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Capítulo 87

Orações Oferecidas pelos Vedas Personificados

O rei Parīkṣit inquiriu de Śukadeva Gosvāmī sobre um tópico muito importante à compreensão dos assuntos transcendentais. Sua indagação foi a seguinte: “Visto que o conhecimento védico geralmente diz respeito ao tópico das três qualidades do mundo material, como ele pode abordar o assunto da transcendência, que está além do alcance dos três modos materiais? Uma vez que a mente é material e a vibração das palavras produz um som material, como o conhecimento védico é capaz de abordar a transcendência através de pensamentos da mente material expressados pelo som material? A descrição de um determinado assunto exige a identificação de sua fonte de emanação, suas qualidades e atividades. Tal descrição só é possível através de pensamentos com a mente material e por intermédio da vibração de palavras materiais. Brahman, ou a Verdade Absoluta, não tem qualidades materiais, mas nossa capacidade de expressão oral não ultrapassa as qualidades materiais. Logo, como pode o Brahman, a Verdade Absoluta, ser descrito por suas palavras? Não concebo como seja possível compreender a transcendência a partir de tais expressões do som material”.

O objetivo das perguntas do rei Parīkṣit era confirmar com Śukadeva Gosvāmī se os Vedas, em última análise, descrevem a Verdade Absoluta como impessoal ou pessoal. A compreensão da Verdade Absoluta passa por três fases – Brahman impessoal, Paramātmā localizado no coração de todos e, por último, a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa.

Os Vedas lidam com três campos de atividades. Um é chamado karma-kāṇḍa, ou atividades sob a orientação das injunções védicas, que purificam a pessoa gradativamente até ela compreender sua posição verdadeira; o próximo é jñāna-kāṇḍa, o processo pelo qual se compreende a Verdade Absoluta através de métodos especulativos, e o terceiro é upāsanā-kāṇḍa, ou a adoração da Suprema Personalidade de Deus e, às vezes, também dos semideuses. A adoração de semideuses recomendada nos Vedas é prescrita com a compreensão da relação dos semideuses com a Suprema Personalidade de Deus. A Suprema Personalidade de Deus tem incontáveis partes integrantes; algumas são chamadas svāṁśas (Suas expansões pessoais) e outras são chamadas vibhinnāṁśas (entidades vivas). Todas essas expansões, tanto svāṁśas quanto vibhinnāṁśas, são emanações da Personalidade de Deus original. As expansões svāṁśas são chamadas viṣṇu-tattva, ao passo que as expansões vibhinnāṁśas são denominadas jīva-tattva. Os inúmeros semideuses são jīva-tattva. As almas condicionadas são geralmente lançadas nas atividades do mundo material para o gozo dos sentidos; portanto, como enunciado no Bhagavad-gītā, para controlar aqueles que são muitíssimo apegados a várias espécies de gozo dos sentidos, recomenda-se, por vezes, a adoração aos semideuses. Por exemplo, para as pessoas muito viciadas no consumo de carne, a injunção védica recomenda que, após adorar a forma da deusa Kali e sacrificar um bode (e nenhum outro animal) sob a regulação do karma-kāṇḍa, os adoradores têm permissão para comer carne. A ideia não é estimular a ingestão de carne, mas permitir alguém que insiste em ingerir carne a comê-la sob certas condições restritas. Dessa forma, a adoração a semideuses não é adoração da Verdade Absoluta; contudo, adorando-se os semideuses, chega-se gradativamente a aceitar a Suprema Personalidade de Deus de uma forma indireta. Essa aceitação indireta é descrita no Bhagavad-gītā como avidhi, que significa “não genuína”. Como a adoração aos semideuses não é genuína, os impersonalistas enfatizam a concentração no aspecto impessoal da Verdade Absoluta. A pergunta do rei Parīkṣit era: Qual é o objetivo último do conhecimento védico – a concentração no aspecto impessoal da Verdade Absoluta, ou a concentração no aspecto pessoal? Afinal, os aspectos impessoal e pessoal do Senhor Supremo estão além da concepção material. A característica impessoal do Absoluto, a refulgência Brahman, não é nada senão os raios do corpo pessoal de Kṛṣṇa. Esses raios do corpo pessoal de Kṛṣṇa são irradiados por toda a criação do Senhor, e a parte da refulgência que é encoberta pela nuvem material é chamada de cosmo criado das três qualidades materiais – sattva, rajas e tamas. Como podem as pessoas que se encontram dentro desta porção nublada, chamada mundo material, conceber a Verdade Absoluta através do método especulativo?

Ao responder à pergunta do rei Parīkṣit, Śukadeva Gosvāmī redarguiu que a Suprema Personalidade de Deus criou a mente, os sentidos e a força vital da entidade viva para o propósito do gozo dos sentidos e transmigração de um tipo de corpo a outro, bem como para permitir a libertação das condições materiais. Em outras palavras, podem-se utilizar os sentidos, a mente e a força vital para a satisfação sensorial e transmigração de um corpo a outro ou para conseguir a libertação. As injunções védicas existem apenas para proporcionar às almas condicionadas a oportunidade de gozo dos sentidos sob princípios reguladores e, desta forma, também lhes dar o ensejo de promoção às condições superiores de vida; em última análise, se a consciência estiver purificada, atinge-se sua posição original e volta-se ao lar, volta-se ao Supremo.

A entidade viva é inteligente. Portanto, deve-se utilizar a inteligência para dominar a mente e os sentidos. Quando a mente e os sentidos são purificados pelo uso apropriado da inteligência, a alma condicionada é liberta; inversamente, se a inteligência não for usada adequadamente no controle dos sentidos e da mente, a alma condicionada continuará a transmigrar de um tipo de corpo a outro apenas para a satisfação sensorial. Outro ponto claramente enunciado na resposta de Śukadeva Gosvāmī é que foi o Senhor quem criou a mente, os sentidos e a inteligência da entidade viva individual. Não se afirma que as entidades vivas propriamente ditas foram alguma vez criadas. Da mesma forma que as partículas brilhantes dos raios do Sol sempre existem com o Sol, as entidades vivas existem eternamente como partes integrantes fragmentárias da Suprema Personalidade de Deus. Contudo, da mesma forma que os raios solares ficam às vezes encobertos por uma nuvem, que é criada pelo Sol, as almas condicionadas, embora eternamente existentes como partes do Senhor Supremo, também são às vezes colocadas dentro da nuvem do conceito material de vida, na escuridão da ignorância. Todo o processo védico destina-se a erradicar essa condição de ignorância. Por fim, quando os sentidos e a mente do ser condicionado se purificam completamente, ele alcança sua posição original, chamada “consciência de Kṛṣṇa”, isto é, libertação.

No Vedānta-sūtra, o primeiro sūtra ou aforismo questiona acerca da Verdade Absoluta. Athāto brahma-jijñāsā: Qual é a natureza da Verdade Absoluta? O sūtra seguinte responde que a natureza da Verdade Absoluta é que Ela é a origem de tudo. O que quer que experimentemos, mesmo nesta condição material de vida, é tudo uma emanação da Verdade Absoluta. Ela criou a mente, os sentidos e a inteligência. Isso significa que a Verdade Absoluta não é desprovida de mente, inteligência e sentidos. Em outras palavras, Ela não é impessoal. A própria palavra “criou” significa que Ela tem inteligência transcendental. Por exemplo, quando um pai gera um filho, a criança tem sentidos porque o pai também tem sentidos. O filho nasce com mãos e pernas porque o pai também tem mãos e pernas. Às vezes, é dito que o homem é criado à imagem de Deus. A Verdade Absoluta é, portanto, a Suprema Personalidade com mente, sentidos e inteligência transcendentais. Quando a mente, a inteligência e os sentidos são purificados da contaminação material, pode-se compreender o aspecto original da Verdade Absoluta como pessoa.

O processo védico é promover a alma condicionada gradativamente do modo da ignorância ao modo da paixão e, deste último, ao modo da bondade. No modo da bondade, existe luz suficiente para compreender as coisas como elas são. Por exemplo, uma árvore nasce da terra, e, da madeira da árvore, surge o fogo. Nesse processo de ignição, inicialmente encontramos fumaça, e a fase seguinte é o calor e, por fim, o fogo. Quando há de fato fogo, podemos utilizá-lo para vários propósitos, logo o fogo é a meta última. Da mesma forma, no estágio material grosseiro de vida, a qualidade da ignorância é muito proeminente. A dissipação dessa ignorância ocorre com o progresso gradativo da civilização, desde o estágio da barbárie até a vida civilizada; quando se chega à forma de vida civilizada, afirma-se que o indivíduo está no modo da paixão. No estágio de barbárie, ou no modo da ignorância, os sentidos são satisfeitos de uma forma muito grosseira, ao passo que, no modo da paixão, ou na vida civilizada, os sentidos são satisfeitos de uma maneira polida. No entanto, quando se é promovido ao modo da bondade, pode-se entender que os sentidos e a mente estão ocupados em atividades materiais unicamente porque estão encobertos por uma consciência pervertida. Quando essa consciência pervertida gradativamente se transforma em consciência de Kṛṣṇa, abre-se, então, o caminho da libertação. Em vista disso, não é que a pessoa seja incapaz de se aproximar da Verdade Absoluta usando os sentidos e a mente. A conclusão, ao contrário, é que os sentidos, a mente e a inteligência na fase grosseira de contaminação não podem apreciar a natureza da Verdade Absoluta. No entanto, quando purificados, os sentidos, a mente e a inteligência podem compreender o que é a Verdade Absoluta. O processo de purificação é chamado de “serviço devocional”, ou “consciência de Kṛṣṇa”.

No Bhagavad-gītā, é claramente enunciado que o objetivo do conhecimento védico é compreender Kṛṣṇa, que pode ser entendido por meio do serviço devocional, iniciando-se com o processo de rendição. Como declarado no Bhagavad-gītā, deve-se sempre pensar em Kṛṣṇa, deve-se sempre prestar serviço amoroso a Kṛṣṇa e deve-se sempre adorar e prostrar-se diante de Kṛṣṇa. Pela maneira prática desse processo, pode-se entrar no reino de Deus sem dúvida alguma.

Aquele que se encontra iluminado no modo da bondade, mediante o processo de serviço devocional, está livre dos modos da ignorância e da paixão. Ao responder à indagação do rei Parīkṣit, Śukadeva Gosvāmī usou a palavra ātmane, que indica a fase de qualificação bramânica, em que há permissão para se estudar as obras védicas conhecidas como Upaniṣads. Os Upaniṣads descrevem de várias maneiras as qualidades transcendentais do Senhor Supremo. A Verdade Absoluta, o Senhor Supremo, é chamado nirguṇa. Isso não significa que Ele não tenha qualidades. É unicamente pelo fato de Ele ter qualidades que as entidades vivas condicionadas podem ter qualidades. O propósito do estudo dos Upaniṣads é compreender as qualidades transcendentais da Verdade Absoluta em contraste com as qualidades materiais da ignorância, paixão e bondade. Esse é o caminho da compreensão védica. Grandes sábios, como os quatro Kumāras, liderados por Sanaka, seguiram esses princípios do conhecimento védico e passaram gradativamente da compreensão impessoal à plataforma da adoração pessoal ao Senhor Supremo. Consequentemente, recomenda-se que devemos seguir as grandes personalidades. Śukadeva Gosvāmī é também uma das grandes personalidades, e sua resposta à pergunta de Mahārāja Parīkṣit é autorizada. Alguém que siga os passos dessas grandes personalidades certamente trilha muito facilmente o caminho da libertação e, por fim, volta ao lar, volta ao Supremo. Esse é o processo para tornar perfeita esta forma humana de vida.

Śukadeva Gosvāmī continuou a falar a Parīkṣit Mahārāja. “Meu querido rei”, disse ele, “em relação a isso, narrarei uma bela história. Esta história é importante porque ela tem ligação com Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Essa narração é a conversa entre Nārāyaṇa Ṛṣi e o grande sábio Nārada”. Nārāyaṇa Ṛṣi ainda vive em Badarīkāśrama e é aceito como uma encarnação de Nārāyaṇa. Badarīkāśrama situa-se na parte mais ao norte dos Himalaias e está sempre encoberto pela neve. Os indianos religiosos ainda visitam esse lugar durante a estação de verão, quando a nevada não é muito forte.

Certa vez, Nārada, o grande devoto e asceta entre os semideuses, estava viajando pelos diferentes planetas e desejou encontrar-se pessoalmente com o asceta Nārāyaṇa em Badarīkāśrama e oferecer-Lhe reverências. Essa encarnação divina em forma de grande sábio, Nārāyaṇa Ṛṣi, tem Se submetido a severas austeridades e penitências desde o início da criação para ensinar aos habitantes de Bhārata-varṣa como atingir a fase de perfeição máxima de volta ao Supremo. Suas austeridades e penitências são práticas exemplares para o ser humano. A encarnação divina Nārāyaṇa Ṛṣi estava sentado entre muitos devotos na vila conhecida como Kalāpa-grāma. Naturalmente, aqueles que estavam ao seu lado não eram sábios comuns, e o grande sábio Nārada também apareceu por ali. Após oferecer suas reverências a Nārāyaṇa Ṛṣi, Nārada fez-Lhe exatamente a mesma pergunta que o rei Parīkṣit fizera a Śukadeva Gosvāmī. Então, o Ṛṣi respondeu seguindo os passos de Seus predecessores. Ele narrou uma história de como essa mesma questão fora analisada no planeta conhecido como Janaloka, que se situa acima dos planetas Svargaloka, tais como a Lua e Vênus. Nesse planeta, vivem grandes sábios e pessoas santas, e eles, certa vez, discutiram o mesmo ponto referente à compreensão do Brahman e Sua verdadeira identidade.

O grande sábio Nārāyaṇa começou a falar. “Meu querido Nārada”, disse Ele, “vou lhe contar uma história que aconteceu há muitíssimo tempo. Houve uma grande reunião dos habitantes dos planetas celestiais, e quase todos os importantes brahmacārīs, tais como os quatro Kumāras – Sanandana, Sanaka, Sanātana e Sanat-Kumāra – estiveram presentes. A discussão conduzida por eles era acerca do tópico da compreensão da Verdade Absoluta, Brahman. Você não estava presente na reunião porque fora ver Minha expansão Aniruddha, que vive na ilha de Śvetadvīpa. Naquele encontro, todos os grandes sábios e brahmacārīs discutiram muito elaboradamente o tópico que agora você indaga, tendo sido muito interessante. A discussão foi tão delicada que nem mesmo os Vedas foram capazes de responder às intrincadas questões que foram levantadas”.

Nārāyaṇa Ṛṣi contou a Nāradajī que a mesma dúvida que ele levantara havia sido discutida naquele encontro em Janaloka. Esse é o método de compreensão através do paramparā, ou sucessão discipular. Mahārāja Parīkṣit questionou Śukadeva Gosvāmī, e esse citou Nārada, que indagara da mesma maneira Nārāyaṇa Ṛṣi, quem, por Sua vez, colocara a questão diante de autoridades ainda superiores no planeta de Janaloka, onde ela foi analisada entre os excelsos Kumāras – Sanātana, Sanaka, Sanandana e Sanat-Kumāra, que são reconhecidos eruditos nos Vedas e em outros śāstras. Sua ilimitada capacidade de conhecimento, apoiada por austeridades e penitências, é exibida através de seu caráter sublime e ideal. Eles são muito amigáveis e gentis no comportamento, e, para eles, não há qualquer distinção entre amigos, benquerentes e inimigos. Transcendentalmente situados, tais personalidades como os Kumāras estão acima de quaisquer considerações materiais e são sempre neutros em relação às dualidades materiais. Nas discussões mantidas entre os quatro irmãos, um deles, a saber, Sanandana, foi escolhido para falar, e os outros irmãos tornaram-se a audiência destinada a ouvi-lo.

Sanandana falou: “Após a dissolução de toda a manifestação cósmica, a totalidade da energia e a criação completa em sua forma nuclear penetra no corpo de Garbhodakaśāyī Viṣṇu. O Senhor, nesse momento, permanece adormecido por um período de tempo muito extenso, e, quando surge novamente a necessidade de criar, os Vedas personificados reúnem-se em volta do Senhor e começam a glorificá-lO descrevendo Seus maravilhosos passatempos transcendentais, exatamente como os servos de um rei. Quando o rei está dormindo de manhã, os recitadores escolhidos aproximam-se de seu dormitório e começam a cantar suas atividades cavalheirescas, e, ao escutar seus gloriosos feitos, o rei acorda”.

“Os recitadores védicos, ou os Vedas personificados, cantam assim: ‘Ó Senhor inconquistável, Você é a Suprema Personalidade. Ninguém é igual ou superior a Você. Ninguém pode ser mais glorioso em suas atividades. Todas as glórias a Você! Todas as glórias a Você! Por Sua própria natureza transcendental, Você possui integralmente todas as seis opulências. Dessa forma, é capaz de libertar todas as almas condicionadas das garras de māyā. Ó Senhor, oramos fervorosamente para que, por obséquio, assim proceda. Todas as entidades vivas, sendo Suas partes integrantes, são naturalmente bem-aventuradas, eternas e plenas de conhecimento, mas, devido às suas próprias falhas, elas O imitam tentando tornarem-se o desfrutador supremo. Assim, elas desobedecem a Sua Supremacia e tornam-se ofensoras. E, por causa de suas ofensas, Sua energia material encarrega-se delas. Assim, suas qualidades transcendentais de bem-aventurança, alegria e sabedoria são encobertas pelas nuvens das três qualidades materiais. Esta manifestação cósmica, feita das três qualidades materiais, é exatamente como uma penitenciária para as almas condicionadas. As almas condicionadas estão lutando muito arduamente para escapar do enredamento material e, de acordo com suas diferentes condições de vida, elas recebem diferentes espécies de desfrute. Contudo, visto que todas as atividades estão baseadas em conhecimento propiciado por Você, as almas condicionadas podem executar atividades piedosas unicamente quando Você misericordiosamente as inspira a assim proceder. Por conseguinte, sem se refugiar a Seus pés de lótus, não se pode superar a influência da energia material. Na verdade, como o conhecimento védico personificado, estamos sempre ocupados a Seu serviço, ajudando as almas condicionadas a entende-lO’”.

Essa oração proferida pelos Vedas personificados ilustra que os Vedas destinam-se a ajudar as almas condicionadas a compreender Kṛṣṇa. Todos os śrutis, ou Vedas personificados, ofereceram glórias ao Senhor reiteradas vezes cantando “Jaya! Jaya!”. Isso indica que o Senhor é o mais glorioso. De todas as Suas glórias, a mais importante é Sua misericórdia sem causa para com as almas condicionadas, resgatando-as das garras de māyā.

Existem números ilimitados de entidades vivas em variadas espécies de corpos, alguns móveis e outros fixos em um ponto; a vida condicionada dessas entidades vivas deve-se unicamente ao seu esquecimento de sua relação eterna com a Suprema Personalidade de Deus. Quando a entidade viva quer assenhorear-se da energia material, imitando a posição de Kṛṣṇa, ela é imediatamente capturada pela energia material e, de acordo com seu desejo, recebe um tipo dentre os oito milhões e 400 mil diferentes tipos de corpos. Embora esteja sendo submetida às três misérias da existência material, a entidade viva iludida considera-se falsamente o controlador de tudo aquilo que empreende. Sob a ilusão da energia material, representada pelas três qualidades materiais, a entidade viva fica tão enredada que não é capaz, de forma alguma, de se libertar, a menos que seja favorecida pela graça do Senhor Supremo. A entidade viva não pode superar a influência dos modos materiais da natureza por meio de seu próprio esforço. No entanto, como a natureza material está trabalhando sob o controle do Senhor Supremo, Ele encontra-Se além de sua jurisdição. Com exceção dEle, todas as entidades vivas, desde Brahmā até a formiga, estão subjugadas pelo contato com a natureza material.

Como o Senhor possui em plenitude todas as seis opulências de riqueza, força, fama, beleza, conhecimento e renúncia, apenas Ele está além da ilusão da natureza material. A menos que a entidade viva esteja situada em consciência de Kṛṣṇa, ela não pode aproximar-se da Suprema Personalidade de Deus. Entretanto, por Sua onipotência, o Senhor, como a Superalma, pode dirigir internamente a entidade viva até ela chegar a Ele, mesmo enquanto executa seu trabalho corriqueiro. Como o Senhor aconselha no Bhagavad-gītā: “O que quer que você faça, faça para Mim; o que quer que coma, ofereça primeiramente a Mim; qualquer que seja a caridade que deseje dar, primeiro dê a Mim; e quaisquer austeridades e penitências que você deseje executar, execute-as para Mim”. Dessa forma, os karmīs são orientados a desenvolverem gradativamente sua consciência de Kṛṣṇa. De igual modo, Kṛṣṇa orienta os filósofos a se aproximarem dEle pela discriminação entre o Brahman e māyā; por fim, quando está madura em conhecimento, a entidade viva rende-se a Kṛṣṇa. Como Kṛṣṇa afirma no Bhagavad-gītā: “Após muitos e muitos nascimentos, o filósofo sábio rende-se a Mim”. Os yogīs também são orientados a concentrar sua meditação em Kṛṣṇa dentro do coração e, por intermédio desse processo contínuo de consciência de Kṛṣṇa, eles também podem se livrar das garras da energia material. Os devotos, contudo, estão ocupados em serviço devocional com amor e afeição desde o início, motivo pelo qual o Senhor pessoalmente Lhes dá orientação de forma que eles possam aproximar-se dEle sem dificuldade ou desvio. Isso é enunciado no Bhagavad-gītā. Apenas pela graça do Senhor pode a entidade viva compreender a posição exata de Brahman, Paramātmā e Bhagavān.

As declarações dos Vedas personificados apresentam evidência inequívoca de que a literatura védica é apresentada unicamente para se compreender Kṛṣṇa. O Bhagavad-gītā confirma que, através de todos os Vedas, é Kṛṣṇa apenas quem deve ser compreendido. Kṛṣṇa está sempre desfrutando, quer no mundo material, quer no mundo espiritual; porque Ele é o desfrutador supremo, para Ele não há distinção entre os mundos material e espiritual. O mundo material é um impedimento para as entidades vivas comuns porque elas estão sob o seu controle, mas Kṛṣṇa, sendo o controlador do mundo material, não tem qualquer ligação com o impedimento que este impõe. Por conseguinte, em diferentes partes dos Upaniṣads, os Vedas assinalam: “O Brahman Supremo é eterno, pleno de conhecimento e bem-aventurança, mas a Suprema Personalidade de Deus existe no coração de todas as entidades vivas”. Por causa de Sua onipresença, Ele é capaz de entrar não apenas no coração das entidades vivas, mas também nos átomos. Como a Superalma, Ele é o controlador de todas as atividades das entidades vivas. Ele vive no interior de todas elas e testemunha suas ações, propiciando-lhes os resultados de suas diferentes atividades. Ele é a força viva de todas as coisas, mas Ele é transcendental às qualidades materiais. Ele é onipotente, Ele é perito na criação de tudo e, em virtude de Seu natural conhecimento superior, Ele pode colocar todos sob Seu controle. Por essa razão, Ele é o mestre de todos. Ele às vezes Se manifesta na superfície do globo, mas Ele encontra-Se simultaneamente no interior da totalidade da matéria. Desejando expandir-Se em múltiplas formas, Ele lançou Seu olhar sobre a energia material, e, assim, inumeráveis entidades vivas se manifestaram. Tudo é criado por Sua energia superior e tudo em Sua criação parece ser gerado com perfeição, sem qualquer falha. Aqueles que aspiram à libertação deste mundo material devem, portanto, adorar a Suprema Personalidade de Deus, a causa última de todas as causas. Ele é como a massa total de argila da terra, da qual uma variedade de potes de barro é manufaturada: os potes são feitos de argila da terra, repousam sobre a terra, e, depois de serem destruídos, seus elementos, por fim, fundem-se de volta na terra, a causa original de todas as variedades de manifestação.

