Capítulo 23
Kṛṣṇa Liberta as Esposas dos Brāhmanas que Executavam Sacrifícios
A manhã passou, e os vaqueirinhos estavam com muita fome porque não tinham tomado o desjejum. Eles se aproximaram imediatamente de Kṛṣṇa e Balarāma e disseram: “Queridos Kṛṣṇa e Balarāma, Vocês são onipotentes; podem matar muitos e muitos demônios, mas hoje a fome nos está afligindo muito, e isso nos perturba. Por favor, providenciem algo que mitigue nossa fome”.
Sendo solicitados desta forma por Seus amigos, o Senhor Kṛṣṇa e Balarāma Se prepararam para mostrar compaixão para as esposas de alguns brāhmaṇas que estavam executando sacrifícios. Essas esposas eram grandes devotas do Senhor, e Kṛṣṇa aproveitou a oportunidade para abençoá-las. Ele disse: “Meus queridos amigos, por favor, vão à casa dos brāhmaṇas aqui perto. Eles estão agora ocupados em executar sacrifícios védicos chamados āṅgirasa, porque desejam a elevação a planetas celestiais. Todos vocês, por favor, vão ter com eles”. Então, o Senhor Kṛṣṇa advertiu Seus amigos: “Esses brāhmaṇas não são vaiṣṇavas. Eles nem mesmo são capazes de cantar Nossos nomes, Kṛṣṇa e Balarāma. Estão muito ocupados em cantar os hinos védicos, embora a finalidade do conhecimento védico seja Me encontrar. Todavia, porque eles não têm atração pelos nomes de Kṛṣṇa e Balarāma, é melhor vocês não pedirem nada em Meu nome. É melhor pedir alguma coisa em nome de Balarāma”.
Em geral, se dá caridade a brāhmaṇas de alta classe, mas Kṛṣṇa e Balarāma não apareceram em uma família de brāhmaṇas. Balarāma era conhecido como filho de Vasudeva, um kṣatriya, e Kṛṣṇa era conhecido em Vṛndāvana como filho de Nanda Mahārāja, que era um vaiśya. Nenhum dos dois pertencia à comunidade brāhmaṇa. Por isso, Kṛṣṇa considerou que os brāhmaṇas ocupados em executar sacrifícios talvez não fossem induzidos a dar caridade a um kṣatriya e a um vaiśya. “Mas se pelo menos vocês disserem o nome de Balarāma, eles podem preferir dar caridade a um kṣatriya do que a Mim, que sou apenas vaiśya”.
Tendo recebido esta ordem da Suprema Personalidade de Deus, todos os meninos procuraram os brāhmaṇas e começaram a pedir caridade. Aproximaram-se deles com mãos postas e se prostraram no chão para mostrar respeito. “Ó deuses terrestres, por favor, ouçam-nos, pois recebemos ordens de Kṛṣṇa e Balarāma. Esperamos que vocês Os conheçam muito bem, e lhes desejamos toda a boa fortuna. Kṛṣṇa e Balarāma estão cuidando das vacas aqui perto, e nós Os acompanhamos. Viemos pedir-lhes um pouco de comida. Vocês são todos brāhmaṇas e conhecedores dos princípios religiosos e, se acharem que devem nos dar algo em caridade, deem-nos um pouco de comida para comermos com Kṛṣṇa e Balarāma. Vocês são os brāhmaṇas mais respeitáveis dentro da sociedade humana, e espera-se que conheçam todos os princípios do procedimento religioso”.
Embora fossem meninos de vila e não se esperasse que conhecessem todos os princípios védicos do ritual religioso, eles deram a entender que, por causa de sua associação com Kṛṣṇa e Balarāma, eles conheciam todos esses princípios. Chamando os brāhmaṇas de “conhecedores de todos os princípios religiosos”, os meninos expressaram o ponto de vista de que, como a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa e Balarāma, estavam pedindo por comida, os brāhmaṇas deveriam enviar algo imediatamente sem hesitação, porque, como se diz no Bhagavad-gītā, deve-se executar yajña (sacrifícios) só para a satisfação de Viṣṇu.
