mente permanece cheia de pesar.

VERSO 159: Esta é uma descrição de Seu segundo desejo. Agora, por favor, escutai-me enquanto descrevo o terceiro.

VERSO 160: Esta conclusão da rasa é extremamente profunda. Somente Svarūpa Dāmodara conhece-a muito bem.

VERSO 161: Qualquer outra pessoa que afirme conhecê-la deve tê-la ouvido dele, pois ele foi o companheiro mais íntimo do Senhor Caitanya Mahāprabhu.

VERSO 162: O amor das gopīs chama-se rūḍha-bhāva. É puro e imaculado. Não é luxúria em momento algum.

VERSO 163: “O amor puro das gopīs tornou-se célebre pelo nome ‘luxúria’. Os queridos devotos do Senhor, encabeçados por Śrī Uddhava, desejam saborear esse amor.”

VERSO 164: Luxúria e amor têm características diferentes, assim como ferro e ouro têm naturezas diferentes.

VERSO 165: O desejo de alguém de satisfazer os próprios sentidos é kāma [luxúria], mas o desejo de satisfazer os sentidos do Senhor Kṛṣṇa é prema [amor].

VERSO 166: O objeto da luxúria é apenas o gozo dos próprios sentidos. O amor, porém, serve de instrumento para o gozo do Senhor Kṛṣṇa, e de tal modo é poderosíssimo.

VERSOS 167-169: Costumes sociais, preceitos das escrituras, necessidades do corpo, ação fruitiva, timidez, paciência, prazeres corporais, autossatisfação e o caminho de varṇāśrama-dharma, que é difícil de abandonar – as gopīs renunciaram a tudo isso, bem como a seus próprios parentes e à punição e repreensão deles, em nome de seu serviço ao Senhor Kṛṣṇa. Elas prestam-Lhe serviço amoroso para o prazer dEle.

VERSO 170: Isso se chama firme apego ao Senhor Kṛṣṇa. É imaculadamente puro, como uma roupa limpa que não tem mancha.

VERSO 171: Portanto, luxúria e amor têm bastante diferença. A luxúria é como a densa escuridão, mas o amor é como o sol brilhante.

VERSO 172: Assim, não há sequer uma ínfima mácula de luxúria no amor das gopīs. A relação que elas mantêm com Kṛṣṇa é somente em benefício do prazer dEle.

VERSO 173: “Ó bem amado! Teus pés de lótus são tão macios que os colocamos gentilmente sobre nossos seios, temendo que se machuquem. Nossa vida depende inteiramente de Ti. Por isso, nossas mentes enchem-se de preocupação, temendo que os seixos machuquem Teus tenros pés enquanto perambulas pelos caminhos da floresta.”

VERSO 174: As gopīs não se importam com seus prazeres ou suas dores pessoais. Todas as suas atividades físicas e mentais estão voltadas para oferecer prazer ao Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 175: Elas renunciaram a tudo por Kṛṣṇa. Elas têm apego puro a dar prazer a Kṛṣṇa.

VERSO 176: “Ó Minhas amadas gopīs, renunciastes a costumes sociais, a preceitos das escrituras e a vossos parentes por Minha causa. Desapareci de vossa frente só para aumentar vossa concentração em Mim. Como desapareci para vosso benefício, não deveis ficar descontentes comigo.”

VERSO 177: Anteriormente, o Senhor Kṛṣṇa prometera corresponder com Seus devotos de acordo com a maneira que eles O adorassem.

VERSO 178: “Eu recompenso Meus devotos de acordo com a maneira que eles se rendam a Mim. Ó filho de Pṛthā, todos seguem Meu caminho sob todos os aspectos.”

VERSO 179: Essa promessa foi quebrada pela adoração das gopīs, como o admite o próprio Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 180: “Ó gopīs, não sou capaz de retribuir Minha dívida por vosso serviço imaculado, mesmo que para tal tivesse toda uma vida de Brahmā. Vossa ligação comigo é incensurável. Adorastes-Me, cortando todos os laços familiares, que são difíceis de romper. Portanto, por favor, que vossos próprios atos gloriosos sejam vossa recompensa.”

VERSO 181: Portanto, qualquer afeição que vejamos transparecer nos próprios corpos das gopīs, podemos ter certeza de que é apenas por amor ao Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 182: [As gopīs pensam:] “Este corpo, ofereço-o ao Senhor Kṛṣṇa, que é seu proprietário e obtém desfrute dele.”

VERSO 183: “Kṛṣṇa sente alegria em ver e em tocar este corpo.” É por essa razão que elas limpam e enfeitam seus corpos.

