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VERSO 25

janim asataḥ sato mṛtim utātmani ye ca bhidāṁ
vipaṇam ṛtaṁ smaranty upadiśanti ta ārupitaiḥ
tri-guṇa-mayaḥ pumān iti bhidā yad abodha-kṛtā
tvayi na tataḥ paratra sa bhaved avabodha-rase

janim — criação; asataḥ — do mundo manifestado (a partir de átomos); sataḥ — daquilo que é eterno; mṛtim — destruição; uta — também; ātmani — na alma; ye — que; ca — e; bhidām — dualidade; vipaṇam — negócio mundano; ṛtam — real; smaranti — declaram com autoridade; upadiśanti — ensinam; te — eles; ārupitaiḥ — em termos de ilusões im­postas à realidade; tri — três; guṇa — dos modos materiais; mayaḥ — composta; pumān — a entidade viva; iti — assim; bhidā — concepção dualística; yat — que; abodha — por ignorância; kṛtā — criada; tvayi­ — em Vós; na — não; tataḥ — a esta; paratra — transcendental; saḥ — aque­la (ignorância); bhavet — pode existir; avabodha — consciência total; rase — cuja composição.

Supostas autoridades que declaram que a matéria é a origem da existência, que as qualidades permanentes da alma podem ser destruídas, que o eu se compõe de aspectos separados de espírito e matéria, ou que as transações materiais constituem a realidade – todas estas autoridades baseiam seus ensinamentos em ideias equivocadas e que escondem a verdade. O conceito dualista de que a entidade viva é produto dos três modos da natureza não passa de mero resultado da ignorância. Tal concepção não tem base real em Vós, pois sois transcendental a toda ilusão e sempre des­frutais de uma consciência total e perfeita.

SIGNIFICADO—A verdadeira posição da Suprema Personalidade é um mistério sublime, como o é também a posição dependente da alma jīva. A maioria dos pensadores está enganada de um modo ou de outro sobre essas verdades, pois há incontáveis variedades de designações falsas que podem cobrir a alma e criar ilusões. As almas condicionadas tolas estão sujeitas a enganos óbvios, mas o poder ilusório de māyā pode facilmente subverter a inteligência até dos mais sofisticados filósofos e místicos. Por isso, existem sempre divergentes escolas de pensa­mento que propõem teorias conflitantes a respeito dos princípios bá­sicos da verdade.

Na filosofia indiana tradicional, os seguidores das filosofias vaiśeṣika, nyāya, sāṅkhya, yoga e mīmāṁsā têm todos suas próprias ideias errôneas, as quais os Vedas personificados ressaltam nesta oração. Os vaiśeṣikas dizem que o universo visível é criado a partir de um estoque original de átomos (janim asataḥ). Como declaram os Vaiśeṣika-sūtras (7.1.20) de Kaṇāda Ṛṣi, nityaṁ parimaṇḍalam: “Aquilo que tem o menor tamanho, o átomo, é eterno.” Kaṇāda e seus segui­dores também aceitam a eternidade de outras entidades não-atômicas, inclusive das almas que se tornam corporificadas, e até mesmo de uma Alma Suprema. Na cosmologia vaiśeṣika, porém, as almas e a Su­peralma têm apenas papéis simbólicos na produção atômica do universo. Śrīla Kṛṣṇa-dvaipāyana Vedavyāsa critica essa posição em seus Vedānta-sūtras (2.2.12): ubhayathāpi na karmātas tad-abhāvaḥ. Segundo este sūtra, não se pode alegar que, no momento da criação, os átomos primeiro se combinam porque são impelidos por algum impulso kármico que influencia os próprios átomos, já que os átomos por si sós, em seu estado primordial antes de se combinarem em obje­tos complexos, não têm responsabilidade ética que possa levá-los a adquirir reações piedosas e pecaminosas. Tampouco se pode explicar a combinação inicial dos átomos como resultado do karma remanes­cente das entidades vivas que jazem adormecidas antes da criação, já que essas reações são próprias de cada jīva e não podem ser transfe­ridas delas nem mesmo para outras jīvas, e o que se dizer de átomos inertes.

Alternativamente, a frase janim asataḥ pode ser tomada como alu­são à filosofia yoga de Patañjali Ṛṣi, visto que seus Yoga-sūtras ensi­nam a pessoa a como conseguir a posição transcendental de Brahman por meio de um processo mecânico de exercício e meditação. O mé­todo de yoga de Patañjali é aqui chamado asat porque ignora o aspecto essencial da devoção – rendição à vontade da Pessoa Suprema. Como diz o Senhor Kṛṣṇa na Bhagavad-gītā (17.28):

aśraddhayā hutaṁ dattaṁ
tapas taptaṁ kṛtaṁ ca yat
asad ity ucyate pārtha
na ca tat pretya no iha

 “Tudo aquilo que é feito como sacrifício, caridade ou penitência sem fé no Supremo, ó filho de Pṛthā, é impermanente. Chama-se asat e é inútil tanto nesta vida quanto na próxima.”