Os meninos continuaram: “O Senhor Viṣṇu, na forma de Kṛṣṇa e Balarāma, está esperando, e vocês devem entregar imediatamente qualquer comida que tenham em estoque”. Eles também explicaram aos brāhmaṇas como deve ser aceita a comida. Em geral, os vaiṣṇavas, ou devotos puros do Senhor, não participam de execuções ordinárias de sacrifícios. No entanto, conhecem muito bem as cerimônias conhecidas como dīkṣā, paśu-saṁsthā e sautrāmaṇi. Permite-se ingerir alimentos depois do procedimento de dīkṣā e antes da cerimônia do sacrifício animal e do sautrāmaṇi, ou cerimônia em que também se oferecem bebidas alcoólicas. Os meninos disseram: “Podemos receber sua comida na fase atual da cerimônia, porque agora não será proibido. Então, podem nos entregar o alimento”.
Embora os companheiros do Senhor Kṛṣṇa e Balarāma fossem simples vaqueirinhos, eles estavam em posição de dar ordens até aos brāhmaṇas de alta classe ocupados em rituais védicos de sacrifícios. Porém, os smārta-brāhmaṇas, que só pensavam em sacrifício, não conseguiram entender a ordem dos devotos transcendentais do Senhor. Nem mesmo foram capazes de apreciar o pedido do Senhor Supremo, Kṛṣṇa e Balarāma. Embora tivessem ouvido todos os argumentos em nome de Kṛṣṇa e Balarāma, eles não deram ouvidos e se recusaram a falar com os meninos. Apesar de serem altamente elevados no conhecimento dos ritos védicos de sacrifício, todos esses brāhmaṇas não devotos, embora se julgassem muito altamente elevados, eram pessoas ignorantes e tolas. Todas as atividades deles são inúteis, porque desconhecem a finalidade dos Vedas, como o Bhagavad-gītā a explica: compreender Kṛṣṇa. Por isso, o conhecimento que eles têm dos Vedas é superficial. O Senhor Caitanya deu Sua valiosa opinião de que não é preciso nascer em uma família de brāhmaṇas: se a pessoa conhece Kṛṣṇa ou a ciência da consciência de Kṛṣṇa, ela é mais do que um brāhmaṇa, e é muito idônea para se tornar mestre espiritual.
Há vários detalhes a se observar na execução de sacrifícios. São conhecidos como deśa, lugar; kāla, tempo; pṛthag-dravya, os diferentes utensílios em detalhe; mantra, hinos; tantra, evidências da escritura; agni, fogo; ṛtvik, executores eruditos de sacrifícios; devatā, os semideuses; yajamāna, o executor do sacrifício; kratu, o próprio sacrifício, e dharma, os procedimentos. Tudo isso é para satisfazer Kṛṣṇa. Confirma-se que Ele é o verdadeiro desfrutador de todos os sacrifícios porque Ele é diretamente a Suprema Personalidade de Deus e a Suprema Verdade Absoluta, além da concepção ou da especulação dos sentidos materiais. Ele está presente assim como um menino humano comum. Todavia, para pessoas que se identificam com o corpo, é muito difícil compreendê-lO. Os brāhmaṇas estavam muito interessados nos confortos deste corpo material e na elevação para os planetas superiores chamados svarga-vāsa. Por isso, eles eram de todo incapazes de compreender a posição de Kṛṣṇa.
Quando os meninos viram que os brāhmaṇas não falariam com eles, ficaram muito desapontados. Então, voltaram ao Senhor Kṛṣṇa e Balarāma e contaram o que ocorrera. Depois de ouvir sua narração, a Suprema Personalidade de Deus começou a sorrir. Ele lhes disse que não deviam ficar aborrecidos por não terem sido atendidos pelos brāhmaṇas, porque é assim quando se mendiga. Ele os convenceu de que, quando se está ocupado em coletar ou mendigar, a pessoa não se deve pensar que sempre terá sucesso. Pode-se não ter sucesso às vezes, mas isso não deve ser causa de desapontamento. O Senhor Kṛṣṇa, então, pediu aos meninos que fossem de novo, mas, desta vez, às esposas dos brāhmaṇas ocupados em sacrifícios. Ele também lhes informou que essas esposas eram grandes devotas. “Elas estão sempre absortas a pensar em Nós. Vão lá e peçam algum alimento em Meu nome e no nome de Balarāma, e tenho certeza de que elas lhes darão tanta comida quanto desejarem”.
