No edit permissions for Português

CAPÍTULO NOVE

Prahlāda Apazigua o Senhor Nṛsiṁhadeva com Orações

Como relata este capítulo, Prahlāda Mahārāja, seguindo a ordem do senhor Brahmā, apaziguou o Senhor quando Este estava extremamente irado após ter matado Hiraṇyakaśipu.

Depois que Hiraṇyakaśipu foi morto, o Senhor continuou irado, e os semideuses, encabeçados pelo senhor Brahmā, não conseguiram apaziguá-lO. Nem mesmo mãe Lakṣmī, a deusa da fortuna, a companheira constante de Nārāyaṇa, ousava aparecer diante do Senhor Nṛsiṁhadeva. Então, o senhor Brahmā pediu que Prahlāda Mahārāja se adiantasse para aplacar a ira do Senhor. Prahlāda Mahārāja, confiando na benevolência de seu amo, o Senhor Nṛsiṁhadeva, não estava temeroso de modo algum. Com muito respeito, apresentou-se diante dos pés de lótus do Senhor e Lhe ofereceu respeitosas reverências. O Senhor Nṛsiṁhadeva, tendo muita afeição por Prahlāda Mahārāja, colocou Sua mão na cabeça de Prahlāda, e, como foi pessoalmente tocado pelo Senhor, Prahlāda Mahārāja de imediato alcançou brahma-jñāna, o conhecimento espiritual. Assim, ofereceu suas orações ao Senhor com pleno conhecimento espiritual e em completo êxtase devocional. São as seguintes as instruções que Prahlāda Mahārāja deu em forma de oração.

Prahlāda disse: “Não me orgulho de poder oferecer orações à Suprema Personalidade de Deus. Simplesmente me refugio na misericórdia do Senhor, pois, sem devoção, ninguém pode apaziguá-lO. Ninguém pode satisfazer a Suprema Personalidade de Deus simplesmente à força de parentesco elevado ou de grande opulência, sabedoria, austeridade, penitência ou poder místico. Na verdade, nada disso jamais satisfaz o Senhor Supremo, pois só pode agradá-lO o serviço devocional puro. Mesmo que um não-devoto seja um brāhmaṇa dotado de todas as qualidades bramânicas, ele não é muito querido ao Senhor, ao passo que, se alguém nascido em família de comedores de cães, for um devoto, o Senhor aceita suas orações. O Senhor não precisa das orações de ninguém, mas, se o devoto oferece orações ao Senhor, o devoto se beneficia imensamente. Portanto, pessoas ignorantes, nascidas em famílias baixas, podem oferecer sinceras orações ao Senhor, e o Senhor as aceitará. Tão logo alguém oferece suas orações ao Senhor, ele se situa na plataforma Brahman.”

O Senhor Nṛsiṁhadeva apareceu para o benefício de toda a sociedade humana, e não apenas para o benefício exclusivo de Prahlāda. A aterradora forma do Senhor Nṛsiṁhadeva talvez pareça muito terrível para o não-devoto, mas, para o devoto, essa forma do Senhor é sempre afetuosa, como o são Suas outras formas. A vida condicionada no mundo material é de fato extremamente assustadora, mas o devoto, em verdade, nada teme. O medo da existência material é algo que se deve ao falso ego. Portanto, a meta última da vida de toda entidade viva é alcançar a posição de servo do servo do Senhor. Somente a misericórdia do Senhor pode remediar a condição dolorosa das entidades vivas no mundo material. Embora existam os supostos protetores materiais, tais como o senhor Brahmā e os outros semideuses, ou mesmo o próprio pai, eles são incapazes de fazer qualquer coisa para proteger alguém que é negligenciado pela Suprema Personalidade de Deus. Entretanto, quem se refugiou plenamente nos pés de lótus do Senhor pode salvar-se das investidas da natureza material. Portanto, nenhuma entidade viva deve se deixar atrair pela aparente felicidade material, e todos devem, a qualquer custo, refugiar-se no Senhor. É esse o objetivo da vida humana. Deixar-se seduzir pelo gozo dos sentidos é simplesmente tolice. Ser um devoto do Senhor ou ser um não-devoto independe de nascimento em família superior ou inferior. Nem mesmo o senhor Brahmā ou a deusa da fortuna podem alcançar o completo favor do Senhor, mas o devoto pode se estabelecer muito facilmente nesse serviço devocional. A misericórdia do Senhor é outorgada a todos igualmente, não importando se alguém está situado em uma posição superior ou inferior. Como foi abençoado por Nārada Muni, Prahlāda Mahārāja se tornou um grande devoto. O Senhor sempre salva os devotos do poder dos impersonalistas e dos niilistas. Como a Superalma, o Senhor está presente no coração de todos para conferir ao ser vivo proteção e todos os benefícios. Assim, o Senhor age ora como matador, ora como protetor. Ninguém deve acusá-lO de alguma discrepância. Está incluído em Seu plano vermos muitas variedades de vida dentro deste mundo material. Todas elas, em última análise, são Sua misericórdia.

