Capítulo 8
Bhakti-yoga: O Supremo Sistema de Yoga
Verso 14
tam imaṁ te pravakṣyāmi
yam avocaṁ purānaghe
ṛṣīṇāṁ śrotu-kāmānāṁ
yogam sarvāṅga-naipuṇam
Ó piedosíssima mãe, agora hei de explicar-te o antigo sistema de yoga, que expliquei anteriormente aos grandes sábios. Ele é útil e prático em todos os sentidos.
SIGNIFICADO—O Senhor não inventa um novo sistema de yoga. Às vezes, afirma-se que alguém se tornou uma encarnação de Deus e está expondo um novo aspecto teológico da Verdade Absoluta. Aqui, porém, observamos que, muito embora Kapila Muni seja o próprio Senhor e seja capaz de inventar uma nova doutrina para Sua mãe, Ele diz: “Agora vou explicar o antigo sistema que certa vez expliquei aos grandes sábios porque eles também estavam ansiosos por ouvir sobre ele.” Se já temos um processo absolutamente magnífico nas escrituras védicas, não há necessidade de inventar um novo sistema para desencaminhar o público inocente. Na atualidade, é moda rejeitar o sistema padrão e apresentar algo falso em nome de algum processo de yoga recém-inventado.
O sistema de yoga supremo e milenar pertence à alma. Hoje em dia, sobretudo nos Estados Unidos, o haṭha-yoga é muito popular. Ele agrada as mulheres acima do peso que frequentam as aulas a fim de emagrecer e manter seus aparelhos digestivos em ordem. Muita gente está interessada nesse tipo de yoga, que não passa de ginástica, mas o yoga verdadeiro é ādhyātmika. Ādhyātmika significa despertar a alma para sua posição correta. A alma é puruṣa, espírito, e é sua obrigação restabelecer sua relação perdida com Kṛṣṇa.
Nesta passagem, Kapiladeva diz que anteriormente Ele ensinou este sistema de yoga aos grandes ṛṣis, grandes sábios. Esse é o processo de śravaṇa, ouvir. Deve-se estar muito ávido por ouvir, pois a vida espiritual começa com o ouvir.
ataḥ śrī-kṛṣṇa-nāmādi
na bhaved grāhyam indriyaiḥ
sevonmukhe hi jihvādau
svayam eva sphuraty adaḥ
(Bhakti-rasāmṛta-sindu 1.2.234)
Portanto, afirma-se nos śāstras que não é possível apreciar ou compreender Kṛṣṇa através de nossos sentidos embotados e materiais. O nome, a forma, as qualidades, os passatempos, a parafernália e a morada de Kṛṣṇa são todos partes integrantes de Kṛṣṇa. Entretanto, compreender Kṛṣṇa começa com o ouvir e cantar de Seu nome. Depois, percebe-se Sua forma. Em geral, para o neófito, esses itens são essenciais – ouvir Seu nome e qualidades, e ver e adorar Sua forma. Esta é a instrução pessoal de Kṛṣṇa:
man-manā bhava mad-bhakto
mad-yājī māṁ namaskuru
“Ocupa tua mente em pensar sempre em Mim, torna-te Meu devoto, oferece-Me reverências e Me adora.” (Bhagavad-gītā 9.34)
Bhagavān Śrī Kṛṣṇa está presente na Deidade do templo, e se mesmo uma criança vem e Lhe oferece reverências, ela é considerada um devoto. Uma criancinha talvez não saiba nada, mas pelo simples fato de ver a Deidade, cantar e dançar, ela se beneficia. Os templos prestam-se a dar a todos a oportunidade de avançar em consciência de Kṛṣṇa passo a passo.
