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CAPÍTULO QUATORZE

O Mundo Material como a Grande Floresta do Desfrute

Neste capítulo, apresenta-se o significado claro do que é a floresta da existência material. Os mercadores, às vezes, entram na floresta para se abastecer de coisas raras, com as quais obtêm um bom lucro ao vendê-las na cidade, mas, na floresta, o caminho é sempre cheio de perigos. Quando a alma pura quer deixar de servir ao Senhor para desfrutar do mundo material, é certo que Kṛṣṇa lhe dá esta oportunidade de entrar no mundo material. Como se afirma no Prema-vivarta: kṛṣṇa-bahirmukha hañā bhoga vāñchā kare. Essa é a razão pela qual a alma espiritual pura cai no mundo material. Devido às suas atividades sob a influência dos três modos da natureza material, a entidade viva assume variados corpos em diversas espécies. Ora ela é um semideus nos planetas celestiais, ora é uma criatura muito insignificante que habita os sistemas planetários inferiores. Com relação a isso, Śrīla Narottama Dāsa Ṭhākura diz que nānā yoni sadā phire: a entidade viva passa por várias espécies. Kardarya bhakṣaṇa kare: ela é forçada a comer e desfrutar de coisas abomináveis. Tāra janma adhaḥ-pāte yāya: dessa maneira, toda a sua vida se perde. Sem a proteção de um vaiṣṇava muito misericordioso, a alma condicionada não consegue escapar das garras de māyā. Como se afirma na Bhagavad-gītā (manaḥ ṣaṣṭhānīndriyāṇi prakṛti-sthāni karṣati), a entidade viva começa sua vida material com sua mente e os cinco sentidos próprios para adquirir conhecimento e, com eles, luta pela existência dentro do mundo material. Esses sentidos são comparados a ladrões e assaltantes na floresta. Eles arrancam o conhecimento do homem e o colocam em uma rede de ignorância. Por conseguinte, os sentidos são como ladrões e assaltantes que lhe furtam o conhecimento espiritual. Além disso, existem os membros familiares, esposa e filhos, que são exatamente como animais ferozes na floresta. A atividade desses animais ferozes é devorar a carne humana. A entidade viva se permite ser atacada pelos chacais e as raposas (esposa e filhos), em consequência do que sua verdadeira vida espiritual é arruinada. Na floresta da vida material, todos são invejosos como mosquitos, e os ratos e camundongos vivem causando danos. Todos neste mundo material são postos em muitas situações vexatórias e estão rodeados por pessoas invejosas e animais perturbadores. Em resumo, no mundo material, a entidade viva sempre é assaltada e mordida por muitos seres vivos. Entretanto, apesar desses contratempos, ela insiste em não abandonar sua vida familiar, e continua suas atividades fruitivas na esperança de se tornar feliz no futuro. Então, fica mais e mais enredada nos efeitos do karma e, dessa maneira, é forçada a agir de maneira ímpia. O Sol testemunha suas ações durante o dia, e a Lua, durante a noite. Os semideuses também testemunham, apesar do que a alma condicionada pensa que suas tentativas de gozo dos sentidos não estão sendo testemunhadas por ninguém. Às vezes, quando descoberta, ela renuncia temporariamente a tudo, porém, devido a seu grande apego ao corpo, relega essa renúncia antes de alcançar a perfeição.

Neste mundo material, existem muitas pessoas invejosas. Há o governo cobrador de impostos, que é comparado a uma coruja, e há os grilos invisíveis que produzem sons insuportáveis. A alma condicionada decerto é muito oprimida pelos agentes da natureza material, mas, devido a companhias indesejáveis, perde sua inteligência. Na tentativa de livrar-se das perturbações da existência material, ela cai vítima de pretensos yogīs, sādhus e encarnações que exibem alguma mágica, mas que nada entendem de serviço devocional. Às vezes, a alma condicionada fica desprovida de todo dinheiro e, em razão disso, torna-se cruel para com os seus membros familiares. Neste mundo material, não há nem mesmo uma gota de verdadeira felicidade, a qual a alma condicionada anseia vida após vida. Os funcionários do governo são como rākṣasas carnívoros, os quais, para a manutenção do governo, cobram impostos excessivos, em consequência dos quais a alma condicionada, que trabalha arduamente, sente-se muito aflita.