Empregando esta analogia do Brahman com a terra, os impersonalistas, especialmente, enfatizam a declaração védica sarvaṁ khalv idaṁ brahma: “Tudo é Brahman”. Os impersonalistas não levam em consideração as variedades de manifestações que emanam da causa suprema, o Brahman. Eles simplesmente consideram que tudo emana do Brahman e, após a destruição, funde-se no Brahman, e que a fase intermediária de manifestação também é Brahman. No entanto, embora os māyāvādīs acreditem que, antes da manifestação, o cosmo estava em Brahman, que após a criação ele permanece em Brahman, e que depois da destruição ele funde-se no Brahman, eles não sabem o que é Brahman. A Brahma-saṁhitā, contudo, descreve claramente o Brahman: “As entidades vivas, o espaço, o tempo e os elementos materiais como fogo, terra, céu, água e mente constituem a manifestação cósmica total, conhecida como Bhūḥ, Bhuvaḥ e Svaḥ, que é manifestada de Govinda. Ela floresce em virtude da força de Govinda e, após a aniquilação, ela entra e é conservada em Govinda”. O senhor Brahmā, então, afirmou: “Eu adoro o Senhor Govinda, a personalidade original, a causa de todas as causas”.

A palavra “Brahman” indica o maior de todos e o mantenedor de tudo. Os impersonalistas são atraídos pela grandeza do céu, mas, por causa de seu pobre fundo de conhecimento, eles não são atraídos pela grandeza de Kṛṣṇa. Em nossa vida prática, contudo, somos atraídos pela grandeza de uma pessoa e não pela grandeza de uma enorme montanha. Portanto, o termo “Brahman” decerto aplica-se unicamente a Kṛṣṇa, razão pela qual, no Bhagavad-gītā, Arjuna admitiu que o Senhor Kṛṣṇa é o Parabrahman, ou o local de repouso supremo de tudo.

Kṛṣṇa é o Brahman Supremo por causa de Seu conhecimento ilimitado, potências ilimitadas, força ilimitada, influência ilimitada, beleza ilimitada e renúncia ilimitada. Em última análise, portanto, a palavra “Brahman” pode ser aplicada unicamente a Kṛṣṇa. Arjuna afirma que, como o Brahman impessoal é a refulgência que emana dos raios do corpo transcendental de Kṛṣṇa, Kṛṣṇa é o Parabrahman. Tudo repousa no Brahman, mas o próprio Brahman repousa em Kṛṣṇa. Dessa forma, Kṛṣṇa é o Brahman Supremo, ou Parabrahman. Os elementos materiais são aceitos como a energia inferior de Kṛṣṇa. Mediante sua interação, a manifestação cósmica vem a existir, repousa em Kṛṣṇa e, após a dissolução, novamente entra no corpo de Kṛṣṇa como Sua energia sutil. Assim, Kṛṣṇa é a causa tanto da manifestação quanto da dissolução.

Sarvaṁ khalv idaṁ brahma significa que tudo é Kṛṣṇa, no sentido de que tudo é Sua energia. Essa é a visão dos mahā-bhāgavatas. Eles veem tudo em relação com Kṛṣṇa. Os impersonalistas argumentam que o próprio Kṛṣṇa foi transformado em muitos e que, assim, tudo é Kṛṣṇa, e a adoração a qualquer coisa é adoração a Ele. Essa falsa argumentação é rebatida por Kṛṣṇa no Bhagavad-gītā: embora tudo seja uma transformação da energia de Kṛṣṇa, Ele não está presente em toda parte. Ele está presente e não está, simultaneamente. Através de Sua energia, Ele está presente em toda parte, mas, como o energético, Ele não está presente em toda parte. Essa simultânea presença e ausência é inconcebível aos nossos sentidos atuais. Não obstante, uma clara explanação é dada no começo do Īśopaniṣad, no qual é assinalado que o Senhor Supremo é tão completo que, embora energias ilimitadas e suas transformações emanem de Kṛṣṇa, a personalidade de Kṛṣṇa não Se transforma nem mesmo em um mínimo grau. Consequentemente, visto que Kṛṣṇa é a causa de todas as causas, as pessoas inteligentes devem refugiar-se em Seus pés de lótus.

Kṛṣṇa aconselha a todos a rendição unicamente a Ele, e esse é o caminho da instrução védica. Visto que Kṛṣṇa é a causa de todas as causas, Ele é adorado por todos os tipos de sábios e santos através da observância dos princípios reguladores. Quanto ao processo da meditação, grandes personalidades meditam na forma transcendental de Kṛṣṇa dentro do coração. Dessa maneira, as mentes das grandes personalidades estão sempre absortas em Kṛṣṇa. Com as mentes imersas em Kṛṣṇa, os devotos rendidos naturalmente falam apenas de Kṛṣṇa.

Falar ou cantar sobre Kṛṣṇa é chamado kīrtana. O Senhor Caitanya recomenda kīrtanīyaḥ sadā hariḥ, que significa sempre pensar e falar de Kṛṣṇa e nada mais. Isso é denominado consciência de Kṛṣṇa. A consciência de Kṛṣṇa é tão sublime que qualquer pessoa que adote esse processo se eleva à perfeição máxima da vida – muitíssimo além do conceito de libertação. No Bhagavad-gītā, portanto, Kṛṣṇa aconselha todos a sempre pensar nEle, prestar-Lhe serviço devocional, adorá-lO e oferecer-Lhe reverências. Assim, um devoto torna-se completamente kṛṣṇaizado, e, por fim, estando sempre em consciência de Kṛṣṇa, volta a Kṛṣṇa.

Embora os Vedas tenham recomendado a adoração de diferentes semideuses como partes integrantes distintas de Kṛṣṇa, deve-se entender que tais instruções destinam-se às pessoas menos inteligentes, que ainda estão atraídas ao desfrute dos sentidos materiais. Contudo, a pessoa que de fato deseja a realização perfeita da missão da vida humana deve simplesmente adorar o Senhor Kṛṣṇa, e isso simplificará o assunto e garantirá o completo sucesso de sua vida humana. Embora o céu, a água e a terra sejam partes do mundo material, quando ficamos de pé sobre a terra sólida, nossa posição é mais segura do que quando estamos no céu ou na água. Uma pessoa inteligente, portanto, não permanece sob a proteção de diferentes semideuses, embora eles sejam partes integrantes de Kṛṣṇa. Pelo contrário, ela situa-se no chão sólido da consciência de Kṛṣṇa. Isso torna sua posição sã e salva.

Os impersonalistas de vez em quando dão o exemplo de que, se alguém se coloca sobre uma pedra ou um pedaço de madeira, ele certamente está sobre a superfície da terra, porque a pedra e a madeira repousam sobre a superfície da terra. No entanto, pode-se argumentar que, se a pessoa ficar diretamente posicionada sobre a superfície da terra, ela estará mais segura do que se ficar sobre a madeira ou a pedra que, por sua vez, repousa sobre a terra. Em outras palavras, refugiar-se no Paramātma ou no Brahman impessoal não é um procedimento tão seguro quanto abrigar-se em Kṛṣṇa mediante a consciência de Kṛṣṇa. A posição dos jñānīs e yogīs não é, consequentemente, tão segura quanto a posição dos devotos de Kṛṣṇa. Assim, o Senhor Kṛṣṇa diz no Bhagavad-gītā que unicamente uma pessoa desajuizada adota a adoração aos semideuses. E quanto às pessoas apegadas ao Brahman impessoal, o Śrīmad-Bhāgavatam afirma: “Meu querido Senhor, aqueles que se consideram como libertos por meio da especulação mental ainda não estão purificados da contaminação material devido à sua incapacidade de encontrar abrigo a Seus pés de lótus. Embora eles se elevem à situação transcendental de existência no Brahman impessoal, eles certamente caem daquela elevada posição porque ignoram Seus pés de lótus”. O Senhor Kṛṣṇa, dessa forma, esclarece que os adoradores dos semideuses não são inteligentes, pois eles obtêm apenas resultados exauríveis e temporários. Seus esforços são aqueles de pessoas menos inteligentes. Por outro lado, o Senhor garante que Seus devotos não têm medo de cair.

Os Vedas personificados continuaram a orar: “Querido Senhor, considerando todos os pontos de vista, se a pessoa tem de adorar alguém superior a si mesma, então, apenas por uma questão de bom comportamento, ela deve se fixar na adoração aos Seus pés de lótus, porque Você é o controlador último da criação, manutenção e dissolução. Você é o controlador dos três mundos, Bhūḥ, Bhuvaḥ e Svaḥ; é o controlador dos quatorze mundos superiores e inferiores, e é o controlador das três qualidades materiais. Os semideuses e as pessoas avançadas em conhecimento espiritual sempre ouvem e cantam sobre Seus passatempos transcendentais, pois esse processo tem a potência específica de anular os resultados acumulados da vida pecaminosa. As pessoas inteligentes realmente mergulham no oceano de Suas nectáreas atividades e, muito pacientemente, ouvem sobre elas. Em consequência, elas automaticamente se libertam de toda a contaminação das qualidades materiais; elas não têm de se submeter a severas austeridades e penitências para o avanço na vida espiritual. Esse ouvir e cantar de Seus passatempos transcendentais é o processo mais fácil para a autorrealização. Simplesmente através da submissa recepção auditiva da mensagem transcendental, o coração se limpa de toda impureza. Assim, a consciência de Kṛṣṇa se fixa no coração do devoto”. A grande autoridade Bhīṣmadeva também deu a opinião de que esse processo de cantar e ouvir sobre a Suprema Personalidade de Deus é a essência de todas as execuções de rituais védicos.

“Querido Senhor”, os Vedas personificados continuaram, “o devoto que deseje elevar-se simplesmente através desse processo de atividades devocionais, especialmente por ouvir e cantar, muito em breve liberta-se das garras das dualidades da existência material. Por meio desse simples processo de penitência e austeridade, a Superalma, situada dentro do coração, fica muito satisfeita e dá ao devoto a orientação que necessita para voltar ao lar, voltar ao Supremo”. É enunciado no Bhagavad-gītā que aquele que dedica todas as suas atividades e seus sentidos ao serviço devocional ao Senhor torna-se completamente pacífico porque a Superalma fica satisfeita com ele; assim, o devoto torna-se transcendental a todas as dualidades, tais como calor e frio, honra e desonra. Ficando livre de todas as dualidades, ele sente bem-aventurança transcendental e nunca mais sofre preocupações e ansiedades em virtude da existência material. O Bhagavad-gītā confirma que o devoto sempre absorto em consciência de Kṛṣṇa não tem qualquer ansiedade pela sua manutenção ou proteção. Estando constantemente absorto em consciência de Kṛṣṇa, ele, por fim, atinge a perfeição máxima. Embora esteja na existência material, ele vive muito pacificamente e em bem-aventurança, sem se preocupar e ter ansiedades; depois de abandonar o corpo, ele volta ao lar, volta ao Supremo. O Senhor confirma no Bhagavad-gītā: “Tendo alcançado Minha morada suprema, que é um lugar transcendental, nunca se retorna a este mundo material. Qualquer pessoa que atinja a perfeição suprema, estando ocupada no Meu serviço devocional pessoal na morada eterna, atinge a perfeição máxima da vida humana e não precisa retornar a este mundo material miserável”.

Os Vedas personificados prosseguiram: “Querido Senhor, é fundamental que as entidades vivas se ocupem em consciência de Kṛṣṇa, sempre prestando serviço devocional através dos métodos prescritos, como ouvir, cantar e executar Suas ordens. Se a pessoa não se ocupar em consciência de Kṛṣṇa e em serviço devocional, é inútil para ela exibir os sintomas de vida. De um modo geral, se uma pessoa está respirando, se aceita que ela está viva. Porém, uma pessoa sem consciência de Kṛṣṇa pode ser comparada ao fole de um ferreiro. O grande fole é um saco de pele que exala e inala ar, e um ser humano que simplesmente vive dentro do saco de peles e ossos sem adotar a consciência de Kṛṣṇa não é melhor do que o fole. Da mesma forma, a longa duração de vida de um não-devoto é comparada à longa existência de uma árvore; sua voraz capacidade de comer é comparada ao ato de comer dos cães e porcos, e seu desfrute de vida sexual é comparado àquele dos porcos e bodes”.

A manifestação cósmica tornou-se possível devido à entrada da Suprema Personalidade de Deus como Mahā-Viṣṇu dentro deste mundo material. A energia material total é agitada pelo olhar de Mahā-Viṣṇu e, só então, começa a interação das três qualidades materiais. Portanto, deve-se concluir que, quaisquer que sejam as facilidades materiais que estejamos tentando desfrutar, elas estão disponíveis apenas devido à misericórdia da Suprema Personalidade de Deus.

Dentro do corpo, existem cinco setores diferentes de existência, conhecidos como anna-māyā, prāṇa-māyā, mano-māyā, vijñāna-māyā e, por último, ānanda-māyā. No início da vida, a consciência de toda entidade viva gira em torno do alimento. Uma criança ou um animal fica satisfeito unicamente por conseguir alimento adequado. Esse estágio de consciência, no qual a meta é comer suntuosamente, é chamado anna-māyā. Anna significa “comida”. Depois disso, toma a consciência de se estar vivo. Se a pessoa pode continuar sua vida sem ser atacada ou destruída, ela considera-se feliz. Essa fase chama-se prāṇa-māyā, ou consciência da própria existência. Após essa etapa, quando se está na plataforma mental, a consciência é denominada mano-māyā. A civilização materialista está situada principalmente nestes três estágios: anna-māyā, prāṇa-māyā e mano-māyā. A primeira preocupação das pessoas civilizadas é o desenvolvimento econômico, a próxima é a defesa contra a aniquilação, e a consciência seguinte é a especulação mental, a abordagem filosófica dos valores da vida.

Se, pelo processo evolutivo da vida filosófica, alguém chega à plataforma da vida intelectual e compreende que não é este corpo material, mas uma alma espiritual, ele chega, então, à fase de vijñāna-māyā. Posteriormente, por avanço na vida espiritual, chega-se à compreensão do Senhor Supremo, ou a Alma Suprema. Quando alguém desenvolve sua relação com o Senhor e executa serviço devocional, essa etapa da vida chama-se “consciência de Kṛṣṇa”, a fase ānanda-māyā, que é a vida bem-aventurada de conhecimento e eternidade. Como é assinalado no Vedānta-sūtra, ananda-mayo ’bhyasat. O Brahman Supremo e o Brahman subordinado, ou a Suprema Personalidade de Deus e as entidades vivas, são ambos felizes por natureza. Enquanto as entidades vivas se encontram nas quatro fases inferiores de vida – anna-māyā, prāṇa-māyā, mano-māyā e vijñāna-māyā – considera-se que elas estejam na condição material de vida. Todavia, assim que atinge o estágio de ānanda-māyā, a pessoa é considerada uma alma liberta. Essa etapa de ānanda-māyā é explicada no Bhagavad-gītā como a fase brahma-bhūta. Ali, afirma-se que, na fase brahma-bhūta da vida, não há qualquer ansiedade, tampouco algum desejo. Esse estágio começa quando a pessoa está igualmente disposta para com todas as entidades vivas e, depois, se expande para a fase da consciência de Kṛṣṇa, na qual ela sempre anseia por prestar serviço à Suprema Personalidade de Deus. Esse anseio por avanço em serviço devocional não é o mesmo que o desejo pelo gozo dos sentidos na existência material. Em outras palavras, o desejo permanece na vida espiritual, mas ele se purifica. Da mesma forma, quando nossos sentidos se purificam, eles são libertos das etapas materiais, a saber, anna-māyā, prana-māyā, mano-māyā e vijñāna-māyā, e situam-se no mais elevado estágio – ānanda-māyā, ou vida bem-aventurada em consciência de Kṛṣṇa. Os filósofos māyāvādīs consideram ānanda-māyā como o estágio no qual a pessoa está imersa no Supremo. Para eles, ānanda-māyā significa que a Superalma e a alma individual se tornam uma. Não obstante, o fato real é que a unicidade não implica fusão com o Supremo e perda da existência individual. Fusão na existência espiritual é a realização da unidade qualitativa da entidade viva com o Senhor Supremo em Seus aspectos de eternidade e conhecimento. No entanto, o verdadeiro estágio de ānanda-māyā (bem-aventurança) é alcançado quando ela está ocupada em serviço devocional. Isso é confirmado no Bhagavad-gītā: mad-bhaktiṁ labhate parām. Aqui, o Senhor Kṛṣṇa enuncia que a fase brahma-bhūta ānanda-māyā está completa apenas quando há intercâmbio amoroso entre o Supremo e as entidades vivas subordinadas. A menos que a pessoa chegue a esta fase ānanda-māyā, ela está respirando como um fole de ferreiro, sua duração de vida assemelha-se à de uma árvore e ela não é melhor que os animais inferiores, tais como os camelos, porcos e cães.

Inquestionavelmente, a entidade viva eterna não pode ser aniquilada em fase alguma de sua existência. Contudo, as espécies inferiores de vida existem em uma condição miserável, ao passo que a pessoa que se ocupa em serviço devocional ao Senhor Supremo está no prazeroso estágio da vida, ānanda-māyā. Todas as diferentes fases mencionadas acima estão relacionadas com a Suprema Personalidade de Deus. Embora em todas as circunstâncias existam tanto a Suprema Personalidade de Deus quanto as entidades vivas, a diferença é que a Suprema Personalidade de Deus sempre existe no estágio ānanda-māyā, ao passo que as entidades vivas subordinadas, devido à sua diminuta posição como partes fragmentárias do Senhor Supremo, são propensas a cair nos outros estágios de vida. Conquanto, em todas as etapas, tanto a Suprema Personalidade de Deus quanto as entidades vivas existam, a Suprema Personalidade de Deus é sempre transcendental ao nosso conceito de vida, quer estejamos em enredamento, quer em libertação. Toda a manifestação cósmica torna-se possível pela graça do Senhor Supremo, existe pela graça do Senhor Supremo e, quando é aniquilada, funde-se na existência do Senhor Supremo. Desta forma, o Senhor Supremo é a existência suprema, a causa de todas as causas. Logo, a conclusão é que, sem desenvolvimento da consciência de Kṛṣṇa, a vida é apenas um desperdício de tempo.

Para aqueles que são muito materialistas e não podem compreender a situação do mundo espiritual, ou a morada de Kṛṣṇa, os grandes sábios recomendam o processo de yoga pelo qual a pessoa gradativamente se eleva a partir da meditação no abdome, que é chamada mūlādhāra, ou meditação maṇipūraka. Mūlādhāra e maṇipūraka são termos técnicos que se referem aos intestinos dentro do abdome. As pessoas grosseiramente materialistas pensam que o desenvolvimento econômico é de importância fundamental porque elas estão sob a impressão de que a entidade viva existe unicamente para comer. Tais pessoas grosseiramente materialistas esquecem-se de que, embora possamos comer tanto quanto quisermos, se o alimento não for digerido, ele provocará transtornos de indigestão e acidez. Portanto, o ato de comer não é em si mesmo a causa da energia vital da existência. Para a digestão dos alimentos, precisamos da ajuda de outra energia superior, que é descrita no Bhagavad-gītā como vaiśvānara. O Senhor Kṛṣṇa diz no Bhagavad-gītā que Ele ajuda a digestão na forma de vaiśvānara. Como a Suprema Personalidade de Deus é onipresente, Sua presença no estômago como vaiśvānara não é extraordinária.

Kṛṣṇa está, de fato, presente em toda parte. O vaiṣṇava, por isso, marca seu corpo com os templos de Viṣṇu; ele primeiro faz uma marca de tilaka no templo do abdômen, depois no peito, em seguida entre as clavículas, então na testa e, por fim, no topo da cabeça, o brahma-randhra. Os treze templos de tilaka marcados no corpo de um vaiṣṇava são os seguintes: Na testa fica o templo do Senhor Keśava, na cintura está o templo do Senhor Nārāyaṇa, no peito encontra-se o templo do Senhor Mādhava e, na garganta, entre as duas clavículas, o templo do Senhor Govinda. No lado direito da cintura, fica o templo do Senhor Viṣṇu; no braço direito, o templo do Senhor Madhusūdana e, no lado direito da clavícula, o templo do Senhor Trivikrama. Da mesma forma, no lado esquerdo da cintura, está o templo do Senhor Vāmanadeva; no braço esquerdo, o templo de Srīdhara; no lado esquerdo da clavícula, o templo de Hṛṣīkeśa; na parte superior das costas, o templo chamado Padmanābha, e, na parte inferior das costas, o templo chamado Dāmodara. No topo da cabeça, está o templo de Vāsudeva. Esse é o processo de meditação na localização do Senhor nas diferentes partes do corpo, mas, para aqueles que não são vaiṣṇavas, os grandes sábios recomendam a meditação no conceito corpóreo de vida – meditação nos intestinos, no coração, na garganta, nas sobrancelhas, na testa e, depois, no topo da cabeça. Alguns dos sábios da sucessão discipular, desde o grande santo Aruṇa, meditam no coração porque a Superalma permanece dentro do coração, juntamente com a entidade viva. Isso é confirmado no Bhagavad-gītā, capítulo quinze, onde o Senhor enuncia: “Estou situado no coração de todos”.

Como parte do serviço devocional, os vaiṣṇavas protegem o corpo para o serviço do Senhor, mas aqueles que são materialistas grosseiros aceitam o corpo como o próprio eu. Eles adoram o corpo pelo processo ióguico de meditação nas diferentes partes corpóreas, tais como maṇipūraka, dahara e hṛdaya e gradativamente se elevam ao brahma-randhra no topo da cabeça. O yogī de primeira classe, que alcançou a perfeição na prática do sistema de yoga, passa, no final, pelo brahma-randra rumo a qualquer um dos planetas, quer no mundo material, quer no mundo espiritual. A maneira como um yogī pode se transferir para outro planeta é vividamente descrita no Segundo Canto do Śrīmad-Bhāgavatam.

Com relação a isso, Śukadeva Gosvāmī recomendou que os neófitos adorassem o virāṭ-puruṣa, a gigantesca forma universal do Senhor. Quem não consegue acreditar que o Senhor possa ser adorado com igual sucesso na Deidade, ou a forma arcā, ou quem não é capaz de se concentrar nessa forma, é aconselhado a adorar a forma universal do Senhor. A região inferior do universo é considerada os pés e as pernas da forma universal do Senhor; a parte intermediária do universo é considerada o umbigo ou o abdome do Senhor; os sistemas planetários superiores, tais como Janaloka e Maharloka, são o coração do Senhor, e o sistema planetário mais elevado, Brahmaloka, é considerado o topo da cabeça do Senhor. Embora haja diferentes processos recomendados por grandes sábios segundo a posição do adorador, a meta última de todos os processos de meditação de yoga é voltar ao lar, voltar ao Supremo. Como assinalado no Bhagavad-gītā, aquele que atinge o planeta mais elevado, a morada de Kṛṣṇa, ou mesmo os planetas Vaikuṇṭha, jamais precisa descer novamente a esta miserável condição de vida material.

Consequentemente, a recomendação védica é que a pessoa deve fazer dos pés de lótus de Viṣṇu a meta de todos os esforços. Tad viṣṇoḥ paramaṁ padam: os planetas Viṣṇu, ou Viṣṇuloka, estão acima de todos os planetas materiais. Esses planetas Vaikuṇṭha são conhecidos como sanātana-dhāma, e são eternos. Eles nunca são aniquilados, nem mesmo pela aniquilação deste mundo material. A conclusão é que, se um ser humano não realiza a missão de sua vida adorando o Senhor Supremo e não volta ao lar, não volta ao Supremo, deve-se entender que ele está respirando como o fole de um ferreiro, vivendo apenas como uma árvore, comendo como um camelo e fazendo sexo exatamente como os cães e porcos. Dessa forma, ele frustrou a realização do propósito específico da vida humana.

