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Prólogo 

Bhaktivinoda Ṭhākura
Da obra Śrī Caitanya Mahāprabhu:
Sua Vida e Preceitos,
de 20 de agosto de 1896.

Caitanya Mahāprabhu nasceu em Māyāpur na cidade de Nadia, logo após o pôr do sol do dia 23 do mês denominado Phālguna, no ano de 1407 Śakābda, que corresponde ao dia 18 de fevereiro de 1486 da era cristã. Houve um eclipse lunar no momento de Seu nascimento, e, como era costumeiro nessas ocasiões, o povo de Nadia estava ocupado em banhar-se no Bhāgīrathī, bradando alegremente “haribol!” Seu pai, Jagannātha Miśra, um pobre brāhmaṇa da ordem védica, e Sua mãe, Śacīdevī, esposa exemplar, eram ambos descendentes de uma estirpe bramânica que originalmente morava em Sylhet. Mahāprabhu era uma bela criança, e as senhoras daquela cidade vieram visitá-lO, trazendo-Lhe presentes. O pai de Sua mãe, Paṇḍita Nīlāmbara Cakravartī, renomado astrólogo, previu que a criança oportunamente seria uma grande personalidade, motivo pelo qual Lhe deu o nome de Viśvambhara. As senhoras da vizinhança chamaram-nO de “Gaurahari” devido à Sua tez dourada, e Sua mãe chamava-O de “Nimāi” devido à árvore nimba perto da qual Ele nasceu. Belo como Ele era, todos ansiavam vê-lO todos os dias. Ao crescer, Ele tornou-Se uma criança caprichosa e travessa. Depois de Seu quinto aniversário, foi admitido numa pāṭhaśālā, onde rapidamente aprendeu bengali.

A maioria de Seus biógrafos contemporâneos menciona certas histórias a respeito de Caitanya que são simples registros de Seus milagres precoces. Costumava-se dizer que, quando Ele era um bebê nos braços de Sua mãe, chorava continuamente e, quando as senhoras vizinhas gritavam “haribol!”, Ele parava de chorar. Assim, havia um constante clamor de “haribol!” dentro da casa, prenunciando a futura missão do herói. Afirma-se também que, quando Sua mãe, certa vez, deu-Lhe docinhos para comer, Ele comeu barro ao invés dos doces. Depois que Sua mãe perguntou-Lhe a razão disso, Ele disse que, já que todos os docinhos não passavam de terra transformada, Ele podia muito bem comer terra. Sua mãe, que era também esposa de um paṇḍita, explicou que cada substância em um estado especial servia para um uso especial. A terra, enquanto no estado de jarro, pode ser usada como um cântaro, mas, na forma de tijolo, não é possível dar-lhe o mesmo uso. Terra, portanto, sob a forma de docinhos, é utilizada como alimento, mas, em seus outros estados, ela não tinha essa função. O garoto ficou convencido e admitiu que era estupidez Sua comer terra e concordou em não cometer o mesmo erro no futuro.

Outro milagre também foi relatado. Narra-se que, certa vez, um brāhmaṇa que fazia peregrinação hospedou-se em Sua casa, cozinhou e leu preces, meditando em Kṛṣṇa. Nesse ínterim, o menino veio e comeu o arroz que já havia sido preparado. O brāhmaṇa, atônito com a atitude dEle, voltou a cozinhar a pedido de Jagannātha Miśra. Novamente o menino comeu o arroz enquanto o brāhmaṇa meditava, oferecendo o arroz a Kṛṣṇa. O brāhmaṇa foi persuadido a cozinhar por uma terceira vez. Desta feita, todos os moradores da casa tinham adormecido e o menino mostrou-Se como o próprio Kṛṣṇa ao viajante e o abençoou. O brāhmaṇa então mergulhou em êxtase devido ao aparecimento de seu objeto de adoração.

Também se relata que dois ladrões raptaram a criança da porta da casa de Seu pai com a intenção de roubar Suas joias e enquanto O levavam deram-Lhe doces. A criança acionou Sua energia ilusória e enganou os ladrões fazendo-os voltar para Sua própria casa. Os ladrões, com medo de serem descobertos, deixaram a criança lá e fugiram.