Cumprindo a ordem de Kṛṣṇa, os meninos foram ter imediatamente com as esposas dos brāhmaṇas, encontrando-as reunidas em uma casa. Elas estavam muito enfeitadas com belos adornos. Depois de oferecer a todas elas respeitosas reverências, os meninos disseram: “Queridas mães, por favor, aceitem nossas humildes reverências e ouçam nossa declaração. Queremos informá-las de que os Senhores Kṛṣṇa e Balarāma estão aqui perto. Eles estão com as vacas e nós viemos aqui por instrução dEles. Todos nós estamos com muita fome, daí termos vindo lhes pedir um pouco de alimento. Por favor, deem algo de comer para Kṛṣṇa, Balarāma e para nós”.
Logo que ouviram isso, as esposas dos brāhmaṇas ficaram ansiosas por causa de Kṛṣṇa e Balarāma. Essa reação foi espontânea. Elas não precisaram ser convencidas da importância de Kṛṣṇa e Balarāma; logo que ouviram o nome dEles, ficaram muito ansiosas por vê-lOs. Sendo avançadas por pensarem constantemente em Kṛṣṇa, elas estavam praticando a maior forma de meditação mística. Todas as esposas, então, ocuparam-se em encher diferentes vasilhas com boas comidas. Devido à execução do sacrifício, todos os alimentos eram muito saborosos. Depois de reunir um banquete, elas se prepararam para ir ter com Kṛṣṇa, o objeto mais amável para elas, da mesma maneira que os rios correm para o mar.
Por muito tempo, as esposas ansiaram por ver Kṛṣṇa. Porém, quando se preparavam para sair de casa e ir vê-lO, seus maridos, pais, filhos e parentes pediram-lhes que não fossem. As esposas não obedeceram, porém. Quando um devoto é chamado pela atração por Kṛṣṇa, ele não se importa com os laços corpóreos. As mulheres entraram na floresta de Vṛndāvan, às margens do Yamunā, que verdejava com flores e trepadeiras recém-desabrochadas. Dentro daquela floresta, elas viram Kṛṣṇa e Balarāma ocupados em cuidar das vacas, junto de Seus amigos muito queridos.
As esposas dos brāhmaṇas viram Kṛṣṇa com a tez negra e vestindo uma roupa que brilhava como ouro. Ele usava uma bela guirlanda de flores silvestres e uma pena de pavão em Sua cabeça. Ele também estava pintado com os minerais encontrados em Vṛndāvana, e tinha a aparência exata de um dançarino em um palco. Elas viram que Kṛṣṇa Se apoiava no ombro de um amigo e, com a mão direita, segurava uma flor de lótus. Suas orelhas estavam enfeitadas com lírios, usava marcas de tilaka e sorria encantadoramente. Com seus próprios olhos, as esposas dos brāhmaṇas viram a Suprema Personalidade de Deus, de quem tanto tinham ouvido falar e que lhes era tão querido. Era esse mesmo Kṛṣṇa que sempre absorveu suas mentes e que agora elas viam olho a olho e face a face. E, assim, Kṛṣṇa entrou em seus corações através dos olhos.
Dentro de si mesmas, elas começaram a abraçar Kṛṣṇa até seus corações ficarem satisfeitos, e isso mitigou de imediato a aflição da separação. Elas eram exatamente como grandes sábios que, por seu avanço em conhecimento, fundem-se na existência do Supremo. Como a Superalma que vive no coração de todos, o Senhor Kṛṣṇa podia compreender a mente delas; elas tinham vindo ter com Ele a despeito de todos os protestos de seus parentes, pais, maridos e irmãos, e a despeito de todos os deveres dos trabalhos domésticos. Elas vieram só para ver Kṛṣṇa, que era sua vida e alma. Elas de fato estavam seguindo a instrução de Kṛṣṇa no Bhagavad-gītā: deve-se render-se a Ele abandonando todas as espécies de deveres ocupacionais e de religião. As esposas dos brāhmaṇas de fato cumpriram totalmente a instrução do Bhagavad-gītā. Kṛṣṇa, portanto, começou a falar com elas, sorrindo de maneira magnífica. Deve-se notar que, quando Kṛṣṇa entrou no coração das esposas e quando elas O abraçaram e sentiram a bem-aventurança transcendental de se fundirem nEle, o Supremo Senhor Kṛṣṇa não perdeu Sua identidade, nem as esposas individuais a perderam. A individualidade tanto do Senhor como das esposas permaneceu, mas elas sentiram a unidade de existência. Quando uma amante se submete a seu amante sem traço de consideração pessoal, isso se chama unidade. O Senhor Caitanya nos ensinou esse sentimento de unidade em Seu Śikṣāṣṭaka: Kṛṣṇa pode agir livremente, fazendo o que desejar, mas o devoto deve estar sempre em unidade ou em concordância com Seus desejos. Foi essa unidade que as esposas dos brāhmaṇas demonstraram em seu amor por Kṛṣṇa.