A próxima oração dos Vedas personificados ao Senhor relaciona-se com Sua entrada nas diferentes espécies de vida. É enunciado no Bhagavad-gītā, capítulo quatorze, que a parte espiritual integrante fragmentária do Senhor está presente em todas as espécies e formas de vida. O próprio Senhor afirma no Bhagavad-gītā que Ele é o pai que dá a semente de todas as formas e espécies, e que, portanto, devem todas ser consideradas filhos do Senhor. A entrada do Senhor Supremo no coração de todos como o Paramātmā às vezes deixa perplexos os impersonalistas, fazendo-os pensar em termos da igualdade entre as entidades vivas e o Senhor Supremo. Eles ponderam: “Se o Senhor Supremo e a alma individual entram em vários corpos, onde está a diferença? Por que as almas individuais devem adorar o Paramātmā, ou a Superalma?” Segundo eles, a Superalma e a alma individual estão no mesmo nível; elas são uma, sem qualquer diferença entre elas. Existe, no entanto, uma diferença entre a Superalma e a alma individual, e essa diferença é explicada no Bhagavad-gītā, capítulo quinze, onde o Senhor diz que, apesar de Ele estar com a entidade viva no mesmo corpo, Ele é superior. Ele dirige ou dá inteligência à alma individual a partir do interior. É claramente assinalado no Gītā que o Senhor dá inteligência à alma individual e que, tanto a lembrança quanto o esquecimento, se devem à influência da Superalma. Ninguém pode agir independentemente da sanção da Superalma. A alma individual atua conforme seu karma passado, que é lembrado pelo Senhor. A natureza da alma individual é o esquecimento, mas a presença do Senhor dentro do coração a faz se lembrar do que ela desejava fazer em sua vida passada. A inteligência da alma individual é assim como o fogo na madeira. Embora o fogo seja sempre fogo, ele apresenta-se com dimensões proporcionais ao tamanho da madeira. Analogamente, apesar de a alma individual ser qualitativamente idêntica ao Senhor Supremo, ela manifesta-se de acordo com as limitações de seu corpo atual. Contudo, o Senhor Supremo, ou a Superalma, é ilimitado. Declara-se que Ele é eka-rasa. Eka significa “um”, e rasa quer dizer “doçura”. A posição transcendental do Senhor Supremo é de eternidade, bem-aventurança e conhecimento pleno. Sua posição eka-rasa não sofre nem mesmo a mínima alteração quando Ele Se torna testemunha e conselheiro da alma individual em cada corpo individual.

Entretanto, a alma individual, começando do senhor Brahmā e descendo até a formiga, exibe sua potência espiritual de acordo com seu corpo atual. Os semideuses estão na mesma categoria das almas individuais que se encontram em corpos de seres humanos ou animais inferiores. As pessoas inteligentes, portanto, não adoram os diferentes semideuses, que são simplesmente representantes infinitesimais de Kṛṣṇa manifestos em corpos condicionados. A alma individual pode expressar sua potência apenas em proporção à forma e constituição do corpo. A Suprema Personalidade de Deus, contudo, pode exibir potências plenas em qualquer configuração ou forma, sem qualquer alteração. A tese dos filósofos māyāvādīs de que Deus e a alma individual são unos e o mesmo não pode ser aceita, pois a alma individual tem de desenvolver sua potência segundo o desenvolvimento de diferentes tipos de corpos. A alma individual no corpo de um bebê não pode mostrar a potência plena de um homem adulto, mas a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, mesmo quando deitado no colo de Sua mãe como um bebê, pôde exibir Sua potência plena matando Pūtāna e outros demônios que tentaram atacá-lO. Por isso, a potência espiritual da Suprema Personalidade de Deus é conhecida como eka-rasa, ou sem mudança. A Suprema Personalidade de Deus, portanto, é o único objeto adorável, e isso é perfeitamente compreendido pelas pessoas que não se contaminam com os modos da natureza material. Em outras palavras, apenas as almas libertas podem adorar a Suprema Personalidade de Deus. Os māyāvādīs menos inteligentes adotam a adoração aos semideuses pensando que os semideuses e a Suprema Personalidade de Deus estão no mesmo nível.

Os Vedas personificados continuaram a oferecer suas referências. “Querido Senhor”, oraram eles, “após muitos e muitos nascimentos, aqueles que realmente são sábios adotam a adoração a Seus pés de lótus em completo conhecimento”. Isso é confirmado no Bhagavad-gītā, onde o Senhor afirma que, após muitos e muitos nascimentos, uma grande alma, ou mahātmā, rende-se ao Senhor sabendo perfeitamente bem que Vāsudeva, Kṛṣṇa, é a causa de todas as causas. Os Vedas continuaram: “Como já foi explicado, considerando que a mente, a inteligência e os sentidos nos foram concedidos por Deus, quando esses instrumentos estão realmente purificados, não há alternativa a ocupá-los no serviço devocional ao Senhor. O enredamento de uma entidade viva nas diferentes espécies de vida se deve à aplicação errônea de sua mente, inteligência e sentidos em atividades materiais. Vários tipos de corpos são dados como resultado das ações da entidade viva, e eles são criados pela natureza material de acordo com o desejo da entidade viva. Porque a entidade viva deseja e merece um tipo particular de corpo, esse lhe é dado pela natureza material sob o controle do Senhor Supremo”.

No Śrīmad-Bhāgavatam, Terceiro Canto, é explicado que, sob o controle da autoridade superior, a entidade viva é colocada no sêmen de um homem e injetada no ventre de uma determinada mulher a fim de desenvolver um tipo particular de corpo. A entidade viva utiliza seus sentidos, inteligência, mente e assim por diante de uma forma específica de acordo com sua própria escolha e, portanto, desenvolve um tipo específico de corpo dentro do qual ela fica encarcerada. Dessa maneira, a entidade viva situa-se em diferentes espécies de vida, ora em um corpo de semideus, ora em um corpo humano ou animal, conforme as diversas situações e circunstâncias.

A literatura védica explica que as entidades vivas presas às diferentes espécies de vida são partes integrantes fragmentárias do Senhor Supremo. Os filósofos māyāvādīs confundem a entidade viva com Paramātmā, que está, na verdade, ao lado da entidade viva como um amigo. Porque Paramātmā (o aspecto localizado da Suprema Personalidade de Deus) e a entidade viva estão dentro do mesmo corpo, ocasionalmente as pessoas confundem-se e pensam que não há qualquer diferença entre a alma individual e a Superalma. No Varāha Purāṇa, há a seguinte explicação. O Senhor Supremo tem duas espécies de partes integrantes: a entidade viva é chamada vibhinnāṁśa, e Paramātmā, ou a expansão plenária do Senhor Supremo, é chamado svāṁśa. A expansão plenária svāṁśa da Suprema Personalidade é tão poderosa quanto a própria Suprema Personalidade de Deus. Não há nem mesmo a mínima diferença entre a potência da Pessoa Suprema e da Sua expansão plenária como Paramātmā. Contudo, as partes integrantes vibhinnāṁśa possuem apenas uma diminuta porção das potências do Senhor. O Nārada Pañcarātra enuncia que as entidades vivas, que são a potência marginal do Senhor Supremo, são indubitavelmente da mesma qualidade da existência espiritual do próprio Senhor. No entanto, elas são propensas à contaminação das qualidades materiais. Visto que a diminuta entidade viva se sujeita à influência das qualidades materiais, ela é chamada jīva, e, às vezes, a Suprema Personalidade de Deus é também conhecida como Śiva, o todo-auspicioso. Portanto, a diferença entre Śiva e jīva é que a todo-auspiciosa Suprema Personalidade de Deus nunca é afetada pelas qualidades materiais, enquanto as porções infinitesimais da Suprema Personalidade de Deus são propensas a serem afetadas pelas qualidades da natureza material.

A Superalma dentro do corpo de uma entidade viva particular, sendo uma porção plenária do Senhor, é adorável pela entidade viva individual. Assim, grandes sábios concluíram que o processo de meditação é prescrito de forma que a entidade viva individual possa se concentrar nos pés de lótus da forma da Superalma (Viṣṇu). Essa é a verdadeira forma de samādhi. A entidade viva não pode se libertar do encarceramento material através de seu próprio esforço. Logo, ela precisa adotar o serviço devocional aos pés de lótus do Senhor Supremo, ou à Superalma dentro de si mesma. Śrīdhara Svāmī, o grande comentador do Śrīmad-Bhāgavatam, compôs um verso maravilhoso a esse respeito, cujo significado é o seguinte: “Meu querido Senhor, sou eternamente uma parte de Você, apesar do que tenho estado aprisionado pelas potências materiais, que também são uma emanação Sua. Como a causa de todas as causas, Você entrou no meu próprio corpo como a Superalma, e eu tenho a prerrogativa de desfrutar da suprema vida bem-aventurada de conhecimento em Sua companhia. Portanto, meu querido Senhor, por obséquio, ordene-me que eu preste serviço amoroso a Você de forma que eu seja novamente conduzido à minha posição original de bem-aventurança transcendental”.

As grandes personalidades compreendem que uma entidade viva aprisionada neste mundo material não pode se libertar por meio de seus próprios esforços. Com fé firme e devoção, essas ilustres personalidades ocupam-se em prestar serviço devocional amoroso ao Senhor. Esse é o veredito dos Vedas personificados.

Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, é muito difícil obter conhecimento perfeito da Verdade Absoluta. Sua Onipotência é tão bondosa com as almas caídas que Você aparece em diferentes encarnações e executa diversas atividades. Você aparece, inclusive, como uma personalidade histórica deste mundo material, e Seus passatempos são muito elaboradamente descritos na literatura védica. Tais passatempos são tão atrativos quanto o oceano de bem-aventurança transcendental. As pessoas, em geral, têm uma inclinação natural para ler narrações em que os jīvas comuns são glorificados, porém, quando elas se atraem pela literatura védica, que narra Seus passatempos eternos, elas de fato mergulham no oceano de felicidade transcendental. Da mesma forma que um homem fatigado sente-se aliviado ao mergulhar em um reservatório de água, a alma condicionada que está muito desiludida com as atividades materiais renova-se e esquece toda a fadiga das atividades materiais simplesmente mergulhando no oceano transcendental de Seus passatempos. E, por fim, ela mergulha no oceano de bem-aventurança transcendental. Portanto, os devotos mais inteligentes não adotam nenhum outro meio de autorrealização que não seja o serviço devocional e a constante ocupação nos nove diferentes processos da vida devocional, especialmente ouvir e cantar. Quando escutam e cantam Seus passatempos transcendentais, Seus devotos não se importam nem mesmo com a bem-aventurança transcendental derivada da libertação ou imersão na existência do Supremo. Tais devotos não estão interessados nem mesmo na suposta libertação, e eles certamente não têm interesse em atividades materiais para elevação aos planetas celestiais com o fim de satisfação sensorial. Os devotos puros buscam unicamente a associação com os paramahaṁsas, ou os grandes devotos libertos, de forma que eles possam continuamente ouvir e cantar Suas glórias. Com esse propósito, os devotos puros estão preparados para sacrificar todos os confortos da vida, até mesmo abrir mão dos confortos da vida familiar e dos supostos amor, sociedade e amizade. Aqueles que experimentaram o néctar da devoção através do desfrute da vibração transcendental do canto de Suas glórias – Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare – não se preocupam com qualquer outra forma de felicidade espiritual ou confortos materiais, que parecem para os devotos puros como menos importantes do que a palha na rua”.

Os Vedas personificados continuaram: “Meu querido Senhor, quando a pessoa é capaz de purificar sua mente, sentidos e inteligência por ocupar-se em serviço devocional em plena consciência de Kṛṣṇa, sua mente torna-se sua amiga. Caso contrário, sua mente é sempre sua inimiga. Quando a mente está ocupada em serviço devocional ao Senhor, ela torna-se o amigo íntimo da entidade viva, porque a mente pode, dessa forma, pensar sempre no Senhor Supremo. Sua Majestade é eternamente querida à entidade viva, em virtude do que, quando a mente se ocupa em pensamentos atinentes a Você, a pessoa imediatamente sente a grande satisfação pela qual ela vem buscando vida após vida. Quando a mente de alguém está assim fixa nos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus, a pessoa não adota qualquer outro tipo inferior de adoração, ou processo inferior de autorrealização. Ao tentar adorar um semideus ou adotar qualquer outro processo de autorrealização, a entidade viva torna-se vítima do ciclo de nascimentos e mortes, e não se pode estimar quão degradada a entidade viva fica ao ingressar em abomináveis espécies de vida, como cães e gatos”.

Śrī Narottama Dāsa Thākura escreveu uma canção dizendo que as pessoas que não adotam o serviço devocional ao Senhor, mas que são atraídas ao processo de especulação filosófica e atividades fruitivas, bebem os resultados venenosos de tais ações. Tais pessoas comem todos os tipos de coisas execráveis (como carne) e têm prazer com bebidas alcoólicas e outras drogas e, depois da morte, são forçadas a nascer em espécies inferiores de vida. As pessoas materialistas geralmente adoram o corpo material transitório e se esquecem do bem-estar da alma espiritual dentro do corpo. Alguns se refugiam na ciência materialista para aperfeiçoar os confortos materiais, e outros praticam a adoração aos semideuses para serem promovidos aos planetas celestiais. Sua meta na vida é tornar o corpo físico confortável, mas se esquecem do interesse da alma espiritual. Tais pessoas são consideradas na literatura védica como suicidas, pois o apego ao corpo material a e seus confortos força a entidade viva a vagar perpetuamente através do processo de nascimentos e mortes e a sofrer as dores materiais em seu devido tempo. A forma humana de vida é uma oportunidade para a pessoa entender sua posição. Por conseguinte, a pessoa mais inteligente adota o serviço devocional simplesmente para ocupar sua mente, sentidos e corpo no serviço ao Senhor, sem desvio.

Os Vedas personificados continuaram: “Meu querido Senhor, há muitos yogīs místicos que são muito eruditos e obstinados em obter a mais elevada perfeição da vida. Eles se ocupam no processo ióguico de controlar o ar vital dentro do corpo. Concentrando a mente na forma de Viṣṇu e controlando os sentidos de uma forma muito estrita, eles praticam o sistema de yoga. Contudo, mesmo após muita austeridade laboriosa, penitência e regulações, eles alcançam o mesmo destino das pessoas que são Seus inimigos. Em outras palavras, tanto os yogīs como os grandes especuladores filosóficos e sábios alcançam por fim a refulgência impessoal do Brahman, que é automaticamente obtida pelos demônios que são inimigos contumazes do Senhor. Demônios como Kaṁsa, Śiśupāla e Dantavakra também alcançaram a refulgência Brahman, porque eles constantemente meditavam na Suprema Personalidade de Deus devido à inimizade para com Ele. O ponto decisivo é concentrar a mente na Suprema Personalidade de Deus. Mulheres como as gopīs estavam apegadas a Kṛṣṇa; tendo sido cativadas pela Sua beleza, sua concentração mental em Kṛṣṇa era motivada pela luxúria. Elas desejavam ser envolvidas pelos braços de Kṛṣṇa, que se assemelham à bela forma curvilínea de uma serpente. De igual modo, os hinos védicos simplesmente concentram nossa mente nos pés de lótus de Sua Onipotência. Mulheres como as gopīs concentram seus pensamentos em Você movidas pela luxúria, e nós nos concentramos em Você para voltarmos ao lar, voltarmos ao Supremo. Seus inimigos também se concentram em Você pensando sempre em como matá-lO, e os yogīs submetem-se a grandes penitências e austeridades unicamente para alcançar Sua refulgência impessoal. Todas essas pessoas, embora concentrem a mente de formas diversas, alcançam a perfeição espiritual de acordo com suas diferentes perspectivas, porque Você, ó Senhor, é igual para com todos os Seus devotos”.

Śrīdhara Svāmī compôs um excelente verso a esse respeito: “Meu querido Senhor, estar sempre ocupado pensando em Seus pés de lótus é muito difícil, mas é possível para grandes devotos que já sentem amor por Você e estão ocupados em serviço devocional amoroso. Meu querido Senhor, desejo que minha mente também possa estar fixa, de uma maneira ou outra, em Seus pés de lótus, ao menos por algum tempo”.

A obtenção da perfeição espiritual por parte de diferentes espiritualistas é explicada no Bhagavad-gītā, onde o Senhor diz que Ele proporciona a perfeição que o devoto deseja em proporção à rendição do devoto a Ele. Os impersonalistas, yogīs e inimigos do Senhor entram na Sua refulgência transcendental, mas os personalistas que seguem os passos dos habitantes de Vṛndāvana ou seguem estritamente o caminho do serviço devocional são elevados à morada pessoal de Kṛṣṇa, Goloka Vṛndāvana, ou aos planetas Vaikuṇṭha. Tanto os impersonalistas como os personalistas ingressam no reino espiritual, o céu espiritual, mas os impersonalistas ocupam seus lugares na refulgência Brahman impessoal, ao passo que os personalistas recebem uma posição nos planetas Vaikuṇṭha ou no planeta Vṛndāvana, de acordo com seu desejo de servir o Senhor em diferentes relações.

Os Vedas personificados afirmaram que as pessoas que nasceram depois da criação deste mundo material não conseguem compreender a existência da Suprema Personalidade de Deus através da manipulação de seu conhecimento material. Exatamente como uma pessoa que nasce em uma família não pode entender a posição de seu bisavô, que viveu antes de seu nascimento, somos incapazes de compreender a Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, ou Kṛṣṇa, que existe eternamente no mundo espiritual. O capítulo oito do Bhagavad-gītā enuncia claramente que a Pessoa Suprema, que vive eternamente no reino espiritual de Deus (sanātana-dhāma), pode ser alcançado unicamente através do serviço devocional.

Quanto à criação material, Brahmā é a primeira pessoa criada. Antes de Brahmā, não havia qualquer criatura viva neste mundo material; tudo era vazio e escuro, até que Brahmā nasceu da flor de lótus que brotou do umbigo de Garbhodakaśayī Viṣṇu. Garbhodakaśayī Viṣṇu é uma expansão de Kāraṇodakaśāyī Viṣṇu, que, por Sua vez, é uma expansão de Balarāma, que é uma expansão imediata do Senhor Kṛṣṇa. Após a criação de Brahmā, as duas espécies de semideuses vieram à existência: semideuses, como os quatro irmãos Sanaka, Sanātana, Sanandana e Sanat-kumāra, que são os representantes da renúncia no mundo; e semideuses como Marīci e seus descendentes, que se destinam a desfrutar deste mundo material. A partir desses dois tipos de semideuses, manifestaram-se todas as outras espécies de entidades vivas, incluindo os seres humanos. Portanto, todas as criaturas vivas dentro deste mundo material, incluindo Brahmā, todos os semideuses e todos os rākṣasas, devem ser consideradas recentes. Isso significa que todas nasceram recentemente. Exatamente como uma pessoa que tenha nascido há pouco tempo em uma família não pode entender a situação de seus antepassados distantes, ninguém neste mundo material é capaz de compreender a posição do Senhor Supremo no mundo espiritual, porque o mundo material foi criado apenas recentemente. Embora existam há muito tempo, todas as manifestações do mundo material – a saber, o elemento tempo, as entidades vivas, os Vedas e os elementos materiais grosseiros e sutis – são criados em algum ponto. Logo, algo manufaturado dentro desta situação criada ou aceito como um meio para compreensão da fonte original da criação deve ser considerado recente.

Por essa razão, através do processo de autorrealização ou realização de Deus por meio de atividades fruitivas, especulação filosófica ou yoga místico, não se pode de fato aproximar-se da fonte suprema de tudo. Quando a criação estiver completamente aniquilada, quando não existirem os Vedas, nem o tempo material nem os elementos materiais grosseiros e sutis; quando todas as entidades vivas estiverem em seu estado imanifesto, repousando em Nārāyaṇa, então todos os processos criados tornam-se nulos e vazios e não podem atuar. No entanto, o serviço devocional continua eternamente no mundo espiritual. Por conseguinte, o único processo genuíno de autorrealização ou realização de Deus é o serviço devocional, e a pessoa que adota este processo realmente emprega o processo verdadeiro de realização de Deus.

Com relação a isso, Śrīla Śrīdhara Svāmī compôs um verso que transmite a ideia de que a fonte suprema de tudo, a Suprema Personalidade de Deus, é tão grande e ilimitada que não é possível para a entidade viva compreendê-lO por meio de qualquer aquisição material. Em vista disso, deve-se orar ao Senhor para ser ocupado eternamente em Seu serviço devocional de forma que, pela graça do Senhor, possa-se entender a fonte suprema da criação. A fonte suprema da criação, o Senhor Supremo, revela-Se unicamente aos devotos. No capítulo quatro do Bhagavad-gītā, o Senhor diz a Arjuna: “Meu querido Arjuna, porque você é Meu devoto e Meu amigo íntimo, revelarei a você o processo para compreender-Me”. Em outras palavras, a fonte suprema da criação, a Suprema Personalidade de Deus, não pode ser compreendida pelo nosso próprio esforço. Temos de agradá-lO com serviço devocional, em decorrência do que Ele Se revelará a nós. Então, poderemos entendê-lO até certo ponto.

Há vários tipos de filósofos que têm tentado compreender a fonte suprema através de sua especulação mental. Existem seis tipos de especuladores mentais, cujas especulações são chamadas ṣaḍ-darśana. Todos esses filósofos são impersonalistas e são conhecidos como māyāvādīs. Cada um deles tem tentado estabelecer sua opinião, embora tenham mais tarde admitido e enunciado que todas as opiniões levam à mesma meta e que toda opinião, portanto, é válida. De acordo com as orações dos Vedas personificados, contudo, nenhuma delas é válida porque seu processo de conhecimento é criado dentro do mundo material temporário. Todas elas ignoraram o ponto verdadeiro: a Suprema Personalidade de Deus, ou a Verdade Absoluta, só pode ser entendida por meio do serviço devocional.

Uma classe de filósofos, conhecida como mīmāṁsakas, representada por sábios como Jaimini, chegou à conclusão de que todos deveriam ocupar-se em atividades piedosas ou deveres prescritos, e que tais atividades conduzirão a pessoa à perfeição mais elevada. No entanto, se contradiz isso no capítulo nove do Bhagavad-gītā, onde o Senhor Kṛṣṇa afirma que, por meio de atividades piedosas, a pessoa pode se elevar aos planetas celestiais, mas, assim que o saldo de atividades piedosas é gasto, deve-se deixar o desfrute de um padrão mais elevado de prosperidade nos planetas celestiais e imediatamente descer mais uma vez para os planetas inferiores, onde a duração de vida é muito curta e onde o padrão de felicidade material é de baixo nível. As palavras exatas usadas no Bhagavad-gītā são kṣīṇe puṇye martya-lokaṁ viśanti. Logo, a conclusão dos filósofos mīmāṁsakas de que as atividades piedosas levarão a pessoa à Verdade Absoluta não é válida. Embora um devoto puro seja naturalmente inclinado a realizar atividades piedosas, ninguém pode obter o favor da Suprema Personalidade de Deus unicamente através de atividades piedosas. As atividades piedosas podem purificar a pessoa da contaminação causada pela ignorância e paixão, mas essa purificação é automaticamente obtida pelo devoto que esteja constantemente ocupado em ouvir a mensagem transcendental do Supremo na forma do Bhagavad-gītā, Śrīmad-Bhāgavatam ou escrituras similares. A partir do Bhagavad-gītā, compreendemos que até mesmo uma pessoa que não esteja no padrão de atividades piedosas, mas que esteja absolutamente ocupada em serviço devocional, deve ser considerada bem situada no caminho da perfeição espiritual. Também se afirma no Bhagavad-gītā que alguém ocupado em serviço devocional com amor e fé é guiado do seu interior pela Suprema Personalidade de Deus. O próprio Senhor como o Paramātmā, ou o mestre espiritual dentro do coração da pessoa, dá ao devoto informações exatas através das quais ele pode voltar ao lar, voltar ao Supremo. A conclusão dos filósofos mīmāṁsakas não é de fato a verdade que pode conduzir a pessoa à compreensão real.

De modo similar, existem os filósofos sāṅkhya – metafísicos ou cientistas materialistas que estudam a manifestação cósmica por intermédio de seus métodos científicos inventados e não reconhecem a autoridade suprema de Deus como criador da manifestação cósmica. Erroneamente, eles concluem que as reações dos elementos materiais são a causa original da criação. O Bhagavad-gītā, entretanto, não aceita essa teoria. Ali, se diz claramente que, por trás das atividades cósmicas, está a direção da Suprema Personalidade de Deus. Esse fato é corroborado pela injunção védica sad vā saumyedam agra āsīt, que significa que a origem da criação existia antes da manifestação cósmica. Portanto, os elementos materiais não podem ser a causa da criação material. Embora os elementos materiais sejam aceitos como causas imediatas, a causa última é a própria Suprema Personalidade de Deus. O Bhagavad-gītā afirma, desse modo, que a natureza material age sob a direção de Kṛṣṇa.