Menciona-se também outro ato milagroso, no qual o garoto pede a Hiraṇya e Jagadīśa, e deles obtém, todas as oferendas que eles haviam coletado para adorarem Kṛṣṇa no dia de ekādaśī. Quando tinha apenas quatro anos de idade, Ele sentou-Se sobre panelas rejeitadas que Sua mãe considerava profanas. Ele explicou à Sua mãe que as panelas jogadas fora depois que a comida estava pronta não podiam ser consideradas sagradas ou profanas. Estas narrativas, que se relacionam com Sua tenra infância, estendem-se até o Seu quinto ano de idade.

Aos oito anos, Ele foi admitido na ṭola de Gaṅgādāsa Paṇḍita em Gaṅgānagara, que fica perto da aldeia de Māyāpur. Em dois anos, Ele tornou-Se versado na gramática e retórica sânscritas. Depois disso, Suas leituras em Sua própria casa eram de natureza autodidata, pois lá Ele descobriu livros importantíssimos pertencentes a Seu pai, que era um autêntico paṇḍita. Parece que ao realizar esse estudo Ele leu o smṛti e o nyāya também, para competir com Seus amigos, que então estudavam sob a direção do célebre Paṇḍita Raghunātha Śiromaṇi.

Então, após o Seu décimo ano de vida, Caitanya tornou-Se aceitavelmente erudito em gramática, em retórica, no smṛti e no nyāya. Foi depois disso que Seu irmão mais velho Viśvarūpa saiu de casa e aceitou o āśrama (posição) de sannyāsī (asceta). Caitanya, embora muito jovem, consolou Seus pais, dizendo que ele iria servi-los, pois esta seria uma maneira de agradar a Deus. Logo em seguida, Seu pai abandonou este mundo. Sua mãe estava excessivamente consternada, e Mahāprabhu, com Seu habitual semblante feliz, consolou Sua mãe viúva.

Foi com a idade de 14 ou 15 anos que Mahāprabhu casou-Se com Lakṣmīdevī, filha de Vallabhācārya, também de Nadia. Nessa idade, Ele era considerado um dos maiores eruditos de Nadia, a renomada sede da filosofia nyāya e do conhecimento sânscrito. Mais do que os smārta paṇḍitas, todos os naiyāyikas tinham medo de confrontar-se com Ele em discussões literárias. Sendo um homem casado, Ele foi para a Bengala Oriental e instalou-Se nas margens do Padma para adquirir bens. Lá, demonstrou Sua erudição e obteve uma boa soma de dinheiro.

Durante essa época, vez por outra Ele pregava o vaiṣṇavismo. Depois de ensinar a Tapana-miśra os princípios do vaiṣṇavismo, Caitanya mandou-o partir para Benares, onde ele deveria ficar morando. Durante Sua permanência na Bengala Oriental, Sua esposa Lakṣmīdevī deixou este mundo depois que sofreu uma mordida de cobra. Ao voltar para casa, Ele encontrou Sua mãe de luto. Ele consolou-a, expondo para ela a incerteza dos afazeres humanos. Foi a pedido de Sua mãe que Ele casou-Se com Viṣṇupriyā, a filha de Rāja Paṇḍita Sanātana Miśra. Seus companheiros uniram-se a Ele quando Ele regressou da pravāsa, ou da temporada que permaneceu fora.

Ele era agora tão famoso que era considerado o melhor paṇḍita de Nadia. Keśava Miśra de Caxemira, que intitulara a si mesmo o Grande Digvijayī, foi a Nadia com a intenção de discutir com os paṇḍitas daquele lugar. Com medo do presumivelmente imbatível paṇḍita, os professores da ṭola de Nadia abandonaram sua cidade a pretexto de que estavam atendendo a convites. Keśava teve um encontro com Mahāprabhu no Barokona-ghāṭā em Māyāpur, e, após uma breve discussão com Ele, foi derrotado pelo menino e, mortificado, teve de sair de fininho. Nimāi Paṇḍita passou a ser o mais importante paṇḍita de Seu tempo.

