VERSO 2
rāja-vidyā rāja-guhyaṁ
pavitram idam uttamam
pratyakṣāvagamaṁ dharmyaṁ
su-sukhaṁ kartum avyayam
rāja-vidyā—o rei da educação; rāja-guhyam—o rei do conhecimento confidencial; pavitram—o mais puro; idam—este; uttamam—transcendental; pratyakṣa—através de experiência direta; avagamam—compreendido; dharmyam—o princípio da religião; su-sukham—muito feliz; kartum—executar; avyayam—perpétuo.
Este conhecimento é o rei da educação, o mais secreto de todos os segredos. É o conhecimento mais puro, e por conceder uma percepção direta do eu, é a perfeição da religião. Ele é eterno e é executado alegremente.
Este capítulo do Bhagavad-gītā é chamado o rei da educação porque é a essência de todas as doutrinas e filosofias já explicadas. Entre os principais filósofos da Índia estão Gautama, Kaṇāda, Kapila, Yājñavalkya, Śāṇḍilya e Vaiśvānara. E também Vyāsadeva, o autor do Vedānta-sūtra. Logo, não há escassez de conhecimento no campo de filosofia ou conhecimento transcendental. Agora, o Senhor diz que este Nono Capítulo é o rei de todo este conhecimento, a essência de toda a instrução que pode ser derivada do estudo dos Vedas e dos diferentes tipos de filosofia. É o mais confidencial porque o conhecimento confidencial ou transcendental envolve a compreensão da diferença entre alma e corpo. E o rei de todo o conhecimento confidencial culmina no serviço devocional.
De um modo geral, não se ensina este conhecimento confidencial; há apenas educação do conhecimento convencional. Quanto à instrução comum, as pessoas envolvem-se em tantos departamentos: política, sociologia, física, química, matemática, astronomia, engenharia, etc. Existem muitos departamentos de conhecimento espalhados pelo mundo, e muitas universidades colossais, mas infelizmente não há nenhuma universidade ou instituição educacional onde se ensine a ciência da alma espiritual. No entanto, a alma é a parte mais importante do corpo; sem a presença da alma, o corpo não tem valor algum. Mesmo assim, as pessoas dão grande ênfase às necessidades físicas da vida, e não se importam com a alma vital.
O Bhagavad-gītā, especialmente do Segundo Capítulo em diante, realça a importância da alma. Logo no começo, o Senhor diz que este corpo é perecível e que a alma não é perecível (antavanta ime dehā nityasyoktāḥ śarīriṇaḥ). Esta é uma parte confidencial do conhecimento: saber apenas que a alma espiritual é diferente deste corpo e que tem natureza imutável, indestrutível e eterna. Porém, isso não dá informação positiva sobre a alma. Às vezes, as pessoas têm a impressão de que a alma é diferente do corpo e que quando o corpo acaba, ou quando a pessoa se libera do corpo, a alma permanece no vazio e torna-se impessoal. Mas esta não é a realidade dos fatos. Como pode a alma, que é tão ativa dentro deste corpo, ficar inativa depois de liberar-se do corpo? Ela é sempre ativa. Se é eterna, então é eternamente ativa, e suas atividades no reino espiritual são a parte mais confidencial do conhecimento espiritual. Portanto, indica-se aqui que estas atividades da alma espiritual são o rei de todo o conhecimento, a parte mais confidencial de todo o conhecimento.
Este conhecimento é a forma mais pura de todas atividades, como explica a literatura védica. No Padma Purāṇa, analisam-se as atividades pecaminosas do homem e mostra-se que elas são o resultado de pecados consecutivos. Aqueles que se ocupam em atividades fruitivas estão enredados em diferentes fases e formas de reações pecaminosas. Por exemplo, quando se planta a semente de uma determinada árvore, a árvore não parece crescer imediatamente; leva algum tempo. Primeiro, nasce um broto que depois assume a forma de árvore; em seguida, ela floresce e dá frutos, e, quando está completa, quem a semeou desfruta de suas flores e frutos. De modo semelhante, um homem executa um ato pecaminoso, e, como uma semente, leva tempo para este ato frutificar. Há diferentes etapas. Talvez o indivíduo tenha parado de cometer a ação pecaminosa, mas os resultados ou o fruto desta ação pecaminosa ainda não foram experimentados. Há pecados que ainda estão em forma de semente, e há outros que já amadureceram e estão dando fruto, que é experimentado como miséria e dor.
