Capítulo 45
Kṛṣṇa Recupera o Filho de Seu Mestre
Quando o Senhor Kṛṣṇa viu Vasudeva e Devakī de pé em atitude reverente, Ele logo expandiu Sua influência de yogamāyā para que eles pudessem tratar tanto Ele quanto Balarāma como filhos. Assim como no mundo material a energia ilusória exerce certa influência para existir uma relação entre pais e filhos em qualquer espécie de ser vivo; da mesma forma, pela influência de yogamāyā, o devoto pode estabelecer uma relação em que a Suprema Personalidade de Deus é seu filho. Depois de criar esta situação por meio de Sua yogamāyā, Kṛṣṇa, que aparecera como o filho mais ilustre da dinastia dos Sātvatas, juntamente com Seu irmão mais velho, Balarāma, dirigiu-Se com muita submissão e respeito a Vasudeva e Devakī: “Meus queridos pai e mãe, apesar de sempre se preocuparem com a proteção de Nossas vidas, vocês não puderam gozar o prazer de Nos ter como seus bebês, como seus meninos que cresciam e como seus filhos adolescentes”. Kṛṣṇa louvou indiretamente a paternidade de Nanda Mahārāja e a maternidade de Yaśodā como muito gloriosas, porque, embora Ele e Balarāma não fossem filhos nascidos de Nanda e Yaśodā, estes de fato gozaram os passatempos da infância dos dois. Pelo arranjo da natureza, são os pais que desfrutam da infância do ser vivo corporificado. Mesmo no reino animal, encontram-se pais afetuosos com seus filhotes. Estando cativados pelas atividades de seus filhos, eles se empenham muito pelo seu bem-estar. Quanto a Vasudeva e Devakī, eles estavam sempre ansiosos pela proteção de seus filhos, Kṛṣṇa e Balarāma. Foi por isso que Kṛṣṇa foi imediatamente transferido para a casa de outra pessoa depois de nascer. Balarāma também foi transferido do ventre de Devakī para o de Rohiṇī.
Vasudeva e Devakī estavam cheios de ansiedade pela proteção de Kṛṣṇa e Balarāma e não puderam gozar os passatempos infantis dEles. Kṛṣṇa disse: “Infelizmente, por ordem de Nosso destino, não pudemos ser criados por Nossos próprios pais para gozar os prazeres da infância em casa. Meus queridos pai e mãe, uma pessoa não pode pagar sua dívida com seus pais, de quem ele recebe este corpo que lhe pode dar todos os benefícios da existência material. Segundo o preceito védico, esta forma de vida humana possibilita à pessoa executar todas as espécies de atividades religiosas, satisfazer todas as espécies de desejos e adquirir todas as espécies de riquezas. E só nesta forma humana há toda a possibilidade de que alguém possa conseguir a libertação da existência material. Este corpo é produzido pelos esforços combinados do pai e da mãe. Todo ser humano deve sentir-se obrigado a seus pais e compreender que não pode pagar sua dívida com eles. Se, depois de crescido, um filho não procura satisfazer seus pais por suas ações ou por doação de riquezas, ele com certeza será punido depois da morte pelo superintendente da morte e será obrigado a comer sua própria carne. Se uma pessoa é capaz de cuidar ou proteger pais idosos, uma esposa casta, filhos, o mestre espiritual, brāhmaṇas e outros dependentes, mas não o faz, considera-se que tal pessoa já morreu, embora supostamente esteja respirando. Meus queridos pai e mãe, vocês sempre estiveram preocupados com a Nossa proteção, mas, infelizmente, não pudemos prestar-lhes nenhum serviço. Até agora, simplesmente perdemos Nosso tempo; não pudemos servi-los por razões além de Nosso controle. Mãe e pai, por favor, perdoem-Nos por Nossa ação pecaminosa”.
Quando a Suprema Personalidade de Deus estava falando como um menino inocente com palavras muito doces, tanto Vasudeva como Devakī ficaram cativados pelo afeto de pai e mãe e O abraçaram com grande prazer. Eles ficaram atônitos e não puderam responder às palavras de Kṛṣṇa, mas simplesmente abraçaram os dois em grande afeição e permaneceram em silêncio, derramando incessantes lágrimas.
