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Capítulo Quatorze

A História do Rei Vena

VERSO 1: O grande sábio Maitreya continuou: Ó grande herói Vidura, os grandes sábios, liderados por Bhṛgu, viviam pensando no bem-estar das pessoas em geral. Ao verem que, na ausência do rei Aṅga, não havia quem protegesse os interesses do povo, compreenderam que, sem um governante, as pessoas se tornariam independentes e desreguladas.

VERSO 2: Os grandes sábios, então, chamaram a rainha mãe, Sunīthā, e, com a permissão dela, instalaram Vena no trono como o mestre do mundo. Contudo, nenhum ministro concordou com isso.

VERSO 3: Já se sabia que Vena era muito severo e cruel; portanto, assim que ouviram falar de sua ascensão ao trono real, todos os ladrões e trapaceiros do estado ficaram com muito medo dele. Na verdade, eles se escondiam aqui e ali como ratos se escondem de serpentes.

VERSO 4: Ao ascender ao trono, o rei se tornou todo-poderoso, com oito espécies de opulências. Em consequência disso, ficou demasiadamente orgulhoso. Devido a seu falso prestígio, ele se considerava superior a qualquer pessoa e, deste modo, passou a insultar grandes personalidades.

VERSO 5: Ficando cego demais devido a suas opulências, o rei Vena montou em uma quadriga e, como um elefante descontrolado, colocou-se a viajar pelo reino, fazendo o céu e a terra tremerem aonde quer que fosse.

VERSO 6: Todos os duas vezes nascidos [brāhmaṇas] foram proibidos, a partir daquele momento, de executar qualquer sacrifício, como também foram proibidos de fazer caridade ou oferecer manteiga clarificada. Assim, o rei Vena fez soar timbales por toda a região. Em outras palavras, ele suspendeu todas as espécies de rituais religiosos.

VERSO 7: Portanto, todos os grandes sábios reuniram-se e, após observarem as atrocidades do cruel Vena, concluíram que um grande perigo e uma catástrofe ameaçavam as pessoas do mundo. Assim, por compaixão, começaram a deliberar entre si, pois eram eles os realizadores dos sacrifícios.

VERSO 8: Ao consultarem-se entre si, os grandes sábios viram que, de todos os lados, as pessoas estavam em uma posição perigosa. Quando um fogo arde em ambos os extremos de uma lenha, as formigas no meio ficam em uma situação muito perigosa. Analogamente, naquele momento, as pessoas em geral estavam em uma posição perigosa devido ao rei irresponsável por um lado e devido a ladrões e trapaceiros por outro.

VERSO 9: Pensando em salvar o estado da irregularidade, os sábios se puseram a considerar que foi devido a uma crise política que eles entronaram Vena, embora ele não fosse qualificado. Mas agora as pessoas estavam sendo perturbadas pelo próprio rei! Em tais circunstâncias, como o povo poderia ser feliz?

VERSO 10: Os sábios se puseram a pensar consigo: Como nasceu do ventre de Sunīthā, o rei Vena é muito perverso por natureza. Apoiar esse rei malicioso é exatamente como alimentar uma serpente com leite. Agora ele se tornou a fonte de todas as dificuldades.

VERSO 11: Designamos este Vena como rei do estado a fim de proteger os cidadãos, mas agora ele se tornou o inimigo dos cidadãos. Apesar de todas essas discrepâncias, devemos imediatamente tentar apaziguá-lo. Fazendo isso, talvez não sejamos afetados pelos resultados pecaminosos causados por ele.

VERSO 12: Os sábios santos continuaram a pensar: É claro que estávamos completamente cientes de sua natureza perversa. Apesar disso, nós entronizamos Vena. Se não pudermos persuadi-lo a aceitar nosso conselho, ele será condenado pelo público, e nós nos aliaremos a eles. Assim, através de nossos poderes, nós o reduziremos a cinzas.

VERSO 13: Tendo tomado essa decisão, os grandes sábios se aproximaram do rei Vena. Dissimulando sua verdadeira ira, eles o apaziguaram com palavras doces e, então, falaram-lhe o seguinte.

VERSO 14: Os grandes sábios disseram: Querido rei, viemos dar-te bons conselhos. Por favor, ouve-nos com muita atenção. Assim fazendo, a duração de tua vida e tua opulência, força e reputação aumentarão.

VERSO 15: Aqueles que vivem de acordo com os princípios religiosos e que os seguem com palavras, mente, corpo e inteligência elevam-se ao reino celestial, que é desprovido de todo sofrimento. Livrando-se assim da influência material, eles atingem ilimitada felicidade na vida.