Muito embora toda a manifestação cósmica seja indiferenciada, o mundo material é diferente do mundo espiritual. É somente pela misericórdia do Senhor Supremo que alguém consegue entender como age a maravilhosa natureza material. Por exemplo, embora nascido do caule do lótus que brotou do abdômen de Garbhodakaśāyī Viṣṇu, o senhor Brahmā, depois de aparecer, não sabia o que fazer. Foi atacado por dois demônios, Madhu e Kaiṭabha, que lhe roubaram o conhecimento védico, mas o Senhor os matou e confiou ao senhor Brahmā o conhecimento védico. Assim, em cada milênio, o Senhor aparece na sociedade dos semideuses, dos seres humanos, dos animais, das plantas e dos seres aquáticos. Todas essas encarnações se destinam a proteger os devotos e matar os demônios, mas esse extermínio e proteção não significam que o Senhor Supremo esteja agindo com algum grau de parcialidade. A alma condicionada sempre se sente atraída pela energia externa. Portanto, está sujeita à luxúria e à cobiça e sofre as condições impostas pela natureza material. A misericórdia imotivada do Senhor para com Seu devoto é o único meio pelo qual alguém pode escapar da existência material. Quem quer que se ocupe em glorificar as atividades do Senhor jamais teme este mundo material, mas quem não consegue dedicar ao Senhor essa glorificação fica sujeito a se lamentar continuamente.

Aqueles que estão interessados em adorar silenciosamente o Senhor em lugares solitários podem qualificar-se para libertarem a si mesmos, mas o devoto puro sempre se aflige vendo o sofrimento alheio. Portanto, não se importando com sua própria liberação, ele está sempre ocupado em pregar as glórias do Senhor. Por conseguinte, Prahlāda Mahārāja tentou libertar seus colegas de classe através da pregação e jamais permaneceu silencioso. Embora ser silencioso, executar austeridades e penitências, aprender a literatura védica, submeter-se a cerimônias ritualísticas, viver em um lugar solitário e se dedicar à japa e à meditação transcendental sejam métodos aprovados que concedem a liberação, são reservados aos não-devotos ou enganadores que querem viver às custas dos outros. Entretanto, como está livre dessas atividades superficiais, o devoto puro se torna apto para ver o Senhor face a face.

A teoria atômica da composição da manifestação cósmica não é verdadeira. O Senhor é a causa de tudo e, portanto, Ele é a causa desta criação. Logo, todos devem ocupar-se sempre em serviço devocional, prestando respeitosas reverências ao Senhor, oferecendo orações, trabalhando para o Senhor, adorando o Senhor no templo, lembrando-se sempre do Senhor e sempre ouvindo Suas atividades transcendentais. Sem essas seis espécies de atividades, ninguém pode alcançar o serviço devocional.

Então, Prahlāda Mahārāja ofereceu suas orações ao Senhor Supremo, implorando Sua misericórdia a cada passo. O Senhor Nṛsiṁhadeva foi apaziguado pelas orações de Prahlāda Mahārāja e quis conceder-lhe bênçãos com as quais Prahlāda pudesse obter toda classe de facilidades materiais. Prahlāda Mahārāja, entretanto, não se deixou desencaminhar pelas facilidades materiais. Ao contrário, desejava permanecer sempre um servo do servo do Senhor.

VERSO 1: O grande santo Nārada Muni continuou: Os semideuses, encabeçados pelo senhor Brahmā, pelo senhor Śiva e por outros grandes semideuses, não ousaram apresentar-se diante do Senhor, que, naquele momento, estava extremamente irado.

VERSO 2: Todos os semideuses presentes solicitaram à deusa da fortuna, Lakṣmījī, que se apresentasse diante do Senhor, pois eles, sentindo muito medo, não ousavam fazê-lo. Porém, mesmo ela jamais vira essa forma tão maravilhosa e extraordinária do Senhor, de modo que nem mesmo tentou aproximar-se dEle.

