Capítulo Seis
Brahmā Satisfaz o Senhor Śiva
VERSOS 1-2: Todos os sacerdotes e outros membros da assembleia sacrificatória e todos os semideuses, tendo sido derrotados pelos soldados do senhor Śiva e feridos por armas como tridentes e espadas, aproximaram-se do senhor Brahmā com grande temor. Após oferecerem-lhe reverências, começaram a falar detalhadamente sobre os eventos que haviam ocorrido.
VERSO 3: Tanto o senhor Brahmā quanto Viṣṇu já sabiam que tais eventos ocorreriam na arena de sacrifício de Dakṣa, e, sabendo disso de antemão, não foram ao sacrifício.
VERSO 4: Após ouvir tudo dos semideuses e dos membros que estiveram presentes no sacrifício, o senhor Brahmā respondeu: Não podeis ser felizes executando um sacrifício se blasfemais uma grande personalidade e, desse modo, ofendeis seus pés de lótus. Não podeis obter a felicidade dessa maneira.
VERSO 5: Excluístes o senhor Śiva, não o permitindo participar dos resultados dos sacrifícios, em razão do que sois todos ofensivos aos pés de lótus dele. Ainda assim, se fordes sem reservas mentais render-vos a ele e cair a seus pés de lótus, ele ficará muito satisfeito.
VERSO 6: O senhor Brahmā os advertiu também que o senhor Śiva é tão poderoso que, através de sua ira, todos os planetas e seus principais controladores podem ser destruídos de imediato. Além disso, ele disse que o senhor Śiva estava especialmente pesaroso porque acabara de perder sua querida esposa e também estava muito aflito em decorrência das palavras ásperas de Dakṣa. Sob tais circunstâncias, sugeriu o senhor Brahmā, era conveniente que eles fossem o quanto antes pedir o seu perdão.
VERSO 7: O senhor Brahmā disse que ninguém – nem ele próprio, Indra, todos os membros reunidos na arena de sacrifício ou todos os sábios – podia saber quão poderoso é o senhor Śiva. Sob tais circunstâncias, quem ousaria cometer uma ofensa a seus pés de lótus?
VERSO 8: Após dar essas instruções a todos os semideuses, aos Pitās e aos senhores das entidades vivas, o senhor Brahmā os levou consigo para a morada do senhor Śiva, conhecida como monte Kailāsa.
VERSO 9: A morada conhecida como Kailāsa é repleta de diferentes ervas e vegetais e é santificada pelos hinos védicos e pela prática de yoga místico. Assim, os residentes dessa morada são semideuses por nascimento e têm todos os poderes místicos. Além deles, há outros seres humanos, que são conhecidos como Kinnaras e Gandharvas e andam acompanhados por suas belas esposas, conhecidas como Apsarās, ou anjos.
VERSO 10: O Kailāsa é repleto de montanhas que abundam em joias preciosas e minerais de toda espécie e são cercadas por todas as variedades de plantas e árvores preciosas. O topo da colina é belamente decorado por vários tipos de veados.
VERSO 11: Há muitas cascatas, e nas montanhas há muitas cavernas belas, nas quais se encontram as belíssimas esposas dos místicos.
VERSO 12: No monte Kailāsa, há sempre o som rítmico de doces vibrações dos pavões e do zunir das abelhas. Os cucos vivem cantando, e outros pássaros sussurram entre si.
VERSO 13: Existem árvores altas com ramos retos que parecem chamar os doces pássaros, e quando manadas de elefantes passam pelas colinas, parece que o monte Kailāsa se move com eles. Quando as cascatas ressoam, parece que o monte Kailāsa também o faz.
VERSOS 14-15: Todo o monte Kailāsa se decora com várias espécies de árvores, das quais podem-se mencionar os seguintes nomes: mandāra, pārijāta, sarala, tamāla, tāla, kovidāra, āsana, arjuna, āmra-jāti (manga), kadamba, dhūli-kadamba, nāga, punnāga, campaka, pāṭala, aśoka, bakula, kunda e kurabaka. Todo o monte está decorado com essas árvores, que produzem flores de aromas fragrantes.
VERSO 16: Também há outras árvores que decoram o monte, tais como a flor de lótus dourada, o pé de canela, a mālatī, a kubja, a mallikā e a mādhavī.
VERSO 17: O monte Kailāsa também é decorado com árvores tais como kata, jaqueira, julara, figueiras-de-bengala, plakṣas, nyagrodhas e árvores que produzem assa-fétida. Também há árvores de nozes de betel e bhūrja-patra, bem como rājapūga, amoras silvestres e outras árvores semelhantes.
VERSO 18: Há mangueiras, priyāla, madhuka e iṅguda. Além dessas, há outras árvores, como bambus finos, kīcaka e variedades de outros bambuzais, todos decorando a área do monte Kailāsa.