Como foi explicado no vigésimo oitavo verso do Sétimo Capítulo, quem eliminou por completo as reações de todas as atividades pecaminosas e ocupa-se plenamente em atividades piedosas, liberando-se da dualidade deste mundo material, passa a prestar serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Em outras palavras, aqueles que estão realmente ocupados no serviço devocional ao Senhor Supremo já se liberaram de todas as reações. O Padma Purāṇa confirma esta declaração:
aprārabdha-phalaṁ pāpaṁ
kūṭaṁ bījaṁ phalonmukham
krameṇaiva pralīyeta
viṣṇu-bhakti-ratātmanām
Para aqueles que se ocupam no serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus, todas as reações pecaminosas — frutificadas, armazenadas, ou em forma de semente — desaparecem aos poucos. Portanto, a potência purificadora do serviço devocional é muito forte e chama-se pavitram uttamam, a mais pura. Uttama significa transcendental. Tamas significa este mundo material ou escuridão, e uttama significa aquilo que é transcendental às atividades materiais. As atividades devocionais nunca devem ser consideradas materiais, embora às vezes tenha-se a impressão de que os devotos estão ocupados como homens comuns. Aquele que consegue ver e que está familiarizado com o serviço devocional saberá que tais atividades não são materiais, mas sim espirituais e devocionais, não estando contaminadas pelos modos da natureza material.
Está dito que a execução do serviço devocional é tão perfeita que se podem perceber diretamente os resultados. Pode-se perceber o resultado proveniente, e temos experiência prática de que, ao cantar os santos nomes de Kṛṣṇa (Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare), não cometendo ofensas ao cantar, a pessoa sente um prazer transcendental e em breve purifica-se de toda a contaminação material. Isto é um fato comprovado. Ademais, se ele se ocupa não só em ouvir, mas também em tentar difundir a mensagem das atividades devocionais, ou se empenha em ajudar as atividades missionárias da consciência de Kṛṣṇa, pouco a pouco experimenta progresso espiritual. Este aperfeiçoamento na vida espiritual não depende de nenhum tipo de instrução ou qualificação anterior. O próprio método é tão puro que é possível purificar-se pelo simples fato de ocupar-se nele.
O Vedānta-sūtra (3.2.26) também descreve isto com as seguintes palavras: prakāśaś ca karmaṇy abhyāsāt. “O serviço devocional é tão poderoso que a iluminação ocorre pelo simples fato de ocupar-se em suas atividades, e quanto a isto não há dúvidas.” Um exemplo prático disso pode ser tirado da vida anterior de Nārada, que era então o filho de uma criada. Ele não tinha instrução, nem nascera em família elevada. Mas quando sua mãe se ocupava em servir a grandes devotos, Nārada também os servia, e às vezes, na ausência de sua mãe, ele os servia sozinho. Nārada pessoalmente diz:
ucchiṣṭa-lepān anumodito dvijaiḥ
sakṛt sma bhuñje tad-apāsta-kilbiṣaḥ
evaṁ pravṛttasya viśuddha-cetasas
tad-dharma evātma-ruciḥ prajāyate
Neste verso do Śrīmad-Bhāgavatam (1.5.25), Nārada descreve a seu discípulo Vyāsadeva a sua vida anterior. Ele diz que, quando jovem, se associou intimamente com devotos puros ao servi-los durante a sua permanência de quatro meses ali. Às vezes, aqueles sábios deixavam restos de comida, e o menino, que lavava seus pratos, quis provar esses restos. Então, pediu permissão aos grandes devotos, e quando eles deram, Nārada comeu aqueles restos e, como resultado, livrou-se de todas as reações pecaminosas. Por comer estes restos ele chegou a ficar tão puro de coração quanto os sábios. Ouvindo e cantando, os grandes devotos saboreavam o gosto do incessante serviço devocional ao Senhor, e Nārada pouco a pouco desenvolveu o mesmo gosto. Na continuação, Nārada diz:
tatrānvahaṁ kṛṣṇa-kathāḥ pragāyatām
anugraheṇāśṛṇavaṁ manoharāḥ
tāḥ śraddhayā me ’nupadaṁ viśṛṇvataḥ
priyaśravasy aṅga mamābhavad ruciḥ
Associando-se com os sábios, Nārada tomou gosto em ouvir e cantar as glórias do Senhor e desenvolveu um desejo intenso de prestar serviço devocional. Portanto, como se descreve no Vedānta-sūtra, prakāśaś ca karmaṇy abhyāsāt: só por se ocupar em atos do serviço devocional, tudo se revela automaticamente, e pode-se compreender tudo. Isto se chama pratyakṣa, percebido diretamente.
