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Capítulo Vinte e Um

Conversa entre Manu e Kardama

VERSO 1: Vidura disse: A linhagem de Svāyambhuva Manu era muito estimada. Ó sábio adorável, peço-te a bondade de me relatar acerca dessa dinastia, cuja progênie multiplicou-se através do intercurso sexual.

VERSO 2: Os dois grandes filhos de Svāyambhuva Manu – Priyavrata e Uttānapāda – governaram o mundo, constituído de sete ilhas, exatamente de acordo com os princípios religiosos.

VERSO 3: Ó brāhmaṇa santo, ó impecável, tu falaste que a filha dele, conhecida pelo nome de Devahūti, era esposa do sábio Kardama, o senhor dos seres criados.

VERSO 4: Quantos filhos teve aquele grande yogī com a princesa, que era dotada das oito perfeições nos princípios do yoga? Oh! Por favor, conta-me esta história, pois estou ansioso por ouvi-la.

VERSO 5: Ó sábio divino, conta-me como os adoráveis Ruci e Dakṣa, o filho de Brahmā, geraram filhos após obterem como esposas as duas outras filhas de Svāyambhuva Manu.

VERSO 6: O grande sábio Maitreya respondeu: Tendo recebido a ordem do senhor Brahmā de gerar filhos nos mundos, o adorável Kardama Muni praticou penitências às margens do rio Sarasvatī por um período de dez mil anos.

VERSO 7: Durante esse período de penitência, o sábio Kardama, mediante a adoração através do serviço devocional em transe, satisfez a Personalidade de Deus, que é o pronto outorgador de todas as bênçãos para aqueles que recorrem à Sua proteção.

VERSO 8: Então, em Satya-yuga, a Suprema Personalidade de Deus de olhos de lótus, estando satisfeito, mostrou-Se a esse Kardama Muni, manifestando Sua forma transcendental, que só pode ser compreendida através dos Vedas.

VERSO 9: Kardama Muni viu a Suprema Personalidade de Deus, que está livre da contaminação material, sob Sua forma eterna, refulgente como o Sol, usando uma guirlanda de lótus brancos e lírios d’água. O Senhor estava vestido com pura seda amarela, e Seu rosto de lótus estava emoldurado com cachos de cabelo ondulado, liso e escuro.

VERSO 10: Adornado com uma coroa e com brincos, Ele portava Seus característicos búzio, disco e maça em três de Suas mãos, mais um lírio branco na quarta. Ele olhava em volta num estado de espírito alegre e sorridente, cuja visão cativa o coração de todos os devotos.

VERSO 11: Com uma faixa dourada sobre Seu peito e a famosa pedra preciosa Kaustubha pendurada em Seu pescoço, Ele permanecia no ar com Seus pés de lótus sobre os ombros de Garuḍa.

VERSO 12: Quando realmente percebeu a Suprema Personalidade de Deus em pessoa, Kardama Muni ficou muito satisfeito por seu desejo transcendental ter sido satisfeito. Ele caiu ao solo com a cabeça prostrada para oferecer reverências aos pés de lótus do Senhor. Com seu coração naturalmente cheio de amor por Deus, ele agradou o Senhor oferecendo-Lhe orações de mãos postas.

VERSO 13: O grande sábio Kardama disse: Ó supremo e adorável Senhor, agora satisfiz minha capacidade de ver ao alcançar a perfeição máxima de ver a Vós, que sois o reservatório de todas as existências. Através de muitos e sucessivos nascimentos de profunda meditação, yogīs avançados aspiram a ver Vossa forma transcendental.

VERSO 14: Vossos pés de lótus são o navio que realmente nos ajuda a atravessar o oceano de mundana ignorância. Somente as pessoas que perderam a inteligência pelo feitiço da energia ilusória é que adorarão esses pés com vistas a alcançar os prazeres dos sentidos, que são triviais, momentâneos e obteníveis até mesmo por pessoas que estão apodrecendo no inferno. Contudo, ó meu Senhor, sois tão bondoso que até a elas concedeis Vossa misericórdia.

VERSO 15: Portanto, desejando casar-me com uma moça de disposição semelhante à minha e que mostre ser uma autêntica vaca de leite abundante em minha vida conjugal, para satisfazer meu desejo luxurioso eu também busquei o abrigo de Vossos pés de lótus, que são a fonte de tudo, pois Vós sois como uma árvore-dos-desejos.

VERSO 16: Ó meu Senhor, sois o mestre e líder de todas as entidades vivas. Sob Vossa direção, todas as almas condicionadas, como se atadas por uma corda, estão constantemente ocupadas em satisfazer seus desejos. Seguindo-as, ó corporificação da religião, eu também faço oblações a Vós, que sois o tempo eterno.