VERSO 184: “Ó Arjuna, não há maiores receptáculos de profundo amor por Mim do que as gopīs, que limpam e enfeitam seus corpos porque os consideram Meus.”

VERSO 185: Há outra característica maravilhosa da emoção das gopīs. O poder dela está além da compreensão da inteligência.

VERSO 186: Quando veem o Senhor Kṛṣṇa, as gopīs sentem bem-aventurança ilimitada, embora não desejem tal prazer.

VERSO 187: As gopīs experimentam um prazer dez milhões de vezes maior do que o prazer que o Senhor Kṛṣṇa sente ao vê-las.

VERSO 188: As gopīs não se sentem inclinadas a seu próprio prazer, e, mesmo assim, sua alegria aumenta. Isso é deveras uma contradição.

VERSO 189: Só vejo uma maneira de solucionar essa contradição: a alegria das gopīs repousa na alegria de seu amado Kṛṣṇa.

VERSO 190: Ao ver as gopīs, a alegria do Senhor Kṛṣṇa aumenta e Sua doçura incomparável também aumenta.

VERSO 191: [As gopīs pensam:] “Kṛṣṇa sente tanto prazer em ver-me!” Esse pensamento aumenta a plenitude e a beleza de seus rostos e corpos.

VERSO 192: A beleza do Senhor Kṛṣṇa aumenta ante a visão da beleza das gopīs. E quanto mais as gopīs veem a beleza do Senhor Kṛṣṇa, tanto mais aumenta a beleza delas.

VERSO 193: Dessa maneira, acontece uma competição entre eles em que ninguém conhece a derrota.

VERSO 194: Entretanto, Kṛṣṇa obtém prazer da beleza e das boas qualidades das gopīs. E, ao verem o prazer dEle, a alegria das gopīs aumenta.

VERSO 195: Portanto, vemos que a alegria das gopīs nutre a alegria do Senhor Kṛṣṇa. Por essa razão, o erro da luxúria não está presente no amor delas.

VERSO 196: “Adoro o Senhor Keśava. Ao regressar da floresta de Vraja, Ele é adorado pelas gopīs, que sobem aos terraços de seus palácios e O encontram no caminho com centenas de formas de dançantes olhares e amáveis sorrisos. Os cantos de Seus olhos vagueiam, como grandes abelhas negras, em torno dos seios das gopīs.”

VERSO 197: Outro sintoma natural do amor das gopīs demonstra que ele não tem vestígio algum de luxúria.

VERSO 198: O amor das gopīs nutre a doçura do Senhor Kṛṣṇa. Essa doçura, por sua vez, aumenta o amor delas, pois elas ficam imensamente satisfeitas.

VERSO 199: A felicidade da morada do amor está na felicidade do objeto desse amor. Esse não é um relacionamento de desejo de satisfação pessoal.

VERSOS 200-201: Sempre que há amor desinteressado, este é seu estilo: o reservatório do amor sente prazer quando o objeto do amor fica satisfeito. Quando o prazer do amor interfere com o serviço ao Senhor Kṛṣṇa, o devoto zanga-se com tal êxtase.

VERSO 202: “Śrī Dāruka não apreciava seus sentimentos extáticos de amor, pois eles deixavam os membros de seu corpo aturdidos e assim atrapalhavam seu serviço de abanar o Senhor Kṛṣṇa.”

VERSO 203: “A Rādhārāṇī de olhos de lótus condenou com veemência o amor extático que fez com que um fluxo de lágrimas A impedisse de ver Govinda.”

VERSO 204: Além disso, devotos puros jamais abandonam o serviço amoroso ao Senhor Kṛṣṇa para aspirar a seu próprio prazer pessoal por meio das cinco classes de liberação.

VERSO 205: “Assim como as águas celestiais do Ganges deságuam desimpedidas no oceano, da mesma forma, quando Meus devotos simplesmente ouvem falar de Mim, suas mentes vêm a Mim, que resido no coração de todos.”

VERSO 206: “São estas as características do transcendental serviço amoroso a Puruṣottama, a Suprema Personalidade de Deus: é imotivado e não pode ser impedido de forma alguma.”

VERSO 207: “Meus devotos não aceitam sālokya, sārṣṭi, sārūpya, sāmīpya ou unidade coMigo – mesmo que Eu lhes ofereça essas liberações – preferentemente a servir-Me.”

VERSO 208: “Meus devotos, tendo satisfeito seus desejos servindo-Me, não aceitam as quatro classes de salvação que facilmente se obtêm mediante tal serviço. Por que, então, deveriam eles aceitar quaisquer prazeres que se perdem com o transcorrer do tempo?”

