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Capítulo Dois

Dakṣa Amaldiçoa o Senhor Śiva

VERSO 1: Vidura perguntou: Por que Dakṣa, que era tão afetuoso com sua filha, invejava o senhor Śiva, que é o melhor entre os cavalheiros? Por que ele desprezou sua filha Satī?

VERSO 2: O senhor Śiva, o mestre espiritual do mundo inteiro, está acima da inimizade, tem personalidade pacífica e está sempre satisfeito interiormente. Ele é o maior entre os semideuses. Como é possível que Dakṣa pudesse ser hostil contra uma personalidade tão auspiciosa?

VERSO 3: Meu querido Maitreya, dar cabo à própria vida é algo muito difícil. Por favor, poderias explicar-me como genro e sogro puderam desentender-se tão amargamente a ponto de a grande deusa Satī ver-se capaz de que tirar a própria vida?

VERSO 4: O sábio Maitreya disse: Outrora, os líderes da criação universal realizaram um grande sacrifício no qual todos os grandes sábios, filósofos, semideuses e deuses do fogo reuniram-se junto com seus seguidores.

VERSO 5: Quando Dakṣa, o líder dos Prajāpatis, entrou naquela assembleia, com o brilho de seu corpo refulgente como o Sol, toda a assembleia se iluminou, e todas as personalidades reunidas se tornaram insignificantes em sua presença.

VERSO 6: Influenciados pelo brilho de seu corpo, todos os deuses do fogo e outros participantes daquela grande assembleia, com exceção do senhor Brahmā e do senhor Śiva, deixaram seus próprios assentos e se puseram de pé em respeito a Dakṣa.

VERSO 7: Dakṣa recebeu as devidas boas-vindas do presidente da grande assembleia, o senhor Brahmā. Após oferecer respeito ao senhor Brahmā, Dakṣa, por ordem de Brahmā, acomodou-se em seu assento.

VERSO 8: Antes de sentar-se, contudo, Dakṣa ficou muito ofendido ao ver o senhor Śiva sentado, sem lhe mostrar nenhum respeito. Nessa altura, Dakṣa ficou iradíssimo e, com olhos ardentes, colocou-se a falar muito energicamente contra o senhor Śiva.

VERSO 9: Todos os sábios, brāhmaṇas e deuses do fogo presentes, por favor, escutai-me com atenção, pois falo sobre os modos de pessoas cavalheirescas. Eu não falo por ignorância ou inveja.

VERSO 10: Śiva arruinou o nome e a fama dos governantes do universo e poluiu o caminho das boas maneiras. Por ser desavergonhado, ele não sabe como agir.

VERSO 11: Ele já aceitou como sua a condição de meu subordinado ao se casar com minha filha na presença do fogo e dos brāhmaṇas. Ele desposou minha filha, que é igual ao gāyatrī, e finge ser uma pessoa honesta.

VERSO 12: Ele tem olhos de macaco, apesar do que desposou minha filha, cujos olhos são exatamente como os de um filhote de veado. Mesmo assim, ele não se colocou de pé para me receber, nem julgou adequado dar-me boas-vindas com palavras doces.

VERSO 13: Eu não desejava dar minha filha a essa pessoa, que transgrediu todas as regras de civilidade. Por não observar as regras e regulações necessárias, ele é impuro, mas fui obrigado a lhe dar a mão de minha filha assim como alguém que ensina a mensagem dos Vedas a um śūdra.

VERSOS 14-15: Ele vive em lugares imundos, como crematórios, e seus companheiros são os fantasmas e demônios. Nu como um louco, às vezes rindo e às vezes chorando, ele unta com as cinzas do crematório todo o seu corpo. Ele não se banha regularmente, e enfeita seu corpo com uma guirlanda de crânios e ossos. Portanto, somente de nome ele é Śiva, o auspicioso; na verdade, ele é a criatura mais louca e inauspiciosa. Desse modo, ele é muito querido por seres dementes, no grosseiro modo da ignorância, e é o líder deles.

VERSO 16: A pedido do senhor Brahmā, dei a mão de minha casta filha a ele, embora ele seja desprovido de toda limpeza e seu coração esteja cheio de coisas sujas.

VERSO 17: O sábio Maitreya continuou: Assim, Dakṣa, vendo o senhor Śiva sentado como se estivesse contra ele, lavou suas mãos e boca e o amaldiçoou com as seguintes palavras.

VERSO 18: Os semideuses são aptos a compartilhar das oblações de sacrifício, mas o senhor Śiva, que é o mais baixo de todos os semideuses, não deve ter o seu quinhão.