Foi com a idade de 16 ou 17 anos que Ele viajou para Gayā com um grupo de alunos e ali recebeu iniciação espiritual de Īśvara Purī, um sannyāsī vaiṣṇava e discípulo do renomado Mādhavendra Purī. Depois de retornar a Nadia, Nimāi Paṇḍita tornou-Se um pregador religioso, e Sua natureza religiosa se tornou tão fortemente manifesta que Advaita Prabhu, Śrīvāsa e outros que antes do nascimento de Caitanya haviam aceitado a fé vaiṣṇava estavam admirados com a mudança do jovem. Ele agora deixara de ser um naiyāyika combativo, um smārta briguento, e um retórico que critica. Ele desmaiava ao ouvir o nome de Kṛṣṇa e comportava-Se como um homem inspirado pela influência de seu sentimento religioso. Murāri Gupta, uma testemunha ocular, descreveu que Ele demonstrou Seus poderes celestiais na casa de Śrīvāsa Paṇḍita na presença de centenas de Seus seguidores, que eram na maioria estudiosos eruditos.

Foi nesta ocasião que Ele abriu com Seus seguidores sinceros uma escola noturna de kīrtana na casa de Śrīvāsa Paṇḍita. Lá, Ele pregava, cantava, dançava e expressava todas as categorias de sentimentos religiosos. O Senhor Nityānanda Prabhu, que era então um pregador do vaiṣṇavismo e que tinha completado Suas viagens por toda a Índia, juntou-Se a Ele nessa ocasião. De fato, uma grande quantidade de paṇḍitas pregadores do vaiṣṇavismo, todos sinceros de coração, vieram de diferentes partes da Bengala e uniram-se a Ele. Nadia tornou-se assim a sede regular de uma multidão de ācāryas vaiṣṇavas, cuja missão era espiritualizar a humanidade com a influência suprema do credo vaiṣṇava.

A primeira ordem que Ele deu a Prabhu Nityānanda e Haridāsa foi essa: “Ide, amigos, ide pelas ruas da cidade, dirigi-vos a cada homem na porta de sua casa e pedi-lhe que cante o nome de Hari e leve uma vida santa, e depois vinde toda tardinha e contai-Me o resultado de vossa pregação”. Recebendo então essa ordem, os dois pregadores saíram e se encontraram com Jagāi e Mādhāi, dois homens de caráter dos mais abomináveis. Eles insultaram os pregadores quando ouviram a ordem de Mahāprabhu, mas logo foram convertidos pela influência da bhakti (devoção) inculcada pelo Senhor.

Daí, o povo de Nadia ficou surpreso. As pessoas diziam: “Nimāi Paṇḍita não é apenas um gênio portentoso, mas também decerto é um missionário do Deus Onipotente”. Desta época até os vinte e três anos de idade, Mahāprabhu pregou Seus princípios não somente em Nadia, mas também em todas as cidades e aldeias importantes situadas ao redor de Sua cidade. Nas casas de Seus seguidores, Ele realizou milagres, ensinou os princípios esotéricos de bhakti e cantou Seu saṅkīrtana com outros bhaktas. Seus seguidores da cidade de Nadia começaram a cantar o santo nome de Hari nas ruas e mercados. Isto causou um impacto e despertou diferentes sentimentos de diversas regiões. Os bhaktas ficaram deveras satisfeitos. Os smārta brāhmaṇas ficaram invejosos do sucesso de Nimāi Paṇḍita e foram queixar-se ao Chand Kazi, dizendo-lhe que o caráter de Caitanya ia de encontro aos princípios hindus. O Kazi foi à casa de Śrīvāsa Paṇḍita, onde quebrou uma mṛdaṅga (tambor de barro) e declarou que, a menos que Nimāi Paṇḍita parasse de propalar aos quatro ventos Sua religião esquisita, ele seria obrigado a impor a religião muçulmana a Ele e a Seus seguidores.

