VERSO 64
sṛṣṭaṁ sva-śaktyedam anupraviṣṭaś
catur-vidhaṁ puram ātmāṁśakena
atho vidus taṁ puruṣaṁ santam antar
bhuṅkte hṛṣīkair madhu sāra-ghaṁ yaḥ
sṛṣṭam — na criação; sva-śaktyā — por Vossa própria potência; idam — esta manifestação cósmica; anupraviṣṭaḥ — entrando depois; catuḥ-vidham — quatro espécies de; puram — corpos; ātma-aṁśakena — por Vossa própria parte integrante; atho — portanto; viduḥ — conheceis; tam — a ele; puruṣam — o desfrutador; santam — existindo; antaḥ — dentro; bhuṅkte — desfruta; hṛṣīkaiḥ — pelos sentidos; madhu — doçura; sāra-gham — mel; yaḥ — aquele que.
Meu querido Senhor, após criardes tudo mediante Vossas próprias potências, entrais na criação sob quatro espécies de formas. Estando dentro do coração das entidades vivas, Vós as conheceis e sabeis como elas estão desfrutando de seus sentidos. A dita felicidade desta criação material é exatamente como as abelhas desfrutando do mel depois de ele ter sido armazenado na colmeia.
SIGNIFICADO––A manifestação cósmica material é uma demonstração da energia externa da Suprema Personalidade de Deus, mas, uma vez que a matéria inerte não pode funcionar de maneira independente, o próprio Senhor entra nesta criação material sob a forma de uma expansão parcial (Paramātmā), e também entra através de Suas partes integrantes separadas (as entidades vivas). Em outras palavras, tanto as entidades vivas quanto a Suprema Personalidade de Deus entram na criação material simplesmente para ativá-la, como se afirma na Bhagavad-gītā (7.5):
apareyam itas tv anyāṁ
prakṛtiṁ viddhi me parām
jīva-bhūtāṁ mahā-bāho
yayedaṁ dhāryate jagat
“Além desta natureza inferior, ó Arjuna de braços poderosos, existe Minha energia superior, a qual consiste em todas as entidades vivas que estão lutando com a natureza material e sustentando o universo.”
Já que o mundo material não pode funcionar de maneira independente, as entidades vivas entram na manifestação material sob quatro diferentes espécies de corpos. A palavra catur-vidham é significativa neste verso. São quatro as classes de entidades vivas nascidas neste mundo material. Elas nascem através de um embrião (jarāyu-ja), por meio de ovos (aṇḍa-ja), transpiração (sveda-ja) e, como as árvores, por intermédio de sementes (udbhij-ja). Independentemente de como essas entidades vivas aparecem, todas vivem atarefadas, em busca de gozo dos sentidos.
Anula-se aqui a alegação dos cientistas materialistas de que os seres humanos são as únicas entidades vivas que têm alma. Quer nasçam por intermédio de embrião, ovos, transpiração ou sementes, todas as entidades vivas nas 8.400.000 espécies de vida são partes integrantes da Suprema Personalidade de Deus, daí cada uma delas ser uma centelha ou alma espiritual individual. A Suprema Personalidade de Deus também permanece dentro do coração da entidade viva, independentemente de a entidade viva ser homem, animal, árvore, verme ou micróbio. O Senhor reside no coração de todos, e, como todas as entidades vivas que vêm a este mundo material o fazem para satisfazer seu desejo de gozo dos sentidos, o Senhor orienta as entidades vivas para desfrutarem dos sentidos. Assim, o Paramātmā, a Suprema Personalidade de Deus, conhece os desejos de todos. Como se afirma na Bhagavad-gītā (15.15):
sarvasya cāhaṁ hṛdi sanniviṣṭo
mattaḥ smṛtir jñānam apohanaṁ ca
“Eu estou no coração de todos, e de Mim vêm a lembrança, o conhecimento e o esquecimento.”
Permanecendo dentro do coração de todas as entidades vivas, o Senhor outorga a lembrança pela qual as entidades vivas podem desfrutar de certas coisas. Desse modo, as entidades vivas criam suas colmeias aprazíveis para desfrutarem delas. O exemplo das abelhas é apropriado porque, quando as abelhas tentam desfrutar de sua colmeia, elas são obrigadas a sofrer as picadas de outras abelhas. Como picam umas às outras ao desfrutarem do mel, as abelhas não desfrutam exclusivamente da doçura do mel, pois também experimentam o sofrimento. Em outras palavras, as entidades vivas estão sujeitas às dores e aos prazeres do gozo material, ao passo que a Suprema Personalidade de Deus, conhecendo seus planos para o gozo dos sentidos, está à parte delas. Nas Upaniṣads, apresenta-se o exemplo de dois pássaros pousados em uma árvore. Um pássaro (a jīva, ou entidade viva) goza dos frutos dessa árvore, e o outro pássaro (Paramātmā) apenas testemunha. A Bhagavad-gītā (13.23), ao referir-se à Suprema Personalidade de Deus sob Seu aspecto de Paramātmā, descreve-O como upadraṣṭā (o observador) e anumantā (o permissor).
Logo, o Senhor só faz testemunhar e dar à entidade viva sanção para o gozo dos sentidos. É o Paramātmā também quem dá a inteligência pela qual as abelhas podem construir uma colmeia, colher mel de diversas flores, armazená-lo e gozar dele. Embora Paramātmā esteja à parte das entidades vivas, Ele conhece suas intenções e lhes dá os meios pelos quais elas podem desfrutar ou sofrer os resultados de suas ações. A sociedade humana é exatamente como uma colmeia, pois todos se dedicam a colher o mel de diversas flores, ou arrecadar dinheiro de diversas fontes, e a criar grandes impérios para o gozo em comum. Entretanto, depois de criar esses impérios, são obrigados a sofrer as picadas de outras nações. Às vezes, as nações declaram guerra umas às outras e as colmeias humanas se tornam fonte de tribulações. Apesar de os seres humanos estarem criando suas colmeias para gozar da doçura de seus sentidos, ao mesmo tempo estão sofrendo das picadas de outras pessoas ou nações. A Suprema Personalidade de Deus, como Paramātmā, apenas testemunha todas essas atividades. A conclusão é que tanto a Suprema Personalidade de Deus quanto as jīvas entram neste mundo material. Contudo, o Paramātmā, ou a Suprema Personalidade de Deus, é adorável porque faz arranjos para a felicidade da entidade viva no mundo material. Porém, como este é o mundo material, ninguém pode gozar de nenhuma espécie de felicidade sem inebriamento. Gozo material significa inebriamento, ao passo que gozo espiritual significa gozo puro sob a proteção da Suprema Personalidade de Deus.