O caminho das atividades fruitivas leva a montanhas de difícil transposição. Alma condicionada às vezes quer cruzar tais montanhas, mas nunca tem êxito e, em decorrência disso, torna-se cada vez mais pesarosa e desapontada. Ficando em apuros materiais e financeiros, a alma condicionada inflige à sua família castigos desnecessários. Na condição material, há quatro necessidades principais, das quais o sono é comparado a um píton. Quando está adormecida, a alma condicionada se esquece por completo de sua existência verdadeira, e, durante o sono, ela não sente as tribulações da vida material. Às vezes, precisando de dinheiro, a alma condicionada rouba e engana, embora, aparentemente, possa estar tentando realizar avanço espiritual na companhia dos devotos. Seu único dever é escapar das garras de māyā, mas, devido a orientações impróprias, ela sempre se enreda em procedimentos materiais. Este mundo material é simplesmente um estorvo e é composto de tribulações que se apresentam como felicidade, angústia, apego, inimizade e inveja. Em suma, é apenas um lugar de tribulações e sofrimentos. Quando, devido ao apego à esposa e ao sexo, alguém perde sua inteligência, toda a sua consciência se polui. Assim, o indivíduo não pensa em nada além de ficar com mulheres. O fator tempo, que é como uma serpente, extirpa a vida de todos, não poupando o senhor Brahmā nem a formiga insignificante. Às vezes, a alma condicionada tenta salvar-se do tempo inexorável e, para isso, refugia-se em algum salvador farsante. Infelizmente, o pseudossalvador não pode nem mesmo salvar a si próprio. Como, então, ele poderia proteger os outros? Os falsos salvadores não se importam com o conhecimento genuíno recebido de brāhmaṇas qualificados e das fontes védicas. A única preocupação deles é entregar-se ao sexo e recomendar a liberdade sexual, até mesmo às viúvas. Assim, eles são como macacos na floresta. Śrīla Śukadeva Gosvāmī apresenta assim esta explicação a Mahārāja Parīkṣit referente à floresta material e seu difícil percurso.

VERSO 1: Quando o rei Parīkṣit perguntou a Śukadeva Gosvāmī qual o significado exato da floresta material, Śukadeva Gosvāmī respondeu da seguinte maneira: Meu querido rei, um homem que pertence à comunidade mercantil [vaṇik] está sempre interessado em ganhar dinheiro. Às vezes, ele entra na floresta para adquirir artigos baratos, tais como madeira e areia, a fim de vendê-los na cidade a bons preços. Do mesmo modo, a alma condicionada, cobiçosa, entra neste mundo material em busca de algum lucro material. Pouco a pouco, ela se embrenha na floresta, não sabendo realmente como sair dali. Tendo entrado no mundo material, a alma pura se condiciona à atmosfera material, criada pela energia externa, sob o controle do Senhor Viṣṇu. Assim, a entidade viva se submete ao controle da energia externa, daivī māyā. Vivendo de maneira independente e perdida na floresta, não obtém a associação dos devotos que estão sempre ocupados em servir ao Senhor. Estando na concepção corpórea, a entidade viva obtém diferentes classes de corpos, um após o outro, sob a influência da energia material e impelida pelos modos da natureza material [sattva-guṇa, rajo-guṇa e tamo-guṇa]. Dessa maneira, a alma condicionada ora procede aos planetas celestiais, ora aos planetas terrestres, ora aos planetas inferiores e espécies inferiores. Assim, em virtude das diferentes espécies de corpos, ela sofrer continuamente. Esses sofrimentos e dores às vezes variam. Ora são muito severos, ora são brandos. Essas condições corpóreas são adquiridas devido à especulação mental da alma condicionada. Para adquirir conhecimento, ela usa sua mente e os cinco sentidos, e estes lhe acarretam corpos variados e diversas condições. Ao usar seus sentidos quando está sob o controle da energia externa, māyā, a entidade viva sofre as condições dolorosas da existência material. Na verdade, ela busca alívio, mas, em geral, ela se frustra, embora, algumas vezes, sinta-se aliviada após muitas dificuldades. Estando, então, absorta nessa sua luta pela existência, escapa-lhe a oportunidade de obter o refúgio dos devotos puros, que são coma abelhas e que estão ocupados a serviço dos pés de lótus do Senhos Viṣṇu.