sv-alpam apy asya dharmasya
trāyate mahato bhayāt
“Um pequeno progresso neste caminho pode proteger a pessoa do mais perigoso tipo de medo.” (Bhagavad-gītā 2.40) Mesmo que avancemos apenas um pouco no caminho de bhakti, isso contará em nosso saldo positivo. Por exemplo, se depositamos apenas dois dólares em uma caderneta de poupança, eles permanecem em nossa conta e, com os juros, irão aumentar. Analogamente, mesmo que alguém realize apenas um pouco de serviço devocional, ele não perde nada. Talvez uma pessoa venha e junte-se a este movimento da consciência de Kṛṣṇa, preste algum serviço e, após algum tempo, caia. Entretanto, qualquer serviço que ela tenha prestado torna-se seu crédito permanente. Esse serviço nunca se perderá. Quando recomeçar, ela começará do ponto onde tinha parado. Essa é a instrução da Bhagavad-gītā (6.41):
śucīnāṁ śrīmatāṁ gehe
yoga-bhraṣṭo ’bhijāyate
“O yogī malogrado nasce em uma família de pessoas virtuosas ou em uma família de rica aristocracia.” Desse modo, se o yogī não chega à perfeição de seu bhakti-yoga, ele recebe outra oportunidade na vida seguinte. Conforme diz um poema bengali:
śuci haya muci haya yadi kṛṣṇa tyaje
muci haya śuci haya yadi kṛṣṇa-bhaje
Se alguém adota a consciência de Kṛṣṇa, mesmo que tenha nascido em uma família de sapateiros (muci), ele se torna superior a um brāhmaṇa (śuci). Todavia, se alguém nasce em uma família de brāhmaṇas e abandona a consciência de Kṛṣṇa, ele se torna um muci, um sapateiro. Logo, a porta da devoção está aberta para todos, para quem quer que seja. O próprio Kṛṣṇa diz que, a despeito da posição da pessoa, se ela se refugia em Kṛṣṇa, pode alcançar o destino supremo.
māṁ hi pārtha vyapāśritya
ye ’pi syuḥ pāpa-yonayaḥ
striyo vaiśyās tathā śūdrās
te ’pi yānti parāṁ gatiṁ
“Ó filho de Pṛthā, aqueles que se refugiam em Mim, mesmo que sejam de nascimento inferior – as mulheres, os vaiśyas [mercadores], bem como os śūdrās [trabalhadores braçais] – podem alcançar o destino supremo.” (Bhagavad-gītā 9.32) E Śukadeva Gosvāmī diz:
kirāta-hūṇāndhra-pulinda-pulkaśā
ābhīra-śumbhā yavanāḥ khasādayaḥ
ye ’nye ca pāpā yad-apāśrayāśrayāḥ
śudhyanti tasmai prabhaviṣṇave namaḥ
“Os Kirātas, os Hūṇas, os Āndhras, os Pulindas, os Pulkaśas, os Ābhīras, os Śumbhas, os Yavanas, os membros das raças de Khasa e até mesmo outros que se entregam a atos pecaminosos, podem se purificar abrigando-se nos devotos do Senhor, porque Ele é o poder supremo. Ofereço-Lhe, portanto, minhas respeitosas reverências.” (Śrīmad-Bhāgavatam 2.4.18) A consciência de Kṛṣṇa é tão completa que é todo-abrangente. Todos possuem um dever ocupacional como brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya ou śūdra, mas ninguém precisa abandonar seu dever ocupacional para adotar a consciência de Kṛṣṇa. E se alguém adota a consciência de Kṛṣṇa, mas não atinge a perfeição, o que ele perdeu? Mesmo que ele caia, não há perda alguma. Por outro lado, se um homem realiza seus deveres perfeitamente (sva-dharma), mas não é consciente de Kṛṣṇa, o que ele ganha? Na verdade, não há ganho algum. Kapiladeva explica que, uma vez que a pessoa adote o caminho de bhakti-yoga, ela de fato nunca cai. Uma vez iniciado, bhakti-yoga continua, mesmo que o praticante caia temporariamente. Ele recebe outra oportunidade na vida seguinte, nascendo em uma boa família, seja em uma família rica, seja em uma família erudita, seja em uma família de brāhmaṇas. Se alguém executa seus deveres como brāhmaṇa, Viṣṇu ficará muito satisfeito, e se outrem executa seus deveres perfeitamente, como um kṣatriya ou śūdra, Viṣṇu também ficará muito satisfeito. Ninguém precisa mudar de posição. Na Bhagavad-gītā (18.46), Śrī Kṛṣṇa diz que todo homem pode se tornar perfeito seguindo suas próprias qualidades de trabalho:
yataḥ pravṛttir bhūtānāṁ
yena sarvam idaṁ tatam
sva-karmaṇā tam abhyarcya
siddhiṁ vindati mānavaḥ
“Prestando adoração ao Senhor, que é a fonte de todos os seres e que é onipenetrante, o homem pode atingir a perfeição através da execução de seu próprio trabalho.” Logo, se um homem executa seus deveres como um perfeito kṣatriya, vaiśya, śūdra ou o que quer que seja, Viṣṇu ficará satisfeito. O propósito do trabalho é satisfazer a Viṣṇu. Infelizmente, todo o mundo esqueceu esse fato. Varṇāśrama-dharma, o sistema social védico, é, portanto, muito importante, já que se destina a dar aos seres humanos uma oportunidade de aperfeiçoar suas vidas satisfazendo a Kṛṣṇa. Infelizmente, o varṇāśrama-dharma se perdeu nesta era. Caitanya Mahāprabhu, portanto, somente para dar alívio às degeneradas almas condicionadas desta era de Kali, deu-nos o mahā-mantra.
