Capítulo Dezessete
Mahārāja Pṛthu Fica Irado com a Terra
VERSO 1: O grande sábio Maitreya prosseguiu: Dessa maneira, os recitadores que glorificavam Mahārāja Pṛthu descreveram prontamente suas qualidades e atividades cavalheirescas. No final, Mahārāja Pṛthu ofereceu-lhes diversos presentes com todo o devido respeito e adorou-os adequadamente.
VERSO 2: Assim, o rei Pṛthu satisfez e ofereceu todo respeito a todos os líderes dos brāhmaṇas e de outras castas, a seus servos, a seus ministros e aos sacerdotes, cidadãos, compatriotas em geral, pessoas de outras comunidades, admiradores e outros, e, dessa maneira, todos ficaram felizes.
VERSO 3: Vidura perguntou ao grande sábio Maitreya: Meu querido brāhmaṇa, uma vez que a mãe Terra pode aparecer sob diferentes formas, por que ela assumiu a forma de uma vaca? E, quando o rei Pṛthu a ordenhou, quem se tornou o bezerro, e qual era o vaso de ordenha?
VERSO 4: A superfície da Terra é por natureza baixa em alguns lugares e alta em outros. Como foi que o rei Pṛthu nivelou a superfície da Terra, e por que Indra, o rei do céu, roubou o cavalo destinado ao sacrifício?
VERSO 5: O grande rei santo, Mahārāja Pṛthu, recebeu conhecimento de Sanat-kumāra, que era o maior erudito védico. Após receber conhecimento para aplicação prática em sua vida, como o rei santo alcançou o destino por ele desejado?
VERSOS 6-7: Pṛthu Mahārāja era uma encarnação poderosa das potências do Senhor Kṛṣṇa; consequentemente, qualquer narração relativa às suas atividades é decerto muito agradável de se ouvir, e produz toda boa fortuna. Quanto a mim, sou sempre teu devoto, bem como devoto do Senhor, que é conhecido como Adhokṣaja. Por favor, narra, portanto, todas as histórias do rei Pṛthu, quem, sob a forma do filho do rei Vena, ordenhou a Terra sob a forma de uma vaca.
VERSO 8: Sūta Gosvāmī continuou: Quando Vidura ficou inspirado a ouvir sobre as atividades do Senhor Kṛṣṇa sob Suas várias encarnações, Maitreya, inspirando-se também e estando muito satisfeito com Vidura, colocou-se a louvá-lo. Então, Maitreya falou o seguinte.
VERSO 9: O grande sábio Maitreya prosseguiu: Meu querido Vidura, na época em que o rei Pṛthu foi entronado pelos grandes sábios e brāhmaṇas e foi declarado o protetor dos cidadãos, havia grande escassez de grãos alimentícios. Os cidadãos, em verdade, emagreceram devido à fome. Portanto, eles foram à presença do rei e informaram-no a respeito da verdadeira situação em que se encontravam.
VERSOS 10-11: Querido rei, assim como uma árvore com uma fogueira ardendo no espaço oco do tronco gradualmente seca, estamos secando devido ao fogo da fome em nossos estômagos. Vós sois o protetor das almas rendidas, e fostes nomeado para nos dar ocupações. Portanto, viemos todos buscar vossa proteção. Sois não apenas o rei, mas também a encarnação de Deus. Na realidade, sois o rei de todos os reis. Podeis dar-nos todas as espécies de deveres ocupacionais, pois sois o senhor de nossa subsistência. Portanto, ó rei de todos os reis, por favor, satisfazei a nossa fome através da devida distribuição de grãos alimentícios. Por favor, cuidai de nós, para que não morramos brevemente por falta de alimentos.
VERSO 12: Após ouvir esta lamentação e ver a condição deplorável dos cidadãos, o rei Pṛthu meditou sobre este assunto por um longo tempo para tentar descobrir as causas ocultas.
VERSO 13: Tendo chegado a uma conclusão, o rei pegou seu arco e flecha e os apontou para a Terra, exatamente como o senhor Śiva, que destrói o mundo inteiro devido à ira.
VERSO 14: Ao ver o rei Pṛthu pegando seu arco e flecha para matá-la, a Terra ficou muito amedrontada e começou a tremer. Colocou-se, então, a fugir, exatamente como um veado que corre muito velozmente ao ser perseguido por um caçador. Com medo do rei Pṛthu, ela assumiu a forma de uma vaca e começou a correr.
VERSO 15: Vendo isso, Mahārāja Pṛthu ficou iradíssimo, e seus olhos ficaram vermelhos como o sol nascente. Colocando uma flecha em seu arco, ele perseguia a Terra sob a forma de vaca por onde quer que ela corresse.
VERSO 16: A Terra sob a forma de vaca corria aqui e ali no espaço exterior entre os planetas celestiais e a Terra, e, para onde quer que corresse, o rei a perseguia com seu arco e suas flechas.
VERSO 17: Assim como um homem não pode escapar das mãos cruéis da morte, a Terra sob a forma de vaca não podia escapar das mãos do filho de Vena. Por fim, temerosa e com o coração aflito, a Terra se voltou para trás, desamparada.
VERSO 18: Dirigindo-se ao grandioso e opulento rei Pṛthu como o conhecedor dos princípios religiosos e o refúgio dos rendidos, ela disse: Por favor, salva-me. És o protetor de todas as entidades vivas. Foste estabelecido como o rei deste planeta.
VERSO 19: A Terra sob a forma de uma vaca prosseguiu apelando ao rei: Sou insignificante e não cometi nenhuma atividade pecaminosa. Não sei por que queres tirar a minha vida. Já que és tido como o conhecedor de todos os princípios religiosos, por que tens tanta inveja de mim, e por que estás tão ansioso por matar uma mulher?