VERSO 209: O amor natural das gopīs é desprovido de qualquer vestígio de luxúria. É impecável, brilhante e puro como ouro derretido.

VERSO 210: As gopīs são ajudantes, mestras, amigas, esposas, queridas discípulas, confidentes e criadas do Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 211: “Ó Pārtha, falo-te a verdade. As gopīs são Minhas ajudantes, mestras, discípulas, criadas, amigas e consortes. Não sei o que elas não são para Mim.”

VERSO 212: As gopīs conhecem os desejos de Kṛṣṇa, e sabem como prestar serviço amoroso perfeito para o prazer dEle. Para a satisfação de seu amado, elas executam seu serviço habilmente.

VERSO 213: “Ó Pārtha, as gopīs conhecem Minha grandeza, Meu serviço amoroso, o respeito por Mim e Minha mentalidade. Outros não podem realmente conhecer essas coisas.”

VERSO 214: Entre as gopīs, Śrīmatī Rādhikā é a principal. Ela supera a todas em beleza, em boas qualidades, em boa fortuna e, acima de tudo, em amor.

VERSO 215: “Assim como Rādhā é querida ao Senhor Kṛṣṇa, da mesma maneira, o balneário dEla [Rādhā-kuṇḍa] Lhe é querido. De todas as gopīs, apenas Ela é a mais querida dEle.”

VERSO 216: “Ó Pārtha, em todos os três sistemas planetários, esta Terra é especialmente afortunada, pois, na Terra, está a cidade de Vṛndāvana. E ali as gopīs são especialmente gloriosas, pois, entre elas, está Minha Śrīmatī Rādhārāṇī.”

VERSO 217: Todas as outras gopīs ajudam a aumentar a alegria dos passatempos de Kṛṣṇa com Rādhārāṇī. As gopīs agem como instrumentos para o prazer mútuo dEles.

VERSO 218: Rādhā é a amada consorte de Kṛṣṇa, e é a riqueza da vida dEle. Sem Ela, as gopīs não podem dar prazer a Ele.

VERSO 219: “O Senhor Kṛṣṇa, o inimigo de Kaṁsa, deixou de lado as outras gopīs durante a dança da rāsa e levou Śrīmatī Rādhārāṇī em Seu coração, pois é Ela quem ajuda o Senhor a compreender a essência dos desejos dEle.”

VERSO 220: O Senhor Caitanya apareceu com o sentimento de Rādhā. Ele pregou o dharma desta era – o cantar do santo nome e o amor puro a Deus.

VERSO 221: Com a atitude de Śrīmatī Rādhārāṇī, Ele também satisfez Seus próprios desejos. É essa a razão principal para Seu aparecimento.

VERSO 222: O Senhor Śrī Kṛṣṇa Caitanya é Kṛṣṇa [Vrajendra-kumāra], a corporificação das rasas. Ele é a personificação do amor erótico.

VERSO 223: Ele apareceu para saborear essa doçura conjugal e, incidentalmente, divulgar todas as rasas.

VERSO 224: “Minhas queridas amigas, vede só como Śrī Kṛṣṇa está Se deleitando na primavera! Com as gopīs abraçando cada um dos membros de Seu corpo, Ele é como o amor erótico personificado. Com Seus passatempos transcendentais, Ele alenta todas as gopīs e a criação inteira. Com Seus suaves braços e pernas negro-azulados, que se assemelham a flores de lótus azuis, Ele cria um festival para Cupido.”

VERSO 225: O Senhor Śrī Kṛṣṇa Caitanya é a morada da rasa. Ele próprio saboreou a doçura da rasa de intermináveis maneiras.

VERSO 226: Assim, Ele iniciou o dharma para a era de Kali. Os devotos do Senhor Caitanya conhecem todas essas verdades.

VERSOS 227-228: Advaita Ācārya, Nityānanda, Śrīvāsa Paṇḍita, Gadādhara, Svarūpa Dāmodara, Murāri Gupta, Haridāsa e todos os demais devotos de Śrī Kṛṣṇa Caitanya – prostrando-me com devoção, mantenho seus pés de lótus sobre minha cabeça.

VERSO 229: Acabo de fazer uma alusão ao sexto verso. Agora, por favor, escutai-me enquanto revelo o significado desse verso original.

