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Capítulo 86

O Rapto de Subhadrā e a Visita do Senhor Kṛṣṇa a Śrutadeva e Bahulāśva

Depois de ouvir falar dos incidentes descritos no último capítulo, o rei Parikṣit ficou mais desejoso de ouvir falar de Kṛṣṇa e de Seus passatempos, e assim ele perguntou a Śukadeva Gosvāmī como Sua avó Subhadrā fora raptada pelo seu avô Arjuna devido à instigação do Senhor Kṛṣṇa. O rei Parikṣit estava muito ansioso para ser informado a respeito do rapto realizado pelo seu avô e do matrimônio da sua avó.

Assim, Śukadeva Gosvāmī começou a narrar a seguinte história: Certa vez, Arjuna, o avô do rei Parikṣit, o grande herói, estava visitando vários lugares santos de peregrinação e, enquanto viajava por toda parte, chegou a Prabhāsa-kṣetra, onde ouviu as notícias de que o Senhor Balarāma estava arranjando o matrimônio de Subhadrā, a filha do tio materno de Arjuna, Vasudeva. Embora Seu pai, Vasudeva, e Seu irmão Kṛṣṇa não estivessem de acordo com Ele, Balarāma era favorável ao casamento de Subhadrā com Duryodhana. Porém, Arjuna desejava conquistar a mão de Subhadrā. À medida que ele pensava em Subhadrā e em sua beleza, Arjuna ficava cada vez mais cativado com a ideia de desposá-la e, com um plano em mente, ele se vestiu como um sannyāsī vaiṣṇava, carregando um tridaṇḍa na mão.

Os sannyāsīs māyāvādīs levam um daṇḍa, ou uma vara, ao passo que os sannyāsīs vaiṣṇavas levam três daṇḍas, ou três cajados. Os três cajados, ou tridaṇḍa, indicam que um sannyāsī vaiṣṇava jura prestar serviço à Suprema Personalidade de Deus com o corpo, a mente e as palavras. O sistema de tridaṇḍa-sannyāsa existe há muito tempo, e os sannyāsīs vaiṣṇavas são chamados tridaṇḍīs ou, às vezes, tridaṇḍi-svāmīs ou tridaṇḍi-gosvāmīs.

De modo geral, os sannyāsīs devem viajar por todo o país para o trabalho de pregação, mas, durante os quatro meses da estação chuvosa na Índia (julho a outubro), eles não viajam, senão que se refugiam em um lugar e permanecem lá sem se locomover. Essa permanência do sannyāsī é chamada cāturmāsya-vrata. Quando um sannyāsī fica em um lugar durante esses quatro meses, os habitantes locais daquele lugar se valem de sua presença para avançar espiritualmente.

Arjuna, vestido como um tridaṇḍi-sannyāsī, permaneceu na cidade de Dvārakā durante os quatro meses da estação chuvosa e elaborou um plano por meio do qual ele poderia conseguir Subhadrā como sua esposa. Nenhum dos habitantes de Dvārakā, incluindo o Senhor Balarāma, foi capaz de reconhecer que o sannyāsī era Arjuna; assim, todos eles ofereciam seus cumprimentos e reverências ao sannyāsī sem conhecer a situação real.

Certo dia, o Senhor Balarāma convidou esse determinado sannyāsī para almoçar em Sua casa. Balarāmajī lhe ofereceu muito respeitosamente todos os tipos de pratos saborosos, e o suposto sannyāsī comeu suntuosamente. Enquanto comia na casa de Balarāmajī, Arjuna simplesmente admirava a bela Subhadrā, que era muito atraente aos grandes heróis e reis. Por amor a ela, os olhos de Arjuna brilhavam, e ele a contemplava com olhos reluzentes. Arjuna decidiu que, de uma maneira ou outra, ele conquistaria Subhadrā como sua esposa, e sua mente ficou agitada por causa desse forte desejo.