Tendo assim consolado Seu pai e Sua mãe, a Suprema Personalidade de Deus, que aparecera como o amado filho de Devakī, aproximou-Se de Seu avô Ugrasena e anunciou que Ugrasena agora seria o rei do reino dos Yadus. Kaṁsa estivera governando à força o reino de Yadu a despeito da presença de seu pai, que ele prendera. Contudo, depois da morte de Kaṁsa, o pai de Kaṁsa foi libertado e anunciado como o monarca do reino Yadu. Parece que, naqueles dias, na parte ocidental da Índia, havia muitos pequenos reinos, governados pela dinastia Yadu, dinastia Andhaka, dinastia Vṛṣṇi e dinastia Bhoja. Mahārāja Ugrasena pertencia à dinastia Bhoja; portanto, Kṛṣṇa declarou indiretamente que o rei da dinastia Bhoja seria o imperador dos outros pequenos reinos. Ele pediu de bom grado a Mahārāja Ugrasena que Os governasse porque Eles eram seus súditos. Usa-se no texto original a palavra prajā, que se refere tanto a prole quanto a cidadãos; portanto, Kṛṣṇa pertencia à prajā tanto por ser neto de Mahārāja Ugrasena quanto por ser membro da dinastia Yadu. Assim, Kṛṣṇa aceitou voluntariamente o governo de Mahārāja Ugrasena. Ele informou a Ugrasena: “Estando amaldiçoados por Yayāti, os reis da dinastia Yadu não ocuparão o trono. Será um prazer para Nós agir como seus servos. Minha total cooperação para consigo tornará sua posição mais elevada e segura, de modo que os reis das outras dinastias não hesitarão em pagar suas respectivas taxas. Protegido por Nós, você será honrado até mesmo pelos semideuses dos planetas celestes. Meu caro avô, por medo de Meu falecido tio Kaṁsa, todos os reis pertencentes às dinastias Yadu, Vṛṣṇi, Andhaka, Madhu, Daśārha e Kukura estavam muito ansiosos e perturbados. Agora pode tranquilizá-los e dar-lhes garantia de segurança. Todo o reino estará tranquilo”.
Todos os reis da área vizinha haviam abandonado seus lares por medo de Kaṁsa e estavam morando em partes distantes do país. Agora, depois da morte de Kaṁsa e do restabelecimento de Ugrasena como o rei, os reis vizinhos receberam todo tipo de benefícios e confirmação de segurança e, então, regressaram a seus respectivos lares. Depois desta hábil composição política, os cidadãos sentiram-se muito felizes por morar em Mathurā, sendo protegidos pelos fortes braços de Kṛṣṇa e Balarāma. Por causa do bom governo na presença de Kṛṣṇa e Balarāma, os habitantes de Mathurā sentiam completa satisfação na realização de todos os seus desejos materiais e necessidades e, porque viam diariamente Kṛṣṇa e Balarāma, face a face, eles logo se esqueceram por completo de todas as misérias materiais. Quando viam Kṛṣṇa e Balarāma saindo à rua, muito bem vestidos, sorrindo e olhando para todos com muita graça, os cidadãos de Mathurā logo se enchiam de êxtase amoroso pelo simples fato de verem a presença pessoal de Mukunda. O nome Mukunda refere-se a alguém que pode conceder libertação e bem-aventurança transcendental. A presença de Kṛṣṇa agia como um tônico tão vitalizante que não só a geração mais jovem, mas até os homens mais velhos de Mathurā, ficaram plenamente revigorados com energia e força juvenis por vê-lO regularmente.
Nanda Mahārāja e Yaśodā também estavam morando em Mathurā porque Kṛṣṇa e Balarāma estavam lá, mas, depois de algum tempo, eles quiseram voltar para Vṛndāvana. Kṛṣṇa e Balarāma foram à presença deles e os abraçaram muito afetuosamente, e Kṛṣṇa disse o seguinte: “Meus queridos pai e mãe, embora Eu tenha nascido de Vasudeva e Devakī, vocês foram Nossos verdadeiros pais porque, desde Nosso nascimento e infância, vocês Nos criaram com grande afeição e amor. O amor carinhoso que vocês tinham por Nós foi mais do que qualquer pessoa pode oferecer a seus próprios filhos. Vocês são de fato Nossos pai e mãe, porque Nos criaram como seus próprios filhos quando éramos como órfãos. Por certas razões, fomos rejeitados por Nossos pais, e vocês Nos protegeram. Meus queridos pai e mãe, sei que sentirão saudade quando voltarem para Vṛndāvana deixando-Nos aqui, mas, por favor, tenham a certeza de que voltarei para Vṛndāvana logo depois de dar alguma satisfação a Meus verdadeiros pai e mãe, Vasudeva e Devakī, e a Meu avô e aos outros membros da família”. Kṛṣṇa e Balarāma satisfizeram Nanda e Yaśodā com doces palavras e com presentes de várias roupas, ornamentos e utensílios de cobre. Eles os satisfizeram tanto quanto possível, bem como Seus amigos e vizinhos que tinham vindo com Eles de Vṛndāvana para Mathurā. Por causa do excessivo amor paternal por Balarāma e Kṛṣṇa, Nanda Mahārāja sentiu lágrimas nos olhos e Os abraçou, partindo, então, para Vṛndāvana junto com os pastores.