Isto foi levado ao conhecimento de Mahāprabhu. Ele ordenou aos habitantes da cidade que se reunissem à tardinha, cada um com uma tocha na mão. Eles fizeram isto, e Nimāi marchou com Seu saṅkīrtana dividido em 14 grupos, e chegando à residência do Kazi, Ele manteve um longo diálogo com o Kazi e no final infundiu no seu coração Sua influência vaiṣṇava, tocando-lhe o corpo. O Kazi então chorou e admitiu que sentira forte influência espiritual que eliminara todas as suas dúvidas e produziu nele um sentimento religioso que lhe propiciou o êxtase mais elevado. O Kazi uniu-se então ao grupo de saṅkīrtana. O mundo ficou admirado ante o poder espiritual do Grandioso Senhor, e após este episódio, centenas e centenas de hereges converteram-se e empunharam a bandeira de Viśvambhara.

Foi depois disso que alguns brāhmaṇas de Kulia, invejosos e medíocres, criaram uma desavença com Mahāprabhu e trouxeram um grupo para opor-se a Ele. Nimāi Paṇḍita era por natureza uma pessoa muito compassiva, embora firme em Seus princípios. Ele declarou que o facciosismo e o sectarismo eram os dois maiores inimigos do progresso e que, enquanto permanecesse como habitante de Nadia pertencente a uma determinada família, Sua missão não teria sucesso completo. Resolveu, então, tornar-Se um cidadão do mundo, rompendo Seus laços com uma família, casta e credo específicos, e, tomada essa resolução, Ele, aos 24 anos de idade, assumiu a posição de sannyāsī em Katwa, sob a guia de Keśava Bhāratī, que vivia naquela cidade. Sua mãe e esposa choraram amargamente a separação, mas nosso herói, embora de coração terno, era uma pessoa de fortes princípios. Ele trocou o pequeno mundo de Sua casa pelo ilimitado mundo espiritual de Kṛṣṇa, dedicando Sua vida às pessoas em geral.

Após aceitar sannyāsa, Ele foi induzido a visitar a casa de Advaita Prabhu em Śāntipura. Advaita deu um jeito de convidar todos os Seus amigos e admiradores de Nadia e trouxe Śacīdevī para ver seu filho. O prazer e a dor lhe invadiram o coração quando ela viu seu filho vestido de sannyāsī. Como um sannyāsī, Kṛṣṇa Caitanya usava apenas uma kaupīna e um bahirvāsa (manto). Sua cabeça era rapada, e em Suas mãos havia uma daṇḍa (bastão) e um kamaṇḍalu (cântaro de eremitas).

O santo filho caiu aos pés de Sua amada mãe e disse: “Mãe! este corpo é teu, e devo obedecer às tuas ordens. Permite que Eu Me dirija a Vṛndāvana para obter Minhas realizações espirituais”. Sua mãe, depois de deliberar com Advaita e outros, pediu a seu filho que residisse em Purī (a cidade de Jagannātha) para que ela pudesse obter notícias dEle de vez em quando. Mahāprabhu concordou com a proposta e em poucos dias deixou Śāntipura e foi para Orissa.

Seus biógrafos descrevem muito pormenorizadamente a viagem que Kṛṣṇa Caitanya (este é o nome que Ele recebeu após tomar sannyāsa) fez de Śāntipura até Purī. Ele viajou pela margem do Bhāgīrathī até chegar a Chatrabhoga, hoje situada em Thānā Mathurāpura, Diamond Harbour, 24 Parganas. Lá, Ele foi de barco até Prayāga-ghāṭa no distrito de Midnapura. Daí, Ele caminhou através de Balasore e Cuttack até chegar a Purī, visitando o templo de Bhūvaneśvara ao cobrir esse percurso. Chegando a Purī, Ele viu Jagannātha no templo e residiu com Sārvabhauma, a pedido deste.

Sārvabhauma era um extraordinário paṇḍita daquela época. Seus conhecimentos não tinham limites. Ele era o melhor naiyāyika de todos os tempos e era conhecido como o sábio mais erudito na filosofia vedānta da escola de Śaṅkarācārya. Ele nasceu em Nadia (Vidyānagara), onde ensinou a filosofia nyāya a inumeráveis discípulos que estudaram em sua ṭola. Ele tinha ido para Purī pouco antes do nascimento de Nimāi Paṇḍita. Seu cunhado, Gopīnātha Miśra, apresentou nosso novo sannyāsī a Sārvabhauma, que ficou impressionado com a beleza pessoal dEle e teve receio de que seria difícil aquele jovem manter-Se no sannyāsa-dharma durante o longo percurso de Sua vida. Gopīnātha, que conheceu Mahāprabhu em Nadia, tinha grande reverência por Ele e declarou que aquele sannyāsī não era um ser humano comum. Sobre este ponto Gopīnātha e Sārvabhauma tiveram uma discussão acalorada. Sārvabhauma pediu então a Mahāprabhu que o ouvisse recitar os Vedānta-sūtras, e Ele concordou tacitamente.