Arjuna, o avô de Mahārāja Parikṣit, era extraordinariamente bonito, e sua estrutura física era muito atraente a Subhadrā, que decidiu em sua mente que só aceitaria Arjuna como seu esposo. Como uma menina simples, ela sorria com grande prazer ao olhar para Arjuna. Portanto, Arjuna também ficou cada vez mais atraído por ela. Desse modo, Subhadrā se dedicou a Arjuna, que se decidiu por desposá-la de qualquer forma. Assim, ele se absorveu completamente em pensamentos de como conquistar Subhadrā como sua esposa. Aflito em conseguir Subhadrā, ele não tinha paz mental nem mesmo por um instante.

Certa vez, Subhadrā, sentada em uma carruagem, saiu da fortaleza do palácio para ver os deuses no templo. Arjuna aproveitou essa oportunidade e a raptou com a permissão de Vasudeva e Devakī. Depois de interceptar a carruagem de Subhadrā, ele se preparou para uma luta. Apanhando seu arco e lançando flechas para manter à distância os soldados ordenados a impedi-lo, Arjuna capturou Subhadrā. Enquanto Subhadrā estava sendo dessa forma raptada por Arjuna, seus parentes e membros da família começaram a chorar, mas, mesmo assim, ele a levou da mesma maneira que um leão toma sua presa e parte. Quando foi revelado ao Senhor Balarāma que o suposto sannyāsī era Arjuna, que arquitetara tal plano simplesmente para tomar Subhadrā e que ele realmente a tinha levado, Balarāma ficou muito irado. Da mesma maneira que as ondas do oceano ficam agitadas em um dia de Lua cheia, o Senhor Balarāma ficou muito transtornado.

O Senhor Kṛṣṇa estava a favor de Arjuna, de modo que, juntamente com outros membros da família, Ele tentou apaziguar Balarāma caindo aos Seus pés e implorando-Lhe que perdoasse Arjuna. Kṛṣṇa convenceu o Senhor Balarāma de que Subhadrā estava apegada a Arjuna, e Balarāma ficou satisfeito em saber que ela desejava Arjuna como seu marido. A questão foi solucionada, e, para agradar o casal recém-unido, o Senhor Balarāma fez arranjos para enviar um dote que consistia em muitas riquezas, incluindo elefantes, carruagens, cavalos, criados e criadas.

Mahārāja Parikṣit estava muito ansioso para ouvir mais sobre o Senhor Kṛṣṇa, assim, depois de terminar a narração do rapto de Subhadrā por parte de Arjuna, Śukadeva Gosvāmī começou a narrar, como se segue, outra história.

Havia um brāhmaṇa chefe de família na cidade de Mithilā, a capital do reino de Videha. Esse brāhmaṇa, cujo nome era Śrutadeva, era um grande devoto do Senhor Kṛṣṇa. Porque era completamente consciente de Kṛṣṇa e sempre se ocupava no serviço ao Senhor, ele tinha a mente inteiramente pacífica e era desapegado de qualquer atração material. Ele também era muito erudito e não nutria qualquer outro desejo que não fosse estar completamente ocupado em consciência de Kṛṣṇa. Embora estivesse na ordem de vida de chefe de família, ele nunca fizera muitos esforços para ganhar qualquer coisa para o seu sustento, estando satisfeito com tudo o que pudesse conseguir sem grande empenho, e, de uma maneira ou outra, ele vivia daquele modo. Todos os dias, ele conseguia as necessidades da vida justamente na quantidade requerida – e não mais do que isso. Esse era o seu destino. O brāhmaṇa não desejava obter mais do que precisava, executando pacificamente dessa maneira os princípios reguladores da vida de um brāhmaṇa, como descritos nas escrituras reveladas.