VERSO 19: Maitreya continuou: Meu querido Vidura, apesar dos pedidos de todos os membros da assembleia sacrificatória, Dakṣa, com grande ira, amaldiçoou o senhor Śiva e, então, deixou a assembleia e voltou para casa.

VERSO 20: Ao compreender que o senhor Śiva fora amaldiçoado, Nandīśvara, um dos principais associados do senhor Śiva, ficou iradíssimo. Seus olhos se avermelharam, e ele se preparou para amaldiçoar Dakṣa e todos os brāhmaṇas ali presentes, que haviam tolerado a maldição de Dakṣa contra Śiva com palavras ásperas.

VERSO 21: Qualquer pessoa que aceite Dakṣa como a personalidade mais importante e despreze o senhor Śiva, devido à inveja, é menos inteligente e, por ver com olhos de dualidade, será desprovida de conhecimento transcendental.

VERSO 22: A vida familiar pretensamente religiosa, na qual alguém se sente atraído pela felicidade material e, assim, também se sente atraído pela explicação superficial dos Vedas, rouba toda a inteligência da pessoa e a prende a atividades fruitivas como se fossem tudo que existe.

VERSO 23: Dakṣa aceita o corpo como se fosse tudo. Portanto, já que se esqueceu de viṣṇu-pāda, ou viṣṇu-gati, e está apegado somente à vida sexual, em pouco tempo ele terá o focinho de um bode.

VERSO 24: Aqueles que se tornam tão brutos como a matéria, cultivando inteligência e educação materialistas, envolvem-se tolamente em atividades fruitivas. Homens desse gênero propositadamente insultaram o senhor Śiva. Que eles continuem no ciclo de repetidos nascimentos e mortes.

VERSO 25: Que aqueles que têm inveja do senhor Śiva, sendo atraídos pela linguagem florida das encantadoras promessas védicas, e que deste modo tornam-se estúpidos, permaneçam sempre apegados às atividades fruitivas.

VERSO 26: Esses brāhmaṇas adotam educação, austeridade e votos somente com o propósito de manter o corpo. Eles serão desprovidos da discriminação entre o que comer e o que não comer. Eles adquirirão dinheiro, esmolando de porta em porta, simplesmente para a satisfação do corpo.

VERSO 27: Quando todos os brāhmaṇas hereditários foram assim amaldiçoados por Nandīśvara, o sábio Bhṛgu, em reação, condenou os seguidores do senhor Śiva com esta fortíssima maldição bramânica.

VERSO 28: Aquele que aceitar o voto de satisfazer o senhor Śiva ou que seguir esses princípios certamente se tornará um ateu e será desviado dos preceitos transcendentais das escrituras.

VERSO 29: Aqueles que fazem voto de adorar o senhor Śiva são tão tolos que o imitam mantendo os cabelos longos sobre suas cabeças. Quando iniciados na adoração ao senhor Śiva, eles preferem alimentar-se de vinho, carne e outras coisas desse gênero.

VERSO 30: Bhṛgu Muni continuou: Já que blasfemaste os Vedas e os brāhmaṇas, que são seguidores dos princípios védicos, compreende-se que já te refugiaste na doutrina do ateísmo.

VERSO 31: Os Vedas fornecem os princípios reguladores eternos para o avanço auspicioso da civilização humana, os quais foram rigidamente seguidos no passado. A forte evidência deste princípio é a Suprema Personalidade de Deus, que Se chama Janārdana, o benquerente de todas as entidades vivas.

VERSO 32: Blasfemando os princípios dos Vedas, que são o caminho puro e supremo das pessoas santas, certamente vós, seguidores de Bhūtapati, o senhor Śiva, baixareis ao nível do ateísmo.

VERSO 33: O sábio Maitreya disse: Enquanto essas maldições e contramaldições prosseguiam entre os seguidores do senhor Śiva e os partidários de Dakṣa e Bhṛgu, o senhor Śiva ficou muito taciturno. Sem dizer nada, ele deixou a arena do sacrifício, acompanhado por seus discípulos.

VERSO 34: O sábio Maitreya continuou: Ó Vidura, todos os progenitores da população universal executaram desse modo um sacrifício por milhares de anos, pois o sacrifício é a melhor maneira de adorar o Senhor Supremo, Hari, a Personalidade de Deus.

VERSO 35: Meu querido Vidura, portador de arcos e flechas, todos os semideuses que executavam o sacrifício tomaram seu banho na confluência do Ganges com o Yamunā após completarem a realização do yajña. Esse banho chama-se avabhṛtha-snāna. Após purificarem assim seus corações, partiram para suas respectivas moradas.

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