VERSO 3: Depois disso, o senhor Brahmā pediu a Prahlāda Mahārāja, que estava de pé bem perto dele: Meu querido filho, o Senhor Nṛsiṁhadeva está com extrema raiva de teu pai demoníaco. Por favor, adianta-te e tranquiliza o Senhor.

VERSO 4: Nārada Muni prosseguiu: Ó rei, embora fosse apenas um menininho, o sublime devoto Prahlāda Mahārāja aceitou as palavras do senhor Brahmā. Lentamente, ele procedeu em direção ao Senhor Nṛsiṁhadeva e se abaixou para oferecer suas respeitosas reverências de mãos postas.

VERSO 5: Ao ver o menininho Prahlāda Mahārāja prostrado aos Seus pés de lótus, o Senhor Nṛsiṁhadeva ficou embevecido em afeição por Seu devoto. Erguendo Prahlāda, o Senhor colocou Sua mão de lótus sobre a cabeça do menino, porque Sua mão sempre produz destemor em todos os Seus devotos.

VERSO 6: Quando a mão do Senhor Nṛsiṁhadeva entrou em contato com a cabeça de Prahlāda Mahārāja, Prahlāda se livrou por completo de todas as contaminações e desejos, como se ele tivesse sido exaustivamente purificado. Portanto, ele se situou de imediato na transcendência, e todos os sintomas de êxtase se manifestaram em seu corpo. Seu coração se encheu de amor, e seus olhos, de lágrimas, e assim ele conseguiu fixar firmemente os pés de lótus do Senhor no âmago de seu coração.

VERSO 7: Em transe total e com plena atenção, Prahlāda Mahārāja fixou sua mente e visão no Senhor Nṛsiṁhadeva. Com a mente indesviável, ele começou a oferecer orações amorosas, e sua voz estava embargada.

VERSO 8: Prahlāda Mahārāja orou: Como é possível que eu, tendo nascido em família de asuras, ofereça orações convenientes, capazes de satisfazer a Suprema Personalidade de Deus? Agora mesmo, nenhum dos semideuses, encabeçados pelo senhor Brahmā, e nenhuma das pessoas santas, conseguiram satisfazer o Senhor pronunciando belas palavras, embora tais pessoas sejam muito qualificadas, visto que se situam no modo da bondade. Então, o que será de mim? Afinal, não sou nem um pouco qualificado!

VERSO 9: Prahlāda Mahārāja continuou: Talvez alguém possua riquezas, família aristocrática, beleza, austeridade, educação, habilidade sensorial, esplendor, influência, força física, desvelo, inteligência e poder místico ióguico, mas julgo que, mesmo com essas qualificações, ele não poderá satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. Contudo, qualquer pessoa pode satisfazer o Senhor simplesmente através do serviço devocional. Gajendra seguiu esse processo, em decorrência do que o Senhor ficou satisfeito com ele.

VERSO 10: Se um brāhmaṇa possui todas as doze qualificações bramânicas [como são descritas no livro Sanat-sujāta], mas não é um devoto e sente aversão pelos pés de lótus do Senhor, decerto é mais baixo do que um devoto que é comedor de cachorro, mas que dedicou tudo – mente, palavras, atividades, riqueza e vida – ao Senhor Supremo. Tal devoto é melhor do que esse brāhmaṇa porque o devoto pode purificar toda a sua família, enquanto o pretenso brāhmaṇa, deixando-se ficar em posição de falso prestígio, não consegue purificar nem mesmo a si próprio.

VERSO 11: O Senhor Supremo, a Suprema Personalidade de Deus, está sempre plenamente satisfeito em Seu íntimo. Assim, quando algo Lhe é oferecido, a oferenda, pela misericórdia do Senhor, é para o benefício do devoto, pois o Senhor não precisa do serviço de ninguém. Citando um exemplo, se o rosto de uma pessoa está enfeitado, o reflexo de seu rosto no espelho também será visto enfeitado.

VERSO 12: Portanto, embora eu tenha nascido em uma família demoníaca, não há dúvidas de que posso esforçar-me totalmente para oferecer orações ao Senhor, usando o máximo da minha capacidade intelectual. Toda pessoa que a ignorância tenha forçado a entrar no mundo material pode purificar-se da vida material caso ofereça orações ao Senhor e ouça as glórias do Senhor.