Afortunadamente, o rei de Mithilā era um devoto tão bom quanto o brāhmaṇa. O nome desse famoso rei era Bahulāśva. Ele era muito reconhecido por sua reputação como bom rei e não era, de forma alguma, ambicioso em expandir seu reino em prol do gozo dos sentidos. Deste modo, tanto o brāhmaṇa quanto o rei Bahulāśva permaneciam devotos puros do Senhor Kṛṣṇa em Mithilā.

Como o Senhor Kṛṣṇa era muito misericordioso com esses dois devotos, o rei  Bahulāśva e o brāhmaṇa Śrutadeva, Ele, certo dia, pediu ao Seu quadrigário, Dāruka, que O levasse para a capital de Mithilā. O Senhor Kṛṣṇa estava acompanhado dos grandes sábios Nārada, Vāmadeva, Atri, Vyāsadeva, Paraśurāma, Asita, Aruṇi, Śukadeva, Bṛhaspati, Kaṇva, Maitreya, Cyavana e outros. O Senhor Kṛṣṇa e esses sábios passaram por muitas vilas e cidades, e, em todos os lugares, os cidadãos recebiam-nos com grande respeito e ofereciam-lhes artigos em adoração. Quando os cidadãos chegavam para ver o Senhor e todos aqueles sábios reunidos em um lugar, era como se o Sol estivesse presente juntamente com seus vários planetas satélites. Nessa viagem, o Senhor Kṛṣṇa e os sábios atravessaram os reinos de Ānarta, Dhanva, Kuru-jāṅgala, Kaṅka, Matsya, Pāñcāla, Kuntī, Madhu, Kekaya, Kośala e Arṇa, e, assim, todos os cidadãos desses lugares, homens e mulheres, puderam contemplar o Senhor Kṛṣṇa face a face. Desse modo, eles desfrutaram de felicidade celestial, com corações abertos e plenos de amor e afeto para com o Senhor. Quando eles viam a face do Senhor, parecia-lhes que estavam bebendo néctar através dos olhos, e todas as suas ignorantes concepções errôneas de vida se dissipavam. À medida que o Senhor cruzava os vários países e as pessoas iam visitá-lO, o Senhor concedia-lhes toda a boa fortuna e os libertava de todos os tipos de ignorância. Em alguns lugares, os semideuses se uniam aos seres humanos, e a glorificação deles ao Senhor purificava todas as direções de todas as coisas desfavoráveis. Dessa forma, o Senhor Kṛṣṇa chegou ao reino de Videha.

Quando os cidadãos receberam a notícia da chegada do Senhor, todos eles sentiram felicidade ilimitada e se aproximaram para dar-Lhe as boas-vindas levando presentes nas mãos como oferendas. Assim que eles avistaram o Senhor Kṛṣṇa, seus corações imediatamente floresceram em felicidade transcendental, como flores de lótus ao nascer do Sol. Anteriormente, eles apenas haviam ouvido os nomes dos grandes sábios, mas nunca os tinham visto. Agora, pela misericórdia do Senhor Kṛṣṇa, eles tiveram a oportunidade de ver os grandes sábios e o próprio Senhor.

O rei Bahulāśva e o brāhmaṇa Śrutadeva, sabendo bem que o Senhor fora até lá apenas para os agraciar com Seu favor, imediatamente caíram aos pés de lótus do Senhor e ofereceram seus cumprimentos. De mãos juntas, o rei e o brāhmaṇa convidaram, ao mesmo tempo, o Senhor Kṛṣṇa e todos os sábios para suas casas. Para agradar os dois, o Senhor Kṛṣṇa expandiu-Se em dois e foi para a casa de cada um deles. Não obstante, nem o rei nem o brāhmaṇa puderam entender que o Senhor fora para a casa do outro, senão que ambos pensaram que o Senhor tinha ido somente para sua própria residência. O fato de que Ele e Seus companheiros estivessem presentes em ambas as casas, embora o brāhmaṇa e o rei pensassem que Ele estava presente em uma só residência, é outra opulência da Suprema Personalidade de Deus. Essa opulência é descrita nas escrituras reveladas como vaibhava-prakāśa. Quando o Senhor Kṛṣṇa casou-Se com dezesseis mil esposas, Ele expandiu-Se em dezesseis mil formas, cada qual tão poderosa quanto Ele próprio. Semelhantemente, em Vṛndāvana, quando Brahmā roubou os bezerros e os vaqueirinhos de Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Se expandiu em muitos outros bezerros e meninos.