VERSO 17: Entretanto, as pessoas que abandonam os estereotipados afazeres mundanos e os seguidores bestiais desses afazeres, e que se abrigam no guarda-sol de Vossos pés de lótus, bebendo o néctar inebriante de Vossas qualidades e atividades em diálogos amigáveis, podem livrar-se das necessidades primárias do corpo material.

VERSO 18: Vossa roda, que tem três cubos, gira em torno do eixo do Brahman imperecível. Ela tem treze raios, trezentos e sessenta juntas, seis cambotas e inúmeras folhas nela entalhadas. Embora sua rotação reduza a duração de vida de toda a criação, essa roda de tremenda velocidade não pode tocar a duração de vida dos devotos do Senhor.

VERSO 19: Meu querido Senhor, sozinho criais o universo. Ó Personalidade de Deus, desejando criar estes universos, Vós os criais, os mantendes e novamente os aniquilais através de Vossas próprias energias, que estão sob o controle de Vossa segunda energia, chamada yoga-māyā, assim como uma aranha cria uma teia através de sua própria energia e novamente a aniquila.

VERSO 20: Meu querido Senhor, embora não seja Vosso desejo, manifestais esta criação de elementos grosseiros e sutis simplesmente para nossa satisfação sensorial. Que Vossa misericórdia imotivada esteja conosco, pois aparecestes ante nós sob Vossa forma eterna, adornada com uma esplêndida guirlanda de folhas de tulasī.

VERSO 21: Ofereço continuamente minhas respeitosas reverências a Vossos pés de lótus, que são dignos de nosso abrigo, pois derramais todas as bênçãos sobre os insignificantes. Para dar a todas as entidades vivas o desapego da atividade fruitiva mediante a compreensão de Vós, Vós expandis estes mundos materiais através de Vossa própria energia.

VERSO 22: Maitreya retomou sua fala: Sinceramente enaltecido com estas palavras, o Senhor Viṣṇu, brilhando com imensa beleza sobre os ombros de Garuḍa, respondeu com palavras doces como néctar. Suas sobrancelhas mexiam-se graciosamente enquanto Ele olhava para o sábio com um sorriso cheio de afeição.

VERSO 23: O Senhor Supremo disse: Tomando conhecimento do que se passava em tua mente, já providenciei aquilo em troca do que Me adoraste tão bem através de tua disciplina mental e sensória.

VERSO 24: O Senhor continuou: Meu querido ṛṣi, ó líder das entidades vivas, para aqueles que Me servem com devoção, adorando-Me – especialmente pessoas como tu, que entregaram tudo a Mim –, jamais há possibilidade de frustração.

VERSO 25: O imperador Svāyambhuva Manu, filho do senhor Brahmā, que é famoso por seus atos justos, tem seu trono em Brahmāvarta e governa a Terra com seus sete oceanos.

VERSO 26: Depois de amanhã, ó brāhmaṇa, aquele célebre imperador, que é hábil em atividades religiosas, virá aqui com sua rainha, Śatarūpā, desejoso de ver-te.

VERSO 27: Ele tem uma filha adulta cujos olhos são negros. Ela está pronta para o casamento, tem bom caráter e todas as boas qualidades. Ela também está à procura de um bom esposo. Meu querido senhor, os pais dela virão conhecer-te, porque és precisamente adequado para ela, simplesmente a fim de dar-te a filha em casamento.

VERSO 28: Esta princesa, ó sábio divino, será justamente o tipo em que tens pensado dentro de teu coração por todos esses longos anos. Ela logo será tua e te servirá, deixando-te plenamente satisfeito.

VERSO 29: Ela dará à luz nove filhas através da semente nela plantada por ti, e, através das filhas que gerares, os sábios procriarão filhos devidamente.

VERSO 30: Após purificares teu coração, cumprindo adequadamente Minhas ordens, consagrando-Me os frutos de todos os teus atos, tu finalmente Me alcançarás.

VERSO 31: Mostrando compaixão para com todas as entidades vivas, alcançarás a autorrealização. Dando garantia de segurança a todos, perceberás teu próprio eu bem como todos os universos em Mim, e Eu em ti.

VERSO 32: Ó grande sábio, manifestarei Minha própria porção plenária através de tua esposa, Devahūti, juntamente com tuas nove filhas, e a ensinarei o sistema de filosofia que trata dos princípios, ou categorias, fundamentais.

VERSO 33: Maitreya continuou: Tendo assim falado com Kardama Muni, o Senhor, que Se revela somente quando os sentidos estão em consciência de Kṛṣṇa, partiu daquele lago chamado Bindu-sarovara, que era rodeado pelo rio Sarasvatī.

VERSO 34: Enquanto o sábio permanecia observando, o Senhor partiu pelo caminho que leva a Vaikuṇṭha, um caminho enaltecido por todas as grandes almas liberadas. O sábio permaneceu escutando enquanto o ruflar de asas de Garuḍa, o carregador do Senhor, vibrava os hinos que formam a base do Sāma Veda.