Kṛṣṇa lhes deu as boas-vindas com as seguintes palavras: “Minhas queridas esposas de brāhmaṇas, vocês são todas muito afortunadas e bem-vindas aqui. Por favor, deixem-Me saber o que posso fazer por vocês. A vinda de vocês até aqui para Me ver, desprezando todas as restrições e obstáculos de parentes, pais, irmãos e maridos, é completamente conveniente. Quem faz isso conhece mesmo seu próprio interesse, porque prestar-Me serviço amoroso transcendental, sem motivo nem restrição, é de fato auspicioso para as entidades vivas”.
O Senhor Kṛṣṇa confirma aqui que o mais elevado nível de perfeição da alma condicionada é render-se a Ele, abandonando todas as outras responsabilidades. Semelhante rendição completa à Suprema Personalidade de Deus é o caminho mais auspicioso para a alma condicionada, porque o Senhor Supremo é o supremo objetivo de amor. Todos, em última análise, estão amando Kṛṣṇa, mas a compreensão disso corresponde ao avanço de cada um em conhecimento. A pessoa chega a compreender que seu eu é a alma espiritual, e a alma espiritual não é nada além de uma parte integrante do Senhor Supremo. Por conseguinte, o Senhor Supremo é a meta final do amor, e, assim, a pessoa deve se render a Ele. Essa rendição é considerada auspiciosa para a alma condicionada. Nossa vida, propriedade, lar, esposa, filhos, casa, país, sociedade e toda a parafernália que nos é muito querida é uma expansão da Suprema Personalidade de Deus. Ele é o objeto central de amor porque Ele nos dá toda a bem-aventurança, expandindo-Se de tantas maneiras segundo nossas diferentes situações, ou seja, corporal, mental e espiritual.
“Minhas queridas esposas dos brāhmaṇas”, Kṛṣṇa disse, “vocês podem agora voltar a suas casas. Ocupem-se em atividades de sacrifício e no serviço a seus maridos e nas tarefas domésticas para que seus maridos fiquem satisfeitos com vocês, e o sacrifício que eles começaram será executado apropriadamente. Afinal, seus maridos são pais de família, e, sem a ajuda de vocês, como podem eles executar seus deveres prescritos?”
As esposas dos brāhmaṇas responderam: “Querido Senhor, essa espécie de instrução não se encaixa em Você. Sua promessa eterna é que sempre protegerá Seus devotos, e agora Você deve cumprir essa promessa. Qualquer um que venha e se renda a Você jamais regressa à vida condicionada da existência material. Esperamos que agora Você cumpra a Sua promessa. Nós nos rendemos a Seus pés de lótus, que estão cobertos por folhas de tulasī, então não temos mais desejo de regressar para a companhia de nossos assim chamados parentes, amigos e sociedade e abandonar o abrigo de Seus pés de lótus. E que faremos, voltando para casa? Nossos maridos, irmãos, pais, filhos, mães e amigas não nos aceitarão em casa, porque nós já os abandonamos a todos. Por isso, não temos outro abrigo, para o qual proceder. Por favor, portanto, não nos peça para voltarmos para casa, mas providencie que permaneçamos sob Seus pés de lótus para que possamos viver eternamente sob Sua proteção”.
A Suprema Personalidade de Deus respondeu: “Minhas queridas esposas dos brāhmaṇas, fiquem tranquilas que seus maridos não as desprezarão quando vocês voltarem, nem seus irmãos, filhos ou pais se recusarão a recebê-las. Porque vocês são devotas puras, não só seus parentes, mas também as pessoas em geral, bem como os semideuses, ficarão satisfeitos com vocês”. Kṛṣṇa está situado como a Superalma no coração de todos. Assim, se alguém se torna um devoto puro do Senhor Kṛṣṇa, imediatamente ele se torna agradável para todos. O devoto puro do Senhor Kṛṣṇa nunca é hostil para com alguém. Uma pessoa sensata não pode ser inimiga de um devoto puro. “O amor transcendental por Mim não depende da relação corpórea”, Kṛṣṇa continuou a falar, “mas todo aquele cuja mente estiver sempre absorta em Mim, virá com certeza muito em breve a Mim para obter Minha eterna companhia”.
