VERSO 23
nibhṛta-marun-mano-’kṣa-dṛḍha-yoga-yujo hṛdi yan
munaya upāsate tad arayo ’pi yayuḥ smaraṇāt
striya uragendra-bhoga-bhuja-daṇḍa-viṣakta-dhiyo
vayam api te samāḥ sama-dṛśo ’ṅghri-saroja-sudhāḥ
nibhṛta — postos sob controle; marut — com respiração; manaḥ — mente; akṣa — e sentidos; dṛḍha-yoga — em yoga inabalável; yujaḥ — ocupados; hṛdi — no coração; yat — que; munayaḥ — sábios; upāsate — adoram; tat — aquilo; arayaḥ — inimigos; api — também; yayuḥ — alcançaram; smaraṇāt — lembrando; striyaḥ — mulheres; uraga-indra — de serpentes altivas; bhoga — (como) os corpos; bhuja — cujos braços; daṇḍa — como vara; viṣakta — atraídas; dhiyaḥ — cujas mentes; vayam — nós; api — também; te — a Vós; samāḥ — iguais; sama — igual; dṛśaḥ — cuja visão; aṅghri — dos pés; saroja — semelhante ao lótus; sudhāḥ — (saboreando) o néctar.
Pelo simples fato de pensar sempre nEle, os inimigos do Senhor alcançaram a mesma Verdade Suprema que sábios fixos em yoga adoram mediante o controle da respiração, mente e sentidos. De igual modo, nós, śrutis, que em geral Vos vemos como onipenetrante, conseguiremos o mesmo néctar de Vossos pés de lótus que Vossas esposas são capazes de saborear por causa de sua atração amorosa por Vossos poderosos braços serpentinos, pois considerais a nós e a Vossas esposas da mesma maneira.
SIGNIFICADO—Segundo o ācārya Śrī Jīva Gosvāmī, os poucos śrutis – como a Gopāla-tāpanī Upaniṣad – que identificam o vaqueirinho Kṛṣṇa como o Brahman absoluto em seu aspecto mais elevado tinham ficado até agora esperando pacientemente sua vez de falar. Mas depois de ouvirem os outros śrutis oferecerem orações que glorificavam publicamente a personalidade do Senhor, esses śrutis íntimos não puderam mais conter-se e, por isso, falaram fora de ordem neste verso.
Os seguidores do caminho do yoga místico subjugam os sentidos e a mente através da prática do controle da respiração e de severas austeridades. Caso logrem êxito em se purificar por completo por meio desta disciplina, eles podem, por fim, começar a compreender o Paramātmā, a forma pessoal de Brahman dentro do coração. E se continuam essa meditação sem desvio por muito tempo, podem acabar chegando ao ponto de verdadeira consciência de Deus. Mas o mesmo objetivo atingido desta maneira difícil e incerta foi também alcançado pelos demônios que foram mortos pelo Senhor Kṛṣṇa durante Seus passatempos na Terra. Sob a obsessão da inimizade ao Senhor, demônios como Kaṁsa e Śiśupāla obtiveram rapidamente a perfeição da liberação simplesmente por serem mortos por Ele.
Falando sobre si próprios, todavia, os Vedas personificados declaram nesta passagem que prefeririam desenvolver amor por Deus aprendendo a seguir o exemplo de rendição favorável dos devotos íntimos do Senhor Kṛṣṇa, sobretudo as jovens gopīs de Vraja. Embora aparentassem ser mulheres simples atraídas pela beleza e força físicas do Senhor com sentimento conjugal, as deusas de Vraja exibiam a perfeição máxima da meditação. Os śrutis desejam tornar-se exatamente como elas.
In this regard, Lord Brahmā relates the following historical account in the supplement to the Bṛhad-vāmana Purāṇa:
brahmānanda-mayo loko
vyāpī vaikuṇṭha-saṁjñitaḥ
tal-loka-vāsī tatra-sthaiḥ
stuto vedaiḥ parāt-paraḥ
“O mundo infinito de bem-aventurança espiritual chama-se Vaikuṇṭha, onde vive a Verdade Suprema, sendo glorificada pelos Vedas personificados, que ali também estão presentes.”
ciraṁ stutvā tatas tuṣṭaḥ
parokṣaṁ prāha tān girā
tuṣṭo ’smi brūta bho prājñā
varaṁ yaṁ manasepsitam
“Certa vez, depois que os Vedas O haviam louvado com primorosas orações, o Senhor ficou muito satisfeito e falou-lhes com uma voz cuja fonte permanecia invisível: ‘Meus queridos sábios, estou muito satisfeito convosco. Por favor, pedi-Me alguma bênção que desejais secretamente.’”
śrutaya ūcuḥ
yathā tal-loka-vāsinyaḥ
kāma-tattvena gopikāḥ
bhajanti ramaṇaṁ matvā
cikīrṣājani nas tathā
“Os śrutis responderam: Nós desenvolvemos o desejo de nos tornarmos como as vaqueiras do mundo mortal que, inspiradas pela luxúria, adoram-Vos com a atitude de uma amante.”