VERSO 230: “Desejando entender a glória do amor de Rādhārāṇi, as qualidades maravilhosas nEle que só Ela aprecia graças ao amor dEla, e a felicidade que Ela sente ao compreender a doçura do amor dEle, o Supremo Senhor Hari, ricamente dotado com as emoções dEla, surge do ventre de Śrīmatī Śacīdevī, assim como a Lua surge do oceano.”

VERSO 231: Não é apropriado revelar todas essas conclusões em público. Porém, caso não sejam reveladas, ninguém as compreenderá.

VERSO 232: Portanto, revelando somente a essência delas, vou mencioná-las de modo que os devotos amorosos as entendam, mas os tolos não.

VERSO 233: Qualquer pessoa que tenha cativado o Senhor Caitanya Mahāprabhu e o Senhor Nityānanda Prabhu em seu coração ficará bem-aventurada ao ouvir todas essas conclusões transcendentais.

VERSO 234: Todas essas conclusões são como galhos recém-crescidos de uma mangueira; são sempre satisfatórias para os devotos, que dessa maneira assemelham-se a cucos.

VERSO 235: Os não-devotos que são como camelos não têm acesso a esses temas. Portanto, há júbilo especial em meu coração.

VERSO 236: Por temor a eles, não desejo falar, mas, se eles não compreendem, quem, então, pode ser mais feliz em todos os três mundos?

VERSO 237: Portanto, após oferecer reverências aos devotos, para a satisfação deles hei de falar sem hesitação.

VERSO 238: Certa vez, o Senhor Kṛṣṇa considerava dentro de Seu coração: “Todos dizem que Eu sou completa bem-aventurança, pleno de todas as rasas.”

VERSO 239: “O mundo inteiro obtém prazer de Mim. Acaso há alguém que Me possa dar prazer?”

VERSO 240: “Alguém que tivesse cem vezes mais qualidades do que Eu poderia dar prazer à Minha mente.”

VERSO 241: “É impossível encontrar no mundo alguém mais qualificado do que Eu. Somente em Rādhā, porém, sinto a presença de alguém que pode dar-Me prazer.”

VERSOS 242-243: “Embora Minha beleza derrote a beleza de dez milhões de cupidos, embora seja inigualável e insuperável e embora dê prazer aos três mundos, ver Rādhārāṇī dá-Me prazer aos olhos.”

VERSO 244:  “A vibração de Minha flauta transcendental atrai os três mundos, mas Meus ouvidos ficam encantados com as doces palavras de Śrīmatī Rādhārāṇī.”

VERSO 245: “Embora Meu corpo empreste aroma a toda a criação, o perfume dos membros do corpo de Rādhārāṇī cativa Minha mente e Meu coração.”

VERSO 246: “Embora toda a criação seja plena de diferentes sabores por causa de Mim, fico encantado com o sabor nectáreo dos lábios de Śrīmatī Rādhārāṇī.”

VERSO 247: “E embora Meu toque seja mais refrescante do que dez milhões de luas, o toque de Śrīmatī Rādhikā Me refresca.”

VERSO 248: “Assim, embora Eu seja a fonte da felicidade do mundo inteiro, a beleza e os atributos de Śrī Rādhikā são Minha vida e alma.”

VERSO 249: “Dessa maneira podem ser compreendidos os Meus sentimentos afetuosos por Śrīmatī Rādhārāṇī, mas, analisando-os, acho-os contraditórios.”

VERSO 250: “Meus olhos satisfazem-se plenamente ao olhar para Śrīmatī Rādhārāṇī. Porém, olhando-Me, Ela avança mais ainda em satisfação.”

VERSO 251: “O murmúrio semelhante ao toque de flauta dos bambus friccionando-se uns contra os outros furta a consciência de Rādhārāṇī, pois Ela pensa que é o som de Minha flauta. E Ela abraça uma árvore tamāla, confundindo-a coMigo.”

VERSO 252: “‘Consegui o abraço de Śrī Kṛṣṇa’, pensa Ela, ‘de modo que agora Minha vida está completa.’ Assim, Ela permanece imersa em agradar a Kṛṣṇa, apertando a árvore em Seus braços.”

VERSO 253: “Quando uma brisa favorável traz até Ela o aroma de Meu corpo, Ela fica cega de amor e tenta voar naquela brisa.”

VERSO 254: “Ao saborear a noz de bétel mastigada por Mim, Ela mergulha num oceano de alegria e Se esquece de tudo mais.”

VERSO 255: “Nem mesmo com centenas de bocas Eu poderia expressar o prazer transcendental que Ela obtém de Minha associação.”

VERSO 256: “Vendo o brilho de Sua tez após Nossos passatempos em comum, mergulhado em felicidade, esqueço-Me de Minha própria identidade.”