VERSO 20: Mesmo que uma mulher de fato cometa alguma atividade pecaminosa, ninguém deve tocá-la. Isso para não falar de ti, querido rei, que és tão misericordioso. Tu és o protetor e és afetuoso com os pobres.
VERSO 21: A Terra sob a forma de vaca prosseguiu: Meu querido rei, sou como um forte barco, que transporta toda a parafernália do mundo. Se me despedaçares, como tu e teus súditos deixarão de afundar?
VERSO 22: O rei Pṛthu respondeu ao planeta Terra: Minha querida Terra, tu desobedeceste minhas ordens e regulamentos. Sob a forma de um semideus, aceitaste teu quinhão nos yajñas que executamos, mas, em troca, não produziste grãos alimentícios o suficiente. Por essa razão, sou obrigado a matar-te.
VERSO 23: Embora comas pasto verde todos os dias, não estás enchendo teu úbere para podermos utilizar teu leite. Como estás propositadamente cometendo ofensas, não se pode dizer que não és passível de punição devido a teres assumido a forma de uma vaca.
VERSO 24: Perdeste tua inteligência ao ponto de, apesar de minhas ordens, não forneceres as sementes de ervas e grãos anteriormente criados por Brahmā e agora escondidos dentro de ti.
VERSO 25: Agora, com o auxílio de minhas flechas, eu te cortarei em pedaços e, com tua carne, satisfarei os cidadãos famintos, que agora choram por falta de grãos. Assim, satisfarei os cidadãos de meu reino que estão cheios de aflição.
VERSO 26: Qualquer pessoa cruel – seja ela homem, mulher ou eunuco impotente – que só esteja interessada em sua manutenção pessoal e não tenha compaixão de outras entidades vivas pode ser morta pelo rei. Tal ato de matar jamais pode ser considerado um ato de matar.
VERSO 27: Estás dominada pelo orgulho e quase ficaste louca. Atualmente, assumiste a forma de uma vaca mediante teus poderes místicos. Não obstante, hei de cortar-te em pequenos pedaços granulares, e sustentarei toda a população através de meus próprios poderes místicos.
VERSO 28: Nesse momento, Pṛthu Mahārāja tornou-se exatamente como Yamarāja, e todo o seu corpo se demonstrava muito irado. Em outras palavras, ele era a ira personificada. Após ouvi-lo, o planeta Terra começou a tremer. Ela se rendeu e, de mãos postas, colocou-se a falar o seguinte.
VERSO 29: O planeta Terra falou: Meu querido Senhor, ó Suprema Personalidade de Deus, sois transcendental em Vossa posição, e, mediante Vossa energia material, Vos expandis sob várias formas e espécies de vida através da interação dos três modos da natureza material. Ao contrário de certos outros senhores, Vós sempre permaneceis em Vossa posição transcendental, sem Vos deixar afetar pela criação material, que está sujeita a diferentes interações materiais. Em consequência disso, as atividades materiais não Vos confundem.
VERSO 30: O planeta Terra prosseguiu: Meu querido Senhor, sois o condutor completo da criação material. Criastes esta manifestação cósmica e as três qualidades materiais, e por isso criastes a mim, o planeta Terra, o lugar de repouso de todas as entidades vivas. Todavia, sois sempre plenamente independente, meu Senhor. Agora que estais presente diante de mim e pronto para matar-me com Vossas armas, deixai-me saber onde devo refugiar-me, e dizei-me quem pode proteger-me.
VERSO 31: No começo da criação, criastes todas as entidades vivas móveis e imóveis mediante Vossa energia inconcebível. Através dessa mesmíssima energia, agora estais preparado para proteger as entidades vivas. Na verdade, sois o protetor supremo dos princípios religiosos. Por que estais tão ansioso por matar-me, apesar de eu ter assumido a forma de uma vaca?
VERSO 32: Meu querido Senhor, apesar de serdes somente um, Vós Vos expandis em muitas formas mediante Vossas potências inconcebíveis. Por intermédio de Brahmā, criastes este universo. Portanto, sois diretamente a Suprema Personalidade de Deus. Aqueles que não são experientes o bastante não podem entender Vossas atividades transcendentais, visto que essas pessoas estão encobertas por Vossa energia ilusória.
VERSO 33: Meu querido Senhor, através de Vossas próprias potências, sois a causa original dos elementos materiais, bem como dos instrumentos realizadores (os sentidos), dos trabalhadores dos sentidos (os semideuses controladores), da inteligência e do ego, e de tudo mais. Através de Vossa energia, manifestais toda esta criação cósmica, a mantendes e a dissolveis. É somente através de Vossa energia que tudo ora se manifesta, ora fica imanifesto. Portanto, sois a Suprema Personalidade de Deus, a causa de todas as causas. Ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.
VERSO 34: Meu querido Senhor, sois sempre não-nascido. Certa vez, sob a forma do javali original, Vós me salvastes das águas no fundo do universo. Através de Vossa própria energia, criastes todos os elementos físicos, os sentidos e o coração, para a manutenção do mundo.
VERSO 35: Meu querido Senhor, dessa maneira, certa vez protegestes-me, resgatando-me da água, em consequência do que Vosso nome se tornou famoso como Dharādhara – aquele que sustém o planeta Terra. Todavia, atualmente, sob a forma de um grande herói, estais prestes a me matar com flechas afiadas. Contudo, sou tal qual um barco sobre a água, mantendo tudo a flutuar.
VERSO 36: Meu querido Senhor, também sou uma criação de uma de Vossas energias, composta dos três modos da natureza material. Consequentemente, Vossas atividades me confundem. Se nem mesmo as atividades de Vossos devotos podem ser entendidas, o que dizer, então, de Vossos passatempos? Assim, tudo nos parece contraditório e maravilhoso.