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Capítulo Doze

A Encarnação Mohinī-mūrti Confunde o Senhor Śiva

Este capítulo descreve como o senhor Śiva ficou confuso ao ver a bela encarnação Mohinī-mūrti da Suprema Personalidade de Deus e como ele posteriormente voltou à razão. Ao ouvir sobre os passatempos que a Suprema Personalidade de Deus, Hari, realizava apresentando-Se como uma mulher atraente, o senhor Śiva montou em seu touro e foi ver o Senhor. Acompa­nhado de sua esposa, Umā, e de seus servos, os bhūta-gaṇa, ou fan­tasmas, aproximou-se dos pés de lótus do Senhor. O senhor Śiva ofereceu reverências ao Senhor Supremo, reconhecendo-O como o Senhor onipenetrante, a forma universal, o controlador supremo da criação, a Superalma, o lugar que serve de repouso para todos e a completamente independente causa de todas as causas. Assim, ele ofereceu orações, nas quais descrevia o Senhor com toda a veraci­dade. Então, expressou o seu desejo. A Suprema Personalidade de Deus é muito bondosa com os Seus devotos. Portanto, para satisfazer o desejo do Seu devoto, o senhor Śiva, Ele expandiu Sua energia e Se manifestou sob a forma de uma belíssima mulher atraente. Ao ver essa forma, até mesmo o senhor Śiva se deixou cativar. Mais tarde, pela graça do Senhor, ele se controlou. Isso demonstra que, pelo poder da energia externa do Senhor, todos são cativados pela forma feminina presente neste mundo material. Entretanto, é pela graça da Suprema Personalidade de Deus que a influência de māyā pode ser anulada. Isso foi evidenciado pelo senhor Śiva, o mais ele­vado devoto do Senhor. Primeiro, ele ficou cativo, mas, depois, pela graça do Senhor, conseguiu dominar-se. Declara-se a esse respeito que somente um devoto puro pode controlar-se diante da aparência atrativa de māyā. Por outro lado, ao cair prisioneira do aspecto ex­terno de māyā, a entidade viva não pode vencer esse impasse. Depois que foi agraciado pelo Senhor Supremo, o senhor Śiva, juntamente com sua esposa, Bhavānī, e com seus companheiros, os fantasmas, circundou o Senhor. Então, partiu para sua própria morada. Śukadeva Gosvāmī conclui este capítulo descrevendo as qualidades transcendentais de Uttamaśloka, a Suprema Personalidade de Deus, e declarando que o Senhor pode ser glorificado através de nove classes de serviço devocional, começando com śravaṇaṁ kīrtanam.

VERSOS 1-2: Śukadeva Gosvāmī disse: A Suprema Personalidade de Deus, Hari, em forma de mulher, cativou os demônios e possibilitou aos semideuses beberem o néctar. Após ouvir sobre esses passatempos, o senhor Śiva, que é carregado por um touro, dirigiu-se ao lugar onde reside Madhusūdana, o Senhor. Acompanhado de sua espo­sa Umā, e cercado pelos seus companheiros, os fantasmas, o senhor Śiva foi até ali para ver o Senhor na forma de uma mulher.

VERSO 3: A Suprema Personalidade de Deus recebeu o senhor Śiva e Umā com grande respeito, e, após sentar-se confortavelmente, o senhor Śiva prestou ao Senhor a devida adoração e, sorrindo, falou o seguinte.

VERSO 4: O Senhor Mahādeva disse: Ó principal semideus entre os semideu­ses, ó Senhor onipenetrante, mestre do universo, através de Vossa energia Vos transformais na criação. Sois a raiz e a causa eficiente de tudo. Não sois material. Na verdade, sois a Superalma ou a suprema força viva de tudo. Portanto, sois Parameśvara, o supremo controlador de todos os controladores.

VERSO 5: O manifesto, o imanifesto, o falso ego, o começo, a manutenção e a aniquilação desta manifestação cósmica, todos provêm de Vós, ó Suprema Personalidade de Deus. Porém, como sois a Verdade Absoluta, a suprema alma espiritual absoluta, o Brahman Supremo, mudanças tais como nascimento, morte e subsistência não existem em Vós.

VERSO 6: Os devotos puros ou as grandes pessoas santas que desejam alcançar a meta máxima da vida e que estão completamente livres de todos os desejos materiais, através dos quais se procura o gozo dos senti­dos, ocupam-se constantemente no transcendental serviço aos Vossos pés de lótus.