VERSO 2: Na floresta da existência material, os sentidos descontrolados são como assaltantes. Para avançar em consciência de Kṛṣṇa, a alma condicionada pode obter algum dinheiro, mas, infelizmente, os sentidos descontrolados roubam-lhe o dinheiro através do gozo dos sentidos. Porque fazem a pessoa gastar seu dinheiro desnecessariamente em atividades de cheirar, ver, saborear, tocar, ouvir, desejar e ansiar, os sentidos são assaltantes. Dessa maneira, a alma condicionada é obrigada a satisfazer seus sentidos e, dessa forma, desperdiça todo o seu dinheiro. Na verdade, ela adquire esse dinheiro para cumprir deveres religiosos, mas os sentidos saqueadores levam tudo embora.

VERSO 3: Meu querido rei, os membros familiares neste mundo material são rotulados de esposa e filhos, mas, na verdade, eles se comportam como tigres e chacais. Tentando proteger suas ovelhas, um pastor faz tudo o que pode, mas os tigres e raposas levam-nas à força. Do mesmo modo, embora um homem avaro queira guardar seu dinheiro muito cuidadosamente, seus membros familiares levam à força todos os seus bens, por mais vigilante que ele seja.

VERSO 4: Todos os anos, o lavrador ara seu campo de cereais, arrancando diligentemente todas as ervas daninhas. Entretanto, as sementes permanecem ali e, não estando completamente queimadas, voltam a brotar juntamente com as plantas semeadas no campo. Mesmo que, ao capinar, revolva-as exaustivamente, as ervas daninhas afloram em grande número. Do mesmo modo, o gṛhastha-āśrama [vida familiar] é um campo de atividades fruitivas. Enquanto o desejo de desfrutar da vida familiar não for incinerado por completo, ele não parará de germinar. Muito embora se remova a cânfora de um pote, o pote ainda retém o aroma da cânfora. Enquanto as sementes dos desejos não forem destruídas, as atividades fruitivas não serão destruídas.

VERSO 5: Às vezes, a alma condicionada absorta na vida familiar, estando apegada a riqueza e posses materiais, é perturbada por moscas e mosquitos, e, algumas vezes, gafanhotos, aves de rapina e ratos causam-lhe problemas. Todavia, ela ainda vagueia pelo caminho da existência material. Devido à ignorância, torna-se luxuriosa e ocupa-se em atividades fruitivas. Porque sua mente está fixa nessas atividades, vê o mundo material como permanente, embora, tal qual uma fantasmagoria, tal qual uma casa no céu, ele seja temporário.

VERSO 6: Certas vezes, nessa casa no ar [gandharva-pura], a alma condicionada bebe, come e faz sexo. Estando demasiadamente apegada, ela busca os objetos dos sentidos da mesma forma que um veado busca uma miragem no deserto.

VERSO 7: Às vezes, a entidade viva fica interessada no excremento amarelo conhecido como ouro e corre em busca dele. Esse ouro é uma fonte de opulência e inveja materiais, e pode dar à pessoa o acesso ao sexo ilícito, aos jogos de azar, ao consumo de carne e à intoxicação. Aqueles cujas mentes são dominadas pelo modo da paixão ficam atraídos pela cor do ouro, assim como um homem que sente frio na floresta corre em direção a uma luz fosforescente emitida de uma região pantanosa, pensando que essa luz é um fogo verdadeiro.

VERSO 8: Às vezes, a alma condicionada se preocupa em se prover de residência ou apartamento e em obter um suprimento de água e riquezas a fim de manter seu corpo. Absorta em satisfazer tantas demandas, ela se esquece de tudo e corre perpetuamente em volta da floresta da existência material.

