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CAPÍTULO DOZE

Conversa entre Mahārāja Rahūgaṇa e Jaḍa Bharata

Como ainda tinha dúvidas quanto à sua iluminação, Mahārāja Rahūgaṇa pediu ao brāhmaṇa Jaḍa Bharata que repetisse suas instruções e esclarecesse os pontos que não conseguiu entender. Neste capítulo, Mahārāja Rahūgaṇa oferece suas respeitosas reverências a Jaḍa Bharata, que estava escondendo sua verdadeira posição. Através de suas palavras, o rei pôde entender seu avanço e maturidade no conhecimento espiritual e se arrependeu muito de tê-lo ofendido. Mahārāja Rahūgaṇa fora picado pela serpente da ignorância, mas se curou com as palavras nectáreas de Jaḍa Bharata. Mais tarde, por ter dúvidas quanto aos temas debatidos, não se cansava de fazer muitas perguntas, quase ininterruptamente. Em primeiro lugar, quis se livrar da ofensa que cometera aos pés de lótus de Jaḍa Bharata.

Mahārāja Rahūgaṇa sentia-se bem infeliz por não ser capaz de assimilar as instruções de Jaḍa Bharata, cujos ricos significados um materialista não conseguiria entender. Portanto, Jaḍa Bharata repetiu suas instruções com mais clareza. Ele disse que, na superfície do globo, todas as entidades vivas, móveis e inertes, eram, de diferentes maneiras, simples transformações da terra. O rei tinha muito orgulho de seu físico régio, mas seu corpo era simplesmente outra transformação da terra. Devido ao seu falso prestígio, o rei estava maltratando o carregador do palanquim, assim como um amo que maltrata seu servo, e, em verdade, ele era sempre muito rude com as outras entidades vivas. Em razão disso, o rei Rahūgaṇa era incapaz de proteger os cidadãos, e, como era ignorante, não poderia ser cotado entre os filósofos avançados. Tudo no mundo material é uma mera transformação da terra, embora, de acordo com suas transformações, as coisas tenham diferentes nomes. Na verdade, toda essa variedade é uma só coisa, e, no final, todas essas variedades se desfazem em átomos. Nada neste mundo material é permanente. A variedade de coisas e suas distinções são simples invenções mentais. A Verdade Absoluta está situada além da ilusão e manifesta-Se sob três aspectos – o Brahman impessoal, o Paramātmā localizado e a Suprema Personalidade de Deus. A Suprema Personalidade de Deus, a quem Seus devotos chamam de Vāsudeva, é a última etapa de se perceber a Verdade Absoluta. Só tem a possibilidade de se tornar devoto da Suprema Personalidade de Deus quem recebe sobre sua cabeça as bênçãos trazidas pela poeira dos pés de um devoto puro.

Jaḍa Bharata também falou sobre sua existência anterior e informou ao rei que, pela graça do Senhor, ele ainda se lembrava de todos os incidentes de sua vida passada. Devido às atividades em sua vida passada, Jaḍa Bharata estava sendo muito cuidadoso, ao ponto de, para evitar envolver-se com o mundo material, assumira as características de um surdo-mudo. A associação com os modos materiais da natureza é muito poderosa. A má associação com homens materialistas só pode ser evitada na companhia de devotos, onde a pessoa recebe a oportunidade de prestar serviço devocional de nove maneiras diferentes – śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ smaraṇaṁ pāda-sevanam arcanaṁ vandanaṁ dāsyaṁ sakhyam ātma-nivedanam. Desse modo, na companhia dos devotos, a pessoa pode superar a associação material, podendo, então, cruzar o oceano da ignorância e voltar ao lar, voltar ao Supremo.

VERSO 1: O rei Rahūgaṇa disse: Ó personalidade nobilíssima, não és diferente da Suprema Personalidade de Deus. Por tua inquestionável influência, toda espécie de contradições dos śāstras foi removida. Disfarçado de um amigo de brāhmaṇa, estás escondendo tua bem-aventurada posição transcendental. Ofereço-te minhas respeitosas reverências.