VERSO 7: Meu Senhor, sois o Brahman Supremo, completo em tudo. Sendo inteiramente espiritual, sois eterno, livre dos modos da natureza ma­terial e cheio de bem-aventurança transcendental. Na verdade, para Vós não há possibilidade de lamentação. Como sois a causa supre­ma, a causa de todas as causas, sem Vós nada pode existir. Todavia, em uma relação de causa e efeito, somos diferentes de Vós, pois, em certo sentido, a causa e o efeito são diferentes. Sois a causa que ori­gina a criação, manifestação e aniquilação, e concedeis bênçãos a todas as entidades vivas. Para poderem obter o resultado de suas atividades, todos dependem de Vós, mas, quanto a Vós, sois sempre independente.

VERSO 8: Meu querido Senhor, unicamente Vossa Onipotência é a causa e o efeito. Portanto, embora pareçais ser dois, sois o uno absoluto. Assim como não há diferença entre o ouro de um adorno áureo e o ouro da mina, não há diferença entre causa e efeito; ambos são a mesma coisa. É somente devido à ignorância que as pessoas inven­tam diferenças e dualidades. Sois livre da contaminação material, e, uma vez que todo o cosmo é causado por Vós e não pode existir sem Vós, ele é um efeito de Vossas qualidades transcendentais. Por­tanto, o conceito segundo o qual o Brahman é a verdade e o mundo é falso não pode vigorar.

VERSO 9: Aqueles que são conhecidos como vedantistas impersonalistas con­sideram-Vos o Brahman impessoal. Outros, conhecidos como filó­sofos mīmāṁsakas, consideram-Vos como a religião. Os filósofos do sāṅkhya consideram-Vos como a pessoa transcendental que está além de prakṛti e puruṣa e que controla até mesmo os semideuses. Os seguidores dos códigos do serviço devocional conhecidos como Pañcarātras consideram-Vos como sendo dotado de nove potências diferentes. E os filósofos patañjalas, os seguidores de Patañjali Muni, consideram-Vos como a suprema e independente Personalidade de Deus, à qual ninguém é igual ou superior.

VERSO 10: Ó meu Senhor, eu, que sou considerado o melhor dos semideuses, e o senhor Brahmā e os grandes ṛṣis, encabeçados por Marīci, nascemos do modo da bondade. Entretanto, estamos desorientados por Vossa energia ilusória e não podemos entender o que é esta criação. Neste caso, o que dizer de outros indivíduos, tais como os demônios e seres humanos, que estão nos modos inferiores da natureza mate­rial [rajo-guṇa e tamo-guṇa]? Como eles conseguirão conhecer-Vos?

VERSO 11: Meu Senhor, sois o conhecimento supremo personificado. Conhe­ceis tudo sobre esta criação e seu começo, manutenção e aniquilação, e conheceis todas as atividades empreendidas pelas entidades vivas, mediante as quais elas ou se enredam neste mundo material ou se libertam dele. Assim como o ar entra no vasto firmamento e em todos os corpos de todas as entidades móveis e inertes, Vós estais presente em toda parte e, portanto, sois o conhecedor de tudo.

VERSO 12: Meu Senhor, vi todas as espécies de encarnações que manifestastes através de Vossas qualidades transcendentais, e agora que aparecestes como uma bela mocinha, desejo ver essa forma de Vossa Onipotência.

VERSO 13: Meu Senhor, viemos aqui porque desejávamos ver a forma que Vossa Onipotência mostrou aos demônios para cativá-los completa­mente e, dessa maneira, possibilitar aos semideuses beberem o néctar. Estou muito ansioso para ver essa forma.

VERSO 14: Śukadeva Gosvāmī disse: Ao receber este pedido do senhor Śiva, que porta um tridente em sua mão, o Senhor Viṣṇu sorriu com gravidade e dirigiu ao senhor Śiva a seguinte resposta.

VERSO 15: A Suprema Personalidade de Deus disse: Quando os demônios ar­rebataram a jarra de néctar, assumi a forma de uma bela mulher para confundi-los, enganando-os simplesmente, e fazendo com que agissem em favor do inte­resse dos semideuses.