VERSO 13: Ó meu Senhor, todos os semideuses, encabeçados pelo senhor Brahmā, são servos sinceros de Vossa Onipotência, pois estais situado em uma posição transcendental. Portanto, eles não são como nós [Prahlāda e seu pai, o demônio Hiraṇyakaśipu]. Ao aparecerdes nessa forma assustadora, executais Vosso passatempo para Vosso próprio prazer. Tal encarnação sempre se destina à proteção e melhoria do universo.

VERSO 14: Meu Senhor Nṛsiṁhadeva, por favor, portanto, cessai Vossa ira agora que meu pai, o grande demônio Hiraṇyakaśipu, foi morto. Uma vez que até mesmo as pessoas santas sentem prazer quando é morto um escorpião ou uma serpente, todos os mundos obtiveram imensa satisfação com a morte deste demônio. Agora, eles sabem que serão felizes e, como não quererão voltar a sentir medo, sempre se lembrarão de Vossa encarnação auspiciosa.

VERSO 15: Meu Senhor, que jamais sois conquistado por ninguém, decerto não temo Vossa boca e língua ferozes, Vossos olhos brilhantes como o Sol ou Vossas sobrancelhas franzidas. Não temo Vossos dentes agudos e dilaceradores, Vossa guirlanda de intestinos, Vossa juba salpicada de sangue ou Vossas orelhas grandes e cuneiformes. Tampouco temo Vosso rugido estrondoso, que faz os elefantes fugirem para lugares distantes, ou Vossas unhas, que se prestam a matar Vossos inimigos.

VERSO 16: Ó poderosíssimo e invencível Senhor, que sois bondoso com as almas caídas, como resultado de minhas atividades, fui posto na associação de demônios e, portanto, tenho muito medo de minhas condições de vida dentro deste mundo material. Quando chegará o momento em que me chamareis para ficar ao refúgio de Vossos pés de lótus, que, sendo a meta última, liberta-nos da vida condicionada?

VERSO 17: Ó pessoa grandiosa, ó Senhor Supremo, devido ao contato com circunstâncias agradáveis e desagradáveis e devido ao fato de ter que se separar delas, todos são postos em condições das mais deploráveis, vivendo em planetas celestiais ou infernais, como se estivessem ardendo em um fogo de lamentação. Embora haja muitos remédios que ajudem alguém a escapar da vida de sofrimento, todos esses remédios encontrados no mundo material são mais problemáticos do que os próprios problemas. Portanto, creio que o único remédio é estar ocupado a Vosso serviço. Por favor, instruí-me nesse serviço.

VERSO 18: Ó meu Senhor Nṛsiṁhadeva, ocupando-me em Vosso transcendental serviço amoroso na companhia de devotos que são almas liberadas [haṁsas], conseguirei livrar-me totalmente da associação com os três modos da natureza material e serei capaz de cantar as glórias de Vossa Onipotência, que sois tão querido a mim. Cantarei Vossas glórias, seguindo exatamente os passos do senhor Brahmā e de sua sucessão discipular. Dessa maneira, sem dúvida, poderei cruzar o oceano de ignorância.

VERSO 19: Meu Senhor Nṛsiṁhadeva, ó Supremo, devido ao conceito de vida corporal, as almas corporificadas, desamparadas por Vós, nada podem fazer em prol de sua melhora. Todos os remédios que venham a aceitar, embora talvez produzam benefícios temporários, decerto são impermanentes. Por exemplo, o pai e a mãe não podem proteger o filho, o médico e o remédio não podem aliviar o sofrimento do paciente, e o barco no oceano não pode proteger um homem que se afoga.

VERSO 20: Meu querido Senhor, todos neste mundo material estão sob os modos da natureza material, sendo influenciados pela bondade, paixão e ignorância. Todos – desde a maior personalidade, o senhor Brahmā, até a pequena formiga – trabalham sob a influência desses modos. Portanto, todos neste mundo material são influenciados por Vossa energia. A causa pela qual eles trabalham, o lugar onde trabalham, o tempo em que trabalham, o impulso devido ao qual trabalham, a meta da vida que consideram definitiva e o processo que utilizam para obter essa meta – tudo não passa de manifestações de Vossa energia. Na verdade, como a energia e o energético são idênticos, tudo é apenas Vossa manifestação.