Depois disso, Vasudeva fez com que seu filho fosse iniciado com o cordão sagrado como sinal de segundo nascimento, que é essencial para as castas superiores da sociedade humana. Vasudeva mandou chamar o sacerdote de sua família e brāhmaṇas eruditos, e providenciou que a cerimônia do cordão sagrado de Kṛṣṇa e Balarāma fosse devidamente executada. Durante essa cerimônia, Vasudeva deu vários ornamentos em caridade aos brāhmaṇas e deu-lhes vacas ornamentadas com tecidos de seda e ornatos de ouro. Depois do nascimento de Kṛṣṇa e Balarāma, Vasudeva queria dar vacas em caridade aos brāhmaṇas, mas, estando aprisionado por Kaṁsa, ele somente pôde fazer isso em sua mente. Com a morte de Kaṁsa, e agora em liberdade, Vasudeva conseguiu dar vacas de verdade aos brāhmaṇas. Então, Balarāma e Kṛṣṇa foram devidamente iniciados com a cerimônia do cordão sagrado e repetiram o canto do mantra Gāyatrī. O mantra Gāyatrī é oferecido a discípulos depois da cerimônia do cordão sagrado, e Balarāma e Kṛṣṇa cumpriram de modo apropriado o dever de cantar esse mantra. Todos os que cantam esse mantra devem obedecer a certos princípios e votos. Embora Balarāma e Kṛṣṇa sejam ambos personalidades transcendentais, Eles seguiram à risca os princípios reguladores e foram iniciados pelo sacerdote de Sua família, Gargācārya, conhecido também por Garga Muni, o ācārya da dinastia Yadu. Segundo a cultura védica, cada família respeitável tem um ācārya, ou mestre espiritual. Não se considera um homem como perfeitamente culto se ele não for iniciado e treinado por um ācārya. É dito, portanto, que quem se aproximou de um ācārya tem realmente conhecimento perfeito. O Senhor Kṛṣṇa e Balarāma são a Suprema Personalidade de Deus, o senhor de toda a educação e conhecimento. Eles não tinham necessidade de aceitar um mestre espiritual ou ācārya, mas, para a instrução do homem comum, eles também aceitaram um mestre espiritual para avanço em conhecimento espiritual.
É costume que alguém, depois que foi iniciado no mantra Gāyatrī, viva longe de casa durante algum tempo, sob o cuidado do ācārya, para ser treinado na vida espiritual. Durante tal período, a pessoa deve trabalhar sob as ordens do mestre espiritual como um servo subalterno e comum. Existem muitas regras e regulações para um brahmacārī que viva sob o cuidado de um ācārya, e tanto o Senhor Kṛṣṇa quanto Balarāma seguiram à risca esses princípios reguladores enquanto viveram sob a instrução de Seu mestre espiritual, Sāndīpani Muni, que residia em Avantipura, no distrito de Ujjain, norte da Índia. Segundo os preceitos das escrituras, deve-se respeitar um mestre espiritual e considerá-lo como estando no mesmo nível que a Suprema Personalidade de Deus. Kṛṣṇa e Balarāma seguiram esses princípios com grande devoção e perícia, e Se submeteram às regulações de brahmacarya. Assim, Eles satisfizeram Seu mestre espiritual, que Os instruiu no conhecimento védico. Estando muito satisfeito, Sāndīpani Muni instruiu-Os em todas as complexidades da sabedoria védica e na literatura suplementar, como os Upaniṣads. Como eram kṣatriyas, Kṛṣṇa e Balarāma foram treinados especificamente na ciência militar, política e ética. Política inclui diversas esferas de conhecimento, entre elas: como restabelecer a paz, como lutar, como pacificar, como dividir e reinar e como dar abrigo. Todos esses itens foram plenamente explicados e ensinados a Kṛṣṇa e Balarāma.