harer nāma harer nāma
harer nāmaiva kevalam
kalau nāsty eva nāsty eva
nāsty eva gatir anyathā
“Nesta era de desavenças e hipocrisia, o único meio de liberação é cantar o santo nome do Senhor. Não há outra maneira. Não há outra maneira. Não há outra maneira.” (Bṛhan-nāradīya Purāṇa) Embora possamos tentar reviver o sistema varṇāśrama perfeito, isso não é possível nesta era. Todos são caídos, perturbados e desventurados:
prāyeṇālpāyuṣaḥ sabhya
kalāv asmin yuge janāḥ
mandāḥ sumanda-matayo
manda-bhāgyā hy upadrutāḥ
“Ó sábio, nesta férrea era de Kali, os homens têm vida curta. São briguentos, preguiçosos, desorientados, azarentos e, acima de tudo, sempre perturbados.” (Śrīmad-Bhāgavatam 1.1.10) Nesta era, haverá escassez de chuva e de alimento, e o governo roubará a renda do povo através de impostos muito altos. Todas essas características de Kali-yuga são descritas no Śrīmad-Bhāgavatam. As pessoas ficarão tão desgostosas que, subitamente, deixarão esposa e filhos e partirão para a floresta. Como se pode reviver o pacífico sistema de varṇāśrama-dharma nesta era, quando o mundo inteiro vive tão atormentado? É quase impossível. Portanto, deve-se adotar o sistema de bhakti-yoga, o cantar do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. Todo o objetivo do bhakti-yoga é satisfazer a Viṣṇu. Yajñaiḥ saṅkīrtana-prāyaiḥ: Viṣṇu, Kṛṣṇa, apareceu pessoalmente como Caitanya Mahāprabhu para nos ensinar o processo de saṅkīrtana. Hoje em dia, é moda inventar um novo sistema de religião, mas Kapiladeva, como Kṛṣṇa, não inventa nada novo. Este sistema não é novo, mas sim muito antigo (purā). Kṛṣṇa também diz o mesmo na Bhagavad-gītā (4.2), evaṁ paramparā-prāptam imaṁ rājarṣayo viduḥ: “Esta ciência suprema foi então recebida através da corrente de sucessão discipular, e os reis santos compreenderam-na dessa maneira.” Logo, Kṛṣṇa e Kapiladeva não estão ensinando nada novo. Estão apenas repetindo a mesma mensagem, pois, com o decorrer do tempo, o conhecimento se perdera. Arjuna pergunta: “Por que estás me dizendo isto? Por que não a outra pessoa?” Śrī Kṛṣṇa responde que bhakto ’si me sakhā ceti: “Porque és Meu devoto bem como Meu amigo.” (Bhagavad-gītā 4.3)
Logo, sem ser um bhakta, um devoto de Kṛṣṇa, ninguém pode de fato compreender a ciência de bhakti-yoga. Compreender a Bhagavad-gītā significa compreender Kṛṣṇa. Toda esta informação é explicada apenas no bhakti-sampradāya, e em nenhuma outra escola. Por isso, Kṛṣṇa diz na conclusão da Bhagavad-gītā (18.55) que bhaktyā mām abhijānāti: quem deseja realmente compreender Kṛṣṇa e sua relação com Ele, deve adotar este processo de bhakti-yoga. Bhakti-yoga, como o Senhor Kapiladeva explicou, é sāṅkhya-yoga.
