VERSO 53
kāla-svabhāva-saṁskāra-
kāma-karma-guṇādibhiḥ
sva-mahi-dhvasta-mahibhir
mūrtimadbhir upāsitāḥ
kāla — pelo fator tempo; svabhāva — própria natureza; saṁskāra — reforma; kāma — desejo; karma — ação fruitiva; guṇa — os três modos da natureza material; ādibhiḥ — e por outros; sva-mahi-dhvasta-mahibhiḥ — cuja própria independência estava subordinada à potência do Senhor; mūrti-madbhiḥ — possuindo forma; upāsitāḥ — estavam sendo adoradas.
Então, o senhor Brahmā viu que kāla (o fator tempo), svabhāva (a própria natureza que alguém adquire através da associação), saṁskāra (reforma), kāma (desejo), karma (atividade fruitiva) e os guṇas (os três modos da natureza material) – a própria independência deles estando inteiramente subordinada à potência do Senhor – tinham todos adquirido formas e também estavam adorando aquelas viṣṇu-mūrtis.
SIGNIFICADO—Com exceção de Viṣṇu, ninguém possui independência alguma. Se passamos a entender esse fato, estamos em verdadeira consciência de Kṛṣṇa. Devemos sempre nos lembrar de que Kṛṣṇa é o único mestre supremo e todos os demais são Seus servos (ekale īśvara kṛṣṇa, āra saba bhṛtya). Todos são subordinados a Kṛṣṇa, mesmo Nārāyaṇa ou o senhor Śiva (śiva-viriñci-nutam). Até mesmo Baladeva é subordinado a Kṛṣṇa. Isso é um fato.
ekale īśvara kṛṣṇa, āra saba bhṛtya
yāre yaiche nācāya, se taiche kare nṛtya
(Caitanya-caritāmṛta, Ādi 5.142)
Todos devem procurar entender que ninguém é independente, pois tudo é parte integrante de Kṛṣṇa e age e se move pelo desejo supremo de Kṛṣṇa. Esta compreensão, esta consciência, é a consciência de Kṛṣṇa.
yas tu nārāyaṇaṁ devaṁ
brahma-rudrādi-daivataiḥ
samatvenaiva vīkṣeta
sa pāṣaṇḍī bhaved dhruvam
“A pessoa que considera semideuses como Brahmā e Śiva como estando no mesmo nível de Nārāyaṇa na certa deve ser considerada um ofensor.” Ninguém pode comparar-se a Nārāyaṇa, ou Kṛṣṇa. Kṛṣṇa é Nārāyaṇa, e Nārāyaṇa também é Kṛṣṇa, pois Kṛṣṇa é o Nārāyaṇa original. O próprio Brahmā, ao dirigir-se a Kṛṣṇa, diz que nārāyaṇas tvaṁ na hi sarva-dehinām: “Também sois Nārāyaṇa. Na verdade, sois o Nārāyaṇa original.” (Śrīmad-Bhāgavatam 10.14.14)
Kāla, ou o fator tempo, tem muitos assistentes, tais como svabhāva, saṁskāra, kāma, karma e guṇa. Svabhāva, ou a própria natureza de alguém, forma-se de acordo com a associação com as qualidades materiais. Kāraṇaṁ guṇa-saṅgo ’sya sad-asad-yoni janmasu. (Bhagavad-gītā 13.22) Sat e asat-svabhāva – a natureza superior ou inferior de alguém – desenvolvem-se através da associação com as diferentes qualidades, a saber, sattva-guṇa, rajo-guṇa e tamo-guṇa. Devemos gradualmente chegar a sattva-guṇa, para que possamos evitar os dois guṇas inferiores. Isso pode ser levado a efeito se comentarmos regularmente o Śrīmad-Bhāgavatam e ouvirmos sobre as atividades de Kṛṣṇa. Naṣṭa-prāyeṣv abhadreṣu nityaṁ bhāgavata-sevayā. (Śrīmad-Bhāgavatam 1.2.18) Todas as atividades de Kṛṣṇa descritas no Śrīmad-Bhāgavatam, começando inclusive com os passatempos relacionados com Pūtanā, são transcendentais. Portanto, ouvindo e discutindo o Śrīmad-Bhāgavatam, rajo-guṇa e tamo-guṇa são subjugadas, e então sobra apenas sattva-guṇa. Então, rajo-guṇa e tamo-guṇa não podem fazer-nos nenhum mal.