VERSO 21: Ó Senhor, ó eterno supremo, expandindo Vossa porção plenária, criastes os corpos sutis das entidades vivas por intermédio de Vossa energia externa, que é agitada pelo tempo. Assim, a mente enreda a entidade viva em ilimitadas variedades de desejos a serem satisfeitos através das orientações védicas de karma-kāṇḍa [atividades fruitivas] e através dos dezesseis elementos. Quem poderá escapar deste enredamento a menos que se refugie em Vossos pés de lótus?

VERSO 22: Meu querido Senhor, ó supremamente grandioso, criastes este mundo material formado de dezesseis componentes, mas sois transcendental às suas qualidades materiais. Em outras palavras, essas qualidades materiais estão sob Vosso completo controle, e jamais sois dominado por elas. Portanto, o elemento tempo é Vossa representação. Meu Senhor, ó Supremo, ninguém pode superar-Vos. Quanto a mim, entretanto, estou sendo esmagado pela roda do tempo e, portanto, rendo-me completamente a Vós. Agora, por favor, colocai-me sob a proteção de Vossos pés de lótus.

VERSO 23: Meu querido Senhor, as pessoas em geral querem elevar-se aos sistemas planetários superiores, onde possam obter uma longa duração de vida, opulência e gozo, mas vi tudo isso através das atividades de meu pai. Quando meu pai estava irado e ria com sarcasmo dos semideuses, eles logo eram aniquilados simplesmente por verem o movimento de suas sobrancelhas. Entretanto, em apenas um momento, meu pai, que era tão poderoso, foi exterminado por Vós.

VERSO 24: Meu querido Senhor, agora conheço por completo o que é opulência mundana, poderes místicos, longevidade e outros prazeres materiais desfrutados por todas as entidades vivas, desde o senhor Brahmā até a formiga. Como o tempo poderoso, destruís tudo isso. Portanto, devido à minha experiência, não desejo possuí-los. Meu querido Senhor, peço-Vos que me coloqueis em contato com Vosso devoto puro e me deis a permissão de que eu o sirva como um servo sincero.

VERSO 25: Neste mundo material, toda entidade viva deseja alguma felicidade futura, que é exatamente como uma miragem no deserto. Onde encontrar água em um deserto, ou, em outras palavras, onde encontrar felicidade neste mundo material? Quanto a este corpo, qual o seu valor? Ele é mera fonte de várias doenças. Os supostos filósofos, cientistas e políticos sabem disso muito bem, mas aspiram à felicidade temporária. Embora a felicidade seja muito difícil de ser obtida, como são incapazes de controlar os sentidos, eles buscam a aparente felicidade material e nunca chegam à conclusão correta.

VERSO 26: Ó meu Senhor, ó Supremo, porque nasci em família cheia de qualidades materiais e infernais manifestas através da paixão e da ignorância, qual a minha posição? E o que dizer de Vossa imotivada misericórdia, que jamais foi oferecida nem mesmo ao senhor Brahmā, ao senhor Śiva ou à deusa da fortuna, Lakṣmī? Embora nunca tenhais colocado Vossas mãos de lótus sobre suas cabeças, puseste-la sobre a minha.

VERSO 27: Diferentemente da entidade viva comum, meu Senhor, não discriminais entre amigo ou inimigo, favorável ou desfavorável, porque não há conceito de superior e inferior para Vós. Entretanto, ofereceis Vossas bênçãos de acordo com o nível do serviço de alguém, exatamente como uma árvore-dos-desejos concede frutos segundo os desejos de alguém e não faz distinção entre superior e inferior.

VERSO 28: Meu querido Senhor, ó Suprema Personalidade de Deus, devido à minha associação com sucessivos desejos materiais, eu estava pouco a pouco caindo em um poço camuflado, cheio de serpentes, seguindo a população em geral. Mas Vosso servo, Nārada Muni, bondosamente me aceitou como discípulo e me instruiu sobre como alcançar essa posição transcendental. Portanto, meu primeiro dever é servi-lo. Como eu poderia deixar de servi-lo?

VERSO 29: Meu Senhor, ó reservatório ilimitado de qualidades transcendentais, matastes meu pai Hiraṇyakaśipu e me salvastes de sua espada. Ele havia dito com muita ira: “Se há algum controlador supremo que não seja eu, que Ele te salve. Agora te decapitarei.” Portanto, creio que, tanto ao salvar-me quanto ao matá-lo, agistes simplesmente para provar a veracidade das palavras do Vosso devoto. Não há outra explicação.