Caitanya ouviu em silêncio o que o grande Sārvabhauma falou com gravidade por sete dias, ao final dos quais este disse: “Kṛṣṇa Caitanya! Acho que não compreendes o Vedānta, pois não falaste nada depois de ouvir minha recitação e explicações”.

Em resposta, Caitanya falou que compreendia muito bem os sūtras, mas não conseguia atinar com o que Śaṅkarācārya queria dizer com seus comentários.

Espantado com isso, Sārvabhauma disse: “Como é que entendes os significados dos sūtras e não compreendes os comentários que explicam os sūtras? Muito bem! Se compreendes os sūtras, por favor, deixa-me ouvir as Tuas interpretações”.

Em seguida, Mahāprabhu explicou todos os sūtras à Sua maneira sem aludir ao comentário panteístico de Śaṅkara. A compreensão aguda de Sārvabhauma viu a verdade, beleza e harmonia dos argumentos contidos nas explicações dadas por Caitanya e obrigou-o a admitir que esta era a primeira vez que ele encontrara alguém que podia explicar os Brahma-sūtras de uma maneira tão simples. Reconheceu também que os comentários de Śaṅkara nunca deram explicações tão naturais acerca dos Vedānta-sūtras como as que ele tinha obtido de Mahāprabhu. Ele, então, apresentou-se como partidário e seguidor. Em poucos dias, Sārvabhauma acabou sendo um dos melhores vaiṣṇavas daquele tempo. Quando essas notícias se espalharam, toda a Orissa cantou louvores a Kṛṣṇa Caitanya, e centenas e centenas de pessoas vieram a Ele e tornaram-se Seus seguidores. Neste ínterim, Mahāprabhu pensou em visitar o Sul da Índia, e em Sua viagem, partiu com certo Kṛṣṇadāsa Brāhmaṇa.

Seus biógrafos nos dão pormenores desta viagem. Primeiro, Ele foi para Kūrmakṣetra, onde realizou um milagre, curando um leproso chamado Vāsudeva. Nas margens do Godāvarī, Ele encontrou-Se com Rāmānanda Rāya, o Governador de Vidyānagara, com quem manteve uma conversa filosófica sobre prema-bhakti. Realizou outro milagre ao tocar (fazendo-as desaparecer imediatamente) as sete árvores tāla, através das quais Rāmacandra, o filho de Daśaratha, atirou Sua flecha e matou o grande Bali Rāja. Ele pregou o vaiṣṇavismo e o nāma-saṅkīrtana durante toda a viagem. Em Raṅgakṣetra, Ele permaneceu quatro meses na casa de certo Veṅkata Bhaṭṭa, onde passaria a estação chuvosa. Lá, Ele converteu do vaiṣṇavismo Rāmānuja para kṛṣṇa-bhakti, toda a família de Veṅkata, bem como o filho de Veṅkata, um menino de dez anos chamado Gopāla, que mais tarde foi para Vṛndāvana e tornou-se um dos seis Gosvāmīs, ou profetas, que serviram sob a liderança de Śrī Kṛṣṇa Caitanya. Tendo aprendido sânscrito com seu tio Prabodhānanda Sarasvatī, Gopāla escreveu vários livros sobre o vaiṣṇavismo.

Caitanya visitou muitos lugares no Sul da Índia, e Ele foi até o Cabo Comorim; e após dois anos, voltou a Purī por Pandepura, que fica situada no Bhīma. Neste último lugar, Ele espiritualizou Tukārāma, que, daquele dia em diante, tornou-se um pregador. Esse fato foi admitido nas suas ābhāṅgas, que foram reunidas num volume pelo senhor Satyendra Nāth Tagore do Serviço Civil de Bombaim. Durante Sua viagem, Ele teve discussões com os budistas, os jainistas e os māyāvādīs em vários lugares e converteu ao vaiṣṇavismo os Seus oponentes.