O Senhor Kapiladeva afirma neste verso:
tam imaṁ te pravakṣyāmi
yam avocaṁ purānaghe
A palavra anaghe se refere a alguém sem pecados. A palavra agha se refere a pecados passados, e an significa “sem”. Logo, não pode compreender a consciência de Kṛṣṇa quem não está livre do pecado. Yeṣāṁ tv anta-gataṁ pāpam: a pessoa pode ater-se à consciência de Kṛṣṇa apenas quando está completamente livre de todas as reações pecaminosas. Talvez alguém diga: “Isso levará tempo. Não posso me libertar das reações pecaminosas da noite para o dia.” Kṛṣṇa, contudo, diz: “Não, não. Isso pode ser feito agora mesmo. Apenas renda-se a Mim, e Eu absolverei você de todos os pecados.” Assim, pelo simples método de render-se a Kṛṣṇa, nossa vida espiritual começa.
Temos de compreender que recebemos diferentes corpos devido a nossas ações pecaminosas. Agora recebemos uma oportunidade de executar nosso dever na forma humana. Bahūnāṁ janmanām ante. Recebemos este corpo através do processo evolutivo, e esta forma humana é uma grande oportunidade. Narottama Dāsa Ṭhākura canta: hari hari viphale janama goṅāinu: “Meu querido Senhor Kṛṣṇa, simplesmente desperdicei meu tempo.” Por quê?
manuṣya janama pāiyā, rādhā-kṛṣṇa nā bhajiyā,
jāniyā śuniyā viṣa khāinu
“Porque recebi esta forma de vida humana, que se destina a compreender Kṛṣṇa, mas, mesmo assim, desperdicei meu tempo, sem aproveitar esta oportunidade. Fiz de tudo, menos adorar Rādhā-Kṛṣṇa. Portanto, tomei veneno deliberadamente.” Quando um homem toma veneno deliberadamente, ele comete suicídio. E não tirar proveito da forma humana é algo semelhante. Se não compreendermos Kṛṣṇa nesta vida, estamos tomando veneno conscientemente. Esta vida material é tal qual uma floresta em chamas. Comer, dormir, acasalar-se e defender-se são as principais atividades materiais. Quando nos ocupamos apenas com esses afazeres, nossos corações ardem constantemente, como se tivéssemos tomado veneno. Como podemos nos curar?
golokera prema-dhana, hari-nāma-saṅkīrtana,
rati nā janmila kene tāya
“Meu querido Senhor, entregaste-nos o remédio de hari-nāma-saṅkīrtana, o cantar de Hare Kṛṣṇa. Infelizmente, não sinto atração por Seus santos nomes.” Também está dito:
vrajendra-nandana yei, śacī-suta haila sei,
balarāma haila nitāi
“Kṛṣṇa apareceu agora como Śrī Caitanya Mahāprabhu, o filho de mãe Śacī. E Balarāma veio como o Senhor Nityānanda.” Qual a atividade dEles? Eles estão libertando todas as espécies de homens pecaminosos através do simples cantar de Hare Kṛṣṇa. E qual é a prova disso? A prova é que Śrī Caitanya Mahāprabhu e Nityānanda Prabhu libertaram os pecaminosos Jagāi e Mādhāi. Atualmente, todos são como Jagāi e Mādhāi, pois todos vivem embriagados e loucos atrás de prazer sexual. Agora, pela graça de Caitanya Mahāprabhu, milhares de Jagāis e Mādhāis estão se liberando. É este remédio poderoso, este mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, que está fazendo isso. É o sistema de yoga perfeito. Este processo não é inventado, e não criamos nada. Nossa posição restringe-se apenas a aceitar as palavras de Kṛṣṇa como elas são. O próprio Śrī Kṛṣṇa define Seu devoto desta maneira:
satataṁ kīrtayanto māṁ
yatantaś ca dṛḍha-vratāḥ
namasyantaś ca māṁ bhaktyā
nitya-yuktā upāsate
“Sempre cantando Minhas glórias, esforçando-se com muita determinação, prostrando-se diante de Mim, estas grandes almas adoram-Me perpetuamente com devoção.” (Bhagavad-gītā 9.14)
Não precisamos ser muito eruditos. O único requisito é que recebamos as bênçãos do Senhor. As bênçãos do Senhor nos capacitarão a tornarmo-nos eruditos e a seguirmos Suas instruções. Temos apenas de aderir a este movimento da consciência de Kṛṣṇa baseando-nos na Bhagavad-gītā. Quando avançamos um pouco mais, podemos ler o Śrīmad-Bhāgavatam. O próprio Caitanya Mahāprabhu abriu o caminho com este movimento de saṅkīrtana. O mundo inteiro está em escuridão devido à falta de consciência de Kṛṣṇa, e, nesta era, as pessoas são tão obtusas que nem mesmo conhecem a diferença entre mukti (liberação) e bandha (cativeiro). Se um ser humano não conhece tal diferença, ele não é melhor que um animal.