O oceano é a fonte de água em um rio. A nuvem é criada pela evaporação da água do oceano, e a mesma água é distribuída como chuva sobre toda a superfície da Terra, que, então, retorna ao oceano através dos rios. Do mesmo modo, Kṛṣṇa e Balarāma são a fonte de todo o conhecimento, mas, porque estavam fazendo o papel de meninos humanos comuns, Eles deram o exemplo para que todos recebessem conhecimento da fonte certa. Assim, concordaram em receber conhecimento de um mestre espiritual.
Depois de ouvir o mestre apenas por uma vez, Kṛṣṇa e Balarāma conseguiram aprender todas as artes e ciências. Em 64 dias e 64 noites, eles aprenderam todas as artes e ciências necessárias que se exigem na sociedade humana. Durante o dia, recebiam as lições do mestre sobre determinado assunto e, à noite, já estavam peritos naquela área de conhecimento.
Em primeiro lugar, Eles aprenderam como cantar, como compor canções e como reconhecer as diferentes melodias; aprenderam as pronúncias e métricas favoráveis e desfavoráveis, como cantar diferentes espécies de ritmos e melodias, e como acompanhá-los tocando diferentes tipos de tambores. Aprenderam diferentes canções e a dançar ao ritmo da melodia. Aprenderam a escrever peças de teatro e os diversos tipos de pintura, começando da mais simples arte rupestre até o nível mais elevado da perfeição. Aprenderam também a pintar tilaka no rosto ao fazerem diferentes espécies de pontos na testa e nas bochechas. Aprenderam, então, a arte de fazer pinturas no chão com pasta líquida de arroz e farinha; estas pinturas são muito populares em cerimônias auspiciosas realizadas em casa ou no templo. Aprenderam a como fazer um lugar de repouso com flores e como enfeitar tecidos e membros do corpo com diferentes pinturas coloridas. Também aprenderam a colocar valiosas joias em ornamentos. Aprenderam a arte de ressoar vasilhas de água. As vasilhas são preenchiadas com água até certo ponto de modo que, à medida que se bata nas vasilhas, produzam-se diferentes melodias, e quando se batem juntas, produzam um som melodioso. Também aprenderam a jogar água em rios e lagos enquanto tomavam banho entre amigos. Aprenderam a decorar com flores. Essa arte de decoração ainda pode ser vista em vários templos de Vṛndāvana durante o verão. Chama-se phulla-bāḍi. O palanque, o trono, as paredes e teto são todos plenamente decorados, e uma pequena fonte aromática de flores é fixada no centro. Por causa dessas decorações florais, o povo, cansado do calor do verão, se refresca.
Kṛṣṇa e Balarāma aprenderam a arte de arranjar o cabelo em vários estilos e a fixar o elmo em diferentes posições na cabeça. Também aprenderam a montar um palco para teatro, como decorar os atores dramáticos com roupas e com ornatos de flores na orelha, e como borrifar polpa de sândalo e água para produzir um perfume agradável. Aprenderam também a arte de executar feitos mágicos. No campo da mágica, existe uma arte chamada bahu-rūpī pela qual uma pessoa se veste de tal modo que, quando se aproxima de um amigo, não pode ser reconhecida. Kṛṣṇa e Balarāma também aprenderam a fazer vários xaropes e bebidas usadas em várias ocasiões, com diferentes sabores e efeitos intoxicantes. Aprenderam também diferentes tipos de costura e bordado, e a manipular cordões finos para marionetes. Aprenderam a encordoar instrumentos musicais, tais como vīṇā, cítara, esarāja e tamboura, para produzirem sons melodiosos. Também aprenderam a criar e resolver enigmas. Aprenderam a arte de como até um estudante estúpido pode aprender rapidamente o alfabeto e a ler livros. Aprenderam, então, a ensaiar e representar uma peça teatral. Aprenderam também a arte de resolver problemas de palavras cruzadas, preenchendo os espaços vazios para completar as palavras.