Depois que Ele regressou a Purī, Rāja Pratāparudra-deva e muitos paṇḍitas brāhmaṇas empunharam a bandeira de Caitanya Mahāprabhu. Agora, Ele estava com vinte e sete anos de idade. Aos vinte e oito anos, Ele foi à Bengala, chegando até Gauḍa, em Malda. Lá, Ele encontrou-Se com duas grandes personalidades chamadas Rūpa e Sanātana. Embora descendessem das linhas dos brāhmaṇas karṇáticos, estes dois irmãos tornaram-se semimuçulmanos devido ao constante contato com Xá Hussain, que era então o imperador de Gauḍa. O imperador trocara-lhes os nomes e eles passaram a chamar-se Dabir Khās e Sākara Mallik, e o senhor deles os amava sinceramente visto que eles eram eruditos em persa, árabe e sânscrito e eram leais servidores do Estado. Esses dois cavalheiros não conseguiam descobrir a maneira de voltarem a ser simples hindus e pediram ajuda espiritual a Mahāprabhu enquanto Ele estava em Purī. Em resposta, Mahāprabhu escreveu que Ele iria ter com eles e os livraria de suas dificuldades espirituais. Agora que Ele tinha vindo a Gauḍa, os dois irmãos surgiram diante dEle com sua antiga súplica. Mahāprabhu ordenou-lhes que fossem a Vṛndāvana e O encontrassem lá.

Caitanya voltou a Purī através de Śāntipura, onde Ele mais uma vez encontrou-Se com Sua querida mãe. Depois de uma curta estada em Purī, Ele seguiu para Vṛndāvana. Dessa feita, Ele era acompanhado por Balabhadra Bhaṭṭācārya. Ele visitou Vṛndāvana e foi a Prayāga (Allahabad), convertendo um grande número de muçulmanos ao vaiṣṇavismo através de argumentos do próprio Alcorão. Os descendentes destes convertidos ainda são conhecidos como Paṭhana Vaiṣṇavas. Rūpa Gosvāmī encontrou-se com Ele em Allahabad. Durante dez dias, Caitanya instruiu-o na espiritualidade e ordenou-lhe que fosse cumprir missões em Vṛndāvana. Sua primeira missão foi escrever trabalhos teológicos, explicando cientificamente bhakti pura e prema. Sua segunda missão foi a de recuperar os lugares onde Kṛṣṇacandra, no fim da Dvāpara-yuga, realizara Suas līlās (passatempos) espirituais para o benefício do mundo religioso. Rūpa Gosvāmī deixou Allahabad e partiu para Vṛndāvana, e Mahāprabhu foi para Benares. Lá, Ele residia na casa de Candraśekhara e aceitava Sua bhikṣā (alimentação) diária na casa de Tapana Miśra. Foi aqui que Sanātana Gosvāmī uniu-se a Ele e por dois meses recebeu instruções sobre assuntos espirituais. Os biógrafos, especialmente Kṛṣṇadāsa Kavirāja, deixaram-nos pormenorizadamente os ensinamentos que Caitanya transmitiu a Rūpa e Sanātana. Kṛṣṇadāsa não era um escritor contemporâneo, mas ele obteve suas informações através dos próprios Gosvāmīs, discípulos diretos de Mahāprabhu. Jīva Gosvāmī, que era sobrinho de Sanātana e Rūpa e que nos deixou seu trabalho inestimável, o Ṣaṭ-sandarbhas, filosofou sobre os preceitos de seu grande líder. Nós reunimos e resumimos os preceitos de Caitanya valendo-nos dos livros destes grandes escritores.

