VERSO 44
darśanaṁ no didṛkṣūṇāṁ
dehi bhāgavatārcitam
rūpaṁ priyatamaṁ svānāṁ
sarvendriya-guṇāñjanam
darśanam — visão; naḥ — nossa; didṛkṣūṇām — desejoso de ver; dehi — por favor, mostrai; bhāgavata — dos devotos; arcitam — como é adorada por eles; rūpam — forma; priya-tamam — a mais querida; svānām — de Vossos devotos; sarva-indriya — todos os sentidos; guṇa — qualidades; añjanam — muito agradáveis.
Meu querido Senhor, desejo ver-Vos exatamente sob a forma que Vossos queridos devotos adoram. Vós tendes muitas outras formas, mas desejo ver Vossa forma que é especialmente apreciada pelos devotos. Por favor, tende misericórdia de mim e mostrai-me essa forma, pois somente essa forma adorada pelos devotos pode satisfazer perfeitamente todas as exigências dos sentidos.
SIGNIFICADO––No śruti, ou veda-mantra, afirma-se que a Suprema Verdade Absoluta é sarva-kāmaḥ sarva-gandhaḥ sarva-rasaḥ, ou, em outras palavras, Ele é conhecido como raso vai saḥ, ou a fonte de todas as agradáveis relações (rasas). Temos vários sentidos – as capacidades de ver, saborear, cheirar, tocar etc. – e todas as propensões de nossos sentidos podem ser satisfeitas quando ocupamos os sentidos em servir ao Senhor. Hṛṣīkeṇa hṛṣīkeśa-sevanaṁ bhaktir ucyate. “Bhakti significa ocupar todos os sentidos a serviço do Senhor dos sentidos, Hṛṣīkeśa.” (Nārada-pañcarātra) Esses sentidos materiais, contudo, não podem ocupar-se a serviço do Senhor; portanto, é preciso libertar-se de todas as designações. Sarvopādhi-vinirmuktaṁ tatparatvena nirmalam: todos devem livrar-se de todas as designações, ou do falso egotismo, e assim se tornarem puros. Ao ocuparmos nossos sentidos a serviço do Senhor, podemos satisfazer perfeitamente os desejos ou as inclinações dos sentidos. Portanto, o senhor Śiva deseja ver o Senhor sob uma forma que é inconcebível para os filósofos bauddhas, ou seja, os budistas.
Os impersonalistas e os niilistas também são obrigados a ver a forma do Absoluto. Nos templos budistas, existem formas do senhor Buddha em meditação, mas elas não são adoradas como as formas do Senhor em templos vaiṣṇavas (formas como Rādhā-Kṛṣṇa, Sītā-Rāma, Lakṣmī-Nārāyaṇa). Entre as diferentes sampradāyas (seitas vaiṣṇavas), adora-se Rādhā-Kṛṣṇa ou Lakṣmī-Nārāyaṇa. O senhor Śiva deseja ver essa forma perfeitamente, assim como os devotos desejam vê-la. As palavras rūpaṁ priyatamaṁ svānām são especificamente mencionadas aqui, indicando que o senhor Śiva deseja ver aquela forma que é muito querida pelos devotos. A palavra svānām é especialmente significativa porque somente os devotos são muitíssimo queridos pela Suprema Personalidade de Deus. Os jñānīs, yogīs e karmīs não são particularmente queridos, pois os karmīs só desejam ver a Suprema Personalidade de Deus como o provedor de suas demandas. Os jñānīs desejam vê-lO para se tornarem unos com Ele, e os yogīs desejam vê-lO parcialmente representado dentro de seus corações como Paramātmā – em contraste, os bhaktas, ou os devotos, desejam vê-lO em Sua perfeição total. Como se afirma na Brahma-saṁhitā (5.30):
veṇuṁ kvaṇantam aravinda-dalāyatākṣaṁ
barhāvataṁsam asitāmbuda-sundarāṅgam
kandarpa-koṭi-kamanīya-viśeṣa-śobhaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi
“Eu adoro Govinda, o Senhor primordial, que é exímio tocador de flauta, cujos olhos são viçosos como pétalas de lótus, cuja cabeça está enfeitada com penas de pavão, cuja beleza adquire o matiz de nuvens azuis e cuja amabilidade singular encanta milhões de Cupidos.” Assim, o desejo do senhor Śiva é ver a Suprema Personalidade de Deus como se descreve acima – isto é, ele deseja vê-lo como Ele aparece para os bhāgavatas, os devotos. A conclusão é que o senhor Śiva deseja vê-lO em perfeição total, e não à maneira do impersonalista ou niilista. Embora o Senhor seja uno em Suas diversas formas (advaitam acyutam anādim), ainda assim, Sua forma como o jovem desfrutador das gopīs e companheiro dos vaqueirinhos (kiśora-mūrti) é a forma mais perfeita. Logo, os vaiṣṇavas aceitam a forma do Senhor em Seus passatempos de Vṛndāvana como Sua forma principal.