A conclusão da filosofia ateísta sāṅkhya é que, como os efeitos – os fenômenos deste mundo material – são temporários ou ilusórios, a causa é, portanto, também ilusória. Os filósofos sāṅkhya são a favor do vazio, mas o fato verdadeiro é que a causa original é a Suprema Personalidade de Deus e que a manifestação cósmica é a manifestação temporária de Sua energia. Quando esta manifestação temporária é aniquilada, sua causa, a existência eterna do mundo espiritual, continua como ela é. Por isso, o mundo espiritual é chamado sanātana-dhāma, a morada eterna. A conclusão dos filósofos sāṅkhya é, destarte, inválida.

Em seguida, temos os filósofos liderados por Gautama e Kaṇāda. Eles estudaram minuciosamente a causa e o efeito dos elementos materiais e, em última análise, chegaram à conclusão de que a combinação atômica é a causa original da criação. No presente, os cientistas seguem os passos de Gautama e Kaṇāda, que propuseram a teoria denominada paramāṇuvāda. Essa teoria, entretanto, não tem fundamento, pois os átomos inertes não são a causa original de tudo. Isso é confirmado no Bhagavad-gītā e no Śrīmad-Bhāgavatam, bem como nos Vedas, onde está enunciado que, eko nārāyaṇa āsīt: “Apenas Nārāyaṇa existia antes da criação”. O Śrīmad-Bhāgavatam e o Vedānta-sūtra também afirmam que a causa original é indireta e diretamente consciente de tudo dentro desta criação. No Bhagavad-gītā, Kṛṣṇa diz, ahaṁ sarvasya prabhavaḥ: “Eu sou a causa original de tudo”, e mattaḥ sarvaṁ pravartate: “De Mim, tudo tem sua existência”. Logo, os átomos podem formar as combinações básicas da existência material, mas esses átomos são gerados a partir da Suprema Personalidade de Deus. Assim, não se pode apoiar a filosofia de Gautama e Kaṇāda.

De igual modo, os impersonalistas encabeçados por Aṣṭāvakra e, posteriormente, por Śaṅkarācārya, aceitam a refulgência Brahman impessoal como a causa de tudo. De acordo com essa teoria, a manifestação material é temporária e irreal, ao passo que a refulgência Brahman impessoal é a realidade. Não obstante, essa teoria também não pode ser aceita, porque o próprio Senhor diz no Bhagavad-gītā que a refulgência Brahman repousa em Sua personalidade. É confirmado na Brahma-saṁhitā que a refulgência Brahman são os raios do corpo pessoal de Kṛṣṇa. Como tal, o Brahman impessoal não pode ser a causa original da manifestação cósmica. A causa original é a todo-perfeita e consciente Personalidade de Deus, Govinda.

A teoria mais perigosa dos impersonalistas é a de que, quando Deus vem como uma encarnação, Ele aceita um corpo material criado pelos três modos da natureza material. Essa teoria māyāvāda foi condenada pelo Senhor Caitanya como a mais ofensiva. Ele disse que aquele que aceita o corpo transcendental da Personalidade de Deus como sendo constituído da natureza material comete a maior ofensa aos pés de lótus de Viṣṇu. Da mesma forma, o Bhagavad-gītā também afirma que, quando a Personalidade de Deus desce na forma humana, apenas os tolos e patifes O desprezam. Isso realmente ocorreu quando o Senhor Kṛṣṇa, o Senhor Rāma e o Senhor Caitanya atuaram na sociedade humana como seres humanos.

Os Vedas personificados condenam a concepção impessoal como um erro grosseiro de interpretação. Na Brahma-saṁhitā, o corpo da Suprema Personalidade de Deus é descrito como ānanda-cinmaya-rasa. A Suprema Personalidade de Deus possui um corpo espiritual, não um corpo material. Ele pode desfrutar de tudo através de qualquer parte de Seu corpo e, portanto, Ele é onipotente. Os membros de um corpo material podem realizar apenas uma função específica: por exemplo, as mãos podem segurar, mas não podem ver ou ouvir. Contudo, porque o corpo da Suprema Personalidade de Deus é feito de ānanda-cinmaya-rasa e, portanto, é sac-cid-ānanda-vigraha, Ele pode desfrutar e fazer qualquer coisa com qualquer um dos Seus membros. A aceitação do corpo espiritual do Senhor como material é motivada pela tendência de considerar a Suprema Personalidade de Deus igual à alma condicionada. A alma condicionada tem um corpo material. Em vista disso, se Deus também tem um corpo material, então a teoria impersonalista de que a Suprema Personalidade de Deus e as entidades vivas são uma e a mesma coisa pode ser muito facilmente propagada.

Na verdade, quando a Suprema Personalidade de Deus vem, Ele exibe um corpo não material e, assim, não há diferença entre Seu corpo infantil, quando Ele está deitado no colo de Sua mãe Yaśodā, e Seu assim chamado corpo adulto, quando Ele luta com os demônios. Em Sua infância, Ele também lutou com demônios como Pūtanā, Tṛnāvarta e Aghāsura, com força igual àquela que Ele empregou para combater em Sua juventude demônios como Dantavakra e Śiśupāla. Na vida material, assim que uma alma condicionada muda de corpo, ela esquece tudo de seu corpo anterior, mas, a partir do Bhagavad-gītā, compreendemos que, porque Kṛṣṇa tem um corpo sac-cid-ānanda, Ele não Se esqueceu de ter instruído o deus do Sol acerca do Bhagavad-gītā há milhões de anos, por exemplo. Por causa disso, o Senhor é conhecido como Puruṣottama, porque Ele é transcendental tanto à existência material como à espiritual. Por ser a causa de todas as causas, isso significa que Ele é a causa do mundo espiritual e do mundo material. A Suprema Personalidade de Deus é onipresente e onisciente. Portanto, visto que um corpo material não pode ser nem onipotente nem onisciente, o corpo do Senhor certamente não é material. A teoria māyāvāda de que a Personalidade de Deus desce a este mundo material com um corpo material não pode ser apoiada de forma alguma.

Pode-se concluir que todas as teorias dos filósofos materialistas são geradas a partir da existência temporária e ilusória, como as conclusões em um sonho. Essas conclusões certamente não podem nos conduzir à Verdade Absoluta. A Verdade Absoluta pode ser realizada unicamente através do serviço devocional. Como o Senhor afirma no Bhagavad-gītā, bhaktyā mām abhijānāti: “Apenas por meio do serviço devocional, alguém pode compreender-Me”. Śrīla Śrīdhara Svāmi compôs um belo verso com relação a isso, que diz: “Meu querido Senhor, que outros se ocupem em argumentos falsos e especulação árida, teorizando sobre grandes teses filosóficas. Que eles vaguem na escuridão da ignorância e da ilusão, desfrutando falsamente como eruditos, embora não tenham conhecimento da Suprema Personalidade de Deus. Quanto a mim, desejo ser liberto apenas cantando os santos nomes da completamente bela Suprema Personalidade de Deus – Mādhava, Vāmana, Trinayana, Saṅkarṣana, Śrīpati e Govinda. Que eu me livre da contaminação desta existência material apenas por cantar Seus nomes transcendentais, ó Senhor Madhupati”.

Desta forma, os Vedas personificados disseram: “Querido Senhor, quando uma entidade viva, por Sua graça apenas, chega à correta conclusão sobre Sua elevada posição transcendental, ela não mais se preocupa com as diferentes teorias criadas por especuladores ou supostos filósofos”. Isso é uma alusão às teorias especulativas de Gautama, Kaṇāda, Patañjali e Kapila (nirīśvara). Existem, de fato, dois Kapilas: um Kapila, o filho de Kardama Muni, que é uma encarnação de Deus, e o outro é um ateísta da era moderna. O Kapila ateu é frequentemente confundido com a Suprema Personalidade de Deus. O Senhor Kapila, a encarnação do Supremo, apareceu como filho de Kardama Muni há muitíssimo tempo, durante a época de Svāyambhuva Manu; a era moderna é a era de Vaivasvata Manu.

De acordo com a filosofia māyāvāda, este mundo manifestado, ou mundo material, é mithyā ou māyā, falso. O princípio de pregação māyāvāda é brahma satyaṁ jagan mithyā: “Apenas a refulgência Brahman é verdadeira, e a manifestação cósmica é ilusória ou falsa”. No entanto, de acordo com a filosofia vaiṣṇava, a manifestação cósmica é real porque ela é criada pela Suprema Personalidade de Deus. No Bhagavad-gītā, o Senhor afirma que Ele entra neste mundo material através de uma de Suas porções plenárias, em consequência do que a criação acontece. Igualmente, a partir dos Vedas, compreendemos que esta manifestação cósmica asat, ou temporária, é uma emanação do sat supremo, ou verdade. Visto que a Suprema Personalidade de Deus entrou nesta manifestação cósmica na forma de Sua expansão plenária e executou a criação, os filósofos vaiṣṇavas veem tudo neste mundo material em relação com o Senhor Supremo.

Essa concepção do mundo material é muito elaboradamente explicada por Śrīla Rūpa Gosvāmī, que afirma que, quando as pessoas renunciam ao mundo material como ilusório ou falso, sem saber que o mundo material é uma manifestação do Senhor Supremo, sua renúncia não tem valor. Os vaiṣṇavas, entretanto, estão livres de apego a este mundo porque, embora o mundo material seja geralmente aceito como um objeto para a satisfação dos sentidos, os vaiṣṇavas não são a favor do desfrute sensorial e, assim, não se apegam às atividades materiais. O vaiṣṇava aceita este mundo material de acordo com os princípios reguladores das injunções védicas e trabalha sem apego. Visto que a Suprema Personalidade de Deus é a causa original de tudo, o vaiṣṇava vê tudo em relação com Kṛṣṇa, mesmo neste mundo material. Por intermédio desse conhecimento avançado, tudo se espiritualiza. Em outras palavras, tudo no mundo material já é espiritual, mas, devido à nossa falta de conhecimento, vemos as coisas como materiais.

Os Vedas personificados citaram o exemplo de que quem procura ouro não rejeita brincos de ouro, braceletes de ouro ou qualquer outra coisa de ouro só por estarem em formas diferentes do ouro original. Todas as entidades vivas são partes integrantes do Senhor Supremo e são qualitativamente iguais, porém elas agora possuem diferentes formas nas oito milhões e quatrocentos mil espécies de vida, exatamente como diversos ornamentos manufaturados a partir da mesma fonte de ouro. Assim como alguém que está interessado em ouro aceita todos os diferentes adornos de ouro, um vaiṣṇava sabe bem que todas as entidades vivas são da mesma qualidade da Suprema Personalidade de Deus e as aceita todas como servas eternas de Deus. Portanto, como um vaiṣṇava, a pessoa tem amplas oportunidades de servir à Suprema Personalidade de Deus simplesmente resgatando essas entidades vivas condicionadas e desviadas, treinando-as em consciência de Kṛṣṇa e dirigindo-as de volta ao lar, de volta ao Supremo. O fato é que as mentes das entidades vivas estão agitadas pelos três modos da natureza material, e as entidades vivas estão, assim, transmigrando, como se em um sonho, de um corpo a outro. Não obstante, quando sua consciência é transformada em consciência de Kṛṣṇa, elas imediatamente fixam Kṛṣṇa em seus corações, e, dessa forma, seu caminho em direção à libertação fica desimpedido.

Em todos os Vedas, a Suprema Personalidade de Deus e as entidades vivas são definidas como da mesma qualidade – caitanya, ou espiritual. Isso é confirmado no Padma Pūraṇa, onde é enunciado que há dois tipos de entidades espirituais: uma é chamada jīva, e a outra é conhecida como o Senhor Supremo. Desde o senhor Brahmā até a formiga, todas as entidades vivas são jīvas, ao passo que o Senhor é o Supremo Viṣṇu de quatro braços, ou Janārdana. Estritamente falando, a palavra ātmā pode ser aplicada unicamente à Suprema Personalidade de Deus, mas, porque as entidades vivas são Suas partes integrantes, a palavra ātmā, algumas vezes, também lhes é aplicada. Por conseguinte, as entidades vivas são chamadas jīvātmā, e o Senhor Supremo é chamado Paramātmā. Tanto Paramātmā como o jīvātmā estão dentro deste mundo material, e, assim, este mundo material tem um propósito distinto da satisfação dos sentidos. A concepção de uma vida para o desfrute sensorial é ilusão, mas a concepção de serviço prestado pelo jīvātmā a Paramātmā, mesmo neste mundo material, não é de forma alguma ilusão. Uma pessoa consciente de Kṛṣṇa é completamente ciente desse fato e, como resultado, ela não aceita este mundo material como falso, porém age na realidade do serviço transcendental. Logo, o devoto vê tudo neste mundo material como uma oportunidade para servir o Senhor. Ele não rejeita coisa alguma como material, mas canaliza tudo ao serviço do Senhor. Em vista disso, um devoto está sempre na posição transcendental, e tudo o que ele utiliza se purifica espiritualmente por ser usado no serviço ao Senhor.

Śrīdhara Svāmī compôs um belo verso a respeito disso: “Eu adoro a Suprema Personalidade de Deus, que sempre Se manifesta como realidade, mesmo neste mundo material, que é considerado como falso por alguns”. A concepção de falsidade deste mundo material se deve à falta de conhecimento, mas uma pessoa avançada em consciência de Kṛṣṇa vê a Suprema Personalidade de Deus em tudo. Essa é a compreensão verdadeira do aforismo védico, sarvaṁ khalv idaṁ brahma: “Tudo é Brahman”.

Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, os homens menos inteligentes adotam outros caminhos de autorrealização, mas a verdade é que não há chance de se purificar da contaminação material ou interromper o ciclo repetitivo de nascimento e morte a menos que a pessoa seja um devoto inteiramente puro. Querido Senhor, tudo repousa em Suas diferentes potências, e todos se sustentam em Você, como enunciado nos Vedas: eko bahūnāṁ yo vidadhāti kāmān. Portanto, Sua Onipotência é o sustentador e mantenedor de todas as entidades vivas – semideuses, seres humanos e animais. Todos são sustentados por Você, que também está em seus corações. Em outras palavras, Você é a raiz de toda a criação. Logo, aqueles que se ocupam em Seu serviço devocional sem desvio, que sempre O adoram, realmente regam a raiz da árvore universal. Desse modo, por meio do serviço devocional, a pessoa satisfaz não apenas a Personalidade de Deus, mas também todos os demais, porque todos são mantidos por Ele. Visto que o devoto compreende o aspecto onipresente da Suprema Personalidade de Deus, ele é o mais prático filantropo e altruísta. Tais devotos puros, completamente ocupados em consciência de Kṛṣṇa, sobrepujam muito facilmente o ciclo de nascimentos e mortes e pulam por cima da cabeça da morte”.

Um devoto nunca teme a morte ou a mudança do corpo; sua consciência é transformada em consciência de Kṛṣṇa e, mesmo se ele não voltar ao Supremo, mesmo se ele transmigrar para outro corpo material, ele nada tem a temer. Um exemplo vívido é Bharata Mahārāja. Muito embora, em uma vida subsequente, ele tivesse se tornado um veado, ele, na vida seguinte, se libertou completamente de toda a contaminação material e se elevou ao reino de Deus. O Bhagavad-gītā afirma, portanto, que um devoto nunca perece. O caminho do devoto ao reino espiritual, de volta ao Supremo, está garantido. Mesmo que o devoto possa ter algum deslize em certo nascimento, a manutenção em consciência de Kṛṣṇa eleva-o cada vez mais, até que ele volte ao Supremo. O devoto puro purifica não apenas sua própria existência, mas também quem quer que se torne seu discípulo, que, então, se qualifica para entrar no reino de Deus sem dificuldade. Em outras palavras, o devoto puro é capaz não apenas de superar a morte, como também, por meio de sua graça, fazer com que seus seguidores a superem sem dificuldade. O poder do serviço devocional é tão grande que um devoto puro pode energizar outra pessoa com sua instrução transcendental, dando-lhe condições para cruzar o oceano de necedade.

As instruções de um devoto puro ao seu discípulo são também muito simples. Ninguém sente qualquer dificuldade em seguir os passos de um devoto puro do Senhor. Qualquer pessoa que siga os passos de devotos reconhecidos, tais como o senhor Brahmā, o senhor Śiva, os Kumāras, Prahlāda, o rei Janaka, Śukadeva Gosvāmī e Yamarāja, bem como seus seguidores na sucessão discipular, encontra aberta muito facilmente a porta da libertação. Por outro lado, aqueles que não são devotos, mas estão ocupados em processos incertos de autorrealização, tais como jñāna, yoga e karma, ainda estão contaminados. Tais pessoas contaminadas, embora aparentem avanço em autorrealização, não podem nem mesmo libertar a si mesmas, o que dizer daqueles que as seguem. Esses não devotos são comparados a animais acorrentados, pois eles não são capazes de ir além da jurisdição das formalidades de certo tipo de religião. No Bhagavad-gītā, eles são condenados como veda-vāda-rata. Eles não podem compreender que os Vedas lidam com atividades dos modos materiais da natureza – bondade, paixão e ignorância. Contudo, como o Senhor Kṛṣṇa advertiu Arjuna, deve-se ir além da jurisdição dos deveres prescritos nos Vedas e adotar a consciência de Kṛṣṇa, o serviço devocional. O Senhor diz no Bhagavad-gītā, nistrai-guṇyo bhavārjuna: “Meu querido Arjuna, procure ser transcendental aos rituais védicos”. Essa posição transcendental além do desempenho ritualístico védico é o serviço devocional. No Bhagavad-gītā, o Senhor afirma claramente que as pessoas ocupadas em Seu serviço devocional, sem adulteração, estão situadas no Brahman. A realização Brahman verdadeira significa consciência de Kṛṣṇa e ocupação em serviço devocional. Dessa forma, os verdadeiros devotos são brahmacārīs, porque suas atividades estão sempre em consciência de Kṛṣṇa, ou serviço devocional.

Por conseguinte, o movimento para a consciência de Kṛṣṇa faz um apelo supremo para todos os tipos de religiosos, pedindo-lhes, com grande autoridade, para unirem-se a este movimento, por meio do qual se pode aprender como amar Deus e, assim, superar todas as fórmulas e formalidades das injunções das escrituras. A pessoa que não pode superar a jurisdição dos estereotipados princípios religiosos é comparada a um animal acorrentado por seu dono. O objetivo de todas as religiões é compreender Deus e desenvolver o amor adormecido por Ele. Se a pessoa simplesmente se apega às fórmulas e formalidades religiosas, mas não está em consciência de Kṛṣṇa, ela não é apta à libertação da contaminação da existência material.

Śrīla Śrīdhara Svāmī compôs um belo verso sobre isso: “Que os outros se ocupem em severas austeridades, que os outros se joguem das colinas e caiam no chão cometendo suicídio, que os outros viajem a muitos lugares santos de peregrinação em busca da salvação ou se ocupem em estudos profundos de filosofia e literatura védica. Que os yogīs místicos se ocupem em suas meditações e que as diferentes seitas se envolvam em discussões inúteis sobre qual delas é a melhor. Não obstante, é fato que, a menos que a pessoa seja consciente de Kṛṣṇa e se ocupe em serviço devocional, e a menos que ela receba a misericórdia da Suprema Personalidade de Deus, não lhe é possível cruzar o oceano material”. Logo, uma pessoa inteligente abandona todas as ideias estereotipadas e une-se ao Movimento para a Consciência de Kṛṣṇa para lograr a libertação verdadeira.

Os Vedas personificados continuaram suas orações: “Querido Senhor, Sua característica impessoal é explicada nos Vedas. Você não tem mãos, mas pode aceitar todos os sacrifícios que Lhe são oferecidos. Você não tem pernas, mas pode caminhar mais rapidamente do que qualquer pessoa. Embora não tenha olhos, Você pode ver tudo o que se passa no passado, no presente ou no futuro. Conquanto não tenha ouvidos, Você pode ouvir tudo o que é dito. Apesar de não ter mente, Você conhece todos e suas atividades no passado, presente e futuro, a despeito do que ninguém sabe quem Você é. Você conhece todos, mas ninguém O conhece; logo, Você é o mais velho e a personalidade suprema”.

Da mesma forma, em outra parte dos Vedas, é dito: “Você não tem nada a fazer. Você é tão perfeito em Seu conhecimento e potência que tudo se manifesta unicamente devido à Sua vontade. Não existe alguém superior ou igual a Você, e todos agem como Seus servos”. Portanto, os enunciados védicos descrevem que a Verdade Absoluta não tem pernas, mãos, olhos, ouvidos ou mente e, no entanto, Ele pode agir através de Suas potências e satisfazer as necessidades de todas as entidades vivas. Como enunciado no Bhagavad-gītā, Suas mãos e pernas estão em toda parte, pois Ele é onipresente. As mãos, pernas e olhos de todas as entidades vivas estão agindo e se movendo pela direção da Superalma, que está sentada dentro do coração da entidade viva. A menos que a Superalma esteja presente, não é possível para as mãos e pernas serem ativas. A Suprema Personalidade de Deus é tão grande, independente e perfeito que, mesmo sem ter quaisquer ouvidos, pernas ou olhos, Ele não depende dos outros para agir. Por outro lado, os outros são dependentes dEle para as atividades de seus órgãos dos sentidos. A menos que a entidade viva seja inspirada e dirigida pela Superalma, ela não pode agir.

O fato é que, por fim, a Verdade Absoluta é a Pessoa Suprema. Contudo, porque Ele age através de Suas diferentes potências, que são impossíveis de serem vistas pelos materialistas grosseiros, estes O aceitam como impessoal. Por exemplo, a pessoa pode observar o trabalho artístico pessoal em uma pintura de uma flor e pode compreender que o arranjo de cores e forma exigiu a atenção minuciosa de um artista. A obra do artista está claramente exibida na pintura de diferentes flores desabrochando. No entanto, o materialista grosseiro, sem ver a mão de Deus nas manifestações artísticas, como o desabrochar de flores naturais, conclui que a Verdade Absoluta é impessoal. De fato, o Absoluto é pessoal, mas Ele é independente. Ele não precisa tomar pessoalmente um pincel e cores para pintar as flores, pois Suas potências agem tão maravilhosamente que parece que as flores vieram à existência sem a ajuda de um artista. A visão impessoal da Verdade Absoluta é aceita por pessoas menos inteligentes porque, a não ser que alguém esteja ocupado a serviço do Senhor, não lhe será possível entender como o Supremo age – não se pode conhecer nem mesmo o nome do Senhor. Tudo sobre as atividades e os aspectos pessoais do Senhor é revelado ao devoto unicamente por meio da atitude de serviço devocional amoroso.

O Bhagavad-gītā diz claramente que, bhoktāraṁ yajña-tapasām: “O Senhor é o desfrutador de todos os sacrifícios e dos resultados de todas as austeridades”. E o Senhor também afirma, sarva-loka-maheśvaram: “Eu sou o proprietário de todos os planetas”. Eis a posição da Suprema Personalidade de Deus. Enquanto Ele está presente em Goloka Vṛndāvana desfrutando prazer transcendental em companhia de Seus associados íntimos – as gopīs e os vaqueirinhos – Suas potências, em toda a criação, estão agindo sob Sua direção, sem interferir em Seus passatempos eternos.

Unicamente através do serviço devocional pode-se compreender como a Suprema Personalidade de Deus, por meio de Suas potências inconcebíveis, age de forma simultaneamente impessoal e pessoal. Ele age exatamente como o imperador supremo, e muitíssimos milhares de reis e governantes trabalham sob Seu comando. A Suprema Personalidade de Deus é a pessoa controladora, independente e suprema, e todos os semideuses, incluindo o senhor Brahmā, o senhor Śiva, Indra (o rei dos céus), o rei do planeta Lua e o rei do planeta Sol, trabalham sob a Sua direção. Os Vedas confirmam que é devido ao medo da Suprema Personalidade de Deus que o Sol brilha, o vento sopra e o fogo distribui calor. A natureza material produz todas as espécies de objetos móveis e imóveis dentro do mundo material, mas nenhum deles pode agir independentemente ou criar sem a direção do Senhor Supremo. Todos eles agem como Seus auxiliares, como reis subordinados que oferecem seus tributos anuais ao imperador.