VERSO 9: Às vezes, parecendo estar com os olhos cegos após a poeira de um vendaval, a alma condicionada vê a beleza do sexo oposto, que se chama pramadā. Nessa inquietação, ela sobe ao colo de uma mulher, momento em que seu bom senso é dominado pela força da paixão. Então, o desejo luxurioso quase cega o indivíduo, fazendo-o desobedecer às normas e aos preceitos que governam a vida sexual. Desconhecendo o fato de que diferentes semideuses testemunham sua desobediência, ele desfruta de sexo ilícito na calada da noite, não vendo a punição futura que está a sua espera.

VERSO 10: A alma condicionada às vezes percebe pessoalmente a futilidade do gozo sensual no mundo material, e às vezes considera que o gozo material é cheio de sofrimentos. Contudo, devido à sua forte concepção corpórea, sua memória é destruída, e ela continua perseguindo o gozo material, assim como um animal corre rumo a uma miragem no deserto.

VERSO 11: Algumas vezes, a alma condicionada fica muito aflita em razão dos castigos que lhe impõem seus inimigos e os funcionários do governo, que a tratam com palavras ásperas, direta ou indiretamente. Nesse momento, seu coração e seus ouvidos ficam muito angustiados. Semelhante punição pode ser comparada aos sons vibrados por corujas e grilos.

VERSO 12: Devido às suas atividades piedosas em vidas anteriores, a alma condicionada recebe privilégios materiais nesta vida, mas, quando elas se acabam, ela se refugia nas riquezas e nas opulências, que não podem ajudá-la nem nesta vida nem na próxima. Devido a isso, ela se aproxima dos mortos-vivos que possuem essas coisas. Semelhantes pessoas são comparadas a árvores e trepadeiras impuras e a poços envenenados.

VERSO 13: Às vezes, para mitigar a aflição na floresta do mundo material, a alma condicionada recebe favores baratos dos ateus. Então, ela perde toda a sua inteligência na companhia deles. Isso é exatamente como mergulhar em um rio raso. Como resultado, a pessoa simplesmente quebra a sua cabeça. Ela não é capaz de aliviar seus sofrimentos oriundos do calor e, de ambas as maneiras, ela sofre. A alma condicionada e desencaminhada aproxima-se também de pretensos sādhus e svāmīs que pregam contra os princípios dos Vedas. Ela não recebe benefício algum deles, seja no presente, seja no futuro.

VERSO 14: Neste mundo material, quando, apesar de explorar os outros, não pode cuidar de sua própria manutenção, a alma condicionada tenta explorar seu próprio pai ou seu próprio filho, tirando todas as posses desses parentes, mesmo que elas sejam muito insignificantes. Se ela não puder obter de seu pai, de seus filhos ou de outros parentes aquilo que deseja, ela estará disposta a causar-lhes toda espécie de problemas.

VERSO 15: Neste mundo, a vida familiar é exatamente como um fogo abrasador na floresta. Não existe nem mesmo a menor felicidade, e, aos poucos, as pessoas se envolvem cada vez mais com a tristeza. Na vida familiar, não há nada favorável à felicidade perene. Emaranhada na vida doméstica, a alma condicionada arde no fogo da lamentação. Ora se lamenta de que é muito desafortunada, ora clama estar sofrendo porque não executou atividades piedosas em sua vida anterior.

VERSO 16: Os homens do governo são sempre como os demônios carnívoros chamados rākṣasas [antropófagos]. Às vezes, esses governantes se indispõem com a alma condicionada e tiram-lhe toda a riqueza que ela acumulara. Destituída das economias feitas ao longo de sua vida, a alma condicionada perde todo o entusiasmo. De fato, é como se ela tivesse perdido sua própria vida.

VERSO 17: Às vezes, a alma condicionada imagina que seu pai ou seu avô retornou e que agora é seu filho ou neto. Dessa maneira, ela sente a mesma felicidade experimentada durante um sonho, e a alma condicionada às vezes se delicia com essas invenções mentais.