Os Yoga-sūtras reconhecem a Personalidade de Deus de maneira indireta, mas apenas como um auxílio que o yogī que está avançando pode utilizar. Īśvara-praṇidhānād vā: “A meditação devocional em Deus é mais um meio de se conseguir concentração.” (Yoga-sūtra 1.23) Em contraste, a filosofia vedānta de Bādarāyaṇa Vedavyāsa enfatiza o serviço devocional não apenas como o principal meio de libe­ração, mas também como idêntico à própria liberação. Ā-prāyaṇāt tatrāpi hi dṛṣṭam: “A adoração ao Senhor continua até o momento da liberação, e de fato prossegue também no estado liberado, como revelam os Vedas.” (Vedānta-sūtra 4.1.12)

Gautama Ṛṣi, em seus Nyāya-sūtras, propõe que se pode alcançar a liberação mediante a negação tanto da ilusão quanto da infelicidade, duḥkha-janma-pravṛtti-doṣa-mithyā-jñānānām uttarottarāpāye tad-anantarābhāvād apavargaḥ: “Pela sucessiva destruição de concei­tos falsos, mau caráter, ação enleante, renascimento e dor – o desaparecimento de um destes permitindo o desaparecimento do pró­ximo – pode-se alcançar a liberação final.” (Nyāya-sūtra 1.1.2) Mas como acreditam que a consciência não é uma qualidade essencial da alma, os seguidores da filosofia nyāya ensinam que uma alma libera­da não tem consciência. A ideia nyāya de liberação, portanto, coloca a alma em um estado de pedra morta. Os Vedas personificados chamam de sato mṛtim a tentativa desses filósofos de matar a consciência inata da alma. Porém, o Vedānta-sūtra (2.3.17) afirma de forma inequívoca que jño ’ta eva: “A alma jīva é sempre um conhecedor.”

Embora a alma seja, em verdade, consciente e ativa, os proponentes da filosofia sāṅkhya erradamente separam essas duas funções da força viva (ātmani ye ca bhidām), atribuindo consciência à alma (puruṣa) e atividade à natureza material (prakṛti). Segundo o Sāṅkhya-kārikā (19-20):

tasmāc ca viparyāsāt
siddhaṁ sākṣitvaṁ puruṣasya
kaivalyaṁ madhya-sthyaṁ
draṣṭṛtvam akartṛ-bhāvaś ca

“Assim, visto que as diferenças aparentes entre os puruṣas são ape­nas superficiais (decorrentes dos vários modos da natureza que os cobrem), prova-se que a verdadeira condição do puruṣa é a de testemunha, caracterizada por sua separatividade, sua indiferença passiva, sua condição de observador e sua inatividade.”

tasmāt tat-saṁyogād
acetanaṁ cetanā-vad iva liṅgam
guṇa-kartṛtve ’pi tathā
karteva bhavaty udāsīnaḥ

“Dessa maneira, pelo contato com a alma, o corpo sutil inconsciente parece ser consciente, enquanto a alma parece ser o agente, embora esteja à parte da atividade dos modos da natureza.”

Śrīla Vyāsadeva refuta essa ideia na seção do Vedānta-sūtra (2.3.31-39) que começa com kartā śāstrārtha-vattvāt: “A alma jīva tem que ser um realizador de ações, porque os preceitos das escrituras devem ter algum propósito.” O ācārya Baladeva Vidyābhūṣaṇa, em seu Govinda-bhāṣya, explica: “A jīva, e não os modos da natureza, é o agente. Por quê? Porque os preceitos das escrituras devem ter algum propósito (śāstrārtha-vattvāt). Por exemplo, preceitos das escrituras tais como svarga-kāmo yajeta (‘Quem deseja alcançar o céu deve executar sacrifício ritualístico’) e ātmānam eva lokam upāsīta (Bṛhad-āraṇyaka Upaniṣad 1.4.15): ‘Deve-se realizar adoração com o objetivo de alcançar o reino espiritual’) são significativas apenas se existe um agente consciente. Se os modos da natureza fossem o agente, essas declarações não teriam propósito. Afinal, os preceitos das escrituras ocupam a entidade viva em executar ações prescritas convencendo que ela pode agir de tal forma que produzirá certos resultados agra­dáveis. Tal mentalidade não pode ser despertada nos modos inertes da natureza.”

