VERSOS 40-41
viśuddhaṁ kevalaṁ jñānaṁ
pratyak samyag avasthitam
satyaṁ pūrṇam anādy-antaṁ
nirguṇaṁ nityam advayam
ṛṣe vidanti munayaḥ
praśāntātmendriyāśayāḥ
yadā tad evāsat-tarkais
tirodhīyeta viplutam
viśuddham — sem nenhum vestígio material; kevalam — puro e perfeito; jñānam — conhecimento; pratyak — onipenetrante; samyak — por completo; avasthitam — situado; satyam — verdade; pūrṇam — absoluta; anādi — sem começo algum; antam — e, portanto, também sem final algum; nirguṇam — desprovido de modos materiais; nityam — eterno; advayam — sem rival algum; ṛṣe — ó Nārada, ó grande sábio; vidanti — eles podem apenas entender; munayaḥ — os grandes pensadores; praśānta — apaziguado; ātma — teu; indriya — sentidos; āśayāḥ — abrigados; yadā — enquanto; tat — isso; eva — decerto; asat — infundados; tarkaiḥ — argumentos; tiraḥ-dhīyeta — desaparece; viplutam — distorcidos.
A Personalidade de Deus é pura, estando livre de todas as contaminações de vestígios materiais. Ele é a Verdade Absoluta e a corporificação do conhecimento pleno e perfeito. Ele é onipenetrante, sem começo nem fim, e sem rival. Ó Nārada, ó grande sábio, os grandes pensadores poderão conhecê-lO quando estiverem inteiramente livres de todos os anseios materiais e quando estiverem abrigados sob os sentidos imperturbáveis. Caso contrário, através de argumentos infundados, tudo é distorcido, e o Senhor desaparece de nossa visão.
SIGNIFICADO—Aqui temos uma estimativa do Senhor, sem levar em conta Suas atividades transcendentais nas criações materiais temporárias. A filosofia māyāvāda tenta designar o Senhor como contaminado por um corpo material quando Ele aceita formas de encarnações. Essa espécie de conotação é completamente negada aqui através da explicação de que a posição do Senhor é pura e imaculada em todas as circunstâncias. Segundo a filosofia māyāvāda, a alma espiritual, quando coberta pela ignorância, é designada como jīva, mas, quando livre dessa ignorância, ou necedade, ela imerge na existência impessoal da Verdade Absoluta. Aqui, todavia, afirma-se que o Senhor é eternamente o símbolo de conhecimento pleno e perfeito. Esta é a Sua especialidade: liberdade perpétua de todas as contaminações materiais. Isso distingue o Senhor e as entidades vivas comuns individuais, que têm a tendência de se subordinarem à ignorância e, assim, aceitar designações materiais. Nos Vedas, afirma-se que o Senhor é vijñānam ānandam, pleno de bem-aventurança e conhecimento. As almas condicionadas jamais podem ser comparadas a Ele porque essas almas individuais têm a tendência a se contaminar. Embora, após a liberação, a entidade viva possa existir com a mesma qualidade do Senhor, sua própria tendência de tornar-se contaminada, a qual o Senhor nunca tem, torna a entidade viva individual diferente do Senhor. Nos Vedas, afirma-se que śuddham apāpa-viddham: o ātmā individual polui-se com o pecado, mas o Senhor nunca Se contamina com pecados. O Senhor é comparado ao poderoso Sol. O Sol nunca é contaminado por nenhuma substância infecciosa porque ele é muito poderoso. Ao contrário, substâncias infectadas são esterilizadas pelos raios solares. Do mesmo modo, o Senhor nunca é contaminado por pecados; ao contrário, as entidades vivas pecaminosas se descontaminam através do contato com o Senhor. Isso significa que o Senhor também é onipenetrante como o Sol, daí a palavra pratyak ser usada neste verso. Nada está excluído da existência das expansões das potências do Senhor. O Senhor está dentro de tudo, e