VERSO 10
akāmaḥ sarva-kāmo vā
mokṣa-kāma udāra-dhīḥ
tīvreṇa bhakti-yogena
yajeta puruṣaṁ param
akāmaḥ — alguém que transcendeu todos os desejos materiais; sarva-kāmaḥ — alguém que tem a soma total dos desejos materiais; vā — ou; mokṣa-kāmaḥ — alguém que deseja a liberação; udāra-dhīḥ — com inteligência ampla; tīvreṇa — com muita força; bhakti-yogena — através do serviço devocional ao Senhor; yajeta — deve adorar; puruṣam — o Senhor; param — o todo supremo.
A pessoa de inteligência mais desenvolvida, esteja ela repleta de todos os desejos materiais, não tenha nenhum desejo material ou deseje a liberação, deve, por todos os meios, adorar o todo supremo, a Personalidade de Deus.
SIGNIFICADO—A Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, é descrito na Bhagavad-gītā como puruṣottama, ou a Personalidade Suprema. Somente Ele pode conceder a liberação aos impersonalistas, absorvendo no brahmajyoti, os raios corpóreos do Senhor, esses aspirantes à liberação. O brahmajyoti não está separado do Senhor, assim como o refulgente raio solar não é independente do disco do Sol. Portanto, quem deseja imergir no supremo brahmajyoti impessoal também deve adorar o Senhor através de bhakti-yoga, como se recomenda aqui no Śrīmad-Bhāgavatam. Bhakti-yoga é especialmente enfatizada aqui como o meio de toda a perfeição. Nos capítulos anteriores, afirmou-se que bhakti-yoga é a meta última de karma-yoga e de jñāna-yoga, e, da mesma maneira, declara-se enfaticamente neste capítulo que bhakti-yoga é a meta última das diferentes variedades de adoração a diferentes semideuses. Bhakti-yoga, sendo assim o supremo meio de autorrealização, é aqui recomendada. Todos devem, portanto, adotar com seriedade os métodos de bhakti-yoga, muito embora alguém deseje o gozo material ou libertar-se do cativeiro material.
Akāmaḥ é aquele que não tem desejo material. O ser vivo, sendo naturalmente uma parte integrante do todo supremo puruṣaṁ pūrṇam, tem como função natural servir o Ser Supremo, assim como as partes integrantes do corpo, ou os membros do corpo, destinam-se naturalmente a servir o corpo completo. Ausência de desejos, portanto, não significa ser inerte como uma pedra, mas que a pessoa é consciente de sua verdadeira posição e, dessa maneira, deseja apenas a satisfação do Senhor Supremo. Em seu Sandarbha, Śrīla Jīva Gosvāmī explica essa ausência de desejos como bhajanīya-parama-puruṣa-sukha-mātra-sva-sukhatvam. Isso significa que a pessoa deve sentir-se feliz somente experimentando a felicidade do Senhor Supremo. Essa intuição do ser vivo às vezes se manifesta mesmo durante a etapa em que ele está condicionado ao mundo material, e a mente não desenvolvida de pessoas menos inteligentes expressa essa intuição na forma de altruísmo, filantropia, socialismo, comunismo etc. No campo mundano, procurar fazer o bem aos outros, que vivem na sociedade, comunidade, família, nação ou pertencem à raça humana, é uma manifestação parcial do mesmo sentimento original no qual uma entidade viva pura sente felicidade com a felicidade do Senhor Supremo. Esses sentimentos primorosos foram manifestos pelas donzelas de Vrajabhūmi que queriam a felicidade do Senhor. As gopīs amavam o Senhor sem receberem nada em troca, e essa é a manifestação perfeita do espírito akāmaḥ. O espírito kāma, ou o desejo de satisfação pessoal, exibe-se plenamente no mundo material, ao passo que o espírito de akāmaḥ manifesta-se plenamente no mundo espiritual.
Quem pensa em tornar-se uno com o Senhor, ou imergir no brahmajyoti, também pode estar manifestando o espírito kāma se ele deseja sua própria satisfação, libertando-se das dores materiais. O devoto puro não quer a liberação só para aliviar-se das dores da vida. Mesmo sem a dita liberação, o devoto puro procura satisfazer o Senhor. Influenciado pelo espírito kāma, Arjuna se recusou a lutar no campo de batalha de Kurukṣetra porque, interessado em sua própria satisfação, queria salvar seus parentes. Porém, sendo um devoto puro, aceitou a instrução do Senhor e concordou em lutar, pois voltou à razão e compreendeu que satisfazer o Senhor, sacrificando sua própria satisfação, era seu dever primordial. Assim, tornou-se akāma. Essa é a fase perfeita do ser vivo perfeito.
Udāra-dhīḥ aplica-se a alguém que tem uma perspectiva ampla. As pessoas com desejos de gozo material adoram pequenos semideuses, e a Bhagavad-gītā (7.20) condena essa inteligência como hṛta-jñāna, a inteligência de alguém que perdeu o juízo. Sem a sanção do Senhor Supremo, os semideuses não podem outorgar nada a ninguém. Portanto, a pessoa com visão ampla pode ver que a autoridade última é o Senhor, mesmo quando se refere a benefícios materiais. Nessas circunstâncias, a pessoa com visão ampla, mesmo que deseje gozo material ou liberação, deve passar a adorar diretamente o Senhor. E todos, quer se trate de um akāma, sakāma ou mokṣa-kāma, devem adorar o Senhor com muita diligência. Isso implica que bhakti-yoga pode ser perfeitamente praticada sem nenhuma mistura de karma e jñāna. Assim como o raio solar puro é muito potente e, portanto, é chamado tīvra, do mesmo modo, o bhakti-yoga puramente sob a forma de ouvir, cantar etc. pode ser realizado por toda e qualquer pessoa, não importando qual seja a motivação interna.