VERSO 16: Os sábios continuaram: Ó grande herói, por essa razão não deves ser a causa da ruína da vida espiritual da população em geral. Se a vida espiritual deles for arruinada devido a tuas atividades, certamente cairás de tua opulenta posição real.

VERSO 17: As pessoas santas continuaram: Quando o rei protege os cidadãos das perturbações de ministros perversos, bem como de ladrões e trapaceiros, ele pode, em virtude de tais atividades piedosas, aceitar impostos dados por seus súditos. Assim, um rei piedoso pode certamente desfrutar neste mundo, bem como na vida após a morte.

VERSO 18: Piedoso é o rei em cujo estado e cidades a população em geral observa estritamente o sistema de oito ordens sociais de varṇa e āśrama, e onde todos os cidadãos se dedicam a adorar a Suprema Personalidade de Deus através de suas ocupações específicas.

VERSO 19: Ó nobre, se o rei cuidar para que a Suprema Personalidade de Deus, a causa original da manifestação cósmica e a Superalma dentro de todos, seja adorada, o Senhor ficará satisfeito.

VERSO 20: A Suprema Personalidade de Deus é adorada pelos grandes semideuses, controladores dos afazeres universais. Quando Ele está satisfeito, nada é impossível de se obter. Por essa razão, todos os semideuses, deidades que presidem diferentes planetas, bem como os habitantes de seus planetas, sentem grande prazer em oferecer toda espécie de parafernália para Sua adoração.

VERSO 21: Querido rei, a Suprema Personalidade de Deus, juntamente com as deidades predominantes, é o desfrutador dos resultados de todos os sacrifícios em todos os planetas. O Senhor Supremo é o somatório dos três Vedas, o proprietário de tudo e a meta última de toda austeridade. Portanto, teus compatriotas devem ocupar-se em executar diversos sacrifícios para tua elevação. Na verdade, deves sempre orientá-los a oferecerem sacrifícios.

VERSO 22: Quando todos os brāhmaṇas se dedicarem a executar sacrifícios em teu reino, todos os semideuses, que são expansões plenárias do Senhor, ficarão muito satisfeitos com as atividades deles e te darão o resultado que desejas. Portanto, ó herói, não suspendas as realizações de sacrifício. Se o fizeres, desrespeitarás os semideuses.

VERSO 23: O rei Vena respondeu: Vós não sois em nada experientes. É muito lamentável que estejais defendendo algo que não é religioso e aceitando-o como religioso. Na verdade, acho que estais abandonando vosso verdadeiro esposo, que vos mantém, e andais à procura de algum amante para adorá-lo.

VERSO 24: Aqueles que, por ignorância grosseira, não adoram o rei, que é realmente a Suprema Personalidade de Deus, não experimentam felicidade, nem neste mundo, nem no mundo após a morte.

VERSO 25: Sois tão devotados aos semideuses, mas quem são eles? Na verdade, vossa afeição por esses semideuses é exatamente como a afeição de uma mulher incasta que menospreza sua vida familiar e dá toda a atenção a seu amante.

VERSOS 26-27: O Senhor Viṣṇu; o senhor Brahmā; o senhor Śiva; o senhor Indra; Vāyu, o senhor do ar; Yama, o superintendente da morte; o deus do Sol; o diretor da chuva; Kuvera, o tesoureiro; o deus da Lua; a deidade predominante da terra; Agni, o deus do fogo; Varuṇa, o senhor das águas, e todos os outros que são grandes e competentes para abençoar ou amaldiçoar – todos residem no corpo do rei. Por essa razão, o rei é conhecido como o reservatório de todos os semideuses, que são meras partes integrantes do corpo do rei.

VERSO 28: O rei Vena prosseguiu: Por essa razão, ó brāhmaṇas, deveis abandonar vossa inveja de mim e, através de vossas atividades ritualísticas, deveis adorar-me e oferecer-me toda parafernália. Se fordes inteligentes, devereis saber que não existe personalidade superior a mim, que possa aceitar as primeiras oblações de todos os sacrifícios.

VERSO 29: O grande sábio Maitreya continuou: Assim, o rei, que perdera a inteligência devido à sua vida pecaminosa e por ter-se desviado do caminho correto, perdeu, em verdade, toda boa fortuna. Ele não pôde aceitar os pedidos dos grandes sábios, que os levaram até o rei com grande respeito, em virtude do que ele se condenou.

VERSO 30: Meu querido Vidura, toda boa fortuna a ti. O rei tolo, que se julgava muito erudito, insultou assim os grandes sábios, e esses, ofendidos diante das palavras do rei, ficaram muito irados com ele.