No momento, estamos sob o domínio dos três guṇas, ou modos da natureza material – sattva-guṇa, rajo-guṇa e tamo-guṇa. Dentre esses três guṇas, sattva-guṇa, o modo da bondade, é o melhor. O brāhmaṇa, caracterizado pelo modo da bondade, é veraz e autocontrolado. Ele controla a mente e os sentidos e é muito tolerante e simples. Possui conhecimento completo e sabe como aplicar esse conhecimento na vida. Tem fé completa na autoridade dos Vedas, uma qualidade chamada āstikyam. Caitanya Mahāprabhu explicou a diferença entre nāstikyam e āstikyam. De acordo com a compreensão védica, quem não acredita nos Vedas é chamado de nāstika. Caitanya Mahāprabhu diz: veda nā māniyā bauddha haya ta’ nāstika. (Caitanya-caritāmṛta, Madhya 6.168) O senhor Buddha desafiou a autoridade védica, mas Sua missão era parar a matança de animais. Nos Vedas, há certas passagens que recomendam o sacrifício de animais, e, para impedir a matança de animais, o senhor Buddha rejeitou os Vedas. Tal sacrifício não é possível nesta era, pois não há brāhmaṇas qualificados para realizá-lo. Aqueles que são inteligentes sabem que tal sacrifício não pode ser bem-sucedido nesta era, visto que ninguém conhece os mantras apropriados, capazes de proporcionar ao animal velho um corpo novo. Quando se realiza bem um sacrifício, o animal velho é sacrificado e ele surge do fogo em um corpo novo. Isso não é possível nesta era, mas o que é, sim, possível é o saṅkīrtana-yajña, o cantar do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. Este é o yajña, ou sacrifício, especialmente destinado para esta era. Só precisamos cantar Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. Por realizar este yajña, o resultado será ceto-darpaṇa-mārjanam – o espelho da mente será limpo. Quando o espelho da mente está limpo, a pessoa automaticamente se libera.