VERSO 30: Meu querido Senhor, sozinho, Vós Vos apresentais sob a forma de toda a manifestação cósmica, pois existíeis antes da criação, existis após a aniquilação e sois o mantenedor desde o começo até o fim. Tudo isso é levado a efeito por Vossa energia externa através das reações dos três modos da natureza material. Portanto, tudo o que existe – externa e internamente – é apenas Vossa pessoa.

VERSO 31: Meu querido Senhor, ó Suprema Personalidade de Deus, toda a criação cósmica é causada por Vós, e a manifestação cósmica é um efeito de Vossa energia. Embora todo o cosmo se resuma apenas a Vós, mantendes-Vos alheio a ele. O conceito de “meu e teu” decerto é uma classe de ilusão [māyā] porque tudo é uma emanação Vossa e, portanto, nada é diferente de Vós. Na verdade, a manifestação cósmica não é diferente de Vós, e a aniquilação também é causada por Vós. Essa relação entre Vossa Onipotência e o cosmo é ilustrada pelo exemplo da semente e da árvore, ou da causa sutil e da manifestação grosseira.

VERSO 32: Ó meu Senhor, ó Suprema Personalidade de Deus, após a aniquilação, a energia criadora é mantida em Vós, que pareceis dormir com olhos semicerrados. Na verdade, entretanto, não dormis como um ser humano comum, pois sempre estais em uma condição transcendental, situado além da criação do mundo material, e sempre sentis bem-aventurança transcendental. Como Kāraṇodakaśāyī Viṣṇu, permaneceis em Vosso estado transcendental, não mantendo contato com os objetos materiais. Embora pareçais dormir, esse sono é distinto do sono da ignorância.

VERSO 33: Esta manifestação cósmica, o mundo material, também é Vosso corpo. Esta porção total de matéria é agitada por Vossa potente energia, conhecida como kāla-śakti, e, assim, os três modos da natureza material se manifestam. Vós despertais do leito de Śeṣa, Ananta, e, a partir de Vosso umbigo, nasce uma pequena semente transcendental. É dessa semente que surge a flor de lótus do gigantesco universo, exatamente como uma figueira-de-bengala surge de uma pequena semente.

VERSO 34: Dessa grande flor de lótus, Brahmā foi gerado, mas é certo que tudo o que ele conseguia ver era o lótus. Portanto, pensando que estáveis fora, o senhor Brahmā mergulhou na água e, durante cem anos, tentou encontrar a fonte do lótus. Entretanto, ele não pôde encontrar nenhum vestígio Vosso, pois, quando uma semente frutifica, a semente original deixa de ser visível.

VERSO 35: O senhor Brahmā, que é célebre como ātma-yoni, pois nasceu sem a participação de uma mãe, ficou maravilhado. Portanto, ele se refugiou na flor de lótus e, tendo-se purificado após se submeter a rigorosas austeridades durante muitas centenas de anos, pôde ver que a causa de todas as causas, a Suprema Personalidade de Deus, permeava-lhe todo o corpo e sentidos, assim como o aroma, embora muito sutil, penetra toda a terra.

VERSO 36: Então, o senhor Brahmā pôde ver que Vós possuíeis milhares e milhares de rostos, e de pés, cabeças, mãos, coxas, narizes, ouvidos e olhos. Estáveis vestido com muito esmero, decorado e cravejado por muitas variedades de adornos e armas. Vendo a Vossa forma de Senhor Viṣṇu, com Vossas características e forma transcendentais, e Vossas pernas se estendendo a partir dos planetas inferiores, o senhor Brahmā alcançou a bem-aventurança transcendental.

VERSO 37: Meu querido Senhor, quando aparecestes como Hayagrīva, ou seja, com a cabeça de cavalo, matastes dois demônios conhecidos como Madhu e Kaiṭabha, que estavam repletos dos modos da paixão e da ignorância. Então, entregastes o conhecimento védico para o senhor Brahmā. Por essa razão, todos os grandes santos aceitam Vossas formas como transcendentais, sem o estigma das qualidades materiais.

VERSO 38: Dessa maneira, meu Senhor, sob várias encarnações, apareceis como ser humano, animal, grande santo, semideus, peixe ou tartaruga, mantendo, então, toda a criação em diferentes sistemas planetários e aniquilando os princípios demoníacos. De acordo com a era, ó meu Senhor, protegeis os princípios religiosos. Na era de Kali, entretanto, não Vos apresentais como a Suprema Personalidade de Deus e, portanto, sois conhecido como Triyuga, ou o Senhor que aparece nos três yugas.