As injunções védicas enunciam que todas as entidades vivas sobrevivem por comer os restos do alimento oferecido à Personalidade Suprema. Em grandes sacrifícios, a injunção é que Nārāyaṇa deve estar presente como a Deidade predominante suprema do sacrifício, e, depois do sacrifício ser realizado, os restos de alimento são distribuídos entre os semideuses. Isso é chamado yajña-bhāga. Cada semideus recebe seu quinhão de yajña-bhāga, que ele aceita como prasāda. A conclusão é que os semideuses não são independentemente poderosos: eles são nomeados como diferentes executores sob a ordem da Suprema Personalidade de Deus e comem prasāda, ou os restos dos sacrifícios. Eles executam as ordens do Senhor Supremo exatamente de acordo com o Seu plano. A Suprema Personalidade de Deus está nos bastidores e, porque Suas ordens são cumpridas pelos outros, parece que Ele é impessoal. Na nossa visão materialista grosseira, não podemos conceber como a Pessoa Suprema está além das atividades impessoais da natureza material. Em consequência, o Senhor explica no Bhagavad-gītā que não há nada superior a Ele, e que o Brahman impessoal está subordinadamente situado como uma manifestação de Seus raios pessoais. Śrīpāda Śrīdhara Svāmī compôs um verso sobre isso: “Permita-me oferecer minhas respeitosas reverências à Suprema Personalidade de Deus, que não possui sentidos materiais, mas através de cuja direção e vontade todos os sentidos materiais estão funcionando. Ele é a potência suprema de todos os sentidos materiais ou órgãos sensoriais. Ele é onipotente e o executor supremo de tudo. Por conseguinte, Ele é adorável por todos. A essa Pessoa Suprema, eu ofereço minhas respeitosas reverências”.

O próprio Kṛṣṇa declara no Bhagavad-gītā que, como Ele é transcendental a todos os seres conscientes e inconscientes, Ele é conhecido como Puruṣottama, que significa “Personalidade Suprema”. (Puruṣa significa “pessoa”, e uttama quer dizer “suprema”, ou “transcendental”.) Em outro trecho, o Senhor afirma que, assim como o ar está situado no céu onipenetrante, todos estão nEle, e todos agem sob Sua direção.

Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor”, eles oraram, “Você é equânime para com todos, sem parcialidade para com um tipo específico de entidade viva. É apenas devido aos seus desejos materiais que todas as entidades vivas desfrutam ou sofrem em diferentes condições de vida. Como Suas partes integrantes, elas são exatamente como partículas de fogo. Da mesma forma que centelhas dançam no fogo ardente, todas as entidades vivas estão dançando sob Sua proteção. Você está fornecendo tudo o que elas desejam. No entanto, Você não é responsável pela posição delas em desfrute ou sofrimento. Há diversos tipos de entidades vivas – semideuses, seres humanos, animais, árvores, pássaros, feras, germes, vermes, insetos e seres aquáticos – e todos desfrutam ou sofrem na vida enquanto repousam em Você”.

As entidades vivas são de dois tipos: uma classe é chamada nitya-mukta, “sempre liberta”, e a outra é chamada nitya-baddha, “sempre condicionada”. As entidades vivas nitya-mukta estão no reino espiritual, e as entidades vivas nitya-baddha estão no mundo material. No mundo espiritual, tanto as entidades vivas como o Senhor se manifestam em seu estado original, como centelhas vivas em um fogo abrasador. Contudo, no mundo material, embora o Senhor seja onipresente em Seu aspecto impessoal, as entidades vivas esqueceram sua consciência de Kṛṣṇa, em um maior ou menor grau, exatamente como as centelhas às vezes afastam-se do fogo abrasador e perdem sua condição brilhante. As centelhas caem de suas diferentes condições e retêm mais ou menos seu brilho original. Algumas centelhas caem na grama seca e, assim, dão início a um grande incêndio. Essa é uma referência aos devotos puros, os que têm compaixão das pobres entidades vivas inocentes. Os devotos puros incendeiam a consciência de Kṛṣṇa nos corações das almas condicionadas, motivo pelo qual o fogo abrasador do mundo espiritual se manifesta, mesmo neste mundo material. Algumas centelhas caem na água; elas imediatamente perdem seu brilho original e se extinguem. Essas são comparáveis às entidades vivas que nascem no meio de materialistas grosseiros, quando sua consciência de Kṛṣṇa original se extingue. Algumas centelhas caem no chão e permanecem no meio-termo entre a condição de fogo e a condição de extinção. Por conseguinte, algumas entidades vivas estão sem consciência de Kṛṣṇa, outras estão entre ter ou não ter consciência de Kṛṣṇa e algumas estão de fato em consciência de Kṛṣṇa. Os semideuses dos planetas superiores – o senhor Brahmā, Indra, Candra, o deus do Sol e vários outros semideuses – estão todos em consciência de Kṛṣṇa. A sociedade humana está entre os semideuses e os animais, em virtude do que algumas pessoas são mais ou menos conscientes de Kṛṣṇa e algumas estão completamente esquecidas da consciência de Kṛṣṇa. As entidades vivas de terceira classe, a saber, os animais, feras, vegetais, árvores e seres aquáticos esqueceram completamente a consciência de Kṛṣṇa. Esse exemplo enunciado nos Vedas sobre as centelhas de um fogo abrasador é muito apropriado para a compreensão da condição dos diferentes tipos de entidades vivas. No entanto, acima de todas as entidades vivas, está a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, ou Puruṣottama, que é sempre livre de todas as condições materiais.

Pode-se levantar a questão da razão pela qual as entidades vivas caíram, por acaso, em diversas condições de vida. Para responder essa pergunta, primeiro devemos entender que não pode haver qualquer influência do acaso sobre as entidades vivas; o acaso é para as entidades inertes. De acordo com a literatura védica, as entidades vivas têm conhecimento e, por isso, são chamadas de cetana, que significa “com conhecimento”. A situação delas em diferentes condições de vida, portanto, não é acidental – é em razão da escolha delas, porque elas têm conhecimento. No Bhagavad-gītā, o Senhor afirma: “Abandone tudo e renda-se a Mim”. Esse processo de compreender a Suprema Personalidade de Deus está aberto para todos, mas ainda é da escolha de uma determinada entidade viva aceitar ou rejeitar a proposta. Na última parte do Bhagavad-gītā, o Senhor Kṛṣṇa diz muito explicitamente a Arjuna: “Meu querido Arjuna, agora Eu já lhe falei tudo. Agora, você pode escolher aceitar ou não”. De igual modo, as entidades vivas que desceram a este mundo material fizeram sua própria opção de desfrutar este mundo material. O mundo material foi criado para o desfrute das entidades vivas que desejaram abandonar o serviço eterno do Senhor para se tornarem, elas mesmas, o desfrutador supremo. De acordo com a filosofia vaiṣṇava, quando uma entidade viva deseja ter gozo dos sentidos e esquece o serviço ao Senhor, ela recebe um lugar no mundo material para agir livremente consoante seu desejo e, dessa forma, ela cria uma condição de vida na qual ela desfruta ou sofre. Devemos saber, em definitivo, que tanto o Senhor como as entidades vivas são eternamente conscientes. Não há nascimento nem morte para o Senhor ou para as entidades vivas. Quando ocorre a criação, isso não significa que as entidades vivas sejam criadas. O Senhor cria o mundo material para proporcionar às almas condicionadas uma oportunidade para elevá-las à plataforma superior da consciência de Kṛṣṇa. Se uma alma condicionada não aproveita essa oportunidade, ela, após a dissolução deste mundo material, entra no corpo de Nārāyaṇa e permanece lá em sono profundo até o momento de outra criação.

Nesse contexto, o exemplo da estação das chuvas é bastante apropriado. As chuvas sazonais podem ser consideradas como a causa da criação porque, depois das águas das chuvas, os campos úmidos são favoráveis ao crescimento de diversos tipos de vegetação. De modo similar, assim que ocorre a criação, através do olhar do Senhor sobre a natureza material, imediatamente as entidades vivas surgem em suas distintas condições de vida, exatamente como diferentes tipos de vegetação crescem depois das chuvas. A chuva é única, mas a criação de diferentes plantas é variada. A chuva cai igualmente no campo inteiro, mas as diferentes plantas brotam em diversas formas e formatos de acordo com as suas sementes. Da mesma forma, as sementes de nossos desejos são variadas. Toda entidade viva tem um tipo específico de desejo, e aquele desejo é a semente que faz com que ela desenvolva certo tipo de corpo. Isso é explicado por Rūpa Gosvāmī por meio da palavra pāpa-bīja. Pāpa significa “pecaminoso”. Todos os nossos desejos materiais devem ser considerados pāpa-bīja, ou “sementes de desejos pecaminosos”. O Bhagavad-gītā explica que nosso desejo pecaminoso é que não nos rendemos ao Senhor Supremo. O Senhor, assim, afirma no Bhagavad-gītā: “Protegerei você das reações dos desejos pecaminosos”. Como esses desejos pecaminosos se manifestam em diferentes espécies de corpos, ninguém pode acusar o Senhor Supremo de parcialidade em dar um determinado tipo de corpo a certa espécie de entidade viva e outro tipo de corpo a outra entidade viva. Todos os corpos das oito milhões e quatrocentas mil espécies são criados de acordo com a condição mental das entidades vivas individuais. A Suprema Personalidade de Deus, Puruṣottama, apenas lhes proporciona um ensejo de agir consoante seus desejos. Portanto, as entidades vivas atuam tirando proveito da facilidade oferecida pelo Senhor.

Ao mesmo tempo, as entidades vivas nascem do corpo transcendental do Senhor. Essa relação entre o Senhor e as entidades vivas é explicada na literatura védica, onde se afirma que o Senhor Supremo mantém todos os Seus filhos dando-lhes tudo o que desejarem. De igual modo, no Bhagavad-gītā, o Senhor diz: “Eu sou o pai de todas as entidades vivas”. É muito simples compreender que o pai causa o nascimento dos filhos, mas os filhos agem de acordo com seus próprios desejos. Portanto, o pai nunca é responsável pelos diferentes futuros de seus filhos. Cada filho pode tirar proveito da propriedade e instrução do pai, mas, embora a herança e a instrução possam ser as mesmas para todos os filhos, devido aos seus diferentes desejos, cada filho cria uma vida diversa e, portanto, sofre ou desfruta.

De igual modo, as instruções do Bhagavad-gītā são iguais para todos: devemos nos render ao Senhor Supremo e Ele assumirá a responsabilidade, protegendo-nos das reações pecaminosas. As facilidades de viver na criação do Senhor são igualmente oferecidas para todas as entidades vivas. Tudo o que exista, quer na terra, quer na água, quer no céu, é igualmente distribuído para todas as entidades vivas. Visto que todas as entidades vivas são filhos do Senhor Supremo, todos podem desfrutar as facilidades materiais dadas pelo Senhor. No entanto, entidades vivas desafortunadas criam condições desfavoráveis de vida lutando entre si mesmas. A responsabilidade por essa disputa e pela criação de situações favoráveis e desfavoráveis diz respeito às entidades vivas, não à Suprema Personalidade de Deus. Por conseguinte, se as entidades vivas aproveitam-se das instruções do Senhor dadas no Bhagavad-gītā e desenvolvem consciência de Kṛṣṇa, então suas vidas se tornam sublimes e elas podem voltar ao Supremo.

Pode-se argumentar que, como este mundo material é criado pelo Senhor, Ele é responsável pelas suas condições. Por certo, Ele é indiretamente responsável pela criação e manutenção deste mundo material, mas nunca é responsável pelas diferentes condições das entidades vivas. A criação deste mundo material pelo Senhor é comparada à criação da vegetação por parte da nuvem. Na estação das chuvas, a nuvem cria distintas variedades de vegetais. Conquanto a nuvem derrame água na superfície da terra, nunca toca a terra diretamente. De modo semelhante, o Senhor cria este mundo material simplesmente através de Seu olhar sobre a energia material. Isso é confirmado nos Vedas: “Ele lança Seu olhar sobre a natureza material, em decorrência do que ocorre a criação”. No Bhagavad-gītā, também está enunciado que, simplesmente através de Seu olhar sobre a natureza material, Ele cria diferentes variedades de entidades, tanto móveis como imóveis, vivas e inertes.

A criação do mundo material pode ser considerada como um dos passatempos do Senhor. Ela é assim chamada porque Ele cria este mundo material sempre que deseja. Esse desejo da Suprema Personalidade de Deus é também Sua extrema misericórdia concedida às almas condicionadas para que tenham mais uma oportunidade de desenvolverem sua consciência original e, assim, voltarem ao Supremo. Dessa maneira, ninguém pode culpar o Senhor Supremo por criar este mundo material.

A partir do assunto em discussão, podemos ter uma compreensão clara da diferença entre os impersonalistas e os personalistas. A concepção impersonalista recomenda a fusão na existência do Supremo, e a filosofia do vazio recomenda tornar todas as variedades materiais em nulidade. Ambas as filosofias são conhecidas como māyāvādas. Certamente, a manifestação cósmica chega ao fim e torna-se nula quando as entidades vivas se fundem no corpo de Nārāyaṇa para repousarem até outra criação, mas essas condições nunca são eternas. A cessação da variedade do mundo material e a fusão das entidades vivas no corpo do Supremo não são permanentes, porque a criação ocorrerá novamente e as entidades vivas que se fundiram no corpo do Supremo sem terem desenvolvido sua consciência de Kṛṣṇa aparecerão novamente neste mundo material quando outra criação vier à existência. O Bhagavad-gītā confirma o fato de que este mundo material é criado e aniquilado perpetuamente e que as almas condicionadas, sem consciência de Kṛṣṇa, voltam repetidas vezes sempre que a criação material está manifesta. Se tais almas condicionadas aproveitam essa oportunidade e desenvolvem consciência de Kṛṣṇa sob a instrução direta do Senhor, elas são transferidas para o mundo espiritual e não precisam voltar à criação material. Afirma-se, portanto, que os niilistas e os impersonalistas não são muito inteligentes, porque eles não buscam o abrigo dos pés de lótus do Senhor. Como eles são menos inteligentes, esses niilistas e impersonalistas adotam diferentes tipos de austeridades, quer para alcançar o estágio do nirvāṇa, que implica na finalização das condições materiais de vida, quer para alcançar o estado de união, fundindo-se no corpo do Senhor. Todos eles voltam a cair porque desprezaram os pés de lótus do Senhor.

No Caitanya-caritāmṛta, o autor, Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī, depois de estudar todos os textos védicos e ouvir de todas as autoridades, deu sua opinião de que Kṛṣṇa é o único mestre supremo e que todas as entidades vivas são Seus servos eternos. Seu enunciado é confirmado pelas orações dos Vedas personificados. A conclusão, portanto, é que todos estão sob o controle da Suprema Personalidade de Deus, todos estão servindo sob a direção suprema do Senhor e todos temem a Suprema Personalidade de Deus. É devido ao temor a Ele que todas as atividades se executam corretamente. A posição de todos é subordinada ao Senhor Supremo; o Senhor, no entanto, não mostra qualquer parcialidade em Sua consideração para com as entidades vivas. Ele é exatamente como o céu ilimitado; assim como as centelhas de um fogo dançam no fogo, todas as entidades vivas são como pássaros que voam no céu ilimitado do Senhor Supremo. Algumas delas estão voando muito alto, outras estão voando não muito alto e algumas estão sobrevoando em baixa altitude. Os diferentes pássaros estão voando em diferentes posições de acordo com suas respectivas capacidades, mas o céu nada tem a ver com essa capacidade. No Bhagavad-gītā, o Senhor confirma que Ele concede posições distintas às diferentes entidades vivas de acordo com sua proporcional rendição. Essa recompensa proporcional oferecida pela Personalidade de Deus às diferentes entidades vivas não é parcialidade. Assim, apesar de as entidades vivas estarem sempre sob o controle da Suprema Personalidade de Deus em suas diferentes posições, esferas e espécies de vida, Ele nunca é responsável pelas suas diferentes condições de vida. É tolice e artificial, portanto, considerar-se igual ao Senhor Supremo, e é ainda mais tolo pensar que não se vê Deus. Todos estão vendo Deus de acordo com sua capacidade; a única diferença é que o teísta vê Deus como a Personalidade Suprema, o mais amado, Kṛṣṇa, e o ateísta vê a Verdade Absoluta como a morte derradeira.

Os Vedas personificados continuaram a orar. “Querido Senhor”, disseram eles, “a partir de toda a informação védica, compreende-se que Você é o controlador supremo, e todas as entidades vivas são controladas. Tanto o Senhor como as entidades vivas são chamadas nitya, ”eternas”, e são qualitativamente unas. A nitya singular, ou o Senhor Supremo, é o controlador, ao passo que as nityas plurais são controladas. A entidade viva individual controlada reside dentro do corpo, e o supremo controlador, como a Superalma, está presente lá também, mas a Superalma controla a alma individual. Esse é o veredito dos Vedas. Se a entidade viva não fosse controlada pela Superalma, como se poderia explicar a versão védica de que uma entidade viva transmigra de um corpo para outro, desfrutando e sofrendo os efeitos de suas ações passadas, ora sendo promovida para um padrão superior de vida, ora sendo degradada para um padrão inferior? Consequentemente, as almas condicionadas não estão apenas sob o controle do Senhor Supremo, mas também se encontram sob o controle da natureza material. Essa relação das entidades vivas com o Senhor Supremo, como as controladas e o controlador, definitivamente prova que, muito embora a Superalma seja onipresente, as entidades vivas individuais nunca são onipresentes. Se as almas individuais fossem onipresentes, não haveria razão para se considerá-las controladas. Desse modo, a teoria de que a Superalma e a alma individual são iguais é uma conclusão imperfeita. Nenhuma pessoa razoável pode aceitá-la; ao contrário, deve-se tentar compreender as diferenças entre o eterno supremo e os eternos subordinados”.

Portanto, os Vedas personificados concluíram: “Ó Senhor, Você é o eterno ilimitado (dhruva), e as entidades vivas são os eternos limitados”. A forma do eterno ilimitado é algumas vezes concebida como a forma universal, e a literatura védica, como os Upaniṣads, descreve vividamente a forma do eterno limitado. Afirma-se ali que a forma espiritual original da entidade viva é do tamanho de um milionésimo da ponta de um fio de cabelo. Também se afirma que o espírito é maior que o maior e menor que o menor. As entidades vivas individuais, que são eternamente partes integrantes de Deus, são menores que o menor. Com nossos sentidos materiais, não podemos perceber nem o Supremo, que é maior que o maior, tampouco a alma individual, que é menor que o menor. Temos de compreender tanto Ele, que é o maior que o maior, como aquele que é menor que o menor, a partir das fontes autorizadas da literatura védica. A literatura védica enuncia que a Superalma está sentada dentro do coração no corpo de toda entidade viva e é do tamanho de um polegar. Por conseguinte, o argumento pode ser proposto: como algo do tamanho de um polegar pode se acomodar no coração de uma formiga? A resposta é que essa medida do polegar para a Superalma é concebida em proporção ao corpo da entidade viva. Em nenhuma circunstância, entretanto, podem a Superalma e a entidade viva individual ser consideradas como uma, embora ambas entrem no corpo material de uma entidade viva. A Superalma vive dentro do coração para direcionar ou controlar a entidade viva individual. Apesar de ambas serem dhruva, ou eternas, a entidade viva está sempre sob a direção do Supremo.

Pode-se argumentar que, como as entidades vivas nascem da natureza material, elas são todas iguais e independentes. Na literatura védica, contudo, afirma-se que a Suprema Personalidade de Deus fertiliza a natureza material com as entidades vivas e, assim, elas surgem. Como resultado, o aparecimento das entidades vivas individuais não é, de fato, devido unicamente à natureza material, exatamente como uma criança gerada por uma mãe não é sua produção independente. Primeiro a mulher é fertilizada por um homem, após o que a criança é gerada. Desta forma, a criança gerada pela mãe é parte integrante do homem. De modo similar, as entidades vivas são aparentemente produzidas pela natureza material, mas não independentemente. É devido à fertilização da natureza material pelo pai supremo que as entidades vivas estão presentes. Portanto, o argumento de que as entidades vivas individuais não são partes integrantes do Supremo não é válido. Por exemplo, as diferentes partes do corpo não podem ser tomadas como iguais ao todo, senão que o corpo todo é o controlador dos diversos membros. Da mesma forma, as partes integrantes do todo supremo são sempre dependentes e são sempre controladas pela fonte que as originou. É confirmado no Bhagavad-gītā que as entidades vivas são partes integrantes de Kṛṣṇa: mamaivāṁśaḥ. Logo, nenhum homem em sã consciência aceitará a teoria de que a Superalma e a alma individual são da mesma categoria. Elas são iguais em qualidade, mas, quantitativamente, a Superalma é sempre o Supremo e a alma individual é sempre subordinada à Superalma. Eis a conclusão dos Vedas.

A palavra significativa usada neste contexto é yan-māyā, ou cin-māyā. Na gramática sânscrita, a palavra māyāṭ é usada no sentido de “transformação” e também no sentido de “suficiência”. Os filósofos māyāvādīs interpretam que a palavra yan-māyā, ou cin-māyā, indica que a entidade viva é sempre igual ao Supremo. Contudo, é necessário considerar se este afixo, māyāṭ, é usado como “suficiência” ou “transformação”. A entidade viva nunca possui algo exatamente na mesma proporção da Suprema Personalidade de Deus. Desse modo, este afixo māyāṭ não pode ser utilizado para indicar que a entidade viva individual seja suficiente. A entidade viva individual nunca possui conhecimento suficiente; caso contrário, como poderíamos estar sob o controle de māyā, ou a energia material? Então, o vocábulo “suficiente” pode ser aceito apenas em proporção à magnitude da entidade viva. A igualdade espiritual do Senhor Supremo e das entidades vivas nunca deve ser aceita como homogênea. Cada entidade viva é individual. Caso se aceite a igualdade homogênea, então, com a libertação de uma alma individual, todas as outras almas individuais seriam imediatamente libertas. Entretanto, o fato é que cada alma individual está diferentemente desfrutando ou sofrendo no mundo material.

Como mencionado acima, a palavra māyāṭ é também usada no sentido de “transformação”; algumas vezes, ela é também usada para indicar “subproduto”. A teoria impersonalista é que o próprio Brahman aceitou diferentes tipos de corpos e que isso é Sua līlā, ou passatempo. Não obstante, existem muitas centenas e milhares de espécies de vida em diversos padrões de condições de vida, tais como seres humanos, semideuses, animais, pássaros e feras, e, se todas elas fossem expansões plenárias da Suprema Verdade Absoluta, não haveria a questão da libertação, porque o Brahman já seria liberto. Outra interpretação apresentada pelos māyāvādīs é que, a cada milênio, diferentes tipos de corpos são manifestados e, quando o milênio termina, todos os distintos corpos, ou expansões de Brahman, tornam-se automaticamente um só, finalizando com todas as diversas manifestações. Assim, no milênio seguinte, de acordo com essa teoria, o Brahman novamente se expande em diferentes formas corporais. Se aceitarmos essa teoria, o Brahman se sujeita a mudanças. No entanto, isso não pode ser aceito. A partir do Vedānta-sūtra, compreendemos que, por natureza, o Brahman é pleno de felicidade. Consequentemente, Ele não pode transformar-Se em um corpo sujeito a tantas condições dolorosas. Na verdade, as entidades vivas são partes integrantes infinitesimais do Brahman e, como tal, elas estão propensas a serem encobertas pela energia ilusória. Como explicado antes, as partículas do Brahman são como centelhas dançando alegremente no interior do fogo, mas existe a possibilidade de sua queda do fogo para a fumaça, embora a fumaça seja outra condição do fogo. Este mundo material é exatamente como a fumaça, e o mundo espiritual é como o fogo abrasador. As inumeráveis entidades vivas estão propensas a cair do mundo espiritual para o mundo material quando são influenciadas pela energia ilusória, e também é possível para a entidade viva ser liberta novamente quando cultiva o conhecimento verdadeiro e se torna completamente livre da contaminação do mundo material.