Também aprenderam a desenhar e ler literatura pictográfica. Em alguns países do mundo, ainda é corrente a literatura pictográfica. Uma história é representada por imagens; por exemplo, pintam-se um homem e uma casa para representar um homem que vai para casa. Kṛṣṇa e Balarāma também aprenderam a arte da arquitetura – como construir edifícios residenciais. Aprenderam a reconhecer pedras preciosas estudando o brilho e qualidade de suas cores. Então, aprenderam a arte de montar joias com ouro e prata. Também aprenderam a estudar o solo para encontrar minerais. Esse estudo do solo é hoje uma grande ciência especializada, mas, antigamente, era conhecimento vulgar mesmo para o homem comum. Aprenderam a estudar ervas e plantas para descobrir como atuariam como remédio para diferentes curas. Pelo estudo das diferentes espécies de plantas, Eles aprenderam a cruzar plantas e árvores para obter diferentes espécies de frutas. Aprenderam a treinar e usar cordeiros e galos para lutar por esporte. Então, aprenderam a ensinar papagaios a falar e a responder perguntas dos seres humanos.
Eles aprenderam psicologia prática – como influenciar a mente alheia e, então, induzir a pessoa a agir de acordo com os próprios desejos. Às vezes, isso é chamado hipnotismo. Aprenderam a lavar o cabelo, tingi-lo de cores diferentes e trançá-lo de diferentes maneiras. Aprenderam a arte de dizer o que está escrito no livro de alguém sem vê-lo de fato. Aprenderam a dizer o que está na mão de alguém. Às vezes, as crianças imitam essa arte, embora sem muita exatidão. Uma criança mantém algo em sua mão fechada e pergunta ao amigo: “Pode adivinhar o que está na minha mão?”, e o amigo dá um palpite, embora de fato não possa adivinhar. Porém, existe uma arte pela qual se pode entender e dizer o que está na mão da pessoa.
Kṛṣṇa e Balarāma aprenderam a entender e falar as línguas de vários países. Não só aprenderam as línguas dos seres humanos; Kṛṣṇa podia até falar com animais e aves. Encontra-se evidência disso na literatura vaiṣṇava compilada pelos Gosvāmīs. Então, aprenderam a fazer carruagens e aeroplanos de flores. Afirma-se no Rāmāyana que, depois de derrotar Rāvaṇa, Rāmacandra foi transportado de Laṅkā até Bhārata-varṣa em um avião de flores, chamado puṣpa-ratha. Kṛṣṇa, então, aprendeu a arte de predizer eventos pela observação de sinais. Em um livro chamado Khanara-vacana, descrevem-se os vários tipos de sinais e presságios. Se, quando alguém sai, vê uma pessoa com um balde cheio de água, isso é um sinal muito bom. Por outro lado, se vê alguém com um balde vazio, não é bom sinal. Igualmente, se se vê uma vaca sendo ordenhada junto com o bezerro, é bom sinal. O resultado de entender os sinais é que se podem predizer eventos, e Kṛṣṇa aprendeu essa ciência. Kṛṣṇa também aprendeu a arte de compor mātṛkā. Uma mātṛkā é uma seção de palavras cruzadas com três números em cada fileira; a soma de três números quaisquer de qualquer lado dará nove. As mātṛkās são de diferentes espécies e para diferentes finalidades.
Kṛṣṇa e Balarāma aprenderam a arte de lapidar pedras preciosas, como os diamantes, e aprenderam a arte de perguntar e responder compondo poemas mentalmente na fluência da fala. Aprenderam a ciência da ação e reação das combinações e permutações físicas. Aprenderam a arte da psiquiatra, que pode entender os movimentos psíquicos de alguém. Eles aprenderam a satisfazer os desejos de uma pessoa. É muito difícil satisfazer os desejos, mas se alguém deseja algo irrazoável, que nunca pode ser realizado, o desejo pode ser dominado e satisfeito, e isso é uma arte. Por essa arte, pode-se também dominar os impulsos sexuais quando eles surgem, como ocorre até na vida de brahmacārī. Por essa arte, pode-se também transformar um inimigo em amigo ou transferir a ação direta de um elemento físico para outras coisas.
O Senhor Kṛṣṇa e Balarāma, reservatórios de todo o conhecimento, exibiram Sua perfeita compreensão de todas as artes e ciências mencionadas acima. Então, ofereceram-Se para servir Seu mestre concedendo-lhe qualquer coisa que ele desejasse. Essa oferta pelo estudante ao instrutor ou mestre espiritual chama-se guru-dakṣiṇā. É essencial que o estudante satisfaça o mestre em troca de qualquer aprendizado recebido, quer material, quer espiritual. Quando Kṛṣṇa e Balarāma ofereceram Seu serviço dessa maneira, o mestre, Sāndīpani Muni, julgou sensato pedir-Lhes algo extraordinário, algo que nenhum estudante comum poderia oferecer. Ele, então, consultou sua esposa sobre o que pedir a Eles. Tanto o mestre quanto sua esposa já tinham visto as potências extraordinárias de Kṛṣṇa e Balarāma e podiam entender que os dois meninos eram a Suprema Personalidade de Deus. Decidiram pedir a volta de seu filho, que havia se afogado no oceano perto da praia, em Prabhāsa-kṣetra.