VERSO 35: Então, após a partida do Senhor, o adorável sábio Kardama permaneceu às margens do Bindu-sarovara, esperando o momento do qual o Senhor havia falado.

VERSO 36: Svāyambhuva Manu, com sua esposa, montou em sua quadriga, que era decorada com ornamentos dourados. Colocando sua filha juntamente com eles na quadriga, ele começou a viajar por toda a Terra.

VERSO 37: Ó Vidura, então eles chegaram ao eremitério do sábio, que acabara de cumprir seus votos de austeridade, no mesmo dia predito pelo Senhor.

VERSOS 38-39: O lago sagrado Bindu-sarovara, inundado pelas águas do rio Sarasvatī, era frequentado por hostes de sábios eminentes. Sua água santa não era somente auspiciosa, mas também doce como néctar. Chamava-se Bindu-sarovara porque ali haviam caído gotas de lágrimas dos olhos do Senhor, que estava dominado por extrema compaixão pelo sábio que buscara Sua proteção.

VERSO 40: A margem do lago estava rodeada por grupos de árvores e trepadeiras piedosas, ricas em frutos e flores de todas as estações, que davam abrigo a animais e pássaros piedosos, os quais entoavam diversos cantos. Estava adornada pela beleza de bosques de árvores silvestres.

VERSO 41: A área ressoava com as notas musicais de pássaros cheios de alegria. Abelhas embriagadas vagavam por ali, pavões enlouquecidos dançavam orgulhosamente, e alegres cucos chamavam-se uns aos outros.

VERSOS 42-43: O lago Bindu-sarovara adornava-se de árvores floridas, tais como kadamba, campaka, aśoka, karañja, bakula, āsana, kunda, mandāra, kuṭaja e mangueiras jovens. O ar estava repleto das agradáveis notas musicais de patos kāraṇḍava, chapins-azuis, cisnes, águias-marinhas, gansos, grous, cakravākas e cakoras.

VERSO 44: Suas margens abundavam em veados, javalis, porcos-espinhos, gavayas, elefantes, babuínos, leões, macacos, mangustos e almiscareiros.

VERSOS 45-47: Entrando naquele sacratíssimo local com sua filha e aproximando-se do sábio, Svāyambhuva Manu, o primeiro monarca, viu sentado no eremitério o sábio, que acabava de satisfazer o fogo sagrado, alimentando-o com oblações. Seu corpo reluzia com muito brilho. Embora tivesse se ocupado em austera e longa penitência, ele não estava emaciado, pois o Senhor havia lançado sobre ele o Seu afetuoso e penetrante olhar e ele também tinha ouvido fluir o néctar das palavras do Senhor, as quais são refrescantes como a Lua. O sábio era alto, seus olhos largos como pétalas de lótus, e tinha um coque em sua cabeça. Vestia roupas esfarrapadas. Svāyambhuva Manu aproximou-se e observou que ele estava um tanto sujo, assim como uma pedra preciosa não polida.

VERSO 48: Vendo que o monarca viera a seu eremitério e estava prostrando-se diante dele, o sábio o saudou com uma bênção e o recebeu com a devida honra.

VERSO 49: Após receber a atenção do sábio, o rei se sentou e ficou silencioso. Recordando-se das instruções do Senhor, Kardama, então, falou ao rei da seguinte maneira, deleitando-o com sua doce voz.

VERSO 50: A viagem que empreendeste, ó senhor, decerto destina-se a proteger os virtuosos e matar os demônios, uma vez que personificas a energia protetora de Śrī Hari.

VERSO 51: Quando necessário, assumes o papel do deus do Sol; do deus da Lua; de Agni, o deus do fogo; de Indra, o senhor do paraíso; de Vāyu, o deus do vento; de Yama, o deus da punição; de Dharma, o deus da piedade, e de Varuṇa, o deus que preside as águas. Todas as reverências a ti, que não és diferente do Senhor Viṣṇu!

VERSOS 52-54: Se não montasses tua vitoriosa quadriga coberta de joias, cuja mera presença ameaça os criminosos, se não produzisses furiosos sons com a vibração de teu arco e se não vagasses pelo mundo como o Sol brilhante, liderando um imenso exército cuja marcha faz o globo da Terra tremer, então todas as leis morais que governam os varṇas e āśramas criados pelo próprio Senhor seriam violadas por canalhas desprezíveis.

VERSO 55: Se deixasses de te preocupar com a situação mundial, a injustiça floresceria, pois os homens que anseiam somente por dinheiro não encontrariam oposição. Esses canalhas atacariam e o mundo pereceria.

VERSO 56: Apesar de tudo isso, ó rei valente, peço que me reveles com que propósito vieste aqui. O que quer que seja, nós o cumpriremos sem reservas.

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