A teoria dos asuras é que as entidades vivas nascem da natureza material, ou prakṛti, no contato com o puruṣa. Essa teoria também não pode ser aceita, porque tanto a natureza material como a Suprema Personalidade de Deus existem eternamente. Nem a natureza material, nem a Suprema Personalidade de Deus pode nascer. O Senhor Supremo é conhecido como aja, ou não-nascido. De modo semelhante, a natureza material é chamada ajā. Ambos os termos, aja e ajā, significam “não-nascido”. Visto que tanto a natureza material como o Senhor Supremo são destituídos de nascimento, não é possível que eles gerem as entidades vivas. Entretanto, é aceito na literatura védica que, assim como a água em contato com o ar às vezes cria inúmeras bolhas, a combinação da natureza material e da Pessoa Suprema provoca o aparecimento das entidades vivas dentro deste mundo material. Como as bolhas na água surgem em diferentes formatos, as entidades vivas também aparecem em diferentes formas e condições, influenciadas pelos modos da natureza material. Desta forma, não é impróprio concluir que as entidades vivas que estão aparecendo dentro deste mundo material em diferentes formas, como seres humanos, semideuses, animais, pássaros e feras, obtêm seus respectivos corpos devido aos seus diversos desejos. Ninguém pode dizer quando tais desejos despertaram nelas, razão pela qual se diz, anādi-karma: a causa de tal existência material não pode ser identificada. Ninguém sabe quando a vida material começou, mas é fato que ela realmente teve um início, porque, originalmente, cada entidade viva é uma centelha espiritual. Assim como uma centelha que cai no chão tem um começo, a chegada de uma entidade viva a este mundo material tem um início, mas ninguém pode dizer quando. Embora durante o período da dissolução todas as entidades vivas condicionadas permaneçam fundidas na existência espiritual do Senhor, como em um sono profundo, seus desejos originais de dominarem a natureza material não são extintos. Novamente, quando há uma manifestação cósmica, elas surgem para satisfazerem seus desejos e, portanto, aparecem em diferentes espécies de vida.

As entidades vivas imersas no Supremo no momento da dissolução são comparadas ao mel. Na colmeia, os sabores de diferentes flores são conservados. Quando se prova o mel, não se pode distinguir que tipo de mel foi coletado de qual tipo de flor. O sabor do mel sugere que ele não é homogêneo, porém uma combinação de diferentes sabores. Outro exemplo é que, embora diferentes rios, por fim, se misturem com a água do mar, isso não significa que as identidades individuais dos rios sejam perdidas assim. Conquanto as águas dos rios Ganges e Yamunā se misturem com a água do mar, o rio Ganges e o rio Yamunā ainda continuam a existir independentemente. A fusão de diferentes entidades vivas no Brahman, na ocasião da dissolução, inclui a dissolução de inumeráveis tipos de corpos, mas as entidades vivas, juntamente com seus diferentes pendores, permanecem individualmente submersas no Brahman até outra manifestação do mundo material. O sabor salgado da água do mar e o sabor doce da água do Ganges são diferentes, e essa diferença existirá para sempre. Da mesma forma, a diferença entre o Senhor Supremo e as entidades vivas continua a existir eternamente, muito embora, na ocasião da dissolução, elas pareçam se fundir. Logo, a conclusão é que, mesmo quando as entidades vivas se libertam de toda a contaminação das condições materiais e se fundem no reino espiritual, seus sabores individuais em relação ao Senhor Supremo continuam a existir.

Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, nossa conclusão é que todas as entidades vivas são atraídas por Sua energia material, e é unicamente devido à sua identificação errônea como produtos da energia material que elas estão transmigrando de um tipo de corpo para outro sem se lembrarem de sua eterna relação com Você. Por causa da ignorância, essas entidades vivas identificam-se incorretamente com as diferentes espécies de vida e, especialmente quando elevadas à forma humana de vida, elas se identificam com uma classe particular de homem, ou uma nação particular ou raça ou suposta religião, esquecendo sua real identidade como servas eternas de Sua Onipotência. Devido a essa falsa concepção de vida, elas são submetidas a repetidos nascimentos e mortes. Após muitos milhões deles, se a pessoa desenvolve bastante inteligência por meio da associação com os devotos puros, ela chega à compreensão da consciência de Kṛṣṇa e sai da jurisdição da errônea concepção material”.

No Caitanya-caritāmṛta, é confirmado pelo Senhor Caitanya que as entidades vivas estão vagando dentro deste universo em diferentes espécies de vida, mas que, se uma delas se torna bastante inteligente, pela misericórdia do mestre espiritual e da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, ela começa, então, sua vida devocional em consciência de Kṛṣṇa. Afirma-se que, hariṁ vinā na mṛtiṁ taranti: sem a ajuda da Suprema Personalidade de Deus não é possível livrar-se das garras de repetidos nascimentos e mortes. Em outras palavras, apenas o Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, pode libertar as almas condicionadas do ciclo de repetidos nascimentos e mortes.

Os Vedas personificados continuaram a orar: “A influência do tempo – passado, presente e futuro – e as misérias materiais, tais como calor e frio excessivos, nascimento, morte, envelhecimento e doença são todos movimentos de Suas sobrancelhas simplesmente. Tudo funciona sob Sua direção”. O Bhagavad-gītā afirma que toda atividade material está ocorrendo sob a direção da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Os Vedas continuaram: “Todas as condições da existência material são elementos perturbadores para aqueles que não são rendidos a Você. Não obstante, para aqueles que estão em plena consciência de Kṛṣṇa, essas coisas não podem ser uma fonte de temor”. Quando o Senhor Nṛsiṁhadeva apareceu, Prahlāda Mahārāja nunca teve medo dEle, ao passo que seu pai ateu enfrentou imediatamente a morte personificada e foi aniquilado. Portanto, embora o Senhor Nṛsiṁhadeva apareça como a morte para um ateu como Hiraṇyakaśipu, Ele é sempre bondoso e é o reservatório de todo prazer para devotos como Prahlāda. Assim, um devoto puro nunca teme nascimento, morte, envelhecimento ou doença.

Śrīpāda Śrīdhara Svāmī compôs um belo verso, cujo significado é: “Meu querido Senhor, sou uma entidade viva perpetuamente perturbada pelas condições da existência material. Fui quebrado em pedaços pela roda esmagadora da existência material e, por causa das minhas inúmeras atividades pecaminosas, enquanto existo neste mundo material, estou queimando no fogo abrasador das reações materiais. De uma forma ou outra, meu querido Senhor, refugiei-me aos Seus pés de lótus. Por favor, aceite-me e conceda-me proteção”. Śrīla Narottama Dāsa Thākura também ora desta forma: “Meu querido Senhor, ó filho de Nanda Mahārāja, associado à filha de Vṛṣabhānu, busquei abrigo aos Seus pés de lótus após sofrer enormemente nesta condição material de vida, e oro para que Você, por obséquio, seja misericordioso comigo. Por favor, não me chute, pois não tenho qualquer outro abrigo além de Você”.

A conclusão é que qualquer processo de autorrealização ou realização de Deus diferente de bhakti-yoga, ou serviço devocional, é extremamente difícil. Portanto, o abrigo no serviço devocional ao Senhor, em plena consciência de Kṛṣṇa, é o único caminho para se livrar da contaminação da vida material condicionada, especialmente nesta era. Aqueles que não estão em consciência de Kṛṣṇa estão simplesmente desperdiçando seu tempo e não têm prova tangível da vida espiritual.

O Senhor Rāmacandra diz: “Eu sempre dou confiança e segurança a qualquer pessoa que se renda a Mim e decida definitivamente ser Meu servo eterno, pois essa é Minha inclinação natural”. De modo semelhante, o Senhor Kṛṣṇa afirma no Bhagavad-gītā: “A influência da natureza material é insuperável, mas qualquer um que se renda a Mim pode facilmente superar a influência da natureza material”. Os devotos não estão de forma alguma interessados em discutir com os não devotos com o propósito de derrubar suas teorias. Ao invés de desperdiçar tempo, eles estão sempre ocupados em serviço transcendental amoroso ao Senhor em plena consciência de Kṛṣṇa.

Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, embora grandes yogīs místicos possam ter total controle sobre o elefante da mente e o furacão dos sentidos, a menos que se refugiem em um mestre espiritual genuíno, cairão vítimas da influência material e nunca serão bem-sucedidos em suas tentativas de autorrealização. Tais pessoas desviadas são comparadas a mercadores que vão ao mar em um navio sem capitão”. Portanto, por meio das próprias tentativas, a pessoa não pode livrar-se das garras da natureza material. Deve-se aceitar um mestre espiritual genuíno e trabalhar de acordo com sua direção. Desse modo, é possível cruzar a necedade das condições materiais. Śrīpāda Srīdhara Svāmī compôs um excelente verso sobre isso, no qual ele diz: “Ó mestre espiritual todo-misericordioso, representante da Suprema Personalidade de Deus, quando minha mente estiver completamente rendida a seus pés de lótus, nesse momento, unicamente por sua misericórdia, serei capaz de obter alívio dos obstáculos que se opõem à vida espiritual e estarei situado na vida bem-aventurada”.

De fato, samādhi extático, ou absorção na Suprema Personalidade de Deus, pode ser alcançado pela ocupação constante em Seu serviço, e esse constante envolvimento em serviço devocional pode ser realizado apenas quando a pessoa trabalha sob a direção de um mestre espiritual autêntico. Logo, os Vedas instruem que, para se conhecer a ciência do serviço devocional, a pessoa deve se submeter a um mestre espiritual genuíno. O mestre espiritual fidedigno é aquele que conhece a ciência do serviço devocional na sucessão discipular. Essa sucessão discipular é chamada śrotriya. O sintoma principal de alguém que se tornou um mestre espiritual em sucessão discipular é que ele está cem por cento fixo em bhakti-yoga. Às vezes, as pessoas relutam em aceitar um mestre espiritual e ocupam-se em autorrealização através da prática do yoga místico, mas há vários casos de fracasso, mesmo de grandes yogīs como Viśvāmitra. Arjuna disse no Bhagavad-gītā que o controle da mente é tão impraticável quanto parar o sopro de um furacão. Certas vezes, a mente é comparada a um elefante louco. Sem seguir a direção de um mestre espiritual, não se pode controlar a mente ou os sentidos. Em outras palavras, se a pessoa pratica o yoga místico e não aceita um mestre espiritual genuíno, ela certamente fracassa e desperdiça seu precioso tempo. A injunção védica é que ninguém pode ter pleno conhecimento sem estar sob a orientação de um ācārya. Ācāryavān puruṣo veda: aquele que aceitou um ācārya conhece as coisas como elas são. A Verdade Absoluta não pode ser compreendida por argumentos. Aquele que alcançou o estágio bramânico perfeito renuncia naturalmente; ele não luta por ganho material porque, devido ao conhecimento espiritual, ele concluiu que, neste mundo material, não há insuficiência. Tudo é suficientemente provido pela Suprema Personalidade de Deus. Um brāhmaṇa verdadeiro, desse modo, não se esforça pela perfeição material; ao contrário, ele se aproxima de um mestre espiritual autêntico para aceitar suas ordens. A qualificação de um mestre espiritual é que ele é brahma-niṣṭha, o que significa que ele abandonou todas as outras atividades e decidiu dedicar sua vida a trabalhar apenas para a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Quando um discípulo fidedigno se aproxima de um mestre espiritual autêntico, ele ora submissamente ao mestre espiritual: “Meu querido senhor, por obséquio, me aceite como seu discípulo e treine-me de tal forma que eu seja capaz de abandonar todos os outros processos de autorrealização e simplesmente me ocupe em consciência de Kṛṣṇa, serviço devocional”.

O devoto ocupado sob a direção do mestre espiritual em serviço devocional amoroso ao Senhor faz a seguinte argumentação: “Meu querido Senhor, Você é o reservatório de prazer. Uma vez que Você esteja presente, qual é a importância do prazer transitório derivado de sociedade, amizade e amor? As pessoas que não estão cientes do reservatório supremo de prazer se ocupam falsamente em obter prazer da satisfação dos sentidos, mas isso é transitório e ilusório”. Nesse contexto, Vidyāpati, um grande devoto e poeta vaiṣṇava, afirma: “Meu querido Senhor, há, sem dúvida, um pouco de prazer no meio da sociedade, amizade e amor, embora ele seja materialmente concebido, mas tal prazer não pode satisfazer meu coração, que é como um deserto”. Em um deserto, há necessidade de um oceano de água. No entanto, se apenas uma gota d’água é derramada no deserto, qual é a utilidade dessa água? De igual modo, nossos corações materiais estão cheios de inúmeros desejos, que não podem ser satisfeitos pela sociedade, amizade ou amor materialistas. Somente quando nossos corações começam a obter prazer do reservatório supremo de prazer é que podemos encontrar satisfação. Essa satisfação transcendental é possível unicamente no serviço devocional, em plena consciência de Kṛṣṇa.

Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, Você é sac-cid-ānanda-vigraha, a forma eterna e bem-aventurada de conhecimento, e, porque as entidades vivas são partes integrantes de Sua personalidade, o estado natural de existência delas é estarem plenamente consciente de Você. Neste mundo material, qualquer pessoa que tenha desenvolvido tal consciência de Kṛṣṇa não se interessa mais pelo modo materialista de vida. Uma pessoa consciente de Kṛṣṇa perde o interesse pela vida familiar, na qual há alguma concessão para o desfrute sensorial. Em outras palavras, ela não mostra mais interesse pelo gozo dos sentidos. A perfeição da vida humana se baseia no conhecimento e na renúncia, mas é muito difícil tentar alcançar o estágio de conhecimento e renúncia durante a vida de casado. Desse modo, as pessoas conscientes de Kṛṣṇa refugiam-se na associação de devotos ou lugares santificados de peregrinação. Tais pessoas estão conscientes da relação entre a Superalma e as entidades vivas individuais e nunca estão no conceito corpóreo de vida. Como elas sempre levam Você dentro de seus corações, em plena consciência, elas se purificam de tal maneira que se torna um local santo de peregrinação todo lugar onde estejam, e a água que lava seus pés é capaz de libertar muitas pessoas pecaminosas que vagueiam por este mundo material”.

Quando o pai materialista de Prahlāda Mahārāja pediu-lhe para descrever algo muito bom que ele aprendera, ele respondeu ao seu pai: “Para uma pessoa materialista, que está sempre cheia de ansiedades devido à sua ocupação em verdades relativas e temporárias, o melhor procedimento é abandonar o poço escuro da vida familiar e ir para a floresta refugiar-se no Senhor Supremo”. Os verdadeiros devotos puros são famosos como mahātmās, ou grandes sábios, personalidades perfeitas em conhecimento. Eles sempre pensam no Senhor Supremo e em Seus pés de lótus e, dessa forma, automaticamente se libertam. Os devotos que estão sempre nessa posição são energizados pelas inconcebíveis potências do Senhor, motivo pelo qual eles mesmos tornam-se a fonte de libertação para seus seguidores e devotos. Uma pessoa consciente de Kṛṣṇa é espiritualmente energizada, e quem quer que toque ou se refugie nesse devoto puro também se torna energizado com potências espirituais. Tais devotos nunca são orgulhosos devido às opulências materiais. De modo geral, considera-se como opulências materiais uma boa ascendência, educação, beleza e riquezas. No entanto, um devoto do Senhor nunca se desvia pelo orgulho de possuir tais distinções, mesmo que porventura tenha todas as quatro dessas opulências materiais. Os grandes devotos do Senhor viajam por todo o mundo, de um lugar de peregrinação a outro, e, em sua jornada, eles encontram muitas almas condicionadas e as libertam através de sua associação e distribuição de conhecimento transcendental. Eles geralmente moram em lugares como Vṛndāvana, Mathurā, Dvārakā, Jagannātha Purī e Navadvīpa, porque apenas os devotos se reúnem em tais lugares. Desse modo, eles concedem associação santa uns aos outros e assim avançam. Para que toda entidade viva possa tirar proveito da associação de pessoas conscientes de Kṛṣṇa, esses grandes devotos abrem templos e āśramas, onde os devotos de Kṛṣṇa reúnem-se. Por intermédio de tal associação, as pessoas podem se desenvolver cada vez mais em consciência de Kṛṣṇa. Tal progresso não é possível na vida doméstica comum, que é desprovida de consciência de Kṛṣṇa.

Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, há duas classes de transcendentalistas: os impersonalistas e os personalistas. A opinião dos impersonalistas é que esta manifestação material é falsa e que apenas a Verdade Absoluta é real. Por outro lado, a visão dos personalistas é que o mundo material, embora muito temporário, não é falso, mas real. Esses transcendentalistas possuem argumentos diferentes para estabelecer a validade de suas filosofias. De fato, o mundo material é simultaneamente verdadeiro e falso. É verdadeiro porque tudo é uma expansão da Suprema Verdade Absoluta, e é irreal porque a existência do mundo material é temporária: ele é criado e aniquilado. Devido a suas diferentes condições de existência, a manifestação cósmica não tem posição fixa”. Aqueles que defendem a aceitação deste mundo material como falso são geralmente conhecidos pela máxima brahma satyaṁ jagan mithyā. Eles apresentam o argumento de que tudo no mundo material é feito de matéria. Por exemplo, existem muitas coisas feitas de argila, tais como vasos, pratos e tigelas. Depois de sua destruição, esses objetos podem ser transformados em diversos outros objetos materiais, mas, em todos os casos, a sua existência como argila permanece. Um cântaro de barro, após ser quebrado, pode ser transformado em uma panela ou em um prato, mas, como prato, panela ou jarra, a própria argila continua a existir. Em vista disso, as formas de uma jarra, panela ou prato de barro são falsas, mas sua existência como argila é real. Essa é a visão dos impersonalistas. Esta manifestação cósmica é certamente produzida a partir da Verdade Absoluta, mas, como sua existência é temporária, ela é falsa; o entendimento dos impersonalistas é que a Verdade Absoluta, que está sempre presente, é a única verdade. Na opinião de outros transcendentalistas, no entanto, este mundo material também é verdadeiro, porque foi produzido pela Verdade Absoluta. Os impersonalistas argumentam que isso não é um fato, pois ora se observa que a matéria é produzida a partir da alma espiritual, ora a alma espiritual é produzida da matéria. Tais filósofos propõem a argumentação de que, embora o esterco de vaca seja uma matéria morta, surgem escorpiões do esterco de vaca, em algumas ocasiões. De igual modo, a matéria morta, como unhas e cabelos, surge do corpo vivo. Portanto, as coisas geradas de alguma outra coisa nem sempre são da mesma qualidade dessa primeira. À luz dessa argumentação, os filósofos māyāvādīs estabelecem que, embora esta manifestação cósmica seja certamente uma emanação da Verdade Absoluta, ela não contém necessariamente a verdade. De acordo com essa visão, a Verdade Absoluta, o Brahman, deve ser aceito como verdade, ao passo que a manifestação cósmica, conquanto seja um produto da Verdade Absoluta, não pode ser tomada como verdadeira.

Não obstante, a visão dos filósofos māyāvādīs é tida no Bhagavad-gītā como a visão dos asuras, ou demônios. O Senhor diz no Bhagavad-gītā, asatyam apratiṣṭhaṁ te jagad āhur aṇīśvaram/ aparaspara-sambhūtaṁ kim anyat kāma-haitukam: “A visão dos asuras sobre a manifestação cósmica é que toda a criação é falsa. Os asuras pensam que a mera interação da matéria é a fonte da criação e que não há controlador ou Deus”. Contudo, isso não é verdade. Com base no capítulo sete do Bhagavad-gītā, compreendemos que os cinco elementos grosseiros – terra, água, fogo, ar e céu – juntamente com os elementos sutis – mente, inteligência e falso ego – são as oito energias separadas do Senhor Supremo. Além dessa energia material inferior, existe a energia espiritual, representada pelas entidades vivas. As entidades vivas são aceitas como a energia superior do Senhor. Toda a manifestação cósmica é uma combinação das energias inferior e superior, e a fonte das energias é a Suprema Personalidade de Deus. A Suprema Personalidade de Deus tem muitos tipos diferentes de energias. Isso é confirmado nos Vedas: parāsya śaktir vividhaiva śrūyate: “As energias transcendentais do Senhor são variegadas”. E como essa variedade de energias emanou do Senhor Supremo, elas não podem ser falsas. O Senhor é eterno, e as energias são sempre existentes. Algumas energias são temporárias – ora manifestas, ora imanifestas – mas isso não significa que sejam falsas. Pode-se dar o exemplo de que, quando uma pessoa está com raiva, ela faz coisas que são diferentes de sua condição normal de vida. No entanto, o fato de que o estado de ira aparece e desaparece não significa que a energia da raiva seja falsa. Desse modo, o argumento dos filósofos māyāvādīs de que este mundo é falso não é aceito pelos filósofos vaiṣṇavas. O próprio Senhor confirma que a visão de que não há uma causa suprema para esta manifestação material, de que não existe Deus e de que tudo é apenas a criação da interação da matéria, é uma visão de asuras.

O filósofo māyāvādī às vezes propõe o argumento da cobra e da corda. Na escuridão da noite, uma corda enrolada é, às vezes, devido à ignorância, tomada por uma cobra. Contudo, confundir uma corda com uma serpente não significa que a serpente e a corda sejam falsas. Portanto, esse exemplo utilizado pelos māyāvādīs para ilustrar a falsidade do mundo material não é válido. Quando algo é tido como fato, mas, na realidade, não tem existência alguma, esse algo é chamado de falso. Contudo, se algo é tomado erroneamente como outra coisa, isso não significa que seja falso. Os filósofos vaiṣṇavas usam um exemplo bem apropriado, comparando este mundo material a um pote de barro. Quando vemos um pote de barro, ele não desaparece de repente e se transforma em qualquer outra coisa. Ele pode ser temporário, mas o pote de barro é colocado em uso para transportar água e continuamos a vê-lo como tal. Portanto, embora o pote de barro seja temporário e diferente da argila original, não podemos afirmar que ele é falso. Assim, devemos concluir que o pote de barro e toda a argila são reais, porque um é o produto do outro. Compreendemos a partir do Bhagavad-gītā que, depois da dissolução desta manifestação cósmica, a energia material entra na Suprema Personalidade de Deus. A Suprema Personalidade de Deus é eterna com Suas variadas energias. Como esta criação material é uma emanação dEle, não podemos dizer que esta manifestação cósmica seja o produto de algo vazio. Sempre que falamos sobre Kṛṣṇa, Ele está presente com Sua forma, qualidades, nome, séquito e parafernália. Por conseguinte, Kṛṣṇa não é impessoal. A causa original de tudo não é nem vazia, nem impessoal, mas a Pessoa Suprema. Os demônios podem dizer que este mundo material é anīśvara, sem um controlador ou Deus; tal argumento, porém, não pode ser sustentado em última análise.

O exemplo dado pelos filósofos māyāvādīs de que a matéria inanimada, como unhas e cabelos, surge de um corpo vivo não é um argumento muito convincente. As unhas e os cabelos são, sem dúvidas, inanimados, mas eles não vêm de um ser vivo animado, mas, sim, de um corpo material inanimado. De igual modo, o argumento de que escorpiões surgem do esterco de vaca, implicando que um ser vivo é gerado da matéria, é também desprovido de consistência. O escorpião que surge do esterco da vaca é certamente uma entidade viva, mas a entidade viva não é gerada do esterco. Apenas o corpo material da entidade viva é produzido a partir do esterco, ou o corpo do escorpião vem do esterco da vaca. As centelhas das entidades vivas, como compreendemos a partir do Bhagavad-gītā, são injetadas na natureza material para depois surgirem na matéria. O corpo da entidade viva em diferentes formas é suprido pela natureza material, mas a entidade viva propriamente dita é suprida pelo Senhor Supremo. O pai e a mãe fornecem o corpo necessário à entidade viva sob certas condições. A entidade viva transmigra de um corpo a outro de acordo com seus diferentes desejos, os quais, sob a forma de inteligência, mente e falso ego, acompanham-na de corpo a corpo. Por intermédio de arranjo superior, uma entidade viva é colocada no ventre de certo tipo de corpo material e, então, desenvolve um corpo similar. Portanto, a alma espiritual não é produzida da matéria; ela assume um tipo determinado de corpo sob a direção de um arranjo superior. De acordo com nossa experiência atual, este mundo material é uma combinação de matéria e espírito. O espírito está movendo a matéria. A alma espiritual (a entidade viva) e a matéria são diferentes energias do Senhor Supremo e, visto que ambas as energias são produtos do Eterno Supremo, ou da Verdade Suprema, elas são reais, e não falsas. Como a entidade viva é parte integrante do Supremo, ela existe eternamente. Desse modo, para ela não há questão de nascimento ou morte. Os supostos nascimento e morte ocorrem por causa do corpo material. A versão védica sarvaṁ khalv idaṁ brahma significa que, como ambas as energias emanaram do Brahman Supremo, tudo o que experimentamos não é diferente de Brahman.

