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VERSO 5

muktānām api siddhānāṁ
nārāyaṇa-parāyaṇaḥ
su-durlabhaḥ praśāntātmā
koṭiṣv api mahā-mune

muktānām — daqueles que são liberados durante esta vida (que estão desapegados dos confortos corpóreos oferecidos pela sociedade, amizade e amor); api — mesmo; siddhānām — que são perfeitos (porque entendem a insignificância dos confortos físicos); nārāyaṇa-­parāyaṇaḥ — alguém que chegou à conclusão de que Nārāyaṇa é o Supremo; su-durlabhaḥ — muito raramente encontrado; praśānta — plenamente pacífica; ātmā — cuja mente; koṭiṣu[1] — entre milhões e trilhões; api — mesmo; mahā-mune — ó grande sábio.

[1] A palavra koṭi significa dez milhões. Seu plural significa milhões e trilhões.

Ó grande sábio, entre muitos milhões de pessoas liberadas e que conhecem muito bem o que é a liberação, talvez uma se torne devoto do Senhor Nārāyaṇa, ou Kṛṣṇa. Esses devotos, que são por completo pacíficos, são extremamente raros.

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura apresenta o seguinte significado a esse verso. Simplesmente desejar mukti, ou a liberação, é insuficien­te; a pessoa deve libertar-se de fato. Quem entende a futilidade do modo de vida materialista avança em conhecimento e, portanto, situa-se na ordem de vānaprastha, onde está desapegado da família, esposa e filhos. Continuando seu progresso, estabelece-se na plata­forma de sannyāsa, a verdadeira ordem renunciada, da qual ninguém consegue demovê-lo e, somente assim, ele evita ser acossado pela vida material. Não é apenas porque alguém deseja libertar-se que pensaremos que ele já se libertou. É muito raro alguém se libertar. Na verdade, embora muitos homens aceitem sannyāsa para se liberta­rem, eles, devido às suas imperfeições, voltam a se apegar a mulheres, a atividades materiais, ao trabalho de bem-estar social e assim por diante.

Os jñānīs, yogīs e karmīs destituídos de serviço devocional são tidos como ofensores. Śrī Caitanya Mahāprabhu diz que māyāvādī kṛṣṇe aparādhī: quem julga que tudo é māyā, em vez de pensar que tudo é Kṛṣṇa, chama-se aparādhī, ou ofensor. Muito embora sejam ofensores aos pés de lótus de Kṛṣṇa, os māyāvādīs, os impersonalistas, podem ser incluídos entre os siddhas, aqueles que depreendem o eu. Podem-se considerá-los mais próximos da perfei­ção espiritual porque, pelo menos, compreendem o que é vida espi­ritual. Se tal pessoa se torna nārāyaṇa-parāyaṇa, um devoto do Senhor Nārāyaṇa, ela suplanta um jīvan-mukta, aquele que é libe­rado ou perfeito, pois, para chegar a tanto, é necessário inteligência superior.

Existem duas classes de jñānīs. Alguns são propensos ao serviço devocional, e outros, à percepção impessoal. Em geral, os impersonalistas se submetem a grandes esforços em troca de nenhum benefício tangível, e, portanto, é dito que eles estão debulhando um arroz que só tem a casca (sthūla-tuṣāvaghātinaḥ). A outra classe de jñānīs, cujo jñāna é misturado com bhakti, também pertence a duas categorias – aqueles que são devotados à forma evidentemente falsa da Supre­ma Personalidade de Deus e aqueles que entendem a Suprema Personalidade de Deus como sac-cid-ānanda-vigraha, a forma espiritual verdadeira. Os devotos māyāvādīs adoram Nārāyaṇa ou Viṣṇu munidos da ideia de que Viṣṇu aceitou uma forma de māyā e de que, de fato, a verdade última é impessoal. O devoto puro, entretanto, jamais pensa que Viṣṇu tenha aceitado um corpo feito por māyā, senão que sabe perfeitamente bem que a Verdade Absoluta original é a Pessoa Suprema. Tal devoto está situado em verdadeiro conhecimento. Ele jamais deseja fundir-se na refulgência Brahman. Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (10.2.32):

ye ’nye ’ravindākṣa vimukta-māninas
tvayy asta-bhāvād aviśuddha-buddhayaḥ
āruhya kṛcchreṇa paraṁ padaṁ tataḥ
patanty adho ’nādṛta-yuṣmad-aṅghrayaḥ