VERSO 2: Ó melhor dos brāhmaṇas, meu corpo está cheio de impurezas, e minha visão foi picada pela serpente do orgulho. Devido às minhas concepções materiais, estou doente. Tuas instruções nectáreas são o remédio adequado para quem sofre desta febre, e elas são águas refrescantes para alguém com queimaduras decorrentes do calor.

VERSO 3: Procurarei oportunamente dirimir todas as dúvidas que tenho sobre um assunto específico, fazendo-te as perguntas cabíveis. Por enquanto, essas misteriosas instruções de yoga que me deste para a autorrealização parecem muito difíceis de se entender. Por favor, repete-as de maneira simples para que eu possa compreendê-las. Minha mente é muito indagadora, e desejo entender isso com toda a clareza.

VERSO 4: Ó mestre do poder ióguico, disseste que a fadiga decorrente de o corpo locomover-se de um lugar para o outro é apreciada pela percepção direta, mas, na verdade, não existe fadiga. Ela existe por uma mera questão de formalidade. Através dessas perguntas e respostas, ninguém pode deduzir o que é a Verdade Absoluta. Devido à forma como expuseste essa afirmativa, minha mente está um pouco perturbada.

VERSOS 5-6: O brāhmaṇa autorrealizado Jaḍa Bharata disse: Entre as várias combinações e permutações materiais, existem várias formas e transformações terrenas. Por alguma razão, algumas se movem sobre a superfície da terra e se chamam “carregadores de palanquim”. Aquelas transformações materiais que não se movem são objetos materiais grosseiros, tais como as pedras. Em todo caso, o corpo material é feito de terra e pedra sob a forma de pés, tornozelos, panturrilhas, joelhos, coxas, tronco, pescoço e cabeça. Sobre os ombros, está o palanquim de madeira, e, dentro do palanquim, encontra-se o dito rei de Sauvīra. O corpo do rei é simplesmente outra transformação da terra, mas Vossa Majestade está situado dentro desse corpo, deixando-se influenciar pela falsa impressão de que é o rei do estado de Sauvīra.

VERSO 7: É verdade, no entanto, que essas pessoas inocentes e que carregam teu palanquim sem remuneração alguma, decerto estão sofrendo por causa dessa injustiça. A condição delas é muito deplorável, pois foram obrigadas a carregar teu palanquim. Isso prova que és cruel e destituído de misericórdia. Mesmo assim, devido ao falso prestígio, pensavas estar protegendo os cidadãos. Isso é patético. Tamanha era tua tolice que não poderias ter sido adorado como um grande homem em uma assembleia de pessoas avançadas em conhecimento.

VERSO 8: Todos nós na superfície do globo somos diferentes formas de entidades vivas. Alguns de nós estamos nos movendo e outros são inertes. Todos nós chegamos à existência, permanecemos por algum tempo e somos destruídos, ocasião em que o corpo se reintegrar na terra. Todos nós constituímos meras diferentes transformações da terra. Diferentes corpos e capacidades são simples transformações da terra cuja existência é apenas representativa, pois tudo provém da terra e, quando tudo é destruído, volta a ser terra. Em outras palavras, somos apenas pó, e seremos apenas pó. Todos devem considerar este ponto.

VERSO 9: Pode-se dizer que as variedades surgem do próprio planeta Terra. Contudo, embora o universo possa parecer temporariamente uma realidade, ele, em última análise, não tem uma existência real. A Terra foi criada originalmente por uma combinação de partículas atômicas, mas essas partículas são impermanentes. Na verdade, embora alguns filósofos discordem, o átomo não é a causa do universo. Não é verdade que as variedades encontradas neste mundo material sejam simples resultado da justaposição ou combinação atômica.