VERSO 257: “O sábio Bharata diz que as doçuras do amante e da amada são iguais. Contudo, ele não conhece as doçuras da Minha Vṛndāvana.”

VERSO 258: “A felicidade que sinto ao encontrar-Me com Rādhārāṇī é cem vezes maior que a felicidade que sinto ao encontrar-Me com outros.”

VERSO 259: “Minha querida e auspiciosa Rādhārāṇī, Teu corpo é a fonte de toda a beleza. Teus lábios vermelhos são mais suaves do que o sentido de doçura imortal, Teu rosto tem o aroma de uma flor de lótus, Tuas doces palavras derrotam as vibrações do cuco, e os membros de Teu corpo são mais refrescantes do que a polpa de sândalo. Todos os Meus sentidos transcendentais enchem-se de prazer extático ao saborear-Te, posto que és inteiramente enfeitada de belas qualidades.”

VERSO 260: “Os olhos dEla encantam-se com a beleza do Senhor Kṛṣṇa, o inimigo de Kaṁsa. Seu corpo estremece de prazer ao toque dEle. Seus ouvidos são sempre atraídos pela doce voz dEle, Suas narinas encantam-se com a fragrância dEle, e Sua língua anseia pelo néctar dos macios lábios dEle. Ela abaixa Seu rosto de lótus, fingindo exercitar autocontrole, mas não pode deixar de mostrar os sinais externos de Seu amor espontâneo pelo Senhor Kṛṣṇa.”

VERSO 261: “Levando isso em consideração, posso compreender que alguma doçura desconhecida em Mim controla toda a existência de Minha cativadora, Śrīmatī Rādhārāṇī.”

VERSO 262: “Vivo ansioso por saborear a alegria que Rādhārāṇī obtém de Mim.”

VERSO 263: “A despeito de vários esforços, não tenho sido capaz de saboreá-la. Porém, Meu desejo de experimentar esse prazer aumenta à medida que cheiro sua doçura.”

VERSO 264: “Apareço no mundo para saborear doçuras. Vou saborear as doçuras do amor puro de diversas maneiras.”

VERSO 265: “Vou ensinar o serviço devocional, que brota do amor espontâneo dos devotos, demonstrando-o pessoalmente com Meus passatempos.”

VERSO 266: “Todavia, esses três desejos não foram satisfeitos, pois não é possível desfrutá-los numa posição oposta.”

VERSO 267: “A menos que Eu aceite o brilho do amor extático de Śrī Rādhikā, esses Meus três desejos não poderão ser satisfeitos.”

VERSO 268: “Portanto, assumindo os sentimentos e a cor do corpo de Rādhārāṇī, vou descer para satisfazer esses três desejos.”

VERSO 269: Dessa maneira, o Senhor Kṛṣṇa tomou Sua decisão. Simultaneamente, chegava o momento para a encarnação própria da era.

VERSO 270: Nessa altura, Śrī Advaita adorava-O fervorosamente. Advaita atraiu-O com Seus altos brados.

VERSOS 271-272: Primeiro, o Senhor Kṛṣṇa fez com que Seus pais e outros ancestrais aparecessem. Então, o próprio Kṛṣṇa, com os sentimentos e a tez de Rādhikā, apareceu em Navadvīpa, tal qual a lua cheia, do ventre de mãe Śacī, que é como um oceano de leite puro.

VERSO 273: Meditando nos pés de lótus de Śrī Rūpa Gosvāmī, expliquei assim o sexto verso.

VERSO 274: Posso apoiar a explicação desses dois versos [versos 5 e 6 do primeiro capítulo] com o verso de Śrī Rūpa Gosvāmī.

VERSO 275: “O Senhor Kṛṣṇa desejou saborear as nectáreas doçuras ilimitadas do amor de uma dentre Sua multidão de donzelas amorosas [Śrī Rādhā], e assim assumiu a forma do Senhor Caitanya. Ele saboreou esse amor enquanto ocultava Sua própria tez enegrecida sob a cor amarela e refulgente dEla. Que esse Senhor Caitanya nos conceda Sua graça.”

VERSO 276: Assim, a invocação auspiciosa, a natureza essencial da verdade do Senhor Caitanya e a necessidade de Seu aparecimento foram expostas em seis versos.

VERSO 277: Orando aos pés de lótus de Śrī Rūpa e Śrī Raghunātha, desejando sempre a misericórdia deles, eu, Kṛṣṇadāsa, narro o Śrī Caitanya-caritāmṛta, seguindo seus passos.

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