VERSO 31: Todos os sábios, grandiosos e santos, exclamaram de imediato: Matai-o! Matai-o! Ele é a pessoa mais terrível e pecaminosa. Se ele viver, certamente reduzirá o mundo inteiro a cinzas em pouquíssimo tempo.

VERSO 32: Os sábios santos continuaram: Este homem insolente e ímpio não merece de forma alguma sentar-se no trono. Ele é tão desavergonhado que ousou insultar inclusive a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Viṣṇu.

VERSO 33: Além do rei Vena, que é simplesmente inauspicioso, quem blasfemaria a Suprema Personalidade de Deus, por cuja misericórdia recebemos todas as espécies de fortuna e opulência?

VERSO 34: Manifestando assim sua ira dissimulada, os grandes sábios imediatamente decidiram matar o rei. O rei Vena já era dado como morto devido à sua blasfêmia contra a Suprema Personalidade de Deus. Deste modo, sem usar arma alguma, os sábios mataram o rei Vena simplesmente com palavras altissonantes.

VERSO 35: Após todos os sábios retornarem a seus respectivos eremitérios, Sunīthā, a mãe do rei Vena, encheu-se de pesar devido à morte de seu filho. Ela decidiu preservar o corpo morto de seu filho mediante a aplicação de determinados ingredientes e entoando mantras [mantra-yogena].

VERSO 36: Certa vez, as mesmas pessoas santas, após tomarem seu banho no rio Sarasvatī, puseram-se a executar seus deveres diários, oferecendo oblações nos fogos de sacrifício. Depois disso, sentados às margens do rio, começaram a conversar sobre a pessoa transcendental e Seus passatempos.

VERSO 37: Naquela época, várias perturbações em todo o país estavam deixando a sociedade em pânico. Portanto, todos os sábios puseram-se a falar entre si: Já que o rei foi morto e não há quem proteja o mundo, as pessoas em geral poderão ser acometidas de infortúnio por causa de ladrões e trapaceiros.

VERSO 38: Enquanto continuavam a conversar dessa maneira, os grandes sábios viram uma tempestade de poeira surgir de todos os lados. Essa tempestade era causada pelo correr de ladrões e trapaceiros, que estavam saqueando os cidadãos.

VERSOS 39-40: Ao verem a tempestade de poeira, as pessoas santas puderam entender que havia muitas irregularidades devido à morte do rei Vena. Sem governo, o estado estava desprovido de lei e ordem, e consequentemente houve uma grande insurreição de trapaceiros e ladrões assassinos, que estavam saqueando as riquezas das pessoas em geral. Embora os grandes sábios pudessem deter os distúrbios através de seus poderes – assim como puderam matar o rei –, eles consideraram impróprio da sua parte fazê-lo. Assim, não tentaram deter o transtorno.

VERSO 41: Os grandes sábios puseram-se a pensar que, embora um brāhmaṇa seja pacífico e imparcial por ser equânime com todos, ainda assim não é seu dever menosprezar os pobres seres humanos. Tal menosprezo faz com que o poder espiritual de um brāhmaṇa diminua, assim como um pote rachado deixa vazar a água contida nele.

VERSO 42: Os sábios decidiram que a descendência da família do santo rei Aṅga não devia ser interrompida, pois, nessa família, o sêmen era muito poderoso e os filhos tinham a tendência de se tornarem devotos do Senhor.

VERSO 43: Após tomarem essa decisão, as pessoas santas e sábios agitaram as coxas do corpo morto do rei Vena com muita força e segundo um método específico. Como resultado desse atrito, nasceu uma pessoa semelhante a um anão do corpo do rei Vena.

VERSO 44: Esta pessoa nascida das coxas do rei Vena foi chamada de Bāhuka, e sua tez era negra como a de um corvo. Todos os membros de seu corpo eram muito curtos, seus braços e pernas eram curtos, e suas mandíbulas eram muito largas. Seu nariz era achatado, seus olhos, avermelhados, e seu cabelo, da cor do cobre.

VERSO 45: Ele era muito submisso e manso e, logo após seu nascimento, prostrou-se e perguntou: “Senhores, o que devo fazer?” Os grandes sábios responderam: “Por favor, senta-te [niṣīda].” Assim nasceu Niṣāda, o pai da raça Naiṣāda.

VERSO 46: Após o nascimento de Niṣāda, ele imediatamente se encarregou de todas as ações resultantes das atividades pecaminosas do rei Vena. De tal modo, essa classe Naiṣāda está sempre ocupada em atividades pecaminosas como roubar, saquear e caçar. Consequentemente, eles têm permissão de viver somente nas colinas e nas florestas.

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