A palavra dharmyam significa “o caminho da religião”. Nārada era, na verdade, o filho de uma criada. Ele não teve oportunidade de ir à escola. Ele apenas ajudava sua mãe que afortunadamente prestava serviço aos devotos. O menino Nārada também teve a oportunidade e através da simples associação, conseguiu a meta mais elevada de toda a religião, que é o serviço devocional, como se declara no Śrīmad-Bhāgavatam (sa vai puṁsāṁ paro dharmo yato bhaktir adhokṣaje). De um modo geral, as pessoas religiosas não sabem que a perfeição máxima da religião é executar o serviço devocional. Como já discutimos com relação ao último verso do Oitavo Capítulo (vedeṣu yajñeṣu tapaḥsu caiva), para se alcançar a auto-realização, é necessário o conhecimento védico. Mas aqui, embora Nārada nunca tivesse ido à escola do mestre espiritual e não tivesse recebido instruções sobre os princípios védicos, ele obteve os maiores resultados concedidos pelo estudo védico. Este processo é tão poderoso que, mesmo sem executar regularmente o método religioso, pode-se alcançar a perfeição máxima. Como isto é possível? A literatura védica também o confirma: ācāryavān puruṣo veda. Quem se associa com grandes ācāryas, mesmo que não seja instruído ou nunca tenha estudado os Vedas, pode se familiarizar com todo o conhecimento necessário para obter a compreensão espiritual.
O processo do serviço devocional é muito agradável (su-sukham). Por quê? O serviço devocional consiste em śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ, assim, pode-se simplesmente ouvir cantar as glórias do Senhor ou presenciar os ācāryas autorizados fazerem conferências filosóficas sobre o conhecimento transcendental. Apenas sentado pode-se aprender; depois, comem-se os restos do alimento oferecido a Deus, que consiste em belos pratos saborosos. Em todos as etapas, o serviço devocional é alegre. Pode executar serviço devocional mesmo quem vive na penúria. O Senhor diz que patraṁ puṣpaṁ phalaṁ toyam: Ele está disposto a aceitar do devoto qualquer tipo de oferenda, não importa o quê. Até mesmo uma folha, uma flor, um pedaço de fruta ou um pouco dágua, que são todos disponíveis em qualquer parte do mundo, podem ser oferecidos por qualquer pessoa, independentemente de sua posição social, e serão aceitos se oferecidos com amor. Há muitos exemplos na história. Pelo simples fato de saborear as folhas de tulasī oferecidas aos pés de lótus do Senhor, grandes sábios como Sanat-kumāra tornaram-se devotos grandiosos. Portanto, o processo devocional é muito agradável, e pode ser executado alegremente. Deus só aceita o amor com que se Lhe oferecem as coisas.
Afirma-se aqui que este serviço devocional existe eternamente. Não é como alegam os filósofos māyāvādīs. Embora eles às vezes, do ponto de vista externo, adotem o serviço devocional, sua idéia é que, enquanto não forem liberados, continuarão seu serviço devocional, mas no fim, quando se liberarem, eles “se tornarão unos com Deus”. Esse serviço devocional temporário oportunista não é aceito como serviço devocional puro. O verdadeiro serviço devocional continua mesmo após a liberação. Quando vai para o planeta espiritual no reino de Deus, lá também o devoto ocupa-se em servir o Senhor Supremo. Ele não tenta se tornar uno com o Senhor Supremo.
Como mostrará o Bhagavad-gītā, o verdadeiro serviço devocional começa após a liberação. Após a liberação, quando se situa na posição Brahman (brahma-bhūta), a pessoa passa a executar serviço devocional (samaḥ sarveṣu bhūteṣu mad-bhaktiṁ labhate parām). Ninguém pode compreender a Suprema Personalidade de Deus executando isoladamente karma-yoga, jñāna-yoga, aṣṭāṅga-yoga ou qualquer outra yoga. Através desses métodos ióguicos, pode-se fazer um pequeno progresso rumo à bhakti-yoga, mas, sem chegar à etapa do serviço devocional, ninguém pode compreender o que a Personalidade de Deus é. O Śrīmad-Bhāgavatam também confirma que, quando alguém se purifica executando o processo do serviço devocional, especialmente ouvindo as almas realizadas comentarem o Śrīmad-Bhāgavatam ou o Bhagavad-gītā, pode então compreender a ciência de Kṛṣṇa, ou a ciência de Deus. Evaṁ prasanna-manaso bhagavad-bhakti-yogataḥ. Quando o coração se limpa de todos os absurdos, então, pode-se compreender o que é Deus. Logo, o processo de serviço devocional, da consciência de Kṛṣṇa, é o rei de toda a instrução e o rei de todo o conhecimento confidencial. É a forma mais pura de religião, e não há dificuldade alguma em executá-lo alegremente. Por isso, todos devem adotá-lo.