VERSO 31
kṛtvā dayāṁ ca jīveṣu
dattvā cābhayam ātmavān
mayy ātmānaṁ saha jagad
drakṣyasy ātmani cāpi mām
kṛtvā — tendo mostrado; dayām — compaixão; ca — e; jīveṣu — para com os seres vivos; dattvā — tendo dado; ca — e; abhayam — garantia de segurança; ātma-vān — autorrealizado; mayi — em Mim; ātmānam — tu próprio; saha jagat — juntamente com o universo; drakṣyasi — tu perceberás; ātmani — em ti mesmo; ca — e; api — também; mām — Me.
Mostrando compaixão para com todas as entidades vivas, alcançarás a autorrealização. Dando garantia de segurança a todos, perceberás teu próprio eu bem como todos os universos em Mim, e Eu em ti.
SIGNIFICADO—Aqui se descreve o simples processo de autorrealização para todas as entidades vivas. O primeiro princípio a ser compreendido é que este mundo é um produto da vontade suprema. Há uma identidade deste mundo com o Senhor Supremo. Tal identidade os impersonalistas aceitam de maneira errônea. Eles dizem que a Suprema Verdade Absoluta, transformando-Se no universo, perde Sua existência separada. Assim, eles aceitam o mundo e tudo que nele existe como sendo o Senhor. Isso é panteísmo, em que se considera tudo como sendo o Senhor. Essa é a visão do impersonalista. Mas aqueles que são devotos pessoais do Senhor veem tudo como propriedade do Senhor Supremo. Tudo, qualquer coisa que vejamos, é manifestação do Senhor Supremo, de maneira que tudo deve ser ocupado no serviço ao Senhor. Isso é unidade. A diferença entre o impersonalista e o personalista é que o impersonalista não aceita a existência separada do Senhor, mas o personalista aceita o Senhor, entendendo que, embora o Senhor Se distribua de tantas maneiras, Ele tem Sua existência pessoal separada. Isto é descrito na Bhagavad-gītā: “Eu estou espalhado por todo o universo em Minha forma impessoal. Tudo repousa em Mim, mas Eu não estou presente.” Há um ótimo exemplo a respeito do Sol e do brilho do Sol. O Sol, através de seu brilho, espalha-se por todo o universo, e todos os planetas repousam no brilho do Sol. Contudo, todos os planetas são diferentes do planeta Sol; ninguém pode dizer que, por repousarem no brilho do Sol, esses planetas também são o Sol. Analogamente, o ponto de vista impessoal, ou panteísta, de que tudo é Deus, não é uma proposta muito inteligente. A posição verdadeira, como o próprio Senhor a explica, é que, embora nada possa existir sem Ele, não é um fato que tudo seja Ele. Ele é diferente de tudo. Assim, aqui o Senhor também diz: “Tu verás que nada no mundo é diferente de Mim.” Isso significa que tudo deve ser considerado um produto da energia do Senhor e, por isso, tudo deve ser empregado a serviço do Senhor. Nossa energia deve ser utilizada para o nosso próprio interesse. Essa é a perfeição da energia.
Essa energia poderá ser utilizada para o nosso verdadeiro interesse se formos compassivos. Uma pessoa em consciência de Kṛṣṇa, devota do Senhor, é sempre compassiva. Ela não se contenta de ser devota sozinha, senão que tenta distribuir o conhecimento do serviço devocional para todos. Muitos devotos do Senhor enfrentaram muitos riscos na difusão do serviço devocional ao Senhor entre as pessoas em geral. É preciso fazer isso.
Também se diz que uma pessoa que vai ao templo do Senhor e O adora com muita devoção, mas que não demonstra simpatia pelas pessoas em geral nem respeita os outros devotos, é considerada um devoto de terceira classe. O devoto de segunda classe é aquele que é misericordioso e compassivo com as almas caídas. O devoto de segunda classe é sempre consciente de sua posição como servo eterno do Senhor; portanto, ele faz amizade com os devotos do Senhor, age compassivamente com o público em geral, ensinando-lhes o serviço devocional, e nega-se a cooperar ou associar-se com não-devotos. Enquanto uma pessoa não seja compassiva com as pessoas em geral em seu serviço devocional ao Senhor, ela é um devoto de terceira classe. O devoto de primeira classe garante a todos os seres vivos que não há por que temer esta existência material: “Vivamos em consciência de Kṛṣṇa e conquistemos a ignorância da existência material.”