VERSO 18: Na vida familiar, ordena-se que se executem muitos yajñas e atividades fruitivas, em especial o vivāha-yajña [a cerimônia em que os filhos e filhas entram para a vida de casado] e a cerimônia do cordão sagrado. Todos esses deveres do gṛhastha são de execução muito complexa e problemática. São comparados a uma grande colina que deve transposta por quem está apegado a atividades materiais. A pessoa que deseja caminhar por essas cerimônias ritualísticas decerto sentirá dores parecidas com aquelas decorrentes de espinhos e seixos quando se tenta escalar uma colina. Assim, a alma condicionada sofre ilimitadamente.

VERSO 19: Às vezes, devido à sede e à fome, a alma condicionada fica tão perturbada que esgota sua paciência e se enraivece com seus amados filhos, filhas e esposa. Assim, sendo rude com eles, sofre ainda mais.

VERSO 20: Śukadeva Gosvāmī continuou a falar com Mahārāja Parīkṣit: Meu querido rei, o sono é exatamente como um píton. Aqueles que vagam pela floresta da vida material acabam sendo devorados pelo píton do sono. Picados por esse animal, eles sempre permanecem na escuridão da ignorância. Eles são como corpos mortos atirados em uma floresta longínqua. Assim, as almas condicionadas não conseguem compreender os acontecimentos da vida.

VERSO 21: Na floresta do mundo material, a alma condicionada às vezes é picada por inimigos invejosos, que são comparados a serpentes e outras criaturas. Através das artimanhas do inimigo, a alma condicionada cai de sua posição prestigiosa. Por causa da ansiedade, não pode nem mesmo dormir adequadamente. Assim, sente-se cada vez mais infeliz e, pouco a pouco, perde sua inteligência e sua consciência. Nessas condições, ela se torna quase perpetuamente como um cego que caiu no poço escuro da ignorância.

VERSO 22: A alma condicionada às vezes se deixa atrair pela felicidade irrisória advinda do gozo dos sentidos. Assim, ela faz sexo ilícito ou rouba a propriedade alheia. Em tais circunstâncias, sujeita-se a ser presa pelo governo ou castigada pelo esposo protetor da mulher. Assim, simplesmente por um pouco de satisfação material, ela cai em uma condição infernal e é posta na cadeia por prática de estupro, sequestro, roubo e assim por diante.

VERSO 23: Os estudiosos eruditos e os transcendentalistas, portanto, condenam o caminho materialista de atividades fruitivas, pois é a fonte de onde se originam os sofrimentos materiais e serve de campo de proliferação desses, tanto nesta vida quanto na próxima.

VERSO 24: Roubando o dinheiro de outrem e enganando para obter esse dinheiro, a alma condicionada, de uma maneira ou outra, se apossa desse dinheiro e consegue evitar uma punição. Então, outro homem, chamado Devadatta, engana essa pessoa e leva o dinheiro embora. Do mesmo modo, outro homem, chamado Viṣṇumitra, rouba o dinheiro de Devadatta e o leva consigo. Em qualquer caso, o dinheiro não permanece no mesmo lugar. Ele passa de mão em mão. Em última análise, ninguém pode desfrutar do dinheiro, e ele continua sendo propriedade da Suprema Personalidade de Deus.

VERSO 25: Incapaz de proteger-se das três classes de sofrimento da existência material, a alma condicionada fica muito pesarosa e leva uma vida de lamentações. Esses três tipos de sofrimento são aquele que acarretam uma calamidade mental decorrente da ação dos semideuses [tais como o vento gélido e o calor escaldante], aqueles causados por outras entidades vivas e aqueles provocados pelo próprio corpo e mente.

 VERSO 26: Quanto às transações monetárias, se uma pessoa engana outra em razão mesmo de um valor insignificante, elas se tornam inimigas.

VERSO 27: Conforme acabo de mencionar, ocorrem muitas dificuldades nesta vida material, e todas elas são intransponíveis. Além disso, existem as dificuldades advindas da pretensa felicidade, aflição, apego, ódio, medo, falso prestígio, ilusão, loucura, lamentação, confusão, cobiça, inveja, inimizade, insulto, fome, sede, tribulações, doenças, nascimento, velhice e morte. Tudo isso se combina para conferir à alma condicionada e materialista apenas sofrimentos.