Ele abrange tudo também, mas Ele não Se deixa perturbar pelas atividades das almas individuais. Portanto, Ele é infinito, e as entidades vivas são infinitesimais. Nos Vedas, afirma-se que apenas o Senhor existe independentemente, e que todas as outras existências dependem dEle. Ele é o reservatório que produz a capacidade de todos existirem; Ele é a Verdade Suprema de todas as outras verdades categóricas. Ele é a fonte da opulência de todos, motivo pelo qual ninguém pode igualar-se a Ele em opulência. Sendo pleno de todas as opulências, a saber, riqueza, fama, força, beleza, conhecimento e renúncia, com certeza Ele é a Pessoa Suprema. E como é uma pessoa, Ele tem muitas qualidades pessoais, embora seja transcendental aos modos materiais. Já discutimos a afirmação itthaṁ-bhūta-guṇo hariḥ (Śrīmad-Bhāgavatam 1.7.10). Suas qualidades transcendentais são tão atrativas que mesmo as almas liberadas (ātmārāmas) também se sentem atraídas por elas. Muito embora possua todas as qualidades pessoais, Ele é onipotente. Portanto, Ele nada tem a fazer pessoalmente, pois tudo está sendo executado por Suas energias onipotentes. Isso é confirmado pelos mantras védicos: parāsya śaktir vividhaiva śrūyate svābhāvikī jñāna-bala-kriyā ca. Isto sugere Sua forma espiritual específica, que nunca pode ser experimentada pelos sentidos materiais. Ele pode ser visto apenas quando os sentidos são purificados pelo serviço devocional (yam evaiṣa vṛṇute tena labhyaḥ). Nesse caso, existem diferenças básicas entre o Senhor e as entidades vivas sob muitos aspectos. Ninguém pode ser comparado ao Senhor, como os Vedas declaram (ekam evādvitīyaṁ brahma, dvaitād vai bhayaṁ bhavati). O Senhor não tem competidor, e Ele nada tem a temer de algum outro ser, tampouco pode alguém se igualar a Ele. Embora Ele seja a raiz de todos os outros seres, existem diferenças básicas entre Ele e os outros seres. Caso contrário, não teria sido necessário afirmar no verso anterior que ninguém pode conhecê-lO cem por cento como Ele é (na yaṁ vidanti tattvena). Neste verso também se explica que ninguém pode compreendê-lO na íntegra, mas aqui se menciona a qualificação para compreendê-lO até certo ponto. Somente os praśāntas, ou os devotos imaculados do Senhor, podem conhecê-lO em maior proporção. A razão é que tudo o que os devotos exigem em suas vidas é servir obedientemente ao Senhor, enquanto todos os outros, a saber, os filósofos empíricos, os místicos e os trabalhadores fruitivos, todos basicamente fazem alguma exigência e, nesse caso, não podem viver em paz. O trabalhador fruitivo quer recompensa pelo seu trabalho, o místico quer alguma perfeição na vida, e o filósofo empírico quer imergir na existência do Senhor. De alguma maneira, enquanto houver desejo de gozo dos sentidos, não haverá oportunidade de se viver em paz; ao contrário, através de argumentos especulativos secos e desnecessários, tudo fica distorcido, e o Senhor, dessa maneira, afasta-Se ainda mais de nossa compreensão. Os especuladores áridos, entretanto, devido ao fato de seguirem os princípios de austeridade e penitência, podem conhecer, até certo ponto, os aspectos impessoais do Senhor, mas não há possibilidade de que compreendam Sua forma última como Govinda, pois apenas os amalātmanas, ou as pessoas completamente livres de pecados, podem aceitar o serviço devocional puro ao Senhor, como se confirma na Bhagavad-gītā (7.28):
yeṣāṁ tv anta-gataṁ pāpaṁ
janānāṁ puṇya-karmaṇām
te dvandva-moha-nirmuktā
bhajante māṁ dṛḍha-vratāḥ