VERSO 42
śrī-indra uvāca
pratyānītāḥ parama bhavatā trāyatā naḥ sva-bhāgā
daityākrāntaṁ hṛdaya-kamalaṁ tad-gṛhaṁ pratyabodhi
kāla-grastaṁ kiyad idam aho nātha śuśrūṣatāṁ te
muktis teṣāṁ na hi bahumatā nārasiṁhāparaiḥ kim
śrī-indraḥ uvāca — Indra, o rei dos céus disse; pratyānītāḥ — recuperadas; parama — ó Supremo; bhavatā — por Vossa Onipotência; trāyatā — que estais protegendo; naḥ — a nós; sva-bhāgāḥ — porções dos sacrifícios; daitya-ākrāntam — devastado pelo demônio; hṛdayakamalam — o âmago de lótus de nosso coração; tat-gṛham — que é de fato a Vossa residência; pratyabodhi — foi iluminado; kāla-grastam — devorado pelo tempo; kiyat — insignificante; idam — este (mundo); aho — ai de mim; nātha — ó Senhor; śuśrūṣatām — para aqueles que estão sempre ocupados em servir; te — a Vós; muktiḥ — ficar livre do cativeiro material; teṣām — para eles (os devotos puros); na — não; hi — na verdade; bahumatā — tido como muito importante; nāra-siṁha — ó Senhor Nṛsiṁhadeva, metade leão e metade ser humano; aparaiḥ kim — então, de que adiantam outras posses.
O rei Indra disse: Ó Senhor Supremo, sois nosso libertador e protetor. As partilhas de sacrifício a que tínhamos direito, as quais na verdade eram Vossas, mas que o demônio extorquiu de nós, conseguistes recuperá-las. Porque o rei demoníaco, Hiraṇyakaśipu, era muito aterrorizante, todos os nossos corações, que são Vossa morada permanente, foram por ele devastados. Agora, com Vossa presença, a melancolia e a escuridão de nossos corações se dissiparam. Ó Senhor, para aqueles que estão sempre ocupados em Vosso serviço, que é mais sublime do que a liberação, toda a opulência material é insignificante. Se eles nem mesmo se importam com a liberação, o que dizer, então, de se interessarem nos benefícios obtidos através de kāma, artha e dharma?
SIGNIFICADO—Neste mundo material, existem duas classes de pessoas – os devatās (os semideuses) e os asuras (os demônios). Embora estejam apegados ao gozo material, os semideuses são devotos do Senhor e agem de acordo com as regras e regulações contidas na doutrina védica. Durante o reinado de Hiraṇyakaśipu, todos eram impedidos de cumprir os deveres rotineiros em que a civilização védica se firma. Quando Hiraṇyakaśipu foi morto, todos os semideuses, que sempre eram perturbados por Hiraṇyakaśipu, sentiram-se aliviados da vida que eram obrigados a levar.
Porque o governo é cheio de demônios em Kali-yuga, as condições de vida dos devotos sempre são perturbadas. Como não podem realizar yajñas, os devotos ficam impossibilitados de compartilhar os restos de alimentos que normalmente seriam oferecidos em yajña, ou em adoração ao Senhor Viṣṇu. O coração dos semideuses está sempre cheio de medo dos demônios, daí eles não conseguirem pensar na Suprema Personalidade de Deus. Os semideuses querem ocupar-se em pensar sempre no Senhor que vive no âmago de seus corações. Na Bhagavad-gītā (6.47), o Senhor diz:
yoginām api sarveṣāṁ
mad gatenāntarātmanā
śraddhāvān bhajate yo māṁ
sa me yuktatamo mataḥ
“De todos os yogīs, aquele que sempre se refugia em Mim com muita fé, adorando-Me com transcendental serviço amoroso, está muito intimamente unido a Mim através do yoga e é o mais elevado de todos.” Os devotos ficam plenamente absortos em meditar na Suprema Personalidade de Deus para se tornarem yogīs perfeitos, mas, devido à presença dos demônios, seus corações são devastados pelas atividades dos demônios. Assim, seus corações, que se destinam a ser a morada do Senhor Supremo, são praticamente ocupados pelos demônios. Todos os semideuses se sentiram aliviados quando Hiraṇyakaśipu foi morto, pois agora teriam plenas condições de pensar no Senhor. Poderiam, então, receber os resultados dos sacrifícios e viver felizes, apesar de permanecerem no mundo material.