Existem muitos argumentos sobre a existência deste mundo material, mas a conclusão filosófica vaiṣṇava é a melhor. O exemplo do pote de barro é muito adequado: a forma do pote de barro pode ser temporária, mas ela tem uma finalidade específica. A finalidade do pote de barro é carregar água de um lugar para outro. De modo semelhante, este corpo material, embora temporário, tem um uso especial. A entidade viva recebe uma oportunidade desde o começo da criação para desenvolver diferentes espécies de corpos materiais consoante à reserva de desejos que ela tenha acumulado desde tempos imemoriais. A forma humana de corpo é um ensejo especial, no qual a forma desenvolvida de consciência pode ser utilizada.

Às vezes, os filósofos māyāvādīs apresentam o seguinte argumento: se este mundo material é real, por que se aconselha aos chefes de família abandonarem sua relação com este mundo material e aceitarem sannyāsa? No entanto, a visão do filósofo vaiṣṇava sobre sannyāsa não é que, porque este mundo é falso, deva-se, portanto, abandonar as atividades materiais. O objetivo do sannyāsa vaiṣṇava é utilizar as coisas para as finalidades a que elas realmente se destinam. Śrīla Rūpa Gosvāmī forneceu aos transcendentalistas duas fórmulas para lidar com este mundo material. Quando um vaiṣṇava renuncia a forma de vida materialista e aceita sannyāsa, isso não se deve à concepção da falsidade do mundo material, senão que ele o faz a fim de se dedicar inteiramente à ocupação de todas as coisas a serviço do Senhor. Śrīla Rūpa Gosvāmī, assim, apresenta a seguinte fórmula: “Deve-se se desapegar do mundo material porque o apego material é insignificante”. Todo o mundo material, a manifestação cósmica inteira, pertence a Deus, Kṛṣṇa. Logo, tudo deve ser utilizado para Kṛṣṇa, e o devoto deve se desapegar das coisas materiais. Eis o propósito do sannyāsa vaiṣṇava. Um materialista se apega ao mundo material para a satisfação dos sentidos, mas um sannyāsī vaiṣṇava, embora não aceite nada para o desfrute sensório pessoal, conhece a arte de utilizar tudo para o serviço do Senhor. Desse modo, Śrīla Rūpa Gosvāmī criticou os sannyāsīs māyāvādīs com esta segunda fórmula: “Como os māyāvādīs não sabem que tudo tem um uso para o serviço ao Senhor, eles consideram o mundo como falso e falsamente pensam que são libertos da contaminação do mundo material”. Visto que tudo é uma expansão da energia do Senhor Supremo, as expansões são tão reais quanto o Senhor.

O fato do mundo cósmico se manifestar apenas temporariamente não significa que ele seja falso, ou que a fonte de sua manifestação seja falsa. Visto que a fonte de sua manifestação é verdadeira, a manifestação também é verdadeira, mas se deve saber como utilizá-la. O exemplo do pote de barro pode ser citado novamente: o pote de barro produzido da argila é temporário, mas, quando usado para um objetivo adequado, ele não é falso. Os filósofos vaiṣṇavas sabem como utilizar a construção temporária deste mundo material exatamente como um homem sensato sabe como utilizar a construção temporária do pote de barro. Quando o pote de barro é usado para um objetivo errado, isso é falso. De modo semelhante, ao usar o corpo humano ou este mundo material para a satisfação dos sentidos, cria-se um conceito falso. Não obstante, se este corpo humano e a criação material forem utilizados para o serviço do Senhor Supremo, suas atividades nunca serão falsas. Portanto, o Bhagavad-gītā confirma que mesmo o ligeiro uso deste corpo e do mundo material para o serviço do Senhor pode libertar a pessoa do maior perigo. Quando adequadamente utilizadas, nem as energias superiores nem as energias inferiores que emanam da Suprema Personalidade de Deus são falsas.

Quanto às atividades fruitivas, elas se baseiam principalmente na plataforma do desfrute dos sentidos. Portanto, uma pessoa avançada em consciência de Kṛṣṇa não as adota. O resultado das atividades fruitivas pode elevar alguém ao sistema planetário superior, mas o Bhagavad-gītā confirma: os tolos, após esgotarem os resultados de suas atividades piedosas no reino celestial, voltam mais uma vez para este sistema planetário inferior e, de novo, tentam ir ao sistema planetário superior. Seu único ganho é se dar ao trabalho de ir e voltar, exatamente como hoje em dia muitos cientistas materialistas estão desperdiçando seu tempo na tentativa de irem ao planeta Lua e voltarem. Aqueles que estão ocupados em atividades fruitivas são descritos pelos Vedas como andha-paramparā, ou seguidores cegos das cerimônias ritualísticas védicas. Conquanto tais cerimônias sejam certamente mencionadas nos Vedas, elas não se destinam aos homens inteligentes. Os homens que são muito apegados ao desfrute material são cativados pela perspectiva de elevação ao sistema planetário superior e, dessa forma, adotam tais atividades ritualísticas. No entanto, pessoas inteligentes que se refugiaram em um mestre espiritual autêntico veem as coisas como elas são: elas não praticam atividades fruitivas, mas se ocupam no serviço transcendental amoroso ao Senhor.

As pessoas que não são devotas adotam as cerimônias ritualísticas védicas por questões materialistas e, portanto, ficam perplexas. Pode-se dar um exemplo vívido: uma pessoa inteligente que possui um milhão de dólares em notas correntes não mantém o dinheiro sem gastá-lo, embora ela saiba perfeitamente bem que as notas, em si, não sejam nada mais que papel. Quando alguém possui um milhão de dólares em notas correntes, ela, na verdade, está mantendo apenas um enorme monte de papel; entretanto, se ela utiliza o dinheiro para um objetivo, ela se beneficia. De modo semelhante, embora este mundo material pareça falso, exatamente como o papel, ele tem seu próprio uso benéfico. Embora de papel, porque as notas correntes são expedidas pelo governo, elas têm pleno valor. Da mesma forma, este mundo material pode ser falso ou temporário, mas, visto que ele é uma emanação do Senhor Supremo, ele tem seu valor. O filósofo vaiṣṇava reconhece o pleno valor deste mundo material e sabe como utilizá-lo adequadamente, ao passo que o filósofo māyāvādī não consegue fazê-lo, exatamente como aqueles que confundem o dinheiro em nota por papel ordinário e descartam-no, não podendo usá-lo. Portanto, Śrīla Rūpa Gosvāmī declara que, se alguém rejeita este mundo material como falso, sem considerar a sua importância como um meio de servir a Suprema Personalidade de Deus, tal renúncia tem muito pouco valor. Uma pessoa que conhece o valor intrínseco deste mundo material para o serviço do Senhor, que não está apegada a ele e que o renuncia, não o aceitando para a satisfação dos sentidos, está em verdadeira renúncia. Este mundo material é uma expansão da energia material do Senhor, em razão do que ele é real. Ele não é falso, como por vezes se conclui a partir do exemplo da cobra e da corda.

Os Vedas personificados continuaram: “A manifestação cósmica, devido à natureza inconstante de sua existência impermanente, parece aos menos inteligentes como sendo falsa”. Os filósofos māyāvādīs aproveitam-se da natureza inconstante desta manifestação cósmica para tentar provar sua tese de que este mundo é falso. De acordo com a versão védica, antes da criação, este mundo não tinha existência e, depois da dissolução, o mundo não estará mais manifesto. Os niilistas também tiram proveito dessa versão védica e concluem que a causa deste mundo material é vazia. Contudo, as injunções védicas não afirmam que ela é vazia. As injunções védicas definem a fonte da criação e dissolução como yato vā imāni bhūtāni jāyante: “Aquele de quem esta manifestação cósmica emanou e em quem, após a dissolução, tudo imergirá”. O mesmo é explicado no Vedānta-sūtra e no primeiro verso do Primeiro Capítulo do Śrīmad-Bhāgavatam através das palavras janmādy asya yataḥ, “Aquele de quem tudo emana”. Todas essas injunções védicas indicam que a manifestação cósmica é oriunda da Absoluta Suprema Personalidade de Deus e que, quando ela é dissolvida, ela imerge nEle. O mesmo princípio é confirmado no Bhagavad-gītā: “A manifestação cósmica surge e novamente é dissolvida e, depois da dissolução, ela imerge na existência do Senhor Supremo”. Esse enunciado definitivamente confirma que a energia específica conhecida como bahir-aṅga-māyā, ou a energia externa, embora de natureza instável, é a energia do Senhor Supremo e, como tal, não pode ser falsa. Ela apenas parece falsa. Os filósofos māyāvādīs concluem que, como a natureza material não tem existência no início e deixa de existir após a dissolução, ela é falsa. Contudo, pelo exemplo do pote e dos pratos de barro, apresenta-se a versão védica: conquanto a existência de subprodutos específicos da Verdade Absoluta seja temporária, a energia do Senhor Supremo é permanente. O pote e a jarra de barro podem ser quebrados ou transformados em outro formato, tais como de prato ou tigela, mas o ingrediente de natureza material, a saber, a argila, continua a ser o mesmo. O princípio básico da manifestação cósmica é sempre o mesmo: Brahman, ou a Verdade Absoluta; logo, a teoria dos filósofos māyāvādīs de que ela é falsa é certamente apenas uma elucubração mental. A manifestação cósmica ser mutável e temporária não significa que ela seja falsa. A definição de falsidade é “aquilo que nunca teve existência, mas que existe apenas no nome”. Por exemplo, os ovos de um cavalo, o chifre de um coelho ou uma flor no céu são fenômenos que existem apenas nas palavras. Não há ovos de cavalo, não existe chifre de coelho, tampouco flor no céu. Há muitas coisas que existem unicamente nas palavras ou na imaginação, mas que, na verdade, são irreais. Tais coisas podem ser denominadas falsas. Entretanto, o vaiṣṇava não pode considerar este mundo material como falso simplesmente porque sua natureza temporária é se manifestar e novamente se dissolver.

Os Vedas personificados continuaram afirmando que a Superalma e a alma individual, ou Paramātmā e jīvātmā, não podem ser absolutamente iguais, embora ambas estejam sentadas dentro do mesmo corpo, como dois pássaros pousados na mesma árvore. Como declarado nos Vedas, esses dois pássaros, conquanto pousados como amigos, não são iguais. Um é apenas a testemunha. Esse pássaro é o Paramātmā, ou a Superalma. E o outro pássaro está comendo o fruto da árvore. Esse é a jīvātmā. Quando ocorre a manifestação cósmica, a jīvātmā, ou a alma individual, aparece na criação em diferentes formas de acordo com suas atividades fruitivas anteriores e, devido ao seu prolongado esquecimento da existência real, ela se identifica com uma forma específica que lhe é proporcionada pelas leis da natureza material. Após assumir uma forma material, ela se sujeita aos três modos da natureza material e age de acordo com eles para continuar sua existência no mundo material. Enquanto ela está encoberta por essa ignorância, suas opulências naturais ficam quase extintas. As opulências da Superalma, ou da Suprema Personalidade de Deus, contudo, não são diminuídas, embora Ele apareça neste mundo material. Ele mantém todas as Suas opulências e perfeições em plenitude, embora Se conserve à parte de todas as tribulações deste mundo material. A alma condicionada se enclausura no mundo material, ao passo que a Superalma, ou a Suprema Personalidade de Deus, abandona-o sem se afetar, exatamente como uma serpente solta sua pele. A diferença entre a Superalma e a alma condicionada individual é que a primeira, ou a Suprema Personalidade de Deus, mantém Suas opulências naturais, conhecidas como ṣaḍ-aiśvarya, aṣṭa-siddhi e aṣṭa-guṇa.

Devido ao seu pobre fundo de conhecimento, os filósofos māyāvādīs esquecem o fato de que Kṛṣṇa é sempre pleno de Suas seis opulências, oito qualidades transcendentais e oito tipos de perfeições. As seis opulências são riqueza, força, beleza, fama, conhecimento e renúncia. Ninguém é maior ou igual a Kṛṣṇa nessas seis opulências. A primeira das oito qualidades transcendentais de Kṛṣṇa é que Ele jamais é tocado pela contaminação da existência material. Isso também é mencionado no Iśopaniṣad: apāpa-viddham. Assim como o Sol nunca é poluído por qualquer espécie de contaminação, o Senhor Supremo nunca é maculado por quaisquer atividades pecaminosas. Embora as ações de Kṛṣṇa possam, às vezes, parecer ímpias, Ele nunca é maculado por tais ações. A segunda qualidade transcendental é que Kṛṣṇa nunca morre. No Bhagavad-gītā, capítulo quatro, Ele informa a Arjuna que tanto Ele quanto Arjuna tiveram muitos aparecimentos neste mundo material, mas que somente Ele Se lembra de todas essas atividades – passado, presente e futuro. O esquecimento se deve à morte. Quando morremos, mudamos de corpo e esquecemos. Kṛṣṇa, entretanto, nunca esquece. Ele pode Se lembrar de tudo o que aconteceu no passado. Se assim não fosse, como Ele poderia Se lembrar de ter ensinado primeiramente o sistema de yoga do Bhagavad-gītā ao deus do Sol, Vivasvān? Portanto, Ele nunca morre. Tampouco Ele envelhece. Embora Kṛṣṇa já fosse bisavô quando esteve no campo de batalha de Kurukṣetra, Ele não tinha a aparência de um idoso. Kṛṣṇa não pode ser maculado por qualquer atividade ímpia, nunca morre, nunca envelhece, nunca Se sujeita a lamentações, nunca tem fome e nunca tem sede. Tudo o que Ele deseja é perfeitamente lícito e tudo o que Ele decide não pode ser alterado por ninguém.

Essas são as oito qualidades transcendentais de Kṛṣṇa. Além disso, Kṛṣṇa é conhecido como Yogeśvara. Ele possui todas as opulências ou facilidades dos poderes místicos, tais como aṇima-siddhi, o poder de Se tornar o menor dos menores. É enunciado na Brahma-saṁhita que Kṛṣṇa entrou inclusive no átomo (aṇḍāntara-stha-paramāu-cayāntara-stham). Igualmente, Kṛṣṇa, como Garbhodakaśāyī Viṣṇu, está dentro do gigantesco universo, e Ele está deitado no Oceano Causal como Mahā-Viṣṇu, em um corpo tão gigantesco que, quando Ele exala, milhões e trilhões de universos emanam de Seu corpo. Isso é chamado mahimā-siddhi. Kṛṣṇa também possui a perfeição de laghimā: Ele pode Se tornar o mais leve. No Bhagavad-gītā, é dito que, como Kṛṣṇa entra neste universo e dentro dos átomos, todos os planetas estão flutuando no ar. Essa é a explicação para a ausência de peso. Kṛṣṇa também possui a perfeição de prāpti: Ele pode obter tudo o que desejar. Da mesma forma, Ele tem a facilidade de īśitā, o poder de controlar. Ele é chamado o controlador supremo, Parameśvara. Ademais, Kṛṣṇa pode influenciar qualquer pessoa, o que se chama vaśitā.

Desse modo, Kṛṣṇa é possuidor de todas as opulências, qualidades transcendentais e poderes místicos. Nenhum ser vivo comum pode se comparar a Ele. Logo, a teoria māyāvādī de que a Superalma e a alma individual são iguais é apenas uma concepção errônea. Portanto, a conclusão é que Kṛṣṇa é adorável e que todas as outras entidades vivas são simplesmente Seus servos. Essa compreensão é chamada autorrealização. Qualquer outra realização do eu pessoal além dessa relação de servidão eterna a Kṛṣṇa é motivada por māyā. Afirma-se que o último truque de māyā é induzir a entidade viva a tentar se tornar igual à Suprema Personalidade de Deus. O filósofo māyāvādī afirma ser igual a Deus, mas não pode responder porque ele caiu neste enredamento material. Se ele é o Deus Supremo, como ele se enredou em atividades ímpias e agora se sujeita às tribulações da lei do karma? Quando perguntados sobre isso, os māyāvādīs não conseguem responder apropriadamente. A especulação de ser igual à Suprema Personalidade de Deus é outro sintoma de vida pecaminosa. Não é possível alguém adotar a consciência de Kṛṣṇa a menos que esteja completamente livre de todas as atividades pecaminosas. O próprio fato dos māyāvādīs afirmarem ser iguais ao Senhor Supremo significa que eles ainda não estão libertos das reações das ações pecaminosas. O Śrīmad-Bhāgavatam enuncia que tais pessoas são aviśuddha-buddhayaḥ, cujo significado é que sua inteligência não é pura uma vez que se consideram falsamente libertas e, ao mesmo tempo, acham-se iguais à Verdade Absoluta. Os Vedas personificados disseram que, se os yogīs e os jñānīs não se purificarem dos desejos pecaminosos, seu processo particular de autorrealização nunca será bem-sucedido.

“Querido Senhor”, os Vedas personificados continuaram, “se pessoas santas não erradicarem completamente as raízes dos desejos pecaminosos, elas não poderão realizar a Superalma, embora Ele esteja sentado lado a lado com a alma individual. Samādhi, ou meditação, significa que a pessoa deve encontrar a Superalma dentro de si mesma. Aquele que não se livra das reações pecaminosas não é capaz de ver a Superalma. Se uma pessoa tem uma joia incrustada em um colar, mas se esquece da joia, é quase como se ela não a possuísse. De igual modo, se uma alma individual medita, mas realmente não percebe a presença da Superalma dentro de si mesma, ela não realizou a Superalma”.

Dessa forma, as pessoas que adotaram o caminho da autorrealização devem ter cuidado e evitar a contaminação da influência de māyā. Śrīla Rūpa Gosvāmī diz que um devoto deve se libertar completamente de todas as espécies de desejos materiais. Um devoto não deve ser afetado pelos resultados de karma e jñāna. Deve-se simplesmente compreender Kṛṣṇa e satisfazer Seus desejos. Esse é o estágio devocional puro. Os Vedas personificados continuaram: “Os yogīs místicos que ainda possuem desejos contaminados de desfrute sensorial nunca são bem-sucedidos em seus esforços, tampouco podem realizar a Superalma dentro de seu próprio eu. Assim, os chamados yogīs e jñanīs, que estão meramente perdendo seu tempo em diferentes tipos de satisfação dos sentidos, quer por especulação, quer por exibição de limitados poderes místicos, nunca serão libertos da vida condicionada e continuarão no repetitivo ciclo de nascimentos e mortes. Para tais pessoas, tanto esta vida como a próxima são fontes de tribulação. Essas pessoas pecaminosas já estão sofrendo infortúnios nesta vida e, porque não são perfeitas em autorrealização, elas serão sobrecarregadas de infortúnios na próxima vida. Apesar de todos os esforços para alcançar a perfeição, tais yogīs contaminados pelos desejos de gozo sensorial continuarão a sofrer nesta vida e na próxima”.

Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura esclarece, nesse contexto, que se os sannyāsīs (pessoas na ordem de vida renunciada, que abandonaram seus lares em busca de autorrealização) não se ocuparem em serviço devocional ao Senhor, mas se atraírem por obras filantrópicas, tais como abrir instituições educacionais, hospitais ou mesmo monastérios, igrejas ou templos de semideuses, encontrarão apenas problemas em tais ocupações, não apenas nesta vida, mas também na próxima. Sannyāsīs que não tiram vantagem desta vida para realizar Kṛṣṇa simplesmente desperdiçam seu tempo e energia em atividades fora da jurisdição da ordem renunciada. Por outro lado, o esforço de um devoto em empregar suas energias em atividades como a construção de um templo de Viṣṇu nunca se perde. Tais ocupações são chamadas kṛṣṇārthe akhila-ceṣṭā, variadas atividades para satisfazer Kṛṣṇa. A inauguração de uma escola por um filantropo e a construção de um templo realizada por um devoto não estão no mesmo nível. Conquanto a construção de uma instituição educacional por um filantropo seja uma atividade piedosa, ela encontra-se regida pelas leis do karma, enquanto a construção de um templo para Viṣṇu é serviço devocional.

O serviço devocional nunca está dentro da jurisdição da lei do karma. Como enunciado no Bhagavad-gītā, sa guṇān samatītyaitān brahma-bhūyāya kalpate: “Os devotos da Personalidade de Deus transcendem todas as reações dos três modos da natureza material e estão na plataforma transcendental da realização Brahman”. Os devotos estão libertos, tanto nesta vida como na vindoura. Qualquer atividade executada neste mundo material para Yajña (Viṣṇu ou Kṛṣṇa) é considerada trabalho liberto. No entanto, sem conexão com Acyuta, a infalível Suprema Personalidade de Deus, não há qualquer possibilidade de interrupção dos resultados das ações da lei do karma. A vida em consciência de Kṛṣṇa é vida de libertação. A conclusão é que o devoto, pela graça do Senhor, é liberto tanto nesta vida como na próxima, ao passo que karmīs, jñanīs e yogīs nunca são libertos, quer nesta vida, quer na próxima.

Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, qualquer pessoa que, por Sua graça, tenha compreendido as glórias de Seus pés de lótus, é indiferente à felicidade e miséria materiais”. As aflições materiais são inevitáveis enquanto existirmos neste mundo material, mas o devoto não desvia sua atenção para tais ações e reações, que são os resultados de atividades piedosas e ímpias. Nem mesmo um devoto fica muito perturbado ou satisfeito com elogios ou condenações das pessoas em geral. Um devoto é certas vezes bastante elogiado por causa de suas atividades transcendentais e, às vezes, ele é criticado, mesmo que não haja razão para tal crítica. Não obstante, o devoto puro é sempre indiferente a elogios ou condenações das pessoas comuns. Na verdade, as atividades do devoto estão no plano transcendental. Ele não está interessado em louvores ou críticas de pessoas ocupadas em atividades materiais. Portanto, se o devoto pode manter sua posição transcendental, sua libertação nesta vida e na próxima está garantida pela Suprema Personalidade de Deus.

A posição transcendental de um devoto neste mundo material é mantida pela associação com os devotos puros, com os quais ele simplesmente ouve as atividades gloriosas realizadas pelo Senhor em diferentes eras e encarnações. O Movimento para a Consciência de Kṛṣṇa se baseia nesse princípio. Śrīla Narottama Dāsa Ṭhākura cantou: “Meu querido Senhor, permita-me permanecer ocupado em Seu serviço transcendental amoroso como ensinado pelos ācāryas anteriores, e deixe-me viver em associação com os devotos puros. Esse é o meu desejo, vida após vida”. Em outras palavras, um devoto não se preocupa muito se ele está ou não liberto; ele anseia unicamente por serviço devocional. Serviço devocional significa que a pessoa não faz nada de modo independente, sem a sanção dos ācāryas. As atividades do Movimento para a Consciência de Kṛṣṇa são dirigidas pelos ācāryas predecessores, encabeçados por Śrīla Rūpa Gosvāmī; em associação com devotos que seguem esses princípios, o devoto é capaz de manter sua posição transcendental de uma forma perfeita.