śrī-bhagavān uvāca
durlabho durghaṭaś caiva
yuṣmākaṁ sa manorathaḥ
mayānumoditaḥ samyak
satyo bhavitum arhati
“Então, o Senhor disse: Este vosso desejo é difícil de satisfazer. Em verdade, ele é quase impossível. Mas como Eu o estou sancionando, vosso desejo se concretizará inevitavelmente.”
āgāmini viriñcau tu
jāte sṛṣṭy-artham udite
kalpaṁ sāraśvataṁ prāpya
vraje gopyo bhaviṣyatha
“Quando o próximo Brahmā nascer para executar fielmente seus deveres relacionados com a criação, e quando o dia de sua vida chamado Sārasvata-kalpa chegar, todos vós aparecereis em Vraja como gopīs.”
pṛthivyāṁ bhārate kṣetre
māthure mama maṇḍale
vṛndāvane bhaviṣyāmi
preyān vo rāsa-maṇḍale
“Na Terra, no país de Bhārata, em Meu distrito de Mathurā, na floresta de Vṛndāvana, Eu Me tornarei vosso amado no círculo da dança da rāsa.”
jāra-dharmeṇa su-snehaṁ
su-dṛḍhaṁ sarvato ’dhikam
mayi samprāpya sarve ’pi
kṛta-kṛtyā bhaviṣyatha
“Obtendo-Me assim como vosso amante, todos vós ganhareis o mais enaltecido e inabalável amor puro por Mim e, dessa maneira, satisfareis todas as vossas ambições.”
brahmovāca
śrutvaitac cintayantyas tā
rūpaṁ bhagavataś ciram
ukta-kālaṁ samāsādya
gopyo bhūtvā hariṁ gatāḥ
“O senhor Brahmā disse: Após ouvirem essas palavras, os śrutis meditaram por muito tempo na beleza da Personalidade de Deus. Quando afinal chegou o tempo designado, eles se tornaram gopīs e obtiveram a associação com Kṛṣṇa.”
Pode-se encontrar um relato semelhante no Sṛṣṭi-khaṇḍa do Padma Purāṇa, que descreve como o mantra Gāyatrī também se tornou uma gopī.
Com relação ao desenvolvimento de bhakti, o Senhor Kṛṣṇa diz ainda na Gopāla-tāpanī Upaniṣad (Uttara 4), apūtaḥ pūto bhavati yaṁ māṁ smṛtvā, avratī vratī bhavati yaṁ māṁ smṛtvā, niṣkāmaḥ sa-kāmo bhavati yaṁ māṁ smṛtvā, aśrotrī śrotrī bhavati yaṁ māṁ smṛtvā: “Por lembrar-se de Mim, quem é impuro torna-se puro. Por lembrar-se de Mim, quem não segue votos torna-se um estrito seguidor de votos. Por lembrar-se de Mim, quem não tem desejos desenvolve desejos [de Me servir]. Por lembrar-se de Mim, quem não estudou os mantras védicos torna-se um perito conhecedor dos Vedas.”
A Bṛhad-āraṇyaka Upaniṣad (4.5.6) refere-se aos passos graduais no processo de tornar-se consciente de Kṛṣṇa, ātmā vā are draṣṭavyaḥ śrotavyo mantavyo nididhyāsitavyaḥ: “É o Eu que se deve observar, é sobre o Eu que se deve ouvir, pensar e meditar com concentração fixa.” A ideia aqui é que se deve compreender o Eu Supremo como diretamente visível em Sua plena personalidade pelos seguintes meios: Primeiro a pessoa deve ouvir as instruções de um representante qualificado do Paramātmā e aceitar as palavras de tal mestre espiritual em Seu coração oferecendo-lhe serviço humilde e esforçando-se de todos os modos para agradá-lo. Deve, então, ponderar continuamente a mensagem divina do mestre espiritual, com o objetivo de dissipar todas as dúvidas e concepções falsas. Então, a pessoa pode passar a meditar nos pés de lótus do Senhor Supremo com total convicção e determinação.
Pretensos jñānīs podem achar que as Upaniṣads louvam a percepção nirviśeṣa (impessoal) acerca do Supremo como mais completa e final do que a adoração sa-viśeṣa (pessoal) da Divindade Suprema. Todos os vaiṣṇavas honestos, todavia, concordam em aderir ao serviço devocional prestado ao Senhor Supremo, sempre meditando com prazer em Suas qualidades espirituais infinitamente admiráveis e variadas. Nas palavras dos śruti-mantras, yam evaiṣa vṛṇute tena labhyas/ tasyaiṣa ātmā vivṛṇute tanūṁ svām: “Àquele a quem a Alma Suprema escolhe, Ele Se torna alcançável. A essa pessoa, a Alma Suprema revela Sua forma pessoal.” (Kaṭha Upaniṣad 1.2.23 e Muṇḍaka Upaniṣad 3.2.3)
Śrīla Śrīdhara Svāmī conclui com a oração:
caraṇa-smaraṇaṁ premṇā
tava deva su-durlabham
yathā kathañcid nṛ-hare
mama bhūyād ahar-niśam
“Ó Senhor, é muito raro conseguir lembrar-se amorosamente de Vossos pés de lótus. Por favor, ó Nṛhari, de algum modo, fazei com que eu tenha esta lembrança dia e noite.”