VERSO 16: Ó melhor dos semideuses, agora te mostrarei Minha forma que é muito apreciada por aqueles que são luxuriosos. Como desejas ver essa forma, Eu a revelarei em tua presença.

VERSO 17: Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Após dizer essas palavras, a Suprema Personalidade de Deus, Viṣṇu, desapareceu imediatamente, e o senhor Śiva ali permaneceu com Umā, procurando-O em todas as direções com os olhos inquie­tos.

VERSO 18: Depois disso, em uma bela floresta circunvizinha, cheia de árvores com folhas rosadas e muitas variedades de flores, o senhor Śiva viu uma formosa mulher brincando com uma bola. Seus quadris esta­vam cobertos com um sári brilhante e enfeitados com um cinto.

VERSO 19: Porque a bola pulava para cima e para baixo, Seus seios tremiam à medida em que Ela brincava com a bola, e, devido ao peso daqueles seios e de Suas compactas guirlandas de flores, Sua cintura parecia que Se quebraria a cada passo de Seus dois pés macios, que, avermelhados como o coral, moviam-se de um lugar para outro.

VERSO 20: O rosto da mulher estava decorado com olhos amplos, belos e desquietados, que se moviam à medida que a bola pulava para lá e para cá, conforme Sua mão a jogava. Os dois brilhantes brincos em Suas orelhas, parecendo reflexos azulados, decoravam as reluzentes maçãs de Seu rosto, e o cabelo espalhado pelo Seu rosto A tornava ainda mais bela de se ver.

VERSO 21: Conforme Ela brincava com a bola, o sári que cobria Seu corpo se afrouxava, e Seu cabelo ficava em desalinho. Ela tentava prender Seu cabelo com Sua bela mão esquerda e, ao mesmo tempo, brincava com a bola, acertando-a com Sua mão direita. Isso era tão atraente que o Senhor Supremo, através de Sua potência interna, cativou a todos.

VERSO 22: Enquanto o senhor Śiva observava a bela mulher brincando com a bola, às vezes Ela olhava para ele e sorria discretamente, com recato. Olhando para a bela mulher que o observava, ele se esqueceu de si mesmo e de Umā, sua belíssima esposa, bem como de seus as­sociados que vieram com ele.

VERSO 23: Quando a bola escapou-Lhe da mão e caiu a uma certa distância, a mulher começou a segui-la, mas, enquanto o senhor Śiva observava essas atividades, uma brisa subitamente arrastou o delicado vestido e cinto que A cobriam.

VERSO 24: Nessas circunstâncias, o senhor Śiva viu a mulher, a qual possuía todas as partes de Seu corpo muito bem distribuídas, e a bela mulher também olhou para ele. Portanto, achando que Ela Se sentia atraída por ele, o senhor Śiva ficou muito atraído por Ela.

VERSO 25: Tendo o seu bom senso sido roubado pela mulher devido aos desejos luxuriosos de desfrutar com Ela, o senhor Śiva ficou tão louco por Ela que, mesmo na presença de Bhavānī, não hesitou em abordá-lA.

VERSO 26: A bela mulher já estava despida e, ao perceber o senhor Śiva vindo em Sua direção, ficou extremamente acanhada. Então, passou a sorrir, mas escondeu-Se entre as árvores, sempre mudando de lugar.

VERSO 27: Com os sentidos agitados, o senhor Śiva, vítima de desejos luxuriosos, começou a segui-La, assim como um elefante segue uma elefanta.

VERSO 28: Após segui-LA com grande velocidade, o senhor Śiva agarrou-Lhe as tranças e trouxe-A para perto de si. Embora contra Seus desejos, ele A abraçou.

VERSOS 29-30: Abraçada pelo senhor Śiva como uma elefanta abraça­da por seu macho, a mulher, cujo cabelo estava em desalinho, con­torceu-Se como uma cobra. Ó rei, essa mulher, que tinha os quadris grandes e elevados, era uma criação de yogamāyā, apresentada pela Suprema Personalidade de Deus. De alguma maneira, Ela consegiu desvencilhar-Se do afetuoso abraço do senhor Śiva e fugiu.

VERSO 31: Como se estivesse sendo fustigado por um inimigo na forma de desejos luxuriosos, o senhor Śiva perseguia o rasto do Senhor Viṣṇu, que age muito maravilhosamente e que assumira a forma de Mohinī.

