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VERSO 110

tāṅhāra nāhika doṣa, īśvara-ājñā pāñā
gauṇārtha karila mukhya artha ācchādiyā

tāṅhāra de Śrī Śaṅkarācārya; nāhika não há nenhuma; doṣa falta; īśvara o Senhor Supremo; ājñā — ordem; pāñā recebendo; gauṇa-artha significado indireto; karila faze; mukhya — direto; hīna significado; ācchādiyā encobrindo.

“Śaṅkarācārya não é culpado, pois ele encobriu assim o verdadeiro objetivo dos Vedas por ordem da Suprema Personalidade de Deus.”

SIGNIFICADO—Deve-se considerar a literatura védica como fonte de conhecimento verdadeiro. Porém, quem não a aceitar como ela é ficará desorientado. Por exemplo, a Bhagavad-gītā é uma obra védica importante, que tem sido ensinada há muitos anos, mas, por ter sido comentada por patifes inescrupulosos, as pessoas não obtiveram nenhum benefício dela, e ninguém chegou à conclusão da consciência de Kṛṣṇa. Contudo, como o propósito da Bhagavad-gītā está sendo apresentado agora como ele é, num breve período de quatro ou cinco anos, milhares de pessoas em todo o mundo têm se tornado conscientes de Kṛṣṇa. Essa é a diferença entre explicações diretas e indiretas da literatura védica. Portanto, Śrī Caitanya Mahāprabhu disse que mukhya-vṛttye sei artha parama mahattva: ensinar a literatura védica segundo seu significado direto, sem falsos comentários, é glorioso. Infelizmente, Śrī Śaṅkarācārya, por ordem da Suprema Personalidade de Deus, fazia um meio-termo entre o ateísmo e o teísmo a fim de enganar os ateístas e trazê-los ao teísmo, e, para fazer isso, abandonou o método direto de conhecimento védico e tentou apresentar um significado que é indireto. Foi com esse objetivo que ele escreveu seu comentário Śārīraka-bhāṣya sobre o Vedānta-sūtra.

Portanto, não se deve atribuir muita importância ao Śārīraka-bhāṣya. A fim de compreender a filosofia vedānta, deve-se estudar o Śrīmad-Bhāgavatam, o qual começa com as palavras: oṁ namo bhagavate vāsudevāya, janmādy asya yato’nvayād itarataś cārtheṣv abhijñaḥ sva-rāṭ: “Ofereço minhas reverências ao Senhor Śrī Kṛṣṇa, filho de Vasudeva, que é a Suprema Personalidade de Deus Onipenetrante. Medito nEle, a realidade transcendental, que é a causa primordial de todas as causas, de quem surgem todos os universos manifestos, em quem eles são mantidos e por quem eles são destruídos. Medito nesse Senhor eternamente refulgente, que é direta e indiretamente consciente de todas as manifestações e, mesmo assim, é plenamente independente.” (Śrīmad-Bhāgavatam 1.1.1) O Śrīmad-Bhāgavatam é o verdadeiro comentário sobre o Vedānta-sūtra. Infelizmente, se alguém fica atraído pelo comentário de Śrī Śaṅkarācārya, Śārīraka-bhāṣya, sua vida espiritual está arruinada.

Alguém poderá argumentar que, já que Śaṅkarācārya é uma encarnação do senhor Śiva, como é que ele enganou as pessoas dessa maneira? A resposta é que ele agiu assim por ordem de seu mestre, a Suprema Personalidade de Deus. No Padma Purāṇa, as palavras do próprio senhor Śiva confirmam isso:

māyāvādam asac chāstraṁ
pracchannaṁ bauddham ucyate
mayaiva kalpitaṁ devi

kalau brāhmaṇa-rūpiṇā

brahmaṇaś cāparaṁ rūpaṁ
nirguṇaṁ vakṣyate mayā
sarva-svaṁ jagato ’py asya

mohanārthaṁ kalau yuge

vedānte tu mahā-śāstre
māyāvādam avaidikam
mayaiva vakṣyate devi

jagatāṁ nāśa-kāraṇāt

“A filosofia māyāvāda”, informou o senhor Śiva à sua esposa Pārvatī, “é impiedosa [asac-chāstra]. É budismo encoberto. Minha querida Pārvatī, sob a forma de um brāhmaṇa em Kali-yuga, eu ensino essa filosofia māyāvāda fictícia. A fim de enganar os ateístas, digo que a Suprema Personalidade de Deus não tem forma nem qualidades. Semelhantemente, ao explicar o Vedānta, descrevo a mesma filosofia māyāvāda a fim de desencaminhar toda a população para o ateísmo, negando a forma pessoal do Senhor.” No Śiva Purāṇa, a Suprema Personalidade de Deus diz ao senhor Śiva:

dvāparādau yuge bhūtvā
kalayā mānuṣādiṣu
svāgamaiḥ kalpitais tvaṁ ca
janān mad-vimukhān kuru

“Em Kali-yuga, desorienta as pessoas em geral, propondo significados imaginários para os Vedas de modo a confundi-las.” Essas são descrições dos Purāṇas.

Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura comenta que mukhya-vṛtti (“o significado direto”) é abhidhā-vṛtti, ou seja, o significado que se pode depreender imediatamente pelas afirmações de dicionários, ao passo que gauṇa-vṛtti (“o significado indireto”) é algo que se imagina sem consultar o dicionário. Por exemplo, certo político diz que kurukṣetra refere-se ao corpo, mas, no dicionário, tal definição não existe. Portanto, esse significado imaginário é gauṇa-vṛtti, ao passo que o significado direto, encontrado no dicionário, é mukhya-vṛtti ou abhidhā-vṛtti. Essa é a distinção entre os dois. Śrī Caitanya Mahāprabhu recomenda que se compreenda a literatura védica em termos de abhidhā-vṛtti, e rejeita gauṇa-vṛtti. No entanto, às vezes, por uma questão de necessidade, descreve-se a literatura védica em termos de lakṣaṇā-vṛtti, ou gauṇa-vṛtti, mas não se deve aceitar tais explicações como verdades permanentes.

O objetivo das discussões nas Upaniṣads e no Vedānta-sūtra é estabelecer filosoficamente o aspecto pessoal da Verdade Absoluta. Entretanto, os impersonalistas, a fim de estabelecer a filosofia deles, aceitam essas discussões em termos de lakṣaṇā-vṛtti, ou significados indiretos. Assim, em vez de serem tattva-vāda, ou seja, buscadores da Verdade Absoluta, eles tornam-se māyāvādas, ou seja, iludidos pela energia material. Quando Śrī Viṣṇusvāmī, um dos quatro ācāryas do culto vaiṣṇava, apresentou sua tese sobre o tema śuddhādvaita-vāda, imediatamente os māyāvādīs aproveitaram-se dessa filosofia e tentaram estabelecer seu advaita-vāda, ou kevalādvaita-vāda. Para derrotar esse kevalādvaita-vāda, Śrī Rāmānujācārya apresentou sua filosofia como viśiṣṭādvaita-vāda, e Śrī Madhvācārya apresentou sua filosofia de tattva-vāda, ambas as quais são obstáculos para os māyāvādīs, pois derrotam a filosofia deles com minuciosos pormenores. Os estudantes da filosofia védica sabem muito bem quão fortemente a viśiṣṭādvaita-vāda de Śrī Rāmānujācārya e o tattva-vāda de Śrī Madhvācārya contestam a filosofia impessoal māyāvāda. No entanto, Śrī Caitanya Mahāprabhu aceitou o significado direto da filosofia vedānta e, assim, derrotou a filosofia māyāvāda imediatamente. A esse respeito, Ele opinou que qualquer pessoa que siga os princípios do Śārīraka-bhāṣya está arruinada. O Padma Purāṇa confirma isso na passagem em que o senhor Śiva diz a Pārvatī:

śṛṇu devi pravakṣyāmi
tāmasāni yathā-kramam
yeṣāṁ śravaṇa-mātreṇa

pātityaṁ jñāninām api

apārthaṁ śruti-vākyānāṁ
darśayaḻ loka-garhitam
karma-svarūpa-tyājyatvam

atra ca pratipādyate

sarva-karma-paribhraṁśān
naiṣkarmyaṁ tatra cocyate
parātma-jīvayor aikyaṁ

mayātra pratipadyate

“Minha querida esposa, ouve minhas explicações de como promovo a ignorância por meio da filosofia māyāvāda. Simplesmente por ouvi-la, mesmo um erudito avançado cairá. Nessa filosofia, que é decerto muito inauspiciosa para as pessoas em geral, desvirtuo o verdadeiro significado dos Vedas e recomendo que todos abandonem suas atividades a fim de se libertarem do karma. Nessa filosofia māyāvāda, digo que jīvātmā e Paramātmā são a mesma coisa.” Descreve-se no Śrī Caitanya-caritāmṛta, Antya-līlā, segundo capítulo, dos versos 94 a 99 (onde Svarūpa Dāmodara Gosvāmī diz que deve ser considerada louca qualquer pessoa que esteja ansiosa por compreender a filosofia māyāvāda), como Śrī Caitanya Mahāprabhu e Seus seguidores condenaram a filosofia māyāvāda. Isso se aplica especialmente a um vaiṣṇava que leia o Śārīraka-bhāṣya e se considere igual a Deus. Os filósofos māyāvādīs apresentam seus argumentos em linguagem tão atrativa e florida que o fato de ouvir a filosofia māyāvāda pode às vezes transformar inclusive a mente de um mahā-bhāgavata, ou seja, um devoto muito avançado. O verdadeiro vaiṣṇava não pode tolerar nenhuma filosofia que declare que Deus e o ser vivo são a mesma coisa.

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