Consciência é o princípio mais importante, seja para a vida condicionada, seja para a vida liberada. Estamos, portanto, propondo a consciência de Kṛṣṇa, que significa liberação de repetidos nascimentos e mortes. Infelizmente, nesta era, todos são tão tolos que não fazem ideia de como é possível parar o nascimento e a morte. Eles acham que não é possível parar o nascimento e a morte; até cientistas famosos pensam assim. Entretanto, na Bhagavad-gītā, Śrī Kṛṣṇa diz que devemos sempre manter em mente as quatro condições de sofrimento, a saber, nascimento, velhice, doença e morte. Quando formos capazes de dar fim a elas, estaremos liberados. Basta limparmos nossa consciência através do processo de pensar em Kṛṣṇa. O objetivo deste movimento da consciência de Kṛṣṇa é manter nossa mente sempre em Kṛṣṇa. Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus e é uma pessoa. Quando Arjuna conseguiu compreender quem era Kṛṣṇa, ele o chamou de puruṣam. Deus é puruṣa, masculino, e não feminino. Puruṣa significa “o desfrutador”, e prakṛti significa “o desfrutado”. Tudo é desfrutado pelo puruṣa supremo. Também se afirma que nós, na verdade, somos prakṛti, e não puruṣa. A roupa humana não passa de māyā, ilusão. Pensamos que somos puruṣa, o desfrutador, mas, na verdade, somos os desfrutados. Um homem, pensando em desfrutar, tenta imitar o puruṣa, mas, na verdade, ele é prakṛti. Como consequência, ele é lançado neste mundo material. Porque o ser vivo deseja desfrutar o mundo material e se deixa apegar aos três guṇas, ele recebe diferentes tipos de corpos. Alguém que está no modo da bondade recebe o corpo de um brāhmaṇa erudito. Isso é, de certa forma, elevado, pois ele pode compreender aos poucos quem é Deus. Nos modos da paixão e ignorância, ninguém pode compreender Deus. Além disso, do ponto de vista material, se a pessoa está situada no modo da bondade, ela pode elevar-se a sistemas planetários superiores. No entanto, mesmo que alcance Brahmaloka, o planeta mais elevado do mundo material, ela de fato ainda não alcançou a perfeição. Na verdade, não há benefício, porque, mesmo em Brahmaloka, estão presentes os quatro sofrimentos da existência material: nascimento, velhice, doença e morte. O senhor Brahmā também morre e nasce. A partir das escrituras védicas, aprendemos que o senhor Brahmā nasceu da flor de lótus gerada do umbigo de Viṣṇu. Dessa maneira, ele teve de nascer, e, quando o senhor Brahmā morrer, toda a manifestação cósmica material se acabará. Assim como o senhor Brahmā submete-se a nascimento, velhice, doença e morte, também uma minúscula formiga ou inseto submete-se ao mesmo processo. O ponto é que a entidade viva tem de se libertar deste cativeiro porque ela é eterna por natureza. De acordo com a Bhagavad-gītā, a entidade viva de fato nunca nasce nem nunca morre. Na jāyate mriyate vā kadācit: “Para a alma, nunca há nascimento nem morte.” (Bhagavad-gītā 2.20)
É o corpo que está destinado a morrer, quer seja o corpo do senhor Brahmā, quer o de uma formiguinha. Ninguém deve pensar que se liberou só porque pode viver milhões e milhões de anos. A vida do senhor Brahmā dura milhões de anos terrestres. Ainda assim, ele também está sujeito ao nascimento e à morte. Assim é a vida condicionada. Devemos tirar proveito do conhecimento perfeito apresentado pelas escrituras védicas, pelos grandes ṛṣis e por Bhagavān Kapiladeva, bem como por Bhagavān Śrī Kṛṣṇa, para nos libertarmos do ciclo de nascimentos e mortes.
Receber consciência de Kṛṣṇa significa receber luz. As pessoas estão saturadas do modo de vida materialista, sobretudo no Ocidente. Agora o movimento da consciência de Kṛṣṇa está dando vida nova à sociedade ocidental. Por natureza, nós, seres vivos, somos liberados. Estão fora de cogitação nascimento, morte, velhice e doença. Visto que somos partes integrantes de Kṛṣṇa, o Senhor Supremo, como é possível que existam tais coisas para nós? Kṛṣṇa é sac-cid-ānanda-vigraha, e, por sermos partes integrantes de Kṛṣṇa, também somos da mesma natureza. Somos iguais em qualidade, mas não em quantidade. Por que, então, deveríamos sofrer as dores excruciantes da morte? Portanto, no verso anterior, Kapiladeva instruiu: yoga ādhyāmikaḥ puṁsāṁ mato niḥśreyasāya. A alma está aprisionada no corpo, e o processo perfeito de yoga é aquele que salva a alma do confinamento corpóreo e dos quatro sofrimentos que afligem o corpo. Como se pode alcançar tal sistema de yoga? O Senhor Kapiladeva explica esse ponto no próximo verso: rataṁ vā puṁsi muktaye. Se simplesmente mantivermos nossa consciência apegada a Kṛṣṇa, seremos liberados.