VERSO 39: Meu querido Senhor dos planetas Vaikuṇṭha, o lugar sem ansiedades; minha mente é muitíssimo pecaminosa e luxuriosa, ora aparentando ser feliz, ora infeliz. Minha mente está repleta de lamentação e medo, e sempre busca por mais e mais dinheiro. Portanto, ela se tornou muito contaminada e nunca está satisfeita com tópicos referentes a Vós. Por conseguinte, sou muito pobre e caído. Nesta condição em que vivo, como serei capaz de comentar Vossas atividades?

VERSO 40: Meu querido Senhor infalível, minha posição se assemelha àquela de uma pessoa que tem muitas esposas, todas as quais tentam atraí-lo à sua própria maneira. Por exemplo, a língua se sente atraída a pratos saborosos, os órgãos genitais se atraem à prática sexual com uma mulher fascinante, e o tato gosta de acariciar coisas suaves. O estômago, embora cheio, deseja mais alimento, e o ouvido, não procurando ouvir sobre Vós, em geral se sente atraído por canções cinematográficas. O olfato se sente atraído por odores agradáveis, os olhos inquietos se sentem atraídos por cenas de gozo dos sentidos, e os sentidos ativos se deixam atrair por alguma outra parte. Desse modo, só me resta o constrangimento.

VERSO 41: Meu querido Senhor, estais sempre transcendentalmente situado no outro lado do rio da morte, mas, devido às reações de nossas próprias atividades, estamos sofrendo deste lado. Na verdade, caímos neste rio e repetidas vezes estamos padecendo as dores do nascimento e da morte e comendo alimentos asquerosos. Então, por favor, olhai por nós – não apenas por mim, mas por todas as outras pessoas que estão sofrendo –, e, por Vossa imotivada misericórdia e compaixão, libertai-nos e mantende-nos.

VERSO 42: Ó meu Senhor, ó Suprema Personalidade de Deus, original mestre espiritual do mundo inteiro, visto que administrais os afazeres do universo, que dificuldade teríeis em libertar as almas caídas, ocupadas em Vosso serviço devocional? Sois o amigo de toda a humanidade sofredora, e é próprio das grandes personalidades mostrarem misericórdia para com os tolos. Portanto, creio que mostrareis Vossa misericórdia espontânea para pessoas como nós, que nos ocupamos em Vosso serviço.

VERSO 43: Ó melhor das grandes personalidades, não temo nem um pouco a existência material, pois, em qualquer lugar onde eu permaneça, estarei plenamente absorto em pensar em Vossas gloriosas atividades. Preocupo-me apenas com os tolos e patifes que fazem planos elaborados para obterem a felicidade material e manter suas famílias, sociedades e países. Preocupo-me com eles porque lhes quero bem.

VERSO 44: Meu querido Senhor Nṛsiṁhadeva, vejo que, na verdade, existem muitas pessoas santas, mas elas estão interessadas unicamente em sua própria liberação. Não se preocupando com as grandes cidades e províncias, elas, sob voto de silêncio [mauna-vrata], vão aos Himalaias ou às florestas para meditar. Elas não estão interessadas em libertar os outros. Quanto a mim, entretanto, não quero me libertar sozinho e deixar de lado todos esses pobres tolos e patifes. Sei que, sem a consciência de Kṛṣṇa, sem se refugiar em Vossos pés de lótus, ninguém pode ser feliz. Portanto, desejo trazer todos de volta ao refúgio de Vossos pés de lótus.

VERSO 45: A vida sexual se compara ao atrito de duas mãos para o alívio de uma coceira. Os gṛhamedhis, os pretensos gṛhasthas que não têm conhecimento espiritual, pensam que essa coceira é o nível máxima de felicidade, embora, na verdade, seja uma fonte de angústia. Os kṛpaṇas, os tolos que são exatamente o oposto dos brāhmaṇas, não se fartam de mergulhar no gozo sensual. Entretanto, aqueles que são dhīras, os indivíduos sóbrios que toleram essa coceira, não estão sujeitos aos sofrimentos dos tolos e patifes.