Bahulāśva, o rei de Videha, era muito inteligente e um cavalheiro perfeito. Ele estava surpreso que tantos grandes sábios, juntamente com a Suprema Personalidade de Deus, estivessem pessoalmente presentes em sua casa. Ele sabia muito bem que almas condicionadas ocupadas em negócios mundanos não podem ser cem por cento puras, ao passo que a Suprema Personalidade de Deus e Seus devotos puros são sempre transcendentais à contaminação mundana. Destarte, quando ele percebeu que a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, e todos os grandes sábios estavam em sua casa, ele ficou surpreso e começou a agradecer ao Senhor Kṛṣṇa por Sua misericórdia sem causa.

Sentindo-se muito agradecido e desejando receber seus convidados da melhor forma possível, ele solicitou cadeiras confortáveis e almofadas, e o Senhor Kṛṣṇa, em companhia de todos os sábios, sentou-Se muito confortavelmente. Naquele momento, a mente do rei Bahulāśva estava muito inquieta, não por causa de qualquer problema, mas devido ao grande êxtase de amor e devoção. Seu coração estava cheio de carinho e afeto pelo Senhor e Seus associados, e seus olhos estavam cheios de lágrimas de êxtase. Ele lavou os pés dos seus convidados celestiais e, em seguida, ele e seus familiares borrifaram a água em suas próprias cabeças. Depois disso, ele ofereceu aos convidados guirlandas de flores frescas, polpa de sândalo, incenso, roupas novas, ornamentos, lamparinas, vacas e touros. De uma maneira bem apropriada à sua própria posição real, ele adorou cada um deles desse modo. Quando todos tinham sido suntuosamente alimentados e estavam sentados muito confortavelmente, Bahulāśva foi diante do Senhor Kṛṣṇa e segurou em Seus pés de lótus. Ele os colocou sobre seu colo e, enquanto massageava os pés com suas mãos, começou a falar sobre as glórias do Senhor em uma voz doce.

 “Meu querido Senhor, Você é a Superalma de todas as entidades vivas e, como testemunha dentro do coração, Você está ciente das atividades de todos. Assim, atados a diversos afazeres, sempre pensamos em Seus pés de lótus para que possamos permanecer em uma posição segura, sem nos desviar de Seu serviço eterno. Como resultado de nossa recordação contínua de Seus pés de lótus, Você veio amavelmente em pessoa visitar minha casa para me favorecer com Sua misericórdia sem causa. Meu querido Senhor, ouvimos em Suas várias declarações Você confirmar que Seus devotos puros Lhe são mais queridos que o Senhor Balarāma ou Sua serva constante, a deusa da fortuna. Seus devotos Lhe são mais queridos do que Seu primeiro filho, o senhor Brahmā, e tenho certeza de que Você veio tão amavelmente visitar minha casa para provar Sua declaração divina. Eu não posso imaginar como as pessoas podem ser irreligiosas e demoníacas mesmo depois de conhecer Sua misericórdia sem causa e Seu afeto pelos Seus devotos que estão constantemente ocupados em consciência de Kṛṣṇa. Como eles podem se esquecer de Seus pés de lótus?”