Quando Kṛṣṇa e Balarāma ouviram Seu mestre falar sobre a morte do filho, Eles partiram imediatamente para Prabhāsa-kṣetra em Sua quadriga. Alcançando a praia, pediram à deidade controladora do oceano que devolvesse o filho de Seu mestre. A deidade do oceano apareceu imediatamente diante do Senhor e ofereceu-Lhe todas as reverências com grande humildade.
O Senhor disse: “Há algum tempo, você afogou o filho de Nosso mestre. Ordeno-lhe que o devolva”.
A deidade do oceano respondeu: “Na verdade, o menino não foi tomado por mim, mas foi capturado por um demônio chamado Pañcajana. Esse grande demônio, em geral, fica no fundo da água na forma de um búzio. O filho de Seu mestre deve estar dentro da barriga do demônio, tendo sido devorado por ele”.
Ouvindo isso, Kṛṣṇa mergulhou fundo na água e agarrou o demônio Pañcajana. Matou-o ali mesmo, mas não pôde encontrar o filho de Seu mestre dentro da barriga dele. Então, pegou o cadáver do demônio (na forma de búzio) e voltou para Sua quadriga na praia de Prabhāsa-kṣetra. Dali, partiu para Saṁyamanī, a residência de Yamarāja, o superintendente da morte. Acompanhado por Seu irmão mais velho, Balarāma, também conhecido como Halāyudha, Kṛṣṇa chegou lá e tocou Seu búzio.
Ouvindo a vibração, Yamarāja apareceu e recebeu Śrī Kṛṣṇa com todas as respeitosas reverências. Yamarāja podia entender quem eram Kṛṣṇa e Balarāma, em razão do que ofereceu imediatamente seu humilde serviço ao Senhor. Kṛṣṇa aparecera na superfície da Terra como um ser humano comum, mas, de fato, Kṛṣṇa e Balarāma são a Superalma que vive dentro do coração de toda entidade viva. Eles são o próprio Viṣṇu, mas estavam fazendo o papel de meninos humanos comuns. Enquanto Yamarāja oferecia seus serviços ao Senhor, Śrī Kṛṣṇa pediu-lhe que devolvesse o filho de Seu mestre, que ele obtivera como resultado de seu trabalho. “Considerando Meu comando supremo”, disse Kṛṣṇa, “você deve devolver imediatamente o filho de Meu mestre”.
Yamarāja, então, devolveu o menino à Suprema Personalidade de Deus, e Kṛṣṇa e Balarāma levaram-no a seu pai. Os irmãos perguntaram se Seu mestre tinha mais alguma coisa para pedir-Lhes, diante do que ele respondeu: “Meus queridos filhos, Vocês fizeram bastante por mim. Agora estou completamente satisfeito. O que mais pode faltar a um homem que tem discípulos como Vocês? Meus queridos filhos, podem agora ir para casa. Esses Seus atos gloriosos serão sempre famosos no mundo inteiro. Vocês estão acima de toda bênção, mas é meu dever abençoá-lOs. Por isso, eu Lhes dou a bênção de que tudo o que Vocês disserem permanecerá eternamente recente, assim como as instruções dos Vedas. Seus ensinamentos serão honrados não só neste universo ou neste milênio, mas em todos os lugares e épocas, e permanecerão cada vez mais novos e importantes”. Devido a essa bênção de Seu mestre, o Bhagavad-gītā do Senhor Kṛṣṇa está cada vez mais novo, e é famoso não só neste universo, mas em outros planetas e em outros universos também.
Tendo recebido a ordem de Seu mestre, Kṛṣṇa e Balarāma voltaram imediatamente para casa em Sua quadriga. Viajaram tão velozes quanto o vento, fazendo um ruído semelhante a nuvens que se entrechocam. Todos os moradores de Mathurā, que há muito tempo não viam Kṛṣṇa e Balarāma, ficaram muito satisfeitos ao vê-lOs de novo. Eles se sentiam jubilosos, como uma pessoa que recupera sua propriedade perdida.
Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo quarenta e cinco de Kṛṣṇa, intitulado “Kṛṣṇa Recupera o Filho de Seu Mestre”.