As grandes almas estão sempre cantando sobre Kṛṣṇa. Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. E também estão esforçando-se com grande determinação em seu serviço devocional. Por exemplo, nos templos da consciência de Kṛṣṇa, os devotos acordam bem cedo, às 4h da madrugada, e logo tomam banho. A seguir, vão ao maṅgala-ārati às 4h30 e, depois do maṅgala-ārati, estudam as escrituras védicas. Esses são os processos através dos quais podemos despertar nosso adormecido amor por Kṛṣṇa. Já que somos partes integrantes de Kṛṣṇa – assim como um filho é parte integrante de seu pai –, existe um amor natural entre nós. Contudo, de uma forma ou outra, o filho deixa o lar e esquece seu pai. O pai, evidentemente, nunca esquece o filho. Ele pensa: “Oh! Meu filho foi embora. Se ao menos ele voltasse!” Kṛṣṇa pensa dessa maneira. Todos somos filhos de Kṛṣṇa, e Kṛṣṇa está mais ansioso para nos levar de volta ao lar, de volta ao Supremo, do que nós estamos para voltar. Em razão disso, Kṛṣṇa vem e diz: “Seu patife! Abandone toda essa ocupação material absurda. Você inventou tantas religiões e dharmas. Abandone todas elas e simplesmente renda-se a Mim.” Kṛṣṇa vem em pessoa e deixa Suas palavras. Suas palavras também são Ele mesmo, pois são absolutas. Agora não vemos Kṛṣṇa, mas se de fato avançarmos, iremos vê-lO. Quando vemos a Deidade no templo, pensamos: “Oh! Isto é um ídolo. Não é Kṛṣṇa.” Se pensamos dessa maneira, não vemos Kṛṣṇa. Kṛṣṇa também está presente em Suas palavras na Bhagavad-gītā. Isso é kṛṣṇa-vāṇī, a mensagem de Kṛṣṇa. Pode alcançar a fase de consciência de Kṛṣṇa quem é avançado em consciência de Kṛṣṇa. Ele, então, pode compreender que Kṛṣṇa está presente na Deidade, na Bhagavad-gītā, no sabor da água, no brilho do Sol, no luar e em todo som. Kṛṣṇa está presente em toda parte, mas precisa-se adquirir conhecimento para poder saber como ver Kṛṣṇa. Isso é mukti, liberação. Isso é consciência de Kṛṣṇa. Esse é o processo de bhakti-yoga – śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ smaraṇam. Adoração à Deidade é arcanam, cantar é vandanam, e dāsyam é trabalhar para Kṛṣṇa e difundir este movimento da consciência de Kṛṣṇa.
Em geral, reparamos que as pessoas estão interessadas, acima de tudo, em ver Kṛṣṇa, mas por que essa ênfase em ver? Vamos ouvir sobre Ele. Devemos nos aproximar com um pouco de fé, e, à medida que ouvirmos, essa fé aumentará. Deve-se vir ao templo, ouvir palestras sobre Kṛṣṇa e, depois de algum tempo, receber iniciação oficial no serviço ao Senhor. Isso se chama bhajana-kriyā. Nessa etapa, a pessoa deve abandonar o sexo ilícito, a intoxicação, o consumo de carne e os jogos de azar. Se ela ainda está apegada a todos esses hábitos, deve saber que não está progredindo. Quando alguém está realmente avançando em bhajana-kriyā, todos esses anarthas (coisas indesejáveis) desaparecem. Paraṁ dṛṣṭvā nivartate. Quem saboreia algo melhor, rejeita todos os tipos de bobagem. Uma vez que alguém sinta o gosto da consciência de Kṛṣṇa, não consegue permanecer sem esse gosto. Assim como um alcoólatra não pode ficar sem bebida, um devoto não consegue deixar de embriagar-se com a consciência de Kṛṣṇa. A imunidade contra todas as doenças materiais é a consciência de Kṛṣṇa. Para ficarmos imunes à infecção dos guṇas, devemos nos ocupar em bhakti-yoga. Logo que chegamos ao nível perfeccional, obtemos amor extático pelo Supremo. Nesse estado, não podemos permanecer sem Kṛṣṇa nem mesmo por um momento. Isso se chama bhāva, e esse bhāva pode chegar ao ponto de mahā-bhāva. Isso não é possível para seres humanos comuns, mas o foi para as gopīs e Rādhārāṇī. Na verdade, elas não podiam viver sem Kṛṣṇa. Esse é o nível mais elevado de liberação.