VERSO 32: Assim como um elefante segue uma elefanta fértil, o senhor Śiva seguia a bela mulher e eliminou muito sêmen, muito embora sua ejaculação nunca fosse em vão.

VERSO 33: Ó rei, em todas as partes da superfície do globo onde caiu o sêmen da grande personalidade, o senhor Śiva, surgiram, mais tarde, minas de ouro e prata.

VERSO 34: Seguindo Mohinī, o senhor Śiva ia a toda parte – ao longo das orlas dos rios e lagos, perto das montanhas, perto das florestas, perto dos jardins, e em todos os lugares onde vivessem grandes sábios.

VERSO 35: Ó Mahārāja Parīkṣit, ó melhor dos reis, após ejacular seu sêmen, o senhor Śiva pôde ver o quanto fora vitimado pela ilusão criada pela Suprema Personalidade de Deus. Assim, ele passou a se proteger de qualquer outra māyā.

VERSO 36: Assim, o senhor Śiva pôde entender tanto a sua posição quanto a da Suprema Personalidade de Deus, que tem potências ilimitadas. Tendo alcançado essa compreensão, não ficou surpre­so de modo algum com a maravilhosa maneira como o Senhor Viṣṇu agiu com ele.

VERSO 37: Ao ver o senhor Śiva tranquilo e desinibido, o Senhor Viṣṇu [Madhusūdana] ficou muito satisfeito. Então, reassumindo Sua forma original, Ele falou as seguintes palavras.

VERSO 38: A Suprema Personalidade de Deus disse: Ó melhor dos semideuses, embora tenhas passado por uma grande aflição devido ao fato de que Minha potência assumiu a forma de uma mulher, estás firme em tua posição. Portanto, desejo que obtenhas toda a boa fortuna.

VERSO 39: Meu querido senhor Śambhu, além de ti, quem é que, dentro deste mundo material, pode superar Minha energia ilusória? De um modo geral, as pessoas estão apegadas ao gozo dos sentidos e ficam à mercê de sua influência. Na verdade, é-lhes muito difícil superar a influência da natureza material.

VERSO 40: A energia material externa [māyā], que coopera coMigo na criação e que se manifesta nos três modos da natureza, não será capaz de continuar confundindo-te.

VERSO 41: Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei, tendo recebido estas palavras de louvor que lhe foram dirigidas pela Personalidade Suprema, que traz a marca de Śrīvatsa em Seu peito, o senhor Śiva circungirou-O. Assim, depois de pedir-Lhe permissão, o senhor Śiva, juntamente com seus associados, retornou à sua morada, o Kailāsa.

VERSO 42: Ó descendente de Bharata Mahārāja, o senhor Śiva, em júbilo, dirigiu-se, então, à sua esposa Bhavānī, que é aceita por todas as autoridades como a potência do Senhor Viṣṇu.

VERSO 43: O senhor Śiva disse: Ó deusa, acabaste de ver a energia ilusória da Suprema Personalidade de Deus, que é o não-nascido mestre de todos. Embora eu seja uma das principais expansões da Sua Onipo­tência, até mesmo eu fui iludido por Sua energia. O que dizer, então, dos outros, que dependem completamente de māyā?

VERSO 44: Quando, transcorridos mil anos, terminei de praticar o yoga mística, perguntaste-me em quem eu meditava. Aproveito para mostrar-te a Pessoa Suprema em quem o tempo não exerce influên­cia e quem os Vedas não podem entender.

VERSO 45: Śukadeva Gosvāmī disse: Meu querido rei, a pessoa que sustentou a grande montanha sobre Suas costas para que o Oceano de Leite fosse batido é a mesma Suprema Personalidade de Deus, conhecido como Śārṅga-dhanvā. Acabei de descrever-te Suas proezas.

VERSO 46: O esforço empreendido por alguém que constantemente ouve ou descreve esta narração da batedura do Oceano de Leite nunca será infrutífero. Na verdade, cantar as glórias da Suprema Personalidade de Deus é o único meio para se aniquilar todo sofrimento deste mundo material.

VERSO 47: Assumindo a forma de uma mocinha e, então, confundindo os demônios, a Suprema Personalidade de Deus distribuiu aos Seus devotos, os semideuses, o néctar produzido através da batedura do Oceano de Leite. A essa Suprema Personalidade de Deus, que sempre satis­faz os desejos de Seus devotos, ofereço minhas respeitosas reverências.

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