“Meu querido Senhor, sabemos que Você é tão amável e liberal que, quando uma pessoa abandona tudo unicamente para se ocupar em consciência de Kṛṣṇa, Você às vezes Se dá em troca daquele serviço puro. Você apareceu na dinastia Yadu para cumprir Sua missão de resgatar todas as almas condicionadas que apodrecem nas atividades pecaminosas da existência material, e esse aparecimento já está famoso no mundo inteiro. Meu querido Senhor, Você é o oceano de misericórdia, amor e afeição ilimitados. Sua forma transcendental é plena de bem-aventurança, conhecimento e eternidade. Você pode atrair o coração de todos por intermédio de Sua belíssima forma como Śyāmasundara, Kṛṣṇa. Seu conhecimento é ilimitado, e, para ensinar todas as pessoas como prestar serviço devocional, Você enviou Sua encarnação Nara-Nārāyaṇa, que está ocupada em severas austeridades e penitências em Badarīnārāyaṇa. Portanto, por obséquio, aceite minhas humildes reverências aos Seus pés de lótus. Meu querido Senhor, imploro que Você e Seus associados, os grandes sábios e brāhmaṇas, permaneçam em meu palácio pelo menos por alguns dias, de forma que esta família do famoso rei Nimi possa ser santificada pela poeira de Seus pés de lótus”. O Senhor Kṛṣṇa não pôde recusar o pedido do Seu devoto, e assim Ele permaneceu lá durante alguns dias com os sábios para santificar a cidade de Mithilā e todos os seus cidadãos.

Enquanto isso, o brāhmaṇa Śrutadeva, simultaneamente recebendo o Senhor Kṛṣṇa e Seus associados em sua casa, estava transcendentalmente tomado de alegria. Depois de oferecer assentos confortáveis a seus convidados, o brāhmaṇa começou a dançar, rodopiando seu manto. Śrutadeva, não sendo rico, ofereceu apenas colchões, toras de madeira, tapetes de palha e objetos semelhantes aos seus distintos convidados, o Senhor Kṛṣṇa e os sábios. No entanto, ele os recebeu no melhor da sua capacidade. Elogiando muito o Senhor e os sábios, ele e sua esposa lavaram os pés de cada um dos convidados. Em seguida, ele tomou água e a borrifou por cima de todos os membros de sua família e, embora parecesse muito pobre, ele estava naquele momento muito afortunado. Enquanto Śrutadeva estava dando as boas-vindas ao Senhor Kṛṣṇa e a Seus associados, ele simplesmente se esqueceu de si mesmo em alegria transcendental. Depois de dar as boas-vindas ao Senhor e aos Seus companheiros, de acordo com sua capacidade, ele trouxe frutas, incenso, água perfumada, argila aromatizada, folhas de tulasī, grama kuśa e flores de lótus. Esses não eram artigos caros, e podiam ser conseguidos muito facilmente, mas, como foram oferecidos com amor devocional, o Senhor Kṛṣṇa e Seus associados aceitaram-nos alegremente. A esposa do brāhmaṇa cozinhou alimentos simples, como arroz e dāl, e o Senhor Kṛṣṇa e Seus seguidores ficaram assaz satisfeitos em aceitá-los porque eles foram oferecidos com amor devocional. Quando o Senhor Kṛṣṇa e Seus associados foram alimentados desse modo, o brāhmaṇa Śrutadeva pensou: “Eu entrei no poço fundo e escuro da vida de chefe de família e sou a pessoa mais desgraçada. Como é possível que o Senhor Kṛṣṇa, que é a Suprema Personalidade de Deus, e Seus associados, os grandes sábios, cuja presença torna um lugar tão santificado quanto um local de peregrinação, tenham concordado em vir à minha residência?” Enquanto o brāhmaṇa pensava desse modo, os convidados terminaram o seu almoço e se sentaram muito confortavelmente. Naquele momento, o brāhmaṇa Śrutadeva, sua esposa, filhos e outros parentes entraram para prestar serviço aos ilustres convidados. Enquanto tocava os pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa, o brāhmaṇa começou a falar.