VERSO 10: Como este universo não tem uma existência real definitiva, todas as coisas dentro dele – brevidade, diferenças, grossura, magreza, pequenez, grandeza, resultado, causa, sintomas vitais e substâncias – são imaginações. Todas elas são potes feitos da mesma substância, terra, mas recebem diferentes denominações. As diferenças se caracterizam pela substância, pela natureza, pela predisposição, pelo tempo e pelas atividades. Informo-te que todas essas coisas são simples manifestações mecânicas, criadas pela natureza material.

 VERSO 11: Qual, então, é a verdade última? A resposta é que o conhecimento não-dual é a verdade última. Ele está desprovido da contaminação das qualidades materiais. Ele nos proporciona a liberação. Ele é inigualável, onipenetrante e está além da imaginação. A primeira etapa em que se depreende este conhecimento é a fase de Brahman. Em seguida, o Paramātmā, a Superalma, é compreendido pelos yogīs, os quais, para vê-lO, evitam cometer ofensas. Essa é a segunda fase de compreensão. Por fim, a compreensão completa do mesmo conhecimento supremo é depreendida sob a forma da Pessoa Suprema. Todos os estudiosos eruditos descrevem a Pessoa Suprema como Vāsudeva, a causa do Brahman, Paramātmā e outros.

VERSO 12: Meu querido rei Rahūgaṇa, enquanto alguém não tiver a oportunidade de untar todo o seu corpo com a poeira dos pés de lótus dos grandes devotos, ele não entenderá a Verdade Absoluta. Ninguém pode compreender a Verdade Absoluta só porque observa o celibato [brahmacarya], segue à risca as regras e regulações da vida familiar, deixa o lar ao se tornar vānaprastha, aceita sannyāsa ou se submete a rigorosas penitências no inverno, ficando submerso em água ou, no verão, expondo-se ao fogo e ao calor escaldante do sol. Existem muitos outros processos para entender a Verdade Absoluta, mas a Verdade Absoluta revela-Se apenas a quem recebeu a misericórdia de um devoto grandioso.

VERSO 13: Quem são os devotos puros mencionados neste trecho? Em uma assembleia de devotos puros, é incogitável que se comentem tópicos materiais, como política ou sociologia. Em uma assembleia de devotos puros, fala-se apenas sobre as qualidades, formas e passatempos da Suprema Personalidade de Deus. Ele é louvado e adorado com toda a atenção. Na companhia de devotos puros, em decorrência de ouvir esses tópicos constantemente e com uma postura respeitosa, mesmo quem deseja fundir-se na existência da Verdade Absoluta abandona essa ideia e, pouco a pouco, apega-se a prestar serviço a Vāsudeva.

VERSO 14: Em um nascimento anterior, eu era conhecido como Mahārāja Bharata. Alcancei a perfeição desapegando-me por completo das atividades materiais através da experiência direta, e, através da experiência indireta, compreendi os Vedas. Ocupei-me em pleno serviço ao Senhor, mas, devido ao meu infortúnio, desenvolvi excessiva afeição por um veadinho, chegando ao ponto de negligenciar meus deveres espirituais. Devido à minha profunda afeição pelo veado, tive que aceitar um corpo de veado na minha vida seguinte.

VERSO 15: Meu querido e heroico rei, devido ao sincero serviço que prestei ao Senhor no passado, pude lembrar-me de tudo da minha vida pretérita, mesmo enquanto estava em um corpo de veado. Porque tenho conhecimento da queda que sofri em minha vida passada, sempre me afasto da companhia de homens ordinários. Com medo da má associação materialista, perambulo sozinho, sem chamar a atenção de ninguém.

VERSO 16: Pelo simples fato de se associar com devotos elevados, qualquer pessoa pode alcançar a perfeição do conhecimento e, com a espada do conhecimento, esmagar as associações ilusórias existentes dentro deste mundo material. Através da associação com os devotos, a pessoa pode ocupar-se em serviço ao Senhor, ouvindo e cantando [śravaṇaṁ kīrtanam]. Assim, ela pode reviver sua consciência de Kṛṣṇa adormecida e, apegando-se ao cultivo da consciência de Kṛṣṇa, pode, nesta mesma vida, voltar ao lar, voltar ao Supremo.

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