Jaimini Ṛṣi, em seus Pūrva-mīmāṁsā-sūtras, apresenta o traba­lho material e seus resultados como o somatório de toda a realidade (vipaṇam ṛtam). Ele e proponentes posteriores da filosofia karma­-mīmāṁsā ensinam que a existência material é infinita – que não existe liberação. Para eles, o ciclo do karma é perpétuo, e o melhor a que se pode aspirar é a um nascimento superior entre os semideu­ses. Portanto, eles dizem que todo o propósito dos Vedas é ocupar os seres humanos em rituais para criar bom karma, em consequência do que a primordial responsabilidade da alma madura é verificar o sen­tido exato dos preceitos védicos sobre os sacrifícios e executá-los. Codanā-lakṣaṇo ’rtho dharmaḥ: “Dever é aquilo que é indicado pelos preceitos dos Vedas.” (Pūrva-mīmāṁsā-sūtra 1.1.2)

Todavia, o Vedānta-sūtra – sobretudo no quarto capítulo, que trata da meta última da vida – descreve em detalhes o potencial da alma para se libertar dos nascimentos e mortes, ao passo que subor­dina o sacrifício ritualístico ao papel de ajudar a quem deseja quali­ficar-se para receber conhecimento espiritual. Como afirma o próprio Vedānta-sūtra (4.1.16), agnihotrādi tu tat-kāryāyaiva tad-darśanāt: “O Agnihotra e outros sacrifícios védicos destinam-se apenas a pro­duzir conhecimento conforme mostram as afirmações dos Vedas.” E as próprias últimas palavras do Vedānta-sūtra (4.4.22) proclamam que anāvṛtti śabdāt: “A alma liberada jamais retorna a este mundo, como se promete na escritura revelada.”

Assim, as conclusões falaciosas dos filósofos especuladores provam que mesmo grandes estudiosos e sábios muitas vezes se confundem devido ao mau uso de sua inteligência dada por Deus. Como diz a Kaṭha Upaniṣad (1.2.5):

avidyāyām antare vartamānāḥ
svayaṁ dhīrāḥ paṇḍitam-manyamānāḥ
jaṅghanyamānāḥ pariyanti mūḍhā
andhenaiva nīyamānā yathāndhāḥ

“Presos nas garras da ignorância, autoproclamados sábios conside­ram-se autoridades eruditas. Ludibriados, eles vagueiam por este mundo como cegos guiando cegos.”

Das seis filosofias ortodoxas da tradição védica – sāṅkhya, yoga, nyāya, vaiśeṣika, mīmāṁsā e vedānta – apenas o vedānta de Bādarāyaṇa Vyāsa está livre de erro, e mesmo este somente quando explicado de maneira apropriada pelos genuínos ācāryas vaiṣṇavas. Cada uma das seis escolas, não obstante, faz alguma contribuição prática à educação védica: o sāṅkhya ateísta explica como os elementos naturais evoluem do sutil para o grosseiro, o yoga de Patañjali descreve o método de meditação dividido em oito fases, o nyāya estabelece as técnicas da lógica, o vaiśeṣika considera as categorias metafísicas básicas da realidade, e o mīmāṁsā estabelece os instrumentos clássicos da interpretação das escrituras. Além destas seis, há também as filosofias mais desviadas, tais como as dos budistas, jainistas e cār­vākas, cujas teorias de niilismo e materialismo negam a integridade espiritual da alma eterna.

Em última análise, a única fonte perfeitamente confiável de co­nhecimento é o próprio Deus. A Personalidade de Deus é avabodha-­rasa, o reservatório infinito de visão infalível. Para os que dependem dEle com absoluta convicção, Ele concede o olho divino do conheci­mento. Outros, que seguem suas próprias teorias especulativas, têm de tatear em busca da verdade através da cortina escurecedora de māyā. Śrīla Śrīdhara Svāmī ora:

mithyā-tarka-śukarkaśerita-mahā-vādāndhakārāntara-
bhrāmyan-manda-mater amanda-mahimaṁs tvad-jñāna-vartmāsphuṭam
śrīman mādhava vāmana tri-nayana śrī-śaṅkara śrī-pate
govindeti mudā vadan madhu-pate muktaḥ kadā syām aham

“Para a alma perplexa que divaga nas trevas daquelas eminentes filosofias promovidas pelos ásperos métodos da falsa lógica, o cami­nho do verdadeiro conhecimento sobre Vós, ó Senhor de glória mag­nífica, permanece invisível. Ó Senhor de Madhu, esposo da deusa da fortuna, quando alcançarei a liberação através do cantar jubiloso de Vossos nomes – Mādhava, Vāmana, Trinayana, Śrī Śaṅkara, Śrīpati e Govinda?”

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