“Meu querido Senhor”, disse ele, “Você é a Pessoa Suprema, Puruṣottama, transcendentalmente situado além das criações materiais manifestas e imanifestas. As atividades deste mundo material e das almas condicionadas não têm qualquer vínculo com Sua posição. Podemos apreciar que não é apenas hoje que Você me deu Sua audiência, mas Você está Se associando com todas as entidades vivas como Paramātmā desde o começo da criação”.

Essa declaração do brāhmaṇa é muito instrutiva. É um fato que o Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, no Seu aspecto de Paramātmā, entra na criação deste mundo material como Mahā-Viṣṇu, Garbhodakaśayī Viṣṇu e Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu e, em uma atitude muito amigável, o Senhor Se senta junto da alma condicionada no corpo. Consequentemente, toda entidade viva tem o Senhor consigo desde o começo, mas, devido à sua consciência equivocada de vida, a entidade viva não pode entender isso. Porém, quando sua consciência é transferida para Kṛṣṇa, ela pode entender imediatamente como Kṛṣṇa está tentando ajudar as almas condicionadas a saírem do enredamento material.

Śrutadeva continuou: “Meu querido Senhor, Você entrou neste mundo material como se estivesse dormindo. Uma alma condicionada, enquanto dorme, cria mundos falsos ou temporários em sua mente; ela se ocupa em muitas atividades ilusórias – ora se torna um rei, ora um assassino, ora vai até uma cidade desconhecida – e todos esses estados são simplesmente temporários. De igual modo, Sua Onipotência, aparentemente em uma condição onírica, entra neste mundo material para criar uma manifestação temporária, não para Suas necessidades pessoais, mas para as almas condicionadas que desejam imitá-lO como desfrutador. O desfrute da alma condicionada no mundo material é temporário e ilusório. E, mesmo assim, a alma condicionada é incapaz de criar tal situação temporária para o seu prazer ilusório. Para satisfazer seus desejos, embora sejam temporários e ilusórios, Você entra nesta manifestação temporária para ajudá-las. Assim, desde o princípio da imersão das almas condicionadas no mundo material, Você é seu companheiro constante. Logo, quando as almas condicionadas entram em contato com um devoto puro e adotam o serviço devocional, que começa com o processo de ouvir Seus passatempos transcendentais, glorificar Suas atividades transcendentais, adorar Sua forma eterna no templo, oferecer-Lhe orações e ocupar-se em discussão para entender Sua posição transcendental, elas, aos poucos, se libertam da contaminação da existência material. E, à medida que o coração se purifica de toda a poeira material, Você Se torna visível ali. Embora Você permaneça constantemente com a alma condicionada, apenas quando ela se purifica através do serviço devocional é que Você Se revela. Outros, que estão assoberbados pelas atividades fruitivas, quer através das injunções védicas, quer através dos interesses mundanos, e que não adotam o serviço devocional, são cativados pela felicidade externa do conceito corpóreo de vida. Você não Se revela a tais pessoas. Ao contrário, Você permanece bem longe delas. Contudo, para aquele que se ocupa em Seu serviço devocional e purifica o coração por cantar constantemente o Seu santo nome, Você é muito facilmente reconhecido como o companheiro eterno e constante”.

“Declara-se que Sua Onipotência, sentado no coração do devoto, dá a direção pela qual ele pode, muito depressa, voltar ao lar, voltar a Você. Essa instrução direta ditada por Você revela Sua existência dentro do coração do devoto. Apenas o devoto é capaz de sentir diretamente Sua existência dentro do coração, ao passo que, para uma pessoa que tem apenas um conceito material de vida e ocupa-se no gozo dos sentidos, Você sempre permanece encoberto pela cortina de yogamāyā. Tal pessoa não pode perceber que Você está muito próximo e sentado dentro do seu coração. Para um não-devoto, Você é apreciado apenas como a morte cruel e derradeira. A diferença é como aquela entre uma gata que leva seus gatinhos ou um rato em sua boca. Na boca da gata, o rato pressente sua morte, ao passo que os gatinhos na boca da mãe sentem afeto maternal. Da mesma forma, Você está presente em todos, mas os não-devotos O veem como a derradeira morte cruel, ao passo que, para o devoto, Você é o supremo instrutor e filósofo. Por conseguinte, o ateu compreende a presença de Deus como a morte, mas o devoto sempre entende a presença de Deus dentro do coração, recebe instruções de Você e vive transcendentalmente, sem se afetar pela contaminação do mundo material.