VERSO 28: Às vezes, a alma condicionada se deixa atrair pela ilusão personificada (sua esposa ou namorada) e anseia receber os abraços de uma mulher. Assim, perde sua inteligência bem como seu conhecimento da meta da vida. Nesse momento, tendo deixado de cultivar a vida espiritual, o indivíduo fica muitíssimo apegado à sua esposa ou namorada e tenta lhe dar um apartamento adequado. Mais uma vez, fica muito ocupado sob o abrigo desse lar e é cativado pelas conversas, olhares e atividades de sua esposa e de seus filhos. Desse modo, perde sua consciência de Kṛṣṇa e se lança na densa escuridão da existência material.

VERSO 29: A arma pessoal usada pelo Senhor Kṛṣṇa, o disco, chama-se hari-cakra, o disco de Hari. Esse cakra é a roda do tempo. Ele se expande desde o surgimento dos átomos até a hora da morte de Brahmā, e controla todas as atividades. Ele sempre está girando e gastando a vida das entidades vivas, desde o senhor Brahmā indo até a mais insignificante folha de grama. Assim, a pessoa muda da infância para a meninice, então para a juventude e maturidade e, deste modo, impossibilitada de parar essa roda do tempo, aproxima-se do fim da vida. Essa roda é muito precisa porque é a arma pessoal da Suprema Personalidade de Deus. Às vezes, a alma condicionada, temendo a morte que se aproxima dela, quer adorar alguém que possa salvá-la do perigo iminente. Entretanto, ela não se importa com a Suprema Personalidade de Deus, cuja arma é o infatigável fator tempo. A alma condicionada, em vez disso, refugia-se em um deus inventado pelo homem, mencionado em escrituras desautorizadas. Semelhantes deuses são como falcões, abutres, garças e corvos. As escrituras védicas não aludem a eles. A morte iminente é como o ataque de um leão, e nenhum abutre, falcão, corvo ou garça pode salvar alguém dessa investida. Aquele que se refugia em deuses desautorizados, criados pelo homem, não pode salvar-se das garras da morte.

VERSO 30: Os assim chamados svāmīs, os yogīs farsantes e as pseudoencarnações, que não acreditam na Suprema Personalidade de Deus, são conhecidos como pāṣaṇḍīs. Eles próprios são caídos e deixam-se enganar, pois não conhecem o verdadeiro caminho do avanço espiritual, e, por sua vez, todo aquele que se dirige a eles com certeza é enganado. Quando alguém é assim enganado, às vezes se refugia nos verdadeiros seguidores dos princípios védicos [os brāhmaṇas, ou aqueles que estão em consciência de Kṛṣṇa], que, tomando como base os rituais védicos, ensinam a todos como adorar a Suprema Personalidade de Deus. Contudo, sendo incapazes de se aterem a esses princípios, semelhantes patifes voltam a cair e refugiam-se nos śūdras que são muito hábeis em fazer arranjos para a atividade sexual. O sexo é muito proeminente entre animais tais como os macacos, e, semelhantes pessoas, que se sentem revigoradas com o sexo, podem ser chamadas de descendentes de macacos.

VERSO 31: Dessa maneira, os descendentes de macacos se misturam entre si e, em geral, são conhecidos como śūdras. Desconhecendo a meta da vida, não hesitam em viver e mover-se livremente. Cativam-se simplesmente por se entreolharem, o que faz com que se lembrem de gozo dos sentidos. Sempre ocupados em atividades materiais, conhecidas como grāmya-karma, trabalham arduamente para obter benefícios materiais. Assim, esquecem-se por completo de que um dia suas curtas vidas terminarão e se degradarão no ciclo evolutivo.

VERSO 32: Assim como um macaco pula de uma árvore para outra, a alma condicionada pula de um corpo para outro. Assim como o macaco é enfim capturado pelo caçador e é incapaz de escapar do cativeiro, a alma condicionada, cativa do fugaz prazer sexual, apega-se a diferentes classes de corpos e fica engaiolada na vida familiar. A vida familiar concede à alma condicionada um festival de prazer sexual momentâneo, daí ela ser inteiramente incapaz de sair das garras materiais.