O varṇāśrama-dharma, portanto, é essencial, pois pode conduzir as pessoas a sattva-guṇa. Tadā rajas-tamo-bhāvāḥ kāma-lobhādayaś ca ye. (Śrīmad-Bhāgavatam 1.2.19). Tamo-guṇa e rajo-guṇa aumentam a luxúria e a cobiça, que enredam a entidade viva de tal maneira que ela tem de existir neste mundo material em muitas e muitas formas. Isso é muito perigoso. Através da implantação do varṇāśrama-dharma, a pessoa deve, portanto, elevar-se a sattva-guṇa e deve desenvolver as qualificações bramânicas – ser muito limpa e asseada, acordar bem cedo pela manhã e assistir ao maṅgala-ārātrika e assim por diante. Dessa maneira, ela deve permanecer em sattva-guṇa, e então deixará de ser influenciada por tamo-guṇa e rajo-guṇa.
tadā rajas-tamo-bhāvāḥ
kāma-lobhādayaś ca ye
ceta etair anāviddhaṁ
sthitaṁ sattve prasīdati
(Śrīmad-Bhāgavatam 1.2.19)
A oportunidade de obter esta purificação é um aspecto especial da vida humana – em outras vidas, isso não é possível. Essa purificação pode ser alcançada muito facilmente através de rādhā-kṛṣṇa-bhajana, o serviço devocional prestado a Rādhā e Kṛṣṇa, daí Narottama Dāsa Ṭhakura cantar: hari hari viphale janama goṅāinu, indicando que, se alguém não adora Rādhā-Kṛṣṇa, desperdiça sua forma de vida humana. Vāsudeve bhagavati bhakti-yogaḥ prayojitaḥ/ janayaty āśu vairāgyam. (Śrīmad-Bhāgavatam 1.2.7) Através da ocupação no serviço a Vasudeva, a pessoa rapidamente renuncia a vida material. Os membros do movimento da consciência de Kṛṣṇa, por exemplo, estando ocupados em vāsudeva-bhakti, bem depressa chegam à etapa em que se tornam vaiṣṇavas magníficos, tanto que as pessoas ficam surpresas de que mlecchas e yavanas sejam capazes de atingir essa fase. Isso é possível através de vāsudeva-bhakti. Contudo, se nesta vida humana não chegarmos à etapa de sattva-guṇa, então, como Narottama Dāsa Ṭhākura canta, hari hari viphale janama goṅāinu – não há proveito algum em ganhar esta forma de vida humana.
Śrī Vīrarāghava Ācārya comenta que cada um dos itens mencionados na primeira metade deste verso é causa de enredamento material. Kāla, ou o fator tempo, agita os modos da natureza material, e svabhāva resulta da associação com esses modos. Logo, Narottama Dāsa Ṭhākura diz que bhakta-sane vāsa. Se alguém se associa com bhaktas, então o svabhāva, ou natureza, mudará. Nosso movimento da consciência de Kṛṣṇa destina-se a dar às pessoas boa associação para que essa mudança possa ocorrer, e realmente vemos que, através desse método, as pessoas em todo o mundo estão se tornando devotos pouco a pouco.
Quanto a saṁskāra, ou reforma, isso é possível através de boa associação, pois, através de boa associação, a pessoa desenvolve bons hábitos, e os hábitos tornam-se uma segunda natureza. Portanto, bhakta-sane vāsa: que as pessoas recebam a oportunidade de conviver com os bhaktas. Então, seus hábitos mudarão. Na forma de vida humana, tem-se esta chance, mas, como Narottama Dāsa Ṭhākura canta, hari hari viphale janama goṅāinu: se alguém deixa de tirar proveito desta oportunidade, sua vida humana é desperdiçada, Portanto, estamos tentando impedir que a sociedade humana se degrade e estamos realmente tentando elevar as pessoas à natureza superior.
Quanto a kāma e karma – desejos e atividades –, se alguém se ocupa em serviço devocional, ele desenvolve uma natureza diferente daquela desenvolvida quando se ocupa em atividades de gozo dos sentidos, e, evidentemente, o resultado também é outro. De acordo com a associação com diferentes naturezas, a pessoa recebe uma determinada classe de corpo. Kāraṇaṁ guṇa-saṅgo ’sya sad-asad-yoni janmasu. (Bhagavad-gītā 13.22) Logo, devemos sempre buscar boa associação, a associação dos devotos. Então, nossa vida será exitosa. Podemos conhecer um homem pela companhia que ele escolhe. Se ele tem a oportunidade de viver na boa associação dos devotos, será capaz de cultivar conhecimento, e naturalmente seu caráter ou sua natureza mudarão, trazendo-lhe benefício eterno.