“Você é o controlador supremo e o superintendente das atividades da natureza material. A classe ateísta de homens simplesmente observa as atividades da natureza material, mas não pode entender Você como a causa original. Porém, um devoto pode ver imediatamente Sua mão em todo movimento da natureza material. A cortina de yogamāyā não pode ocultar Sua Onipotência aos olhos do devoto, pode, porém, encobrir os olhos do não-devoto. O não-devoto está impossibilitado de vê-lO face a face da mesma maneira que uma pessoa cujos olhos estão bloqueados por uma nuvem não pode ver o Sol, embora as pessoas que estejam voando por sobre a nuvem possam ver os refulgentes raios solares como eles são. Meu querido Senhor, ofereço-Lhe minhas respeitosas reverências. Meu querido autorrefulgente Senhor, sou Seu servo eterno. Portanto, por gentileza, ordene-me – o que posso fazer por Você? As almas condicionadas sentem as aflições da contaminação material através das três misérias enquanto Você não lhes é visível. E assim que Você se torna visível, por meio do desenvolvimento da consciência de Kṛṣṇa, todas as misérias da existência material são simultaneamente superadas”.

A Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, é, de forma natural, muito afetuosamente inclinado aos Seus devotos. Quando Ele ouviu as orações de devoção pura da boca de Śrutadeva, Ele ficou satisfeito e imediatamente pegou nas mãos do brāhmaṇa e falou-lhe assim: “Meu querido Śrutadeva, todos esses grandes sábios, brāhmaṇas e pessoas santas foram muito gentis com você ao virem pessoalmente aqui para vê-lo. Você deveria considerar essa oportunidade como uma grande fortuna para você. Eles são tão amáveis que estão viajando coMigo e, aonde quer que vão, eles imediatamente tornam a atmosfera inteira tão pura quanto a transcendência, meramente pelo toque da poeira dos seus pés. As pessoas se acostumam a ir aos templos de Deus. Elas também visitam lugares santos de peregrinação e, depois da associação prolongada com tais atividades durante muitos dias, por contato físico e através de adoração, elas se purificam. Não obstante, a influência de grandes sábios e pessoas santas é tão grande que, ao vê-los, pode-se de imediato se purificar completamente”.

“Além disso, a potência purificadora das peregrinações ou da adoração de diferentes semideuses também é alcançada pela graça das pessoas santas. Um local de peregrinação se santifica por causa da presença das pessoas santas. Meu querido Śrutadeva, quando alguém nasce como um brāhmaṇa, ele automaticamente se torna o melhor de todos os seres humanos. E se tal brāhmaṇa, permanecendo autossatisfeito, pratica austeridades, estuda os Vedas e ocupa-se em Meu serviço devocional, como é o dever do brāhmaṇa – ou, em outras palavras, se um brāhmaṇa se torna um vaiṣṇava – quão maravilhosa será a grandeza dele! Meu aspecto de Nārāyaṇa de quatro braços não é tão amável ou querido a Mim como um brāhmaṇa vaiṣṇava. Brāhmaṇa significa ‘aquele que está bem familiarizado com o conhecimento védico’. Um brāhmaṇa é o símbolo do conhecimento perfeito, e Eu sou a manifestação plena de todos os deuses. Homens menos inteligentes não Me entendem, nem eles entendem a influência do brāhmaṇa vaiṣṇava. Eles estão influenciados pelos três modos da natureza material e, assim, ousam voltar críticas a Mim e Meus devotos puros. Um brāhmaṇa vaiṣṇava, ou um devoto já situado na plataforma bramânica, pode Me perceber dentro do seu coração e, então, compreende que toda a manifestação cósmica e seus diversos elementos são efeitos das diversas energias do Senhor. Por conseguinte, ele tem uma concepção clara de toda a natureza material e da energia material total e, em toda ação, tal devoto vê somente a Mim e nada mais”.