VERSO 33: Neste mundo material, ao se esquecer de sua relação com a Suprema Personalidade de Deus e não se importar com a consciência de Kṛṣṇa, a alma condicionada simplesmente se ocupa em diferentes classes de atividades perversas e pecaminosas. Então, ela se sujeita às três espécies de sofrimentos e, temendo o elefante da morte, cai na escuridão encontrada nas cavernas das montanhas.

VERSO 34: A alma condicionada sofre com muitas condições corpóreas dolorosas, tais como as investidas do frio rigoroso e de ventos fortes. Ela também sofre devido às atividades de outros seres vivos e devido às perturbações naturais. Quando é incapaz de neutralizá-las e tem de permanecer em uma condição deplorável, ela naturalmente fica muito infeliz, pois o seu desejo é desfrutar de facilidades materiais.

VERSO 35: Às vezes, as almas condicionadas fazem negócios envolvendo dinheiro, mas, no decorrer do tempo, surge uma inimizade em razão de trapaças. Embora possa haver apenas um lucro insignificante, as almas condicionadas, de amigas, tornam-se inimigas.

VERSO 36: Às vezes, não tendo dinheiro, a alma condicionada não consegue acomodações apropriadas. Outras vezes, nem mesmo tem um lugar para se sentar, tampouco consegue satisfazer suas demais necessidades. Em outras palavras, torna-se indigente e, nessa hora, incapaz de se manter por meios honestos, decide apoderar-se da propriedade alheia de maneira desleal. Quando não pode obter as coisas que deseja, simplesmente é desprezada pelos outros e se torna muito infeliz.

VERSO 37: Mesmo que sejam inimigas, as pessoas eventualmente se casam apenas para satisfazer os seus desejos repetidas vezes. Infelizmente, esses casamentos não são muito duradouros, e o casal volta a se separar através do divórcio ou de outra maneira.

VERSO 38: O caminho deste mundo material está repleto de sofrimentos materiais, e vários problemas incomodam as almas condicionadas. Ora ela perde, ora ganha, mas, em todo caso, o caminho é repleto de perigos. Às vezes, a alma condicionada vê que a morte ou outras circunstâncias forçam-na a separar-se de seu pai. Deixando-o para trás, aos poucos ela se apega a outras pessoas, tais como seus filhos. Algumas vezes, a alma condicionada fica iludida e temerosa. Há ocasiões em que grita em razão do medo intenso. Outras vezes, sente-se feliz ao manter sua família e, outras vezes ainda, fica muito alegre e canta melodiosamente. Dessa maneira, ela se enreda e se esquece de que, desde tempos imemoriais, afastou-se da Suprema Personalidade de Deus. Desse modo, ela percorre o perigoso caminho da existência material e, nesse caminho, ela definitivamente não é feliz. Para escapar dessa perigosa existência material, as pessoas autorrealizadas simplesmente se refugiam na Suprema Personalidade de Deus. Quem não aceita o caminho devocional não consegue escapar das garras da existência material. A conclusão é que ninguém pode ser feliz na vida material. Todos devem adotar a consciência de Kṛṣṇa.

VERSO 39: As pessoas santas, que são amigas de todas as entidades vivas, têm uma consciência pacífica. Elas mantêm sob controle seus sentidos e a mente e, sem quaisquer dificuldades, alcançam o caminho da liberação, o caminho que leva de volta ao Supremo. Sendo desafortunado e estando apegado às dolorosas condições materiais, o materialista não consegue se associar com elas.

VERSO 40: Houve muitos grandes reis santos que eram muito hábeis em executar rituais sacrificatórios e muito competentes em conquistar outros reinos, mas, apesar de seu poder, não conseguiram alcançar o serviço amoroso à Suprema Personalidade de Deus. Explica-se isso através do fato de que aqueles grandes reis não podiam nem mesmo dominar a falsa consciência de “eu sou este corpo, e esta propriedade é minha.” Assim, eles simplesmente criaram inimizades com reis rivais, lutaram com eles e morreram sem cumprir a verdadeira missão da vida.

