VERSO 36
evaṁ sahasra-vadanāṅghri-śiraḥ-karoru-
nāsādya-karṇa-nayanābharaṇāyudhāḍhyam
māyāmayaṁ sad-upalakṣita-sanniveśaṁ
dṛṣṭvā mahā-puruṣam āpa mudaṁ viriñcaḥ
evam — dessa maneira; sahasra — milhares e milhares; vadana — de rostos; aṅghri — pés; śiraḥ — cabeças; kara — mãos; uru — coxas; nāsa-ādya — narizes etc.; karṇa — ouvidos; nayana — olhos; ābharaṇa — muitas variedades de adornos; āyudha — muitas variedades de armas; āḍhyam — dotado com; māyā-mayam — todos manifestos através de potência ilimitada; sat-upalakṣita — aparecendo como diferentes características; sanniveśam — combinados; dṛṣṭvā — vendo; mahā-puruṣam — a Suprema Personalidade de Deus; āpa — alcançou; mudam — bem-aventurança transcendental; viriñcaḥ — senhor Brahmā.
Então, o senhor Brahmā pôde ver que Vós possuíeis milhares e milhares de rostos, e de pés, cabeças, mãos, coxas, narizes, ouvidos e olhos. Estáveis vestido com muito esmero, decorado e cravejado por muitas variedades de adornos e armas. Vendo a Vossa forma de Senhor Viṣṇu, com Vossas características e forma transcendentais, e Vossas pernas se estendendo a partir dos planetas inferiores, o senhor Brahmā alcançou a bem-aventurança transcendental.
SIGNIFICADO—O senhor Brahmā, sendo inteiramente puro, pôde ver a forma original do Senhor como Viṣṇu, tendo muitos milhares de rostos e aspectos. Esse processo se chama autorrealização. A autorrealização genuína não consiste em perceber a refulgência impessoal do Senhor, mas em ver a forma transcendental do Senhor face a face. Como se menciona distintamente aqui, o senhor Brahmā viu o Senhor Supremo como mahā-puruṣa, a Suprema Personalidade de Deus. Arjuna também viu essa mesma forma de Kṛṣṇa. Portanto, ele diz ao Senhor que paraṁ brahma paraṁ dhāma pavitraṁ paramaṁ bhavān puruṣaṁ śāśvataṁ divyam: “Sois o Brahman Supremo, o definitivo, a morada suprema e o purificador, a Verdade Absoluta e a divina pessoa eterna.” O Senhor é parama-puruṣa, a forma suprema. Puruṣaṁ śāśvatam: Ele é eternamente o desfrutador supremo. Ninguém deve pensar que o Brahman impessoal assume uma forma; ao contrário, a refulgência Brahman impessoal emana da forma suprema do Senhor. Ao se purificar, Brahmā pôde ver a forma suprema do Senhor. O Brahman impessoal não possui cabeças, narizes, ouvidos, mãos e pernas, pois, afinal, esses atributos compõem a forma do Senhor.
A palavra māyāmayam significa “conhecimento espiritual”. Isso é explicado por Madhvācārya. Māyāmayaṁ jñāna-svarūpam. A palavra māyāmayam, que descreve a forma do Senhor, não deve ser interpretada como significando ilusão. Ao contrário, a forma do Senhor é real, e vê essa forma somente quem possui o conhecimento perfeito. Confirma isso a Bhagavad-gītā: bahūnāṁ janmanām ante jñānavān māṁ prapadyate. A palavra jñānavān se refere àquele que está em perfeito conhecimento. Como pode ver a Personalidade de Deus, tal pessoa se rende ao Senhor. O fato de o Senhor ser caracterizado como possuidor de rosto, nariz, ouvido e assim por diante é algo eterno. Sem essa forma, ninguém consegue ser bem-aventurado. O Senhor, entretanto, é sac-cid-ānanda-vigraha, como afirmam os śāstras (īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ sac-cid-ānanda-vigrahaḥ). Quando alguém está em perfeita bem-aventurança transcendental, pode ver a suprema forma (vigraha) do Senhor. Com relação a isso, Śrīla Madhvācārya diz:
gandhākhyā devatā yadvat
pṛthivīṁ vyāpya tiṣṭhati
evaṁ vyāptaṁ jagad viṣṇuṁ
brahmātma-sthaṁ dadarśa ha
O senhor Brahmā percebeu que, assim como os aromas e as cores se insinuam por toda a terra, a Suprema Personalidade de Deus, sob uma forma sutil, permeia a manifestação cósmica.