“Ó Senhor, a inteligência daqueles que se julgam liberados, mas que não têm devoção, é impura. Mesmo que, por força de rigorosas penitências e austeridades, elevem-se ao ponto máximo da liberação, é certo que voltarão a cair na existência material, pois negam-se a refugiar-se a Vossos pés de lótus.” Esse mesmo aspecto também é apresentado na Bhagavad-gītā (9.11), onde o Senhor diz:

avajānanti māṁ mūḍhā
mānuṣīṁ tanum āśritam
paraṁ bhāvam ajānanto
mama bhūta-maheśvaram

“Os tolos zombam de Mim quando venho sob a forma humana. Eles não conhecem Minha natureza transcendental como o Supremo Senhor de tudo o que existe.” Ao verem que Kṛṣṇa age tal qual um ser humano, os patifes (mūḍha) caçoam da forma transcendental do Senhor porque não conhecem o paraṁ bhāvam, Sua forma e atividades transcendentais. Continuando a descrever tais pessoas, o Senhor afirma o seguinte:

moghāśā mogha-karmāṇo
mogha-jñānā vicetasaḥ
rākṣasīm āsurīṁ caiva
prakṛtiṁ mohinīṁ śritāḥ

“Aqueles que estão assim perplexos deixam-se atrair por opiniões demoníacas e ateístas. Estando mergulhados nessa ilusão, suas esperanças de liberação, suas atividades fruitivas e seu cultivo de conhecimento são todos destroçados.” (Bhagavad-gītā 9.12) Tais pessoas desconhecem que o corpo de Kṛṣṇa não é material. Não há diferença entre o corpo de Kṛṣṇa e Sua alma, mas, porque veem Kṛṣṇa como um ser humano, os homens menos inteligentes zombam dEle. Eles não conseguem admitir como é que uma pessoa tal como Kṛṣṇa pode ser a origem de tudo (govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi). Tais pessoas são descritas como moghāśāḥ, frustradas em suas es­peranças. Tudo o que elas desejarem para o futuro não vingará. Mesmo que elas aparentemente se ocupem em serviço devocional, são descritas como moghāśāḥ porque, em última análise, desejam imergir na refulgência Brahman.

Aqueles que almejam elevar-se aos planetas celestes através do serviço devocional também malograrão, porque não é esse o objetivo do serviço devocional. Contudo, eles também recebem a oportunidade de se ocuparem no serviço devocional e se purificarem. Como afirma o Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.17):

śṛṇvatāṁ sva-kathāḥ kṛṣṇaḥ
puṇya-śravaṇa-kīrtanaḥ
hṛdy antaḥ-stho hy abhadrāṇi
vidhunoti suhṛt satām

“Śrī Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus, que é o Paramātmā [Superalma] no coração de todos e o benfeitor do devoto veraz, purifica do desejo de gozo material o coração do devoto que desenvolve o desejo ardente de ouvir Suas mensagens, que são por si mesmas virtuosas quando adequadamente ouvidas e cantadas.”

A menos que alguém tire a sujeira existente em seu coração, ele não poderá tornar-se um devoto puro. Portanto, a palavra su-dur­labhaḥ (“muito raramente encontrado”) é usada neste verso. Não apenas entre centenas e milhares, mas entre milhões de almas per­feitas e liberadas, dificilmente se encontra um devoto puro. Portanto, usam-se as palavras koṭiṣv api nesta passagem. Śrīla Madhvācārya fornece as seguintes citações do Tantra Bhāgavata:

nava-koṭyas tu devānām
ṛṣayaḥ sapta-koṭayaḥ
nārāyaṇāyanāḥ sarve
ye kecit tat-parāyaṇāḥ

“Existem noventa milhões de semideuses e setenta milhões de sábios, todos chamados nārāyaṇāyana, devotos do Senhor Nārāyaṇa. Entre eles, somente alguns são chamados nārāyaṇa-parāyaṇa.”

nārāyaṇāyanā devā
ṛṣy-ādyās tat-parāyaṇāḥ
brahmādyāḥ kecanaiva syuḥ
siddho yogya-sukhaṁ labhan

A diferença entre os siddhas e os nārāyaṇa-parāyaṇas é que os devo­tos perfeitos são chamados nārāyaṇa-parāyaṇas, ao passo que aqueles que executam várias classes de yoga místico são chamados siddhas.

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