VERSOS 19-20: Há diferentes tipos de flores de lótus, tais como kumuda, utpala e śatapatra. A floresta parece um jardim decorado, e os pequenos lagos estão repletos de várias espécies de pássaros que gorjeiam com imensa doçura. Há também muitos outros tipos de animais, como veados, macacos, javalis, leões, ṛkṣas, śalyakas, vacas selvagens, asnos selvagens, tigres, pequenos veados, búfalos e muitos outros animais, que gozam plenamente de suas vidas.
VERSO 21: Há variedades de veados, tais como karṇāntra, ekapada, aśvāsya, vṛka e kastūrī, o veado que produz almíscar. Além dos veados, há muitas bananeiras que tão bem decoram os pequenos lagos nas encostas!
VERSO 22: Há um pequeno lago chamado Alakanandā, no qual Satī costumava banhar-se, e esse lago é especialmente auspicioso. Todos os semideuses, após verem a beleza específica do monte Kailāsa, ficaram maravilhados com a grande opulência ali reinante.
VERSO 23: Os semideuses viram então a região admiravelmente bela conhecida como Alakā na floresta conhecida como Saugandhika, que significa “cheia de fragrâncias”. Esta floresta é conhecida como Saugandhika devido à sua abundância de flores de lótus.
VERSO 24: Eles viram também os dois rios chamados Nandā e Alakanandā. Esses dois rios são santificados pela poeira dos pés de lótus de Govinda, a Suprema Personalidade de Deus.
VERSO 25: Meu querido Kṣattā, Vidura, as donzelas celestiais descem a esses rios em seus aeroplanos juntamente com seus esposos e, após o gozo sexual, entram na água e se divertem borrifando água em seus esposos.
VERSO 26: Após as donzelas dos planetas celestiais banharem-se na água, ela fica amarelada e fragrante devido ao kuṅkuma de seus corpos. Então, os elefantes vão ali banhar-se com suas esposas, as elefantas, e põem-se a beber a água, embora não tenham sede.
VERSO 27: Os aeroplanos dos cidadãos celestiais são decorados com pérolas, ouro e muitas joias preciosas. Os cidadãos celestiais são comparados a nuvens no céu decoradas com clarões ocasionais de faísca elétrica.
VERSO 28: Enquanto viajavam, os semideuses passaram por sobre a floresta conhecida como Saugandhika, que é repleta de variedades de flores, frutas e árvores-dos-desejos. Enquanto passavam por sobre a floresta, eles também viram as regiões de Yakṣeśvara.
VERSO 29: Naquela floresta celestial, havia muitos pássaros cujos pescoços eram avermelhados e cujos doces sons misturavam-se com o zumbir das abelhas. Os lagos estavam abundantemente decorados com cisnes cantores, bem como com flores de lótus de caule forte.
VERSO 30: Todas essas influências atmosféricas inquietaram os elefantes selvagens que se agrupavam na floresta de sândalo, e a brisa agitou a mente das donzelas ali presentes, instigando-lhes mais gozo sexual.
VERSO 31: Eles também viram os ghāṭas (balneários) e suas escadarias feitas de vaidūrya-maṇi. A água estava cheia de flores de lótus. Passando por esses lagos, os semideuses chegaram a um lugar onde havia uma grande figueira-de-bengala.
VERSO 32: Essa figueira-de-bengala tinha mil e trezentos quilômetros de altura, e seus ramos espalhavam-se por novecentos e sessenta quilômetros ao seu redor. A árvore projetava uma sombra agradável, que mantinha fresca a temperatura, mas não havia barulho de pássaros.
VERSO 33: Os semideuses viram o senhor Śiva sentado debaixo daquela árvore, a qual era competente para dar a perfeição a yogīs místicos e libertar todas as pessoas. Grave como o tempo eterno, ele parecia ter abandonado toda a ira.
VERSO 34: Ali estava sentado o senhor Śiva, cercado por pessoas santas como Kuvera, o mestre dos Guhyakas, e os quatro Kumāras, que já eram almas liberadas. O senhor Śiva era grave e santo.
VERSO 35: Os semideuses viram o senhor Śiva situado em sua perfeição como o senhor dos sentidos, do conhecimento, das atividades fruitivas e do caminho da conquista da perfeição. Ele era o amigo do mundo inteiro e, em virtude de sua plena afeição por todos, era muito auspicioso.
VERSO 36: Estava sentado sobre uma pele de veado e praticava todas as formas de austeridade. Por ter seu corpo coberto de cinzas, parecia uma nuvem vespertina. Em seu cabelo, havia o sinal de uma meia lua, uma representação simbólica.
VERSO 37: Ele estava sentado sobre uma esteira de palha e falava a todos os presentes, incluindo o grande sábio Nārada, a quem ele falava especificamente sobre a Verdade Absoluta.
VERSO 38: Sua perna esquerda estava colocada sobre sua coxa direita, e sua mão esquerda repousava sobre sua coxa esquerda. [Esta postura sentada chama-se vīrāsana.] Com sua mão direita, ele segurava contas de rudrākṣa. Sentado na postura vīrāsana, ele mantinha seu dedo em gesto de argumentação.