Aqui se indica que o Senhor orientou Kardama Muni a que fosse muito compassivo e liberal em sua vida familiar e desse segurança às pessoas em sua vida renunciada. O sannyāsī, aquele que está na ordem de vida renunciada, destina-se a proporcionar a iluminação às pessoas. Ele deve viajar, indo de lar em lar para iluminar as pessoas. O chefe de família, pelo feitiço de māyā, absorve-se em afazeres familiares e se esquece de sua relação com Kṛṣṇa. Se ele morre no esquecimento, como os cães e os gatos, então arruína sua vida. É dever do sannyāsī, portanto, sair a acordar as almas esquecidas, esclarecendo-as sobre sua relação eterna com o Senhor e ocupando-as em serviço devocional. O devoto deve mostrar misericórdia para com as almas caídas e também lhes dar a garantia do destemor. Assim que alguém se torna devoto do Senhor, fica convencido de que o Senhor o protege. Se o próprio medo teme o Senhor, o que o devoto tem a ver com o temor?
Conceder destemor ao homem comum é o maior ato de caridade. O sannyāsī, ou aquele que está na ordem de vida renunciada, deve perambular de porta em porta, de vila em vila, de cidade em cidade e de país em país, por todo o mundo, na medida em que seja capaz de viajar e esclarecer os chefes de família sobre a consciência de Kṛṣṇa. Quem é chefe de família, mas é iniciado por um sannyāsī, tem o dever de propagar a consciência de Kṛṣṇa em casa; na medida do possível, ele deve convidar seus amigos e vizinhos a sua casa e dar aulas sobre a consciência de Kṛṣṇa. Dar aula significa cantar o santo nome de Kṛṣṇa e falar com base na Bhagavad-gītā ou no Śrīmad-Bhāgavatam. Há uma imensidão de literaturas próprias para espalhar a consciência de Kṛṣṇa, e é dever de todo chefe de família aprender sobre Kṛṣṇa com seu mestre espiritual sannyāsī. Há uma divisão de trabalho no serviço ao Senhor. O dever do chefe de família é ganhar dinheiro porque o sannyāsī não se destina a ganhar dinheiro, senão que é inteiramente dependente do chefe de família. O chefe de família deve ganhar dinheiro fazendo negócios ou através de sua profissão e gastar pelo menos cinquenta por cento de sua renda na difusão da consciência de Kṛṣṇa; vinte e cinco por cento ele pode gastar com sua família, e vinte e cinco por cento deve poupar para enfrentar emergências. Esse exemplo foi dado por Rūpa Gosvāmī, de modo que os devotos devem segui-lo.
Na realidade, ser uno com o Senhor Supremo significa ser uno com o interesse do Senhor. Tornar-se uno com o Senhor Supremo não implica em tornar-se tão grande como o Senhor Supremo. Isso é impossível. A parte nunca é igual ao todo. A entidade viva será sempre uma parte diminuta. Portanto, sua unidade com o Senhor consiste em seu interesse pelo interesse do Senhor. O Senhor quer que toda entidade viva pense sempre nEle, seja Seu devoto e sempre O adore. Afirma-se isto claramente na Bhagavad-gītā: man-manā bhava mad-bhaktaḥ. Kṛṣṇa quer que todos pensem sempre nEle. Essa é a vontade do Senhor Supremo, e os devotos devem tentar satisfazer Seu desejo. Uma vez que o Senhor é ilimitado, Seu desejo também é ilimitado. Não há interrupção, daí o serviço do devoto também ser ilimitado. No mundo transcendental, há competição ilimitada entre o Senhor e o servo. O Senhor deseja satisfazer Seus desejos ilimitadamente, e o devoto também O serve a fim de satisfazer Seus ilimitados desejos. Há uma ilimitada unidade de interesse entre o Senhor e Seu devoto.