VERSO 41: Ao se refugiar na trepadeira de atividades fruitivas, a alma condicionada pode, mediante suas atividades piedosas, alcançar os sistemas planetários superiores e, dessa maneira, libertar-se das condições infernais, mas, infelizmente, essa situação não será permanente. Após se esgotarem os resultados de suas atividades piedosas, ela terá de retornar aos sistemas planetários inferiores. Dessa maneira, ela perpetuamente se eleva e se rebaixa.

VERSO 42: Tendo resumido os ensinamentos de Jaḍa Bharata, Śukadeva Gosvāmī disse: Meu querido rei Parīkṣit, o caminho indicado por Jaḍa Bharata é como o caminho seguido por Garuḍa, o transportador do Senhor, e os reis comuns são exatamente como moscas. As moscas não podem seguir o caminho de Garuḍa, e até agora nenhum dos grandes reis e líderes vitoriosos pôde nem mesmo mentalmente seguir esse caminho de serviço devocional.

VERSO 43: Enquanto no vigor da vida, o grande Mahārāja Bharata abandonou tudo porque estava com o desejo intenso de servir à Suprema Personalidade de Deus, Uttamaśloka. Ele abandonou sua bela esposa, lindos filhos, grandes amigos e um enorme império. Embora seja muito difícil abandonar essas coisas, Mahārāja Bharata era tão elevado que as relegou assim como a pessoa se livra do excremento após defecar. Essa era a grandeza de Sua Majestade.

VERSO 44: Śukadeva Gosvāmī continuou: Meu querido rei, as atividades de Bharata Mahārāja são maravilhosas. Ele abandonou tudo aquilo que aos outros é dificílimo abandonar. Ele renunciou ao seu reino, esposa e família. Sua opulência era tanta que até os semideuses a invejavam, mas ele abandonou toda riqueza. Era muito condizente que uma personalidade como ele fosse um grandioso devoto. Ele pôde renunciar tudo porque se sentia muito atraído pela beleza, opulência, reputação, conhecimento, força e renúncia de Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Kṛṣṇa é tão atrativo que, em troca dEle, alguém pode abandonar tudo que é cobiçável. Na verdade, mesmo a liberação é considerada insignificante por aqueles cujas mentes se sentem atraídas pelo serviço amoroso ao Senhor.

VERSO 45: Mesmo quando estava em um corpo de veado, Mahārāja Bharata não se esqueceu da Suprema Personalidade de Deus; portanto, quando estava abandonando o corpo de veado, ele proferiu alto a seguinte oração: “A Suprema Personalidade de Deus é o sacrifício personificado; Ele proporciona os resultados das atividades ritualísticas. Ele é o protetor dos sistemas religiosos, a personificação do yoga místico, a fonte de todo o conhecimento, o controlador de toda a criação e a Superalma de toda entidade viva. Ele é belo e atrativo. Estou deixando este corpo enquanto Lhe ofereço reverências, na esperança de que eu possa me ocupar eternamente em Seu transcendental serviço amoroso.” Tendo pronunciado isso, Mahārāja Bharata deixou seu corpo.

VERSO 46: Os devotos interessados em ouvir e cantar [śravaṇaṁ kīrtanam] comentam regularmente as características puras de Bharata Mahārāja e louvam suas atividades. Se alguém ouve e canta com submissão as qualidades do auspiciosíssimo Mahārāja Bharata, sua duração de vida e opulência materiais decerto aumentam. Ele pode tornar-se muito famoso e obter facilmente a promoção aos planetas celestiais, ou atingir a liberação fundindo-se na existência do Senhor. Tudo o que se deseja pode ser alcançado simplesmente por ouvir, cantar e glorificar as atividades de Mahārāja Bharata. Dessa maneira, a pessoa pode satisfazer todos os seus desejos materiais e espirituais. Não é preciso pedir essas coisas a ninguém mais, visto que basta estudar a vida de Mahārāja Bharata para que se consiga tudo o que é desejável.

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