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VERSO 9

antar-gṛha-gatāḥ kāścid
gopyo ’labdha-vinirgamāḥ
kṛṣṇaṁ tad-bhāvanā-yuktā
dadhyur mīlita-locanāḥ

antaḥ-gṛha — dentro de casa; gatāḥ — presentes; kāścit — algumas; gopyaḥgopīs; alabdha — não conseguindo; vinirgamāḥ — nenhuma saída; kṛṣṇam — em Śrī Kṛṣṇa; tat-bhāvanā — de amor extático por Ele; yuktāḥ — plenamente dotadas; dadhyuḥ — meditaram; mīlita — fechados; locanāḥ — seus olhos.

Algumas das gopīs, todavia, não conseguiram sair de suas casas e, em vez disso, ficaram em casa de olhos fechados, meditando nEle em amor puro.

SIGNIFICADO—Por todo o décimo canto, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura tece elaborados comentários poéticos sobre os passatempos do Senhor Kṛṣṇa. Nem sempre é possível incluir essas extensas descrições, mas citaremos na íntegra seus comentários sobre este verso. Recomendamos sinceramente à comunidade vaiṣṇava erudita que um devoto qualificado do Senhor apresente o comentário completo de Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura sobre o décimo canto como um livro à parte, que será sem dúvida apreciado tanto por devotos quanto por não-devotos. Os comentários do ācārya sobre este verso são os seguintes:

“Neste contexto, faremos nossa análise segundo o método descrito no Ujjvala-nīlamaṇi, de Śrīla Rūpa Gosvāmī. Há duas categorias de gopīs: as eternamente perfeitas (as nitya-siddhas) e as que se torna­ram perfeitas mediante a prática de bhakti-yoga (as sādhana-siddhas). As sādhana-siddhas são de duas categorias: as que pertencem a grupos especiais e as que não pertencem. E também existem duas classes das gopīs que pertencem a grupos especiais, a saber, as śruti-cārīs, que vêm do grupo dos Vedas personificados, e as ṛṣi-cārīs, que vêm do grupo de sábios que viram o Senhor Rāmacandra na floresta de Daṇḍakāraṇya.

“O Padma Purāṇa apresenta esta mesma divisão das gopīs em quatro categorias:

gopyas tu śrutayo jñeyā
ṛṣi-jā gopa-kanyakāḥ
deva-kanyāś ca rājendra
na mānuṣyāḥ kathañcana

‘Entende-se que algumas das gopīs são os textos védicos personificados, enquanto outras são sábios renascidos, filhas de vaqueiros ou donzelas celestiais. Porém, meu querido rei, nenhuma delas é, de modo algum, um ser humano ordinário.’ Aqui somos informados de que, embora parecessem ser vaqueirinhas humanas, as gopīs de fato não o eram. Assim se refuta a controvérsia de serem elas mortais.

“As filhas de vaqueiros, aqui chamadas gopa-kanyās, devem ser eternamente perfeitas, pois jamais ouvimos falar que elas tenham executado algum sādhana. O aparente sādhana de sua adoração à deusa Kātyāyanī no papel de gopīs apenas manifesta sua maneira de agir como seres humanos, e o Bhāgavatam traz o relato desta adoração apenas para mostrar como elas tinham assumido na íntegra o papel de vaqueirinhas.

“Que as gopīs gopa-kanyā são de fato nitya-siddhas, devotas eternamente perfeitas do Senhor, é estabelecido por uma declaração da Brahma-saṁhitā (5.37) – ānanda-cinmaya-rasa-pratibhāvitābhiḥ –, que prova que elas são a potência espiritual de prazer do Senhor. Temos também as palavras do Gautamīya-tantra: hlādinī yā mahā-śaktiḥ. Corroboração adicional de sua eterna perfeição é o fato de essas gopīs, sendo coeternas com o Senhor Kṛṣṇa, seu amante, são mencionadas junto com Ele no mantra de dezoito sílabas, no mantra de dez sílabas e outros, e também o fato de a adoração desses mantras, e também os śrutis que os apresentam, existirem desde tempos ime­moriais.

“O Śrī Ujjvala-nīlamaṇi explica que as deva-kanyās, filhas dos semideuses, mencionadas no verso iniciado por sambhavas tv amara­-striyaḥ, são expansões parciais das gopīs que são eternamente perfeitas. Compreende-se que as gopīs śruti-cārī, os Vedas personificados, são sādhana-siddhas devido às seguintes palavras delas citadas no Bṛhad-vāmana Purāṇa:

kandarpa-koṭi-lāvaṇye
tvayi dṛṣṭe manāṁsi naḥ
kāminī-bhāvam āsādya
smara-kṣubdhānya-saṁśayāḥ

yathā tval-loka-vāsinyaḥ
kāma-tattvena gopikāḥ
bhajanti ramaṇaṁ matvā
cikīrṣājaninas tathā

‘Desde que vimos Vosso rosto, que possui a beleza de milhões de Cupidos, nossas mentes passaram a desejar-Vos luxuriosamente, como o fazem jovens mocinhas, e esquecemos todas as outras seduções. Desenvol­vemos o desejo de nos relacionarmos conVosco como o fazem as gopīs que resi­dem em Vosso planeta transcendental e que manifestam a natureza de Cupido adorando-Vos com a ideia de que sois seu amante.’