VERSO 39: Todos os sábios e semideuses, encabeçados por Indra, ofereceram suas respeitosas reverências ao senhor Śiva de mãos postas. O senhor Śiva estava vestido com roupas açafroadas e absorto em transe, parecendo assim ser o principal de todos os sábios.
VERSO 40: Os pés de lótus do senhor Śiva eram adorados tanto pelos semideuses quanto pelos demônios, mas, ainda assim, apesar de sua posição elevada, ao ver que o senhor Brahmā estava entre todos os demais semideuses, ele se levantou imediatamente e ofereceu-lhe respeito, prostrando-se e tocando-lhe os pés de lótus, assim como Vāmanadeva ofereceu Suas respeitosas reverências a Kaśyapa Muni.
VERSO 41: Todos os sábios que se encontravam sentados com o senhor Śiva, tais como Nārada e outros, também ofereceram suas respeitosas reverências ao senhor Brahmā. Após ser assim adorado, o senhor Brahmā, sorrindo, colocou-se a falar com o senhor Śiva.
VERSO 42: O senhor Brahmā disse: Meu querido senhor Śiva, sei que és o controlador de toda a manifestação material, pai e mãe combinados da manifestação cósmica, e também o Brahman Supremo além da manifestação cósmica. Assim eu te conheço.
VERSO 43: Meu querido senhor, tu crias, manténs e aniquilas esta manifestação cósmica através da expansão de tua personalidade, exatamente como a aranha cria, mantém e destrói sua teia.
VERSO 44: Meu querido senhor, Vossa Onipotência introduziu o sistema de sacrifícios por intermédio de Dakṣa, fazendo com que se possa, assim, obter os benefícios das atividades religiosas e do desenvolvimento econômico. Sob teus princípios reguladores, a instituição dos quatro varṇas e āśramas é respeitada. Os brāhmaṇas, portanto, fazem votos de seguir esse sistema estritamente.
VERSO 45: Ó auspiciosíssimo senhor, tu estabeleceste os planetas celestiais, os espirituais planetas Vaikuṇṭha e a impessoal esfera Brahman como os respectivos destinos dos executores de atividades auspiciosas. De modo semelhante, para outros, que são patifes, designaste diferentes espécies de infernos que são horríveis e sórdidos. Não obstante, às vezes se observa que os destinos deles são justamente opostos. É muito difícil determinar a causa disto.
VERSO 46: Meu querido Senhor, os devotos que dedicaram plenamente suas vidas a teus pés de lótus certamente observam tua presença como Paramātmā em todo e cada ser e, como tal, eles não diferenciam entre um ser vivo e outro. Tais pessoas tratam todas as entidades vivas igualmente. Elas jamais se deixam dominar pela ira como os animais, que nada podem ver sem fazer diferenciação
VERSO 47: As pessoas que veem diferenças em tudo, que estão simplesmente apegadas a atividades fruitivas, que têm mentalidade mesquinha, que sempre ficam tristes ao ver a condição próspera dos outros e que assim causam-lhes aflições, proferindo palavras ásperas e cortantes, já foram mortas pela providência. Assim, não há necessidade de que sejam novamente mortas por uma personalidade elevada como tu.
VERSO 48: Meu querido senhor, se em alguns lugares os materialistas, que já estão confusos pela insuperável energia ilusória da Suprema Personalidade de Deus, às vezes cometem ofensas, uma pessoa santa, compadecida, não leva isso a sério. Sabendo que eles cometem ofensas por estarem dominados pela energia ilusória, ela não exibe seus poderes para neutralizá-las.
VERSO 49: Meu querido senhor, jamais és confundido pela formidável influência da energia ilusória da Suprema Personalidade de Deus. Portanto, és onisciente e deves ser misericordioso e compassivo para com aqueles que são confundidos pela mesma energia ilusória e são muitíssimo apegados a atividades fruitivas.
VERSO 50: Meu querido senhor Śiva, és o beneficiário de um quinhão dos sacrifícios e o outorgador dos resultados. Os maus sacerdotes não te deram teu quinhão, em consequência do que destruíste tudo, e o sacrifício permanece inacabado. Agora podes fazer o necessário e tomar o quinhão a que tens direito.
VERSO 51: Meu querido senhor, por tua misericórdia, o executor do sacrifício (o rei Dakṣa) poderá recuperar a vida; Bhaga poderá recuperar os olhos; Bhṛgu, o bigode, e Pūṣā, os dentes.
VERSO 52: Ó senhor Śiva, que os semideuses e sacerdotes cujos membros foram quebrados por teus soldados recuperem-se das lesões por tua graça.
VERSO 53: Ó destruidor do sacrifício, por favor, aceita a tua porção do sacrifício e deixa o sacrifício ser consumado por tua graça.