VERSO 46: Ó Suprema Personalidade de Deus, existem dez métodos prescritos no caminho da liberação – permanecer silencioso, não falar com ninguém, cumprir votos, acumular toda espécie de conhecimento védico, submeter-se a austeridades, estudar os Vedas e outros textos védicos, executar os deveres do varṇāśrama-dharma, explicar os śāstras, permanecer em um lugar solitário, cantar mantras silenciosamente e se absorver em transe. Esses diferentes métodos de liberação, de um modo geral, são apenas uma prática profissional e um meio de subsistência para aqueles que não controlaram seus sentidos. Porque tais pessoas são falsamente orgulhosas, esses processos podem não funcionar.

VERSO 47: Através do conhecimento védico autorizado, todos podem ver que as formas de causa e efeito, presentes na manifestação cósmica, pertencem à Suprema Personalidade de Deus, pois a manifestação cósmica é uma energia dEle. Tanto a causa quanto o efeito não passam de energias do Senhor. Portanto, ó meu Senhor, assim como um homem sábio, ponderando a causa e o efeito, pode ver como o fogo permeia a madeira, aqueles que estão ocupados em serviço devocional entendem como Vós sois tanto a causa quanto o efeito.

VERSO 48: Ó Senhor Supremo, realmente sois o ar, a terra, o fogo, o céu e a água. Sois os objetos da percepção sensorial, os ares vitais, os cinco sentidos, a mente, a consciência e o falso ego. Na verdade, sois todas as coisas sutis e grosseiras. Os elementos materiais e tudo o que se pode expressar, seja com palavras, seja com a mente, sois Vós e nada mais.

VERSO 49: Nem os três modos da natureza material [sattva-guṇa, rajo-guṇa e tamo-guṇa], nem as deidades predominantes que controlam esses três modos, nem os cinco elementos grosseiros, nem a mente, nem os semideuses, nem os seres humanos podem entender Vossa Onipotência, pois todos eles estão sujeitos ao nascimento e à aniquilação. Considerando isso, as pessoas espiritualmente avançadas passaram a adotar o serviço devocional. Tais homens sábios praticamente não se preocupam com o estudo védico. Em vez disso, ocupam-se em serviço devocional prático.

VERSO 50: Portanto, ó Suprema Personalidade de Deus, ó melhor de todas as pessoas a quem se dedicam orações, ofereço-Vos minhas respeitosas reverências porque, sem Vos prestar seis classes de serviço devocional – a saber, oferecer orações, dedicar os resultados de todas as atividades, adorar-Vos, trabalhar para Vós, sempre se lembrar dos Vossos pés de lótus e ouvir Vossas glórias –, quem pode alcançar aquilo que se destina aos paramahaṁsas?

VERSO 51: O grande santo Nārada disse: Então, o Senhor Nṛsiṁhadeva foi apaziguado pelo devoto Prahlāda Mahārāja, que Lhe ofereceu orações de cunho transcendental. O Senhor acalmou a Sua ira e, mostrando-Se muito bondoso com Prahlāda, que, prostrado, oferecia-Lhe humildes reverências, falou-lhe as seguintes palavras.

VERSO 52: A Suprema Personalidade de Deus disse: Meu querido Prahlāda, és muitíssimo cortês e és o melhor da família dos asuras! Desejo-te toda a boa fortuna! Estou muito satisfeito contigo. É Meu passatempo satisfazer os desejos de todos os seres vivos, de modo que podes pedir-Me qualquer bênção que desejes receber.

 VERSO 53: Meu querido Prahlāda, que tenhas uma longa vida. Ninguém pode apreciar-Me ou entender-Me sem Me satisfazer, mas a pessoa que Me viu ou satisfez não tem mais motivos para se lamentar pedindo por algo para o seu agrado pessoal.

VERSO 54: Meu querido Prahlāda, és afortunadíssimo. Por favor, ouve enquanto te digo que aqueles que são muito sábios e estão em uma posição muito elevada tentam satisfazer-Me em todas as diferentes classes de doçuras, pois sou a única pessoa que pode satisfazer todos os desejos de todos.

VERSO 55: Nārada Muni disse: Prahlāda Mahārāja era a melhor pessoa na família dos asuras, que sempre almejam a felicidade material. Entretanto, embora recebesse ofertas da Suprema Personalidade de Deus, que colocou à sua disposição todas as bênçãos que lhe pudessem trazer a felicidade material, Prahlāda, devido à sua imaculada consciência de Kṛṣṇa, não quis receber nenhum benefício material que lhe concedesse o gozo dos sentidos.

« Previous Next »