“As gopīs ṛṣi-cārī são também sādhana-siddha, como se afirma no Ujjvala-nīlamaṇi: gopālopāsakāḥ pūrvam aprāptābhīṣṭa-siddhayaḥ. Outrora, todas elas eram mahārṣis que moravam na floresta de Daṇḍaka. Encontramos evidência disso no Padma Purāṇa, Uttara-khaṇḍa:

dṛṣṭvā rāmaṁ hariṁ tatra
bhoktum aicchan su-vigraham
te sarve strītvam āpannāḥ
samudbhūtāś ca gokule
hariṁ samprāpya kāmena
tato muktā bhavārṇavāt

“Este verso diz que, após verem o Senhor Rāmacandra, os sábios da floresta de Daṇḍaka desejaram desfrutar com o Senhor Hari (Kṛṣṇa). Em outras palavras, a visão da beleza do Senhor Rāma os fez lembrar do Senhor Hari, Gopāla, seu objeto de adoração pessoal, e então eles quiseram desfrutar com Ele. Contudo, devido ao embaraço, eles não agiram de acordo com esse desejo, ao que Śrī Rāma, que é como uma árvore dos desejos, deu-lhes Sua misericórdia, ainda que eles não tivessem manifestado seu pedido em palavras. Dessa maneira, o desejo deles foi satisfeito como o declaram as palavras que começam com te sarve. Por meio de sua atração luxuriosa, eles se libertaram do oceano da existência material e do ciclo de nascimentos e mortes e, por coincidência, obtiveram a associação com Hari em amor conjugal.

“No presente verso do Bhāgavatam, entendemos que as gopīs que tinham filhos é que foram forçadas a permanecer em casa. Esse fato ficará evidente em versos que ainda estão por vir: mātaraḥ pitaraḥ putrāḥ (SB 10.29.20), yat-paty-apatya-suhṛdām anuvṛttir aṅga (SB 10.29.32) e pati-sutānvaya-bhrātṛ-bāndhavān (SB 10.31.16). Em seus comentários sobre o décimo canto, Śrīla Kavi-karṇapūra Gosvāmī menciona este fato. Sem tentar repetir todos os seus pensamentos sobre este verso, daremos a essência de seu significado:

“‘Ao verem a forma pessoal do Senhor Śrī Rāmacandra, os sábios que eram adoradores do Senhor Gopāla logo se elevaram à madura plataforma de devoção espontânea, alcançando automaticamente os níveis de fé firme, atração e apego. Mas eles ainda não se haviam livrado por completo de toda a contaminação material, de modo que Śrī Yogamāyā-devī providenciou para que eles nascessem dos ventres das gopīs e se tornassem vaqueirinhas. Mediante a associação com as gopīs eternamente perfeitas, algumas dessas novas gopīs manifes­taram plena atração amorosa pūrva-raga por Kṛṣṇa logo que alcançaram a puberdade. (Esta espécie de atração se desenvolve até mesmo antes de se encontrar o amado.) Quando essas novas gopīs obtiveram a audiência direta com Kṛṣṇa e se associaram fisicamente com Ele, toda a sua contaminação restante foi reduzida a cinzas, e elas alcança­ram as fases avançadas de prema, sneha e assim por diante.

“‘Ainda que estivessem na companhia de seus maridos vaqueiros, as gopīs, em virtude do poder de Yogamāyā, permaneceram imacula­das no que se refere ao contato sexual com eles; de fato, elas estavam situadas em corpos puramente espirituais, desfrutados por Kṛṣṇa. Na noite em que elas ouviram o som da flauta de Kṛṣṇa, seus maridos tentaram detê-las, mas, pela misericordiosa ajuda de Yogamāyā, as gopīs sādhana-siddha foram capazes de encontrar-se com seu amado, junto das gopīs nitya-siddha.

“‘Outras gopīs, todavia, por não conseguirem a boa fortuna de se associarem com as gopīs nitya-siddha e outras gopīs avançadas, não alcançaram a fase de prema, motivo pelo qual sua contaminação não foi queimada por completo. Elas entraram em contato com seus maridos vaqueiros e, depois da união sexual com eles, tiveram filhos. Porém, pouco tempo depois, mesmo essas gopīs desenvolveram seu pūrva­raga, ansiando ardentemente pela associação física com Kṛṣṇa – desejo este que elas adquiriram em decorrência da associação com as gopīs avançadas. Tornando-se recipientes dignos da misericórdia das gopīs perfeitas, elas assumiram corpos transcendentais aptos a ser desfrutados por Kṛṣṇa, e, quando Yogamāyā deixou de ajudá-las a vencer as tentativas de seus maridos de impedi-las de sair, elas se sentiram vítimas da pior calamidade. Vendo seus maridos, irmãos, pais e outros familiares como inimigos, elas chegaram quase a morrer. Assim como outras mulheres poderiam lembrar-se de suas mães ou outros parentes na hora da morte, essas gopīs se lembravam do único amigo de sua vida, Kṛṣṇa, como se declara no presente verso do Bhāgavatam, que começa com a palavra antar.

“‘Pode-se deduzir que aquelas senhoras não puderam sair porque foram retidas por seus maridos, que ficaram diante delas com varas nas mãos, censurando-as. Embora essas gopīs estivessem perpetuamente absortas em amor por Kṛṣṇa, naquele momento em particular, elas meditaram nEle e gritaram dentro de si: ‘Ai de mim! Ai de mim! Ó único amigo de nossa vida! Ó oceano das habilidades artísticas da floresta de Vṛndāvana! Por favor, permite que sejamos Tuas namora­das em alguma vida futura, porque, desta vez, não podemos ver Teus pés de lótus com nossos olhos. Que assim seja. Olharemos para Ti com nossas mentes.’ Cada uma delas, lamentando-se para si mesma dessa maneira, permaneceram de olhos fechados e meditaram pro­fundamente nEle.’”

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