VERSOS 39-40
imaṁ lokaṁ tathaivāmum
ātmānam ubhayāyinam
ātmānam anu ye ceha
ye rāyaḥ paśavo gṛhāḥ
visṛjya sarvān anyāṁś ca
mām evaṁ viśvato-mukham
bhajanty ananyayā bhaktyā
tān mṛtyor atipāraye
imam — este; lokam — mundo; tathā — de acordo com; eva — certamente; amum — esse mundo; ātmānam — o corpo sutil; ubhaya — em ambos; ayinam — viajando; ātmānam — o corpo; anu — em relação com; ye — aqueles que; ca — também; iha — neste mundo; ye — aquilo que; rāyaḥ — riqueza; paśavaḥ — gado; gṛhāḥ — casas; visṛjya — tendo abandonado; sarvān — tudo; anyān — outro; ca — e; mām — a Mim; evam — assim; viśvataḥ-mukham — o Senhor onipenetrante do universo; bhajanti — eles adoram; ananyayā — inabalável; bhaktyā — com serviço devocional; tān — a eles; mṛtyoḥ — da morte; atipāraye — Eu levo para o outro lado.
Assim, o devoto que adora a Mim, o Senhor onipenetrante do universo, com serviço devocional inabalável, abandona todas as aspirações a ser promovido a planetas celestiais ou a tornar-se feliz neste mundo com riqueza, filhos, gado, lar ou qualquer coisa relativa ao corpo. Eu o levo para o outro lado do nascimento e da morte.
SIGNIFICADO—Serviço devocional inabalável, como se descreve nestes dois versos, significa ocupar-se em plena consciência de Kṛṣṇa, ou serviço devocional, aceitando o Senhor Supremo como tudo que há. Uma vez que o Senhor Supremo é inclui tudo, se alguém O adorar com fé inabalável, terá alcançado automaticamente todas as demais opulências e executado todos os demais deveres. Neste verso, o Senhor promete que leva Seu devoto para o outro lado do nascimento e da morte. O Senhor Caitanya, portanto, recomendou a quem aspira a transcender nascimento e morte que não deve ter posses materiais. Isso significa que não se deve tentar ser feliz neste mundo ou ser promovido ao mundo celestial, nem se esforçar por obter riqueza material, filhos, casas ou gado.
Os sintomas da liberação e como ela é alcançada imperceptivelmente pelo devoto puro já foram explicados. Para a alma condicionada, há dois status de vida. Um status é nossa vida atual, e o outro é nossa preparação para a vida seguinte. Se estou no modo da bondade, posso estar me preparando para a promoção aos planetas superiores; se estou no modo da paixão, permanecerei aqui numa sociedade onde haja muita atividade, e se estou no modo da ignorância, posso me degradar à vida animal ou a um grau inferior de vida humana. Para o devoto, entretanto, não há interesse por esta vida nem pela vida seguinte, porque em nenhuma vida ele deseja elevação em termos de prosperidade material ou uma vida de grau superior ou grau inferior. Ele ora ao Senhor: “Meu querido Senhor, não me importa onde nascerei, mas deixa-me nascer, mesmo que seja como uma formiga, na casa de um devoto.” O devoto puro não ora ao Senhor pedindo a liberação deste cativeiro material. Na verdade, o devoto puro nunca pensa que está apto para a liberação. Considerando sua vida passada e suas atividades malignas, ele se acha digno de ser enviado à mais baixa região do inferno. Se nesta vida estou tentando me tornar um devoto, isso não quer dizer que, em minhas muitas vidas passadas, eu era cem por cento piedoso. Isso não acontece. O devoto, portanto, é sempre consciente de sua verdadeira posição. É apenas devido à sua plena rendição ao Senhor, pela graça do Senhor, que seus sofrimentos são abrandados. Como se afirma na Bhagavad-gītā: “Rende-te a Mim, e te protegerei de todas as espécies de reações pecaminosas.” Essa é a Sua misericórdia. Mas isso não significa que alguém que se rendeu aos pés de lótus do Senhor não tenha cometido más ações em sua vida passada. O devoto sempre ora: “Por minhas más ações, que eu nasça repetidamente, mas minha única súplica é que eu não me esqueça de Teu serviço.” O devoto tem essa força mental, e ora ao Senhor: “Que eu nasça repetidamente, mas deixa-me nascer no lar de Teu devoto puro para que eu possa outra vez ter a oportunidade de me desenvolver.”
O devoto puro não anseia por elevar-se em seu próximo nascimento. Ele já abandonou esse tipo de esperança. Em qualquer condição de vida em que se nasça, como chefe de família, ou mesmo como animal, sempre se tem alguns filhos, alguns recursos ou algumas posses, mas o devoto não anseia possuir nada. Ele se contenta com qualquer coisa que obtenha pela graça do Senhor. Não está de modo algum apegado à ideia de melhorar seu status social ou de melhorar o status de educação de seus filhos. Ele não é negligente – é cumpridor de seus deveres –, mas não gasta muito tempo pensando em melhorar a temporária condição de sua família ou sua condição social. Ele se ocupa plenamente no serviço ao Senhor e, quanto aos outros assuntos, ele simplesmente lhes reserva o tempo absolutamente necessário (yathārham upayuñjataḥ). Um devoto puro assim não se importa com o que acontecerá na próxima vida ou nesta vida; ele nem mesmo se importa com família, filhos ou sociedade. Ele se ocupa plenamente no serviço ao Senhor em consciência de Kṛṣṇa. A Bhagavad-gītā afirma que, sem o devoto saber, o Senhor providencia sua transferência imediata à Sua morada transcendental logo após o devoto deixar este corpo. Após abandonar o corpo, o devoto não vai para o ventre de outra mãe. A entidade viva comum, após a morte, é transferida ao ventre de outra mãe, segundo seu karma, ou atividades, para receber outro tipo de corpo. Quanto ao devoto, porém, ele é imediatamente transferido ao mundo espiritual, na companhia do Senhor. Isso é a misericórdia especial do Senhor. Como isso é possível explica-se nos versos seguintes. Visto que é todo-poderoso, o Senhor pode fazer qualquer coisa. Ele pode perdoar todas as reações pecaminosas. Ele pode transferir imediatamente uma pessoa a Vaikuṇṭhaloka. Esse é o poder inconcebível da Suprema Personalidade de Deus, que tem disposição favorável aos devotos puros.