Depois de serem instruídas pela Suprema Personalidade de Deus, todas as esposas voltaram para a casa de seus respectivos maridos. Contentes de verem suas esposas de volta em casa, os brāhmaṇas sentaram-se com elas e realizaram a execução de sacrifícios juntos, como se prescreve nos śāstras. Segundo o princípio védico, os rituais religiosos devem ser executados pelo marido e pela esposa juntos. Quando as esposas dos brāhmaṇas regressaram, o sacrifício foi bem executado, como convém. Uma das esposas dos brāhmaṇas, no entanto, que foi impedida à força de ir ver Kṛṣṇa, começou a se lembrar dEle à medida que ouvia falar das características corporais dEle. Estando completamente absorta em pensar nEle, ela abandonou seu corpo material, condicionado pelas leis da natureza.
Após a partida das esposas dos brāhmaṇas, Śrī Govinda e Seus amigos vaqueirinhos desfrutaram da comida que tinham recebido. Foi desse modo que a sempre alegre Personalidade de Deus revelou Seus passatempos transcendentais aparecendo exatamente como um ser humano comum para poder atrair as pessoas ordinárias à consciência de Kṛṣṇa. Com Suas palavras e Sua beleza, Ele atraía todas as vacas, vaqueirinhos e meninas de Vṛndāvana. Todos eles desfrutavam juntos dos passatempos do Senhor.
Depois que suas esposas regressaram, os brāhmaṇas ocupados em executar sacrifícios começaram a lamentar suas atividades pecaminosas por terem recusado comida à Suprema Personalidade de Deus. Por fim, puderam compreender seu engano: ocupados na execução de rituais védicos, eles desprezaram a Suprema Personalidade de Deus que tinha aparecido como um ser humano comum e pedido um pouco de comida. Puseram a se condenar depois de verem a fé e a devoção de suas esposas. Eles lamentaram muito que, embora suas esposas estivessem na plataforma de serviço devocional puro, eles mesmos não podiam entender nem um pouco de como amar e oferecer serviço transcendental e amoroso à Superalma. Eles começaram a falar entre si: “Para o inferno com nosso nascimento como brāhmaṇas! Para o inferno com nosso conhecimento de todos os textos védicos! Para o inferno com nossa execução de grandes sacrifícios e observação de todas as regras e regulações! Para o inferno com nossa família! Para o inferno com nosso serviço perito na execução dos rituais exatamente conforme a descrição das escrituras! Para o inferno com tudo, porque não desenvolvemos serviço amoroso transcendental à Suprema Personalidade de Deus, que está além da especulação da mente, do corpo e dos sentidos!”
Os brāhmaṇas eruditos, peritos nas execuções ritualísticas védicas, estavam se lamentando com razão, porque, sem desenvolver consciência de Kṛṣṇa, toda prática de deveres religiosos é simples perda de tempo e de energia. Continuaram falando entre si: “A energia externa de Kṛṣṇa é tão forte que pode criar ilusão para vencer até o maior yogī místico. Embora nós, brāhmaṇas peritos, sejamos considerados os mestres de todas as outras divisões da sociedade humana, nós também fomos iludidos pela energia externa. Vejam só como são felizes estas mulheres que dedicaram suas vidas com tanta devoção à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Elas puderam facilmente abandonar a conexão familiar, algo muito difícil de fazer. A vida em família é como um poço escuro para a continuação das misérias materiais”. As mulheres em geral, sendo de coração muito simples, podem adotar a consciência de Kṛṣṇa com muita facilidade e, quando desenvolvem amor por Kṛṣṇa, elas podem obter a libertação das garras de māyā com facilidade, o que é muito difícil de superar até para homens ditos inteligentes e eruditos.