No Bhagavad-gītā, o Senhor afirma que o devoto que O conhece perfeitamente é muito querido a Ele. Quatro tipos de homens piedosos adotam o serviço devocional. Se um homem piedoso está sofrendo, ele se aproxima do Senhor em busca de alívio para seu sofrimento. Se um homem piedoso precisa de ajuda material, ele ora ao Senhor pedindo auxílio. Se um homem piedoso está verdadeiramente interessado na ciência de Deus, ele se aproxima da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. De modo similar, um homem piedoso que esteja unicamente ansioso por conhecer a ciência de Kṛṣṇa também se aproxima do Senhor Supremo. Dessas quatro classes de homens, a última é elogiada pelo próprio Kṛṣṇa no Bhagavad-gītā. Uma pessoa é elogiável quando tenta compreender Kṛṣṇa com pleno conhecimento e devoção, seguindo os passos dos ācāryas anteriores de acordo com o conhecimento científico do Senhor Supremo. Tal devoto pode compreender que todas as condições de vida, favoráveis e desfavoráveis, são criadas pela vontade suprema do Senhor. E quando ele se rende completamente aos pés de lótus do Senhor Supremo, não há preocupação se sua condição de vida é favorável ou desfavorável. O devoto considera até mesmo uma condição desfavorável como sendo um favor especial da Personalidade de Deus. De fato, não há condições desfavoráveis para um devoto. Ele vê tudo que vem pela vontade do Senhor como favorável e, em qualquer condição de vida, ele mostra-se bastante entusiasmado para executar seu serviço devocional. Essa atitude devocional é explicada no Bhagavad-gītā: o devoto nunca fica perturbado em condições adversas de vida, nem fica eufórico em condições favoráveis. Nos estágios superiores do serviço devocional, o devoto nem mesmo se preocupa com a lista do que pode e o que não pode ser feito. Tal posição só pode ser alcançada seguindo-se os passos dos ācāryas. Como o devoto puro segue os passos dos ācāryas, qualquer ação que ele execute para desempenhar seu serviço devocional deve ser entendida como estando na plataforma transcendental. Assim, o Senhor Kṛṣṇa nos dá a instrução de que um ācārya está acima de críticas. Um devoto neófito não deve se considerar no mesmo plano de um ācārya. Deve-se aceitar que os ācāryas estão na mesma plataforma da Suprema Personalidade de Deus e, assim, nem Kṛṣṇa nem Seu representante ācārya devem ficar sujeitos a qualquer crítica adversa de devotos iniciantes.

Portanto, os Vedas personificados adoraram a Suprema Personalidade de Deus de diferentes formas. Adorar o Senhor Supremo através da oração significa lembrar-se de Suas qualidades, passatempos e atividades transcendentais. Contudo, os passatempos e as atividades do Senhor são ilimitados. Não nos é possível nos lembrarmos de todas as qualidades do Senhor. Consequentemente, os Vedas personificados adoraram tanto quanto puderam e, no final, falaram as seguintes palavras:

“Querido Senhor, embora o senhor Brahmā, a deidade predominante do planeta mais elevado, Brahmaloka, e o rei Indra, o semideus principal dos planetas celestiais, bem como as deidades predominantes dos planetas, como o Sol e a Lua, sejam todos diretores de confiança deste mundo material, eles têm pouquíssimo conhecimento a Seu respeito. Assim, o que pessoas comuns e especuladores mentais podem saber sobre Você? Ninguém pode enumerar as ilimitadas qualidades transcendentais de Sua Majestade. Ninguém, nem mesmo os especuladores mentais e os semideuses nos sistemas planetários superiores, pode realmente estimar a extensão e o alcance de Suas características e formas. Em nossa opinião, nem mesmo Sua Majestade tem conhecimento completo das Suas qualidades transcendentais. A razão é que Você é ilimitado. Embora não seja adequado afirmar que Você não Se conhece, é prático compreender que, como Você possui qualidades e energias ilimitadas e Seu conhecimento também é sem limites, há uma ilimitada competição entre Seu conhecimento e Sua expansão de energias”.

A ideia é que, como Deus e Seu conhecimento são ilimitados, assim que Ele compreende algo de Suas energias, Ele percebe que ainda há mais energias. Dessa forma, tanto Suas energias como Seu conhecimento aumentam. Visto que ambos são ilimitados, não há fim nem para as energias nem para o conhecimento com o qual se compreendem as energias. Sem dúvida, Deus é onisciente, mas os Vedas afirmam que mesmo o próprio Deus não conhece a extensão de Suas energias. Isso não significa que Deus não seja onisciente. Quando um fato real é desconhecido a certa pessoa, isso é chamado ignorância ou falta de conhecimento. No entanto, isso não se aplica a Deus porque Ele conhece a Si mesmo perfeitamente. Não obstante, como Suas energias e atividades aumentam, Ele também aumenta Seu conhecimento para compreendê-las. Ambos estão crescendo ilimitadamente e não há fim para isso. Nesse sentido, pode-se afirmar que nem mesmo o próprio Deus conhece o limite de Suas energias e qualidades.

A ideia de Deus ser ilimitado em Sua expansão de energias e atividades pode ser grosseiramente calculada por qualquer entidade viva sã e sóbria. Afirma-se na literatura védica que inumeráveis universos emanam quando Mahā-Viṣṇu exala em Seu yoga-nidrā, e que incalculáveis universos imergem em Seu corpo quando Ele inala novamente. Temos de imaginar que esses universos, que, de acordo com nosso limitado conhecimento, expandem-se ilimitadamente, são tão grandes que os ingredientes grosseiros e sutis – os cinco elementos da manifestação cósmica, a saber, terra, água, fogo, ar e céu, juntamente com a energia material total e o falso ego – não estão apenas dentro do universo, mas cobrem o universo em sete camadas, cada camada dez vezes maior que a anterior. Dessa forma, cada universo é hermeticamente fechado, e existem incontáveis universos. Todos esses universos flutuam nos inumeráveis poros do corpo transcendental de Mahā-Viṣṇu. Afirma-se que, da mesma forma que não se pode calcular exatamente quantos átomos e partículas de poeira flutuam no ar juntamente com os pássaros, assim também inumeráveis universos estão flutuando nos poros do corpo transcendental do Senhor. Por essa razão, os Vedas enunciam que Deus está além do alcance do nosso conhecimento. Avāṅ-mānasa-gocara: a compreensão da extensão e do alcance de Deus está além da nossa especulação mental. Por conseguinte, uma pessoa que seja realmente erudita e sensata não reivindica ser Deus, senão que tenta compreender Deus fazendo a distinção entre espírito e matéria. Por intermédio dessa cuidadosa discriminação, a pessoa pode claramente entender que a Alma Suprema é transcendental, tanto à energia inferior como à energia superior, embora Ele tenha uma relação direta com ambas. No Bhagavad-gītā, o Senhor Kṛṣṇa explica que, apesar de tudo estar repousando em Sua energia, Ele é diferente ou separado da energia.

A natureza e as entidades vivas são às vezes denominadas de prakṛti e puruṣa, respectivamente. Toda a manifestação cósmica é uma amalgamação de prakṛti e puruṣa. A natureza é a causa ingrediente, e as entidades vivas são a causa eficiente. Essas duas causas se combinam e o efeito é esta manifestação cósmica. Quando alguém é bastante afortunado para chegar à conclusão correta sobre esta manifestação cósmica e sobre tudo o que ocorre em seu interior, ele sabe que tudo é causado direta e indiretamente pela própria Suprema Personalidade de Deus. Logo, conclui-se na Brahma-saṁhitā: īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ sac-cid-ānanda-vigrahaḥ/ anādir ādir govindaḥ sarva-kāraṇa-kāraṇam. Depois de muita deliberação e consideração, quando se obtém a perfeição do conhecimento, chega-se à conclusão de que Kṛṣṇa, ou Deus, é a causa original de todas as causas. Em vez de especular sobre a medida de Deus – se Ele é ou não tão grande ou amplo – ou filosofar falsamente, deve-se chegar à conclusão da Brahma-saṁhitā: “Kṛṣṇa, ou Deus, é sarva-kāraṇa-kāraṇam, a causa de todas as causas”. Eis a perfeição do conhecimento.

Por conseguinte, o veda-stuti, as orações oferecidas pelos Vedas personificados a Garbhodakaśāyī Viṣṇu, foi primeiramente narrado na sucessão discipular por Sanandana aos seus irmãos, os quais nasceram todos de Brahmā nos primórdios do universo. Os quatro Kumāras foram os primeiros filhos nascidos de Brahmā, daí serem conhecidos como pūrva-jāta. Declara-se no Bhagavad-gītā que o sistema paramparā, ou sucessão discipular, começa com o próprio Kṛṣṇa. De modo semelhante, aqui, nas orações dos Vedas personificados, deve-se entender que o sistema paramparā começa com a Personalidade de Deus, Nārāyaṇa Ṛṣi. Devemos nos lembrar de que este veda-stuti é narrado por Kumāra Sanandana, e a narração é repetida por Nārāyaṇa Ṛṣi em Badarīkāśrama. Nārāyaṇa Ṛṣi é a encarnação de Kṛṣṇa para nos mostrar o caminho da autorrealização por meio de severas austeridades. Nesta era, o Senhor Caitanya demonstrou a senda do serviço devocional puro colocando-Se no papel de um devoto puro. Da mesma forma, no passado, o Senhor Nārāyaṇa Ṛṣi foi uma encarnação de Kṛṣṇa que executou severas austeridades nas montanhas dos Himalaias. Śrī Nārada Muni O ouvia. Dessa forma, da declaração dada por Nārāyaṇa Ṛṣi a Nārada Muni, como narrada por Kumāra Sanandana na forma do veda-stuti, compreende-se que Deus é o único supremo e que todos os outros são Seus servos.

No Caitanya-caritāmṛta, declara-se que ekale īśvara kṛṣṇa: “Kṛṣṇa é o único Deus Supremo”. Āra saba bhṛtya: “Todos os outros são Seus servos”. Yāre yaiche nācāya, se taiche kare nṛtya: “O Senhor Supremo, como Ele mesmo deseja, está ocupando todas as entidades vivas em diferentes atividades, em virtude do que elas exibem seus diferentes talentos e tendências”. Portanto, este veda-stuti é a instrução original que diz respeito à relação existente entre a entidade viva e a Suprema Personalidade de Deus. A mais elevada plataforma de realização para a entidade viva é alcançar a vida devocional. Não é possível alguém estar ocupado em vida devocional, ou consciência de Kṛṣṇa, a menos que esteja completamente purificado da contaminação material. Nārāyaṇa Ṛṣi informou a Nārada Muni que a essência de todos os Vedas e da literatura védica (a saber, os quatro Vedas, os Upaniṣads e os Purāṇas) é prestar serviço transcendental amoroso ao Senhor. Nesse contexto, Nārāyaṇa Ṛṣi utilizou uma palavra específica: rasa. No serviço devocional, esse rasa é o meio ou princípio básico para o intercâmbio de relação entre o Senhor e a entidade viva. Rasa é também descrita nos Vedas: raso vai saḥ. “O Senhor Supremo é o reservatório de todo o prazer”. Toda a literatura védica, incluindo os Purāṇas, os Vedas, os Upaniṣads e o Vedānta-sūtra, ensina às entidades vivas como alcançar o estágio de rasa. O Bhāgavatam também afirma que os enunciados do Mahā-purāṇa (Śrīmad-Bhāgavatam) constituem a essência (rasa) de toda a literatura védica. Nigama-kalpa-taror galitaṁ phalam: o Bhāgavatam é a essência do fruto maduro da árvore da literatura védica.

Compreendemos que, a partir da respiração da Suprema Personalidade de Deus, emanaram os quatro Vedas, a saber, Ṛg Veda, Yajur Veda, Sāma Veda e Atharva Veda, e também as histórias, como o Mahābhārata e todos os Purāṇas, que são considerados como a história do mundo. As histórias védicas, como os Purāṇas e o Mahābhārata, são chamados de “o quinto Veda”.

Os vinte e oito versos do veda-stuti devem ser considerados como a essência de todo o conhecimento védico. Os quatro Kumāras e todos os sábios autorizados sabem perfeitamente que o serviço devocional em consciência de Kṛṣṇa é a essência de toda a literatura védica, e eles pregam isso em diferentes planetas, viajando no espaço exterior. Aqui, declara-se que tais sábios, incluindo Nārada Muni, raramente viajam por terra; eles viajam perpetuamente no espaço.

Sábios como Nārada e os Kumāras viajam através do universo para ensinar às almas condicionadas que seu dever no mundo não é a satisfação dos sentidos, mas, sim, recuperar sua posição original de serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus. Declara-se em diversos lugares que as entidades vivas são como centelhas do fogo e que a Suprema Personalidade de Deus é como o próprio fogo. Se as centelhas, de uma forma ou de outra, afastam-se do fogo, elas perdem seu brilho natural. Logo, afirma-se que as entidades vivas vêm a este mundo material exatamente como centelhas que se afastam de um grande fogo. A entidade viva deseja imitar Kṛṣṇa e tenta assenhorear-se da natureza material a fim de desfrutar dos sentidos. Por conseguinte, ela se esquece de sua posição original, extinguindo, assim, seu poder de brilho, sua identidade espiritual. Não obstante, se uma entidade viva adota a consciência de Kṛṣṇa, ela recupera sua posição original. Para pregar esse processo de serviço devocional, sábios e santos como Nārada e os Kumāras viajam por todo o universo ensinando as pessoas e aumentando o número de seus discípulos. Seu objetivo é que todas as almas condicionadas possam ser educadas para reviver sua consciência original, ou consciência de Kṛṣṇa, e, então, aliviem-se das condições miseráveis da vida material.

Śrī Nārada Muni é um naiṣṭhika-brahmacārī. Há quatro tipos de brahmacārīs. O primeiro é chamado sāvitra, que se refere ao brahmacārī que, após a iniciação e a cerimônia do cordão sagrado, deve observar pelo menos três dias de celibato. O próximo é chamado prājāpatya, referindo-se ao brahmacārī que observa estritamente o celibato por no mínimo um ano depois da iniciação. O seguinte é denominado brāhma-brahmacārī, que se refere ao brahmacārī que observa o celibato desde a época da iniciação até quando ele completa seus estudos da literatura védica. O próximo estágio é chamado naiṣṭhika, indicando o brahmacārī que é celibatário ao longo de toda a sua vida. Dentre esses, os três primeiros são upakurvāṇa, o que significa que o brahmacārī pode se casar mais tarde, depois do período de brahmacarya ter sido concluído. No entanto, o naiṣṭhika-brahmacārī é completamente relutante em ter qualquer tipo de vida sexual; assim, os Kumāras e Nārada são conhecidos como naiṣṭhika-brahmacārīs. Tais brahmacārīs são chamados de vīravrata porque seu voto de celibato é tão heroico quanto os votos dos kṣatriyas. O sistema de vida brahmacarya é especialmente vantajoso porque ele aumenta o poder da memória e a determinação. Nesse contexto, é especificamente mencionado que, como Nārada era naiṣṭhika-brahmacārī, ele podia se lembrar de tudo o que ouvira de seu mestre espiritual, e jamais esqueceria. Alguém que possa lembrar-se de tudo eternamente é chamado śruta-dhara. Um śruta-dhara brahmacārī é capaz de repetir verbalmente tudo o que tenha ouvido, sem anotações ou referências a livros. O grande sábio Nārada possui essa qualificação e, assim, tendo recebido instruções de Nārāyaṇa Ṛṣi, ele ocupou-se em propagar a filosofia do serviço devocional por todo o mundo. Visto que esses grandes sábios podem se recordar de tudo, eles são compenetrados, autorrealizados e completamente fixos no serviço ao Senhor.

Assim, o grande sábio Nārada, após ouvir de seu mestre espiritual Nārāyaṇa Ṛṣi, realizou-se inteiramente. Ele se estabeleceu na verdade e ficou tão feliz que ofereceu orações a Nārāyaṇa Ṛṣi. Nārada Muni dirigiu-se a Nārāyaṇa Ṛṣi como uma encarnação de Kṛṣṇa e referiu-se a Ele especificamente como o supremo benquerente das almas condicionadas. Declara-se no Bhagavad-gītā que o Senhor Kṛṣṇa vem a cada milênio unicamente para dar proteção aos Seus devotos e aniquilar os não-devotos. Nārāyaṇa Ṛṣi, sendo uma encarnação de Kṛṣṇa, é também chamado de “o benquerente das almas condicionadas”. O Bhagavad-gītā afirma que todos devem saber que não há nenhum benquerente como Kṛṣṇa. Todos devem compreender que o Senhor Kṛṣṇa é o benquerente supremo de todos e devem buscar o refúgio dEle. Dessa forma, pode-se ficar completamente confiante e satisfeito, sabendo que há alguém capaz de dar total proteção. O próprio Kṛṣṇa, Suas encarnações e Suas expansões plenárias são todos benquerentes supremos das almas condicionadas, mas Kṛṣṇa é o benquerente até mesmo dos demônios, pois Ele concedeu salvação a todos os demônios que foram a Vṛndāvana para matá-lO. Portanto, as atividades de Kṛṣṇa são absolutas, pois quer Ele aniquile um demônio, quer Ele dê proteção a um devoto, o resultado de Suas atividades é único. Afirma-se que a demônia Pūtanā foi elevada à mesma posição da mãe de Kṛṣṇa. Quando Kṛṣṇa mata um demônio, o demônio é supremamente beneficiado, tanto quanto um devoto puro é beneficiado por sempre estar protegido pelo Senhor.

Nārada Muni, depois de oferecer respeitos a Nārāyaṇa Ṛṣi, seu mestre espiritual, foi para o āśrama de Vyāsadeva, seu discípulo. Sendo adequadamente recebido por Vyāsadeva em seu āśrama e sentando-se confortavelmente, Nārada Muni narrou toda a história que ouvira de Nārāyaṇa Ṛṣi. Desse modo, Śukadeva Gosvāmī deu a Mahārāja Parikṣit as respostas às perguntas relativas à essência do conhecimento védico e o que se considera o objetivo supremo dos Vedas. A meta última da vida é alcançar as bênçãos transcendentais da Suprema Personalidade de Deus e, assim, ocupar-se no serviço amoroso ao Senhor. Devem-se seguir os passos de Śukadeva Gosvāmī e de todos os outros vaiṣṇavas na sucessão discipular e deve-se prestar respeitosas reverências ao Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, Hari. As quatro correntes de sucessão discipular vaiṣṇava, a saber, Madhva-sampradāya, Rāmānuja-sampradāya, Viṣṇu-sampradāya e Nimbārka-sampradāya, em consonância com todas as conclusões védicas, concordam que a pessoa deve se render à Suprema Personalidade de Deus.

A literatura védica divide-se em duas partes: os śrutis e os smṛtis. Os śrutis são os quatro Vedas – Ṛg, Sāma, Atharva e Yajur – e os Upaniṣads, enquanto os smṛtis são os Purāṇas e os Itihāsas, como o Mahābharata, que inclui o Bhagavad-gītā. A conclusão de todos eles é que a pessoa deve conhecer Śrī Kṛṣṇa como a Suprema Personalidade de Deus. Ele é o Parama-puruṣa, ou a Suprema Personalidade de Deus sob cuja superintendência a natureza material funciona. Para a criação, manutenção e aniquilação, o Senhor Supremo encarna sob três formas – o senhor Brahmā, o Senhor Viṣṇu e o senhor Śiva – depois de manifestar o cosmos material. Todos esses se encarregam das três qualidades da natureza material; a direção última, porém, está nas mãos do Senhor Viṣṇu. A totalidade das atividades nos três modos da natureza material é conduzida sob a direção da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Isso é confirmado no Bhagavad-gītā (mayādhyakṣeṇa) e nos Vedas (sa aikṣata).

Por certo, os filósofos ateus sāṅkhyaitas darão seus argumentos de que a manifestação cósmica material se deve a prakṛti e puruṣa – natureza material e entidade viva, ou a causa material e a causa efetiva. Entretanto, Kṛṣṇa é a causa de todas as causas. Prakṛti e puruṣa não são a causa última. Superficialmente, parece que uma criança nasce devido à união do pai e da mãe, mas a causa última tanto do pai quanto da mãe é Kṛṣṇa. Logo, Ele é a causa original, ou a causa de todas as causas, como confirmado na Brahma-saṁhitā.

O Senhor Supremo e as entidades vivas entram na natureza material. O Senhor Supremo, Kṛṣṇa, por intermédio de uma de Suas expansões plenárias, manifesta-Se como Kāraṇodakaśāyī, Mahā-Viṣṇu, a forma gigantesca de Viṣṇu que permanece deitado no Oceano Causal. Em seguida, dessa forma gigantesca de Mahā-Viṣṇu, Garbhodakaśāyī Viṣṇu Se expande e entra em cada universo. A partir dEle, Brahmā, Viṣṇu e Śiva se expandem. Viṣṇu, como Kṣīrodakaśāyī, entra nos corações de todas as entidades vivas, bem como no interior de todos os elementos materiais, incluindo o átomo. A Brahma-saṁhitā afirma, aṇḍāntara-stha-paramāṇu-cayāntara-stham: “O Senhor está dentro deste universo e também dentro de cada átomo”.

A entidade viva tem um pequeno corpo material desenvolvido em várias espécies e formas, e, da mesma maneira, o universo inteiro é nada mais do que o corpo material da Suprema Personalidade de Deus. Este corpo é descrito nos śāstras como virāt-rūpa. Assim como a entidade viva individual mantém seu corpo particular, a Suprema Personalidade de Deus mantém toda a manifestação cósmica entrando nela. Assim que a entidade viva individual abandona o corpo material, este corpo é imediatamente aniquilado, e, da mesma forma, logo que o Senhor Viṣṇu deixa a manifestação cósmica, tudo é aniquilado. Por conseguinte, a libertação da existência material da entidade viva individual somente é possível quando ela se rende à Suprema Personalidade de Deus. Isso é confirmado no Bhagavad-gītā: mām eva ye prapadyante māyām etāṁ taranti te. Portanto, a rendição à Suprema Personalidade de Deus, e nada mais, é a causa da libertação. Como a entidade viva se liberta dos modos da natureza material após se render à Suprema Personalidade de Deus é ilustrado pelo exemplo de um homem dormindo em um quarto. Quando um homem está dormindo, todos veem que ele está presente no quarto, mas, na verdade, o homem não está dentro do corpo, pois, enquanto dorme, ele se esquece da existência corporal, embora as outras pessoas possam ver que seu corpo está presente. De modo similar, uma pessoa liberta ocupada em serviço devocional ao Senhor pode ser observada pelos outros em suas atividades domésticas do mundo material, mas, visto que sua consciência está fixa em Kṛṣṇa, ela não vive neste mundo. Suas atividades são diferentes, exatamente como as atividades de um homem que dorme são diferentes de suas atividades em vigília. Confirma-se no Bhagavad-gītā que um devoto ocupado em tempo integral no serviço transcendental amoroso ao Senhor já superou a influência dos três modos da natureza material. Ele já se encontra na plataforma Brahman e está no reino transcendental, embora pareça estar vivendo no corpo ou no mundo material.

Nesse contexto, Śrīla Rūpa Gosvāmī afirma em seu Bhakti-rasāmṛta-sindhu que a pessoa cujo único desejo é servir a Suprema Personalidade de Deus pode estar em qualquer condição neste mundo material, mas deve-se compreender que ela é jīvan-mukta, isto é, ela deve ser considerada liberta, embora esteja vivendo no corpo ou mundo material. Portanto, a conclusão é que uma pessoa plenamente ocupada em consciência de Kṛṣṇa é uma pessoa liberta. Tal pessoa, de fato, nada tem a ver com seu corpo material ou com o mundo material. Aqueles que não se encontram em consciência de Kṛṣṇa são chamados de karmīs e jñānīs e vagueiam na plataforma material ou mental; logo, não são libertos. Essa situação é denominada kaivalya-nirasta-yoni. Contudo, uma pessoa na plataforma transcendental está livre de repetidos nascimentos e mortes. Isso é confirmado no capítulo quatro do Bhagavad-gītā: “Simplesmente por conhecer a natureza transcendental da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, a pessoa se livra da cadeia de repetidos nascimentos e mortes e, depois de deixar o corpo atual, volta ao lar, volta ao Supremo”. Essa é a conclusão de todos os Vedas. Assim, depois de compreender as orações oferecidas pelos Vedas personificados, a pessoa deve render-se aos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa.

Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo oitenta e sete de Kṛṣṇa, intitulado “Orações Oferecidas pelos Vedas Personificados”.

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