“Meu querido Śrutadeva, em vista disso, você pode aceitar todas essas grandes pessoas santas, brāhmaṇas e sábios como Meus representantes autênticos. Através da adoração fiel a eles, você estará Me adorando mais diligentemente do que se Me adorasse. Eu considero a adoração aos Meus devotos como sendo melhor do que a adoração voltada diretamente a Mim. Se alguém tentar me adorar diretamente sem adorar Meus devotos, Eu não aceitarei tal adoração, embora possa ser apresentada com grande opulência”.

Desse modo, o brāhmaṇa Śrutadeva e o rei de Mithilā, sob a orientação do Senhor, adoraram Kṛṣṇa e Seus seguidores, os grandes sábios e brāhmaṇas santos em um mesmo nível de importância espiritual. O brāhmaṇa e o rei, em última instância, alcançaram a meta suprema de serem transferidos para o mundo espiritual. O devoto não conhece ninguém exceto o Senhor Kṛṣṇa, e Ele é muito afetuoso para com o Seu devoto. O Senhor Kṛṣṇa permaneceu em Mithilā tanto na casa do brāhmaṇa Śrutadeva como no palácio do rei Bahulāśva. E depois de favorecê-los amplamente através de Suas instruções transcendentais, Ele regressou para a Sua capital, Dvārakā.

A instrução que recebemos a partir desse incidente é que o rei Bahulāśva e Śrutadeva, o brāhmaṇa, foram aceitos pelo Senhor no mesmo nível, porque ambos eram devotos puros. Essa é a verdadeira qualificação para ser reconhecido pela Suprema Personalidade de Deus. Porque se tornou moda nesta era ter falso orgulho por ter nascido em família de kṣatriya ou brāhmaṇa, vemos pessoas sem qualquer qualificação, exceto o nascimento, que reivindicam ser brāhmaṇa, kṣatriya ou vaiśya. No entanto, como se declara nas escrituras, kalau śūdra-sambhavaḥ: “Nesta era de Kali, todos nascem śūdras”. Isso ocorre porque não há qualquer desempenho dos processos purificadores conhecidos como saṁskāras, que começam com a gravidez da mãe e continuam até a morte do indivíduo. Ninguém pode ser classificado como membro de uma casta particular, especialmente de uma casta mais elevada – brāhmaṇa, kṣatriya ou vaiśya – simplesmente através do direito inato. Se a pessoa não se purificar pelo processo da cerimônia de doar o sêmen, ou garbhādhāna-saṁskāra, ela é automaticamente classificada entre os śūdras, porque unicamente os śūdras não se submetem a esse processo de purificação. A vida sexual sem o processo de purificação da consciência de Kṛṣṇa é o processo de dar o sêmen apenas dos śūdras ou dos animais. Portanto, a consciência de Kṛṣṇa é o melhor processo de purificação. Por este processo, todos podem chegar à plataforma de um vaiṣṇava, que inclui todas as qualificações de um brāhmaṇa. Os vaiṣṇavas são treinados para se libertarem dos quatro tipos de atividades pecaminosas – sexo ilícito, consumo de entorpecentes, jogos de azar e ingestão de carne animal. A pessoa não pode se situar na plataforma bramânica sem passar por essas qualificações preliminares e, sem se tornar um brāhmaṇa qualificado, ela não pode se tornar um devoto puro.

Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo oitenta e seis de Kṛṣṇa, intitulado “O Rapto de Subhadrā e a Visita do Senhor Kṛṣṇa a Śrutadeva e Bahulāśva”.

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