Os brāhmaṇas continuaram: “Segundo o preceito védico, as mulheres não têm permissão de passar pelo processo purificatório da iniciação do cordão sagrado, nem se lhes permite viver como brahmacāriṇīs no āśrama do mestre espiritual, nem se lhes aconselha submeter-se ao estrito procedimento disciplinar, nem são muito peritas em discutir a filosofia da autorrealização. E, por natureza, não são muito puras; nem são muito apegadas a atividades auspiciosas. “Entretanto, como é maravilhoso que tenham desenvolvido amor transcendental por Kṛṣṇa, o Senhor de todos os yogīs místicos!”, os brāhmaṇas exclamaram. “Elas nos ultrapassaram a todos em fé firme e devoção a Kṛṣṇa. Estando muito apegados ao modo de vida materialista, embora sejamos considerados mestres em todos os processos purificatórios, de fato não sabíamos qual é a meta. Mesmo depois dos vaqueirinhos terem nos lembrado sobre Kṛṣṇa e Balarāma, nós Os desprezamos. Achamos, agora, que foi um simples truque de misericórdia da Suprema Personalidade de Deus para conosco ter mandado Seus amigos nos pedirem comida. Do contrário, Ele não tinha necessidade de enviá-los. Ele poderia ter satisfeito a fome desses vaqueirinhos lá mesmo, se era isso o que Ele queria”.
Se alguém nega que Kṛṣṇa é autossuficiente porque ouve dizer que Ele cuidava das vacas para ganhar a vida, ou se duvida de que Ele de fato não precisava de comida, pensando que Ele estava com fome, então tal pessoa deve entender que a deusa da fortuna está sempre a serviço de Kṛṣṇa. Assim a deusa consegue controlar seu mau hábito de não ficar parada em lugar algum. Em textos védicos como a Brahma-saṁhitā, afirma-se que Kṛṣṇa é servido em Sua morada, não por uma, mas por muitos milhares de deusas da fortuna. Por isso, não passa de ilusão alguém pensar que Kṛṣṇa pediu comida aos brāhmaṇas. De fato, era um truque para lhes mostrar a misericórdia de aceitá-lO em serviço devocional puro. Os utensílios cerimoniais védicos, o lugar apropriado, o tempo conveniente, as diversas espécies de artigos para executar as cerimônias ritualísticas, os hinos védicos, o sacerdote que é capaz de executar este sacrifício, o fogo e os semideuses, o executor do sacrifício e os princípios religiosos têm todos a finalidade de entender Kṛṣṇa, pois Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus. Ele é o Supremo Senhor Viṣṇu e o Senhor de todos os yogīs místicos.
“Por Ele ter aparecido como uma criança na dinastia dos Yadus, fomos tão tolos que não pudemos compreender que Ele é a Suprema Personalidade de Deus”, disseram os brāhmaṇas. “Mas, por outro lado, ficamos muito satisfeitos por termos esposas tão elevadas, que desenvolveram serviço transcendental puro ao Senhor sem se restringirem por nossa oposição rígida. Ofereçamos, pois, nossas respeitosas reverências aos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa, sob cuja energia ilusória, chamada māyā, estamos absortos em atividades fruitivas. Oramos ao Senhor, portanto, para que tenha a bondade de nos perdoar, porque estamos simplesmente cativados por Sua energia externa. Transgredimos as ordens dEle, desconhecendo Suas glórias transcendentais”.
Os brāhmaṇas se arrependeram de suas atividades pecaminosas. Eles queriam ir pessoalmente oferecer suas reverências a Kṛṣṇa, mas, estando com medo de Kaṁsa, não puderam ir. Em outras palavras, é muito difícil que alguém se renda plenamente à Suprema Personalidade de Deus sem ser purificado pelo serviço devocional. O exemplo dos brāhmaṇas eruditos e de suas esposas é vívido. As esposas dos brāhmaṇas, porque estavam inspiradas pelo serviço devocional puro, não se preocuparam com nenhum tipo de oposição. Elas foram imediatamente ter com Kṛṣṇa. Em contraste, embora os brāhmaṇas tivessem vindo a conhecer a supremacia do Senhor e estivessem arrependidos, eles ainda tinham medo do rei Kaṁsa, porque estavam muito viciados em atividades fruitivas.
Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do capítulo vinte e três de Kṛṣṇa, intitulado “Kṛṣṇa Liberta as Esposas dos Brāhmaṇas que Executavam Sacrifícios”.