Durante Sua permanência em Benares, Caitanya e os sannyāsīs eruditos da cidade tiveram um encontro na casa de um brāhmaṇa maratha, que convidou todos os sannyāsīs para esta reunião. Durante este encontro, Caitanya realizou um milagre que atraiu a Si todos os sannyāsīs. Então, iniciou-se a conversa. Os sannyāsīs eram encabeçados por seu muitíssimo erudito líder Prakāśānanda Sarasvatī. Após uma pequena controvérsia, eles submeteram-se a Mahāprabhu e admitiram que tinham sido desencaminhados pelos comentários de Śaṅkarācārya. Era impossível que mesmo os estudiosos eruditos se opusessem a Caitanya por muito tempo, pois havia uma magia nEle que tocava seus corações e os fazia desejar seu próprio aperfeiçoamento espiritual. Os sannyāsīs de Benares logo caíram aos pés de Caitanya e pediram Sua graça (kṛpā). Caitanya pregou então bhakti pura e infundiu em seus corações amor espiritual por Kṛṣṇa, e isso os forçou a abandonar seus sentimentos sectários. Com esta maravilhosa conversão dos sannyāsīs, toda a população de Benares tornou-se vaiṣṇava e realizou um colossal saṅkīrtana com seu novo Senhor.

Depois de enviar Sanātana a Vṛndāvana, Mahāprabhu novamente foi a Purī, percorrendo a floresta com Seu companheiro Balabhadra. Balabhadra informou que Mahāprabhu tinha realizado muitos milagres na Sua ida a Purī, tais como fazer tigres e elefantes dançarem ao ouvirem o nome de Kṛṣṇa.

Desde então, isto é, a partir dos trinta e um anos, Mahāprabhu viveu continuamente em Purī, morando na casa de Kāśi Miśra até os quarenta e oito anos, quando ocorreu o Seu desaparecimento durante o saṅkīrtana no templo de Ṭoṭa-gopīnātha. Ao longo destes 18 anos, Ele levou uma vida de amor e piedade serenos. Ele estava rodeado por numerosos seguidores, todos os quais pertenciam à mais elevada estirpe vaiṣṇava e distinguiam-se do povo em geral por seu caráter e conhecimento puríssimos, princípios religiosos inabaláveis e amor espiritual por Rādhā-Kṛṣṇa.

Svarūpa Dāmodara, que fora conhecido pelo nome de Puruṣottamācārya enquanto Mahāprabhu esteve em Nadia, juntou-se a Ele em Benares e aceitou servi-lO como Seu secretário. Nenhuma obra de algum poeta ou filósofo podia chegar a Mahāprabhu caso Svarūpa não a considerasse pura e útil. Rāya Rāmānanda era Seu segundo assistente. Tanto ele quanto Svarūpa costumavam cantar para que Mahāprabhu exprimisse Seus sentimentos a um certo ponto da adoração. Paramānanda Purī era Seu ministro em assuntos de religião. Existem centenas de histórias narradas por Seus biógrafos as quais não achamos necessário reproduzir aqui. Mahāprabhu dormia pouco. Cada dia e cada noite, Seus sentimentos O levavam por toda parte do firmamento da espiritualidade, e todos os Seus seguidores e admiradores O observavam o tempo todo. Ele adorava, comunicava-Se com Seus missionários em Vṛndāvana, e conversava com aqueles homens religiosos que acabavam de chegar para visitá-lO. Ele cantava e dançava, não Se importava consigo mesmo e frequentemente imergia em beatitude religiosa. Todos aqueles que vinham procurá-lO acreditavam que Ele era o Deus belíssimo que aparecera no mundo inferior para o benefício da humanidade. Ele sempre amou Sua mãe e de vez em quando lhe enviava mahāprasāda através daqueles que iam a Nadia. Ele era amabilíssimo por natureza. A humildade personificava-se nEle. Seu doce semblante dava ânimo a todos aqueles que entravam em contato com Ele. Ele nomeou Prabhu Nityānanda como o missionário encarregado da região da Bengala. Ele enviou seis discípulos (Gosvāmīs) a Vṛndāvana para pregar na província o amor por Kṛṣṇa. Ele puniu todos os Seus discípulos que se afastaram de uma vida santa. Ele fez isso notadamente no caso de Haridāsa Júnior. Para aqueles que as solicitavam, Ele nunca deixou de dar as necessárias instruções sobre a vida. Isto será visto nos Seus ensinamentos a Raghunātha dāsa Gosvāmī. Seu relacionamento com Haridāsa (sênior) mostra como Ele amava os homens espiritualistas e como contestava a presença de distinção de castas na fraternidade espiritual.

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