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Capítulo Dezenove

 O Senhor Vāmanadeva Pede Caridade a Bali Mahārāja

Este décimo nono capítulo descreve como o Senhor Vāmanadeva pediu a caridade de três passos de terra, como Bali Mahārāja concordou com Sua proposta e como Śukrācārya proibiu Bali Mahā­rāja de satisfazer o pedido do Senhor Vāmanadeva.

Quando Bali Mahārāja, pensando que Vāmanadeva fosse o filho de um brāhmaṇa, disse-Lhe para pedir o que bem quisesse, o Senhor Vāmanadeva louvou as atividades heroicas de Hiraṇyakaśipu e Hiraṇyākṣa e, após louvar a família na qual Bali Mahārāja nascera, pediu ao rei três passos de terra. Bali Mahārāja concordou em dar essa caridade, uma vez que isso era algo muito insignificante, mas Śukrācārya, que pôde entender que Vāmanadeva era Viṣṇu, o amigo dos semideuses, proibiu Bali Mahārāja de fazer a doação dessa terra. Śukrācārya acon­selhou Bali Mahārāja a retirar sua promessa. Ele explicou que, para subjugar outros, para fazer pilhéria, para enfrentar perigos, para agir em prol do bem-estar alheio e assim por diante, é permitido recusar-se a cumprir uma promessa sem incorrer em nenhum erro. Através dessa filosofia, Śukrācārya tentou dissuadir Bali Mahārāja de doar a terra ao Senhor Vāmanadeva.

VERSO 1: Śukadeva Gosvāmī continuou: Ao ouvir Bali Mahārāja falar dessa maneira tão agradável, a Suprema Personalidade de Deus, Vāmana­deva, ficou muito satisfeito, pois Bali Mahārāja falara em termos de princípios religiosos. O Senhor, então, começou a louvá-lo.

VERSO 2: A Suprema Personalidade de Deus disse: Na verdade, ó rei, és su­blime porque teus atuais conselheiros são brāhmaṇas descendentes de Bhṛgu e porque o instrutor de tua vida futura é teu avô, o pacífi­co e venerável Prahlāda Mahārāja. Tuas afirmações são a própria verdade, e elas concordam completamente com a etiqueta religiosa. Elas seguem a mesma linha de comportamento de tua família, e põem em relevo a tua reputação.

VERSO 3: É do meu conhecimento que até hoje ninguém nascido em tua família revelou-se tacanho ou avaro. Ninguém jamais recusou fazer caridade aos brāhmaṇas, e, após prometer dá-la, ninguém deixou de cumprir sua promessa.

VERSO 4: Ó rei Bali, nunca em tua dinastia nasceu um rei de mentalidade mesquinha que, ao ser solicitado, recusasse fazer caridade aos brāhmaṇas nos lugares sagrados ou lutar com os kṣatriyas em um campo de batalha. E tua dinastia fica ainda mais gloriosa devido à presen­ça de Prahlāda Mahārāja, que é como a formosa Lua no céu.

VERSO 5: Foi em tua dinastia que Hiraṇyākṣa nasceu. Carregando apenas sua maça, ele vagou pelo globo sozinho e, sem a ajuda de ninguém, conquistou todas as direções, sendo que nenhum herói que ele defron­tou pôde rivalizá-lo.

VERSO 6: Enquanto salvava a Terra, tirando-a do Oceano Garbhodaka, o Senhor Viṣṇu, sob Sua encarnação de javali, matou Hiraṇyākṣa, que se apresentara diante dEle. Foi uma luta renhida, e o Senhor matou Hiraṇyākṣa com muita dificuldade. Mais tarde, ao analisar o poder incomum de Hiraṇyākṣa, o Senhor sentiu-Se muito vitorioso.

VERSO 7: Quando Hiraṇyakaśipu ouviu a notícia da morte de seu irmão, ele, com grande ira, e desejoso de matar o Senhor Viṣṇu, foi à residência de Viṣṇu, o exterminador do seu irmão.

VERSO 8: Vendo Hiraṇyakaśipu adiantando-se com um tridente em sua mão e parecendo a morte personificada, o Senhor Viṣṇu, o melhor de todos os místicos e aquele que conhece o fluxo do tempo, pensou o seguinte.

VERSO 9: Aonde quer que Eu vá, Hiraṇyakaśipu Me seguirá, como a morte segue todas as entidades vivas. Portanto, é melhor que Eu entre no âmago de seu coração, pois assim, devido ao seu poder de ver apenas externamente, ele não Me verá.

VERSO 10: O Senhor Vāmanadeva continuou: Ó rei dos demônios, após tomar essa decisão, o Senhor Viṣṇu entrou no corpo de Seu inimi­go Hiraṇyakaśipu, que muito impetuosamente precipitava-se contra Ele. Em um corpo sutil inconcebível para Hiraṇyakaśipu, o Senhor Viṣṇu, que estava em grande ansiedade, entrou pelas narinas de Hiraṇyakaśipu, juntamente com sua respiração.

VERSO 11: Ao ver que a residência do Senhor Viṣṇu estava vazia, Hiraṇyakaśipu começou a buscar o Senhor Viṣṇu em toda parte. Irado porque não conseguia vê-lO, Hiraṇyakaśipu emitia altos brados e esquadri­nhou todo o universo, incluindo a superfície da Terra, os sistemas planetários superiores, todas as direções e todas as cavernas e oceanos. Mas Hiraṇyakaśipu, o maior de todos os heróis, não avistou Viṣṇu em parte alguma.

VERSO 12: Incapaz de vê-lO, Hiraṇyakaśipu disse: “Esquadrinhei o universo inteiro, mas não consegui encontrar Viṣṇu, que matou meu irmão. Portanto, na certa Ele foi para aquele lugar do qual ninguém retorna. [Em outras palavras, já deve estar morto.]”

VERSO 13: A ira de Hiraṇyakaśipu contra o Senhor Viṣṇu persistiu até a sua morte. Outras pessoas no conceito de vida corpórea mantêm-se iradas unicamente devido ao falso ego e à grande influência da ignorância.

VERSO 14: Teu pai, Virocana, filho de Prahlāda Mahārāja, era muito afetuoso com os brāhmaṇas. Embora soubesse muito bem que eram os semi­deuses que vieram até ele vestidos de brāhmaṇas, a pedido deles, re­nunciou sua vida em benefício deles.

VERSO 15: Também praticaste os princípios seguidos pelas grandes personali­dades que são brāhmaṇas pais de família, por teus antepassados, e por grandes heróis que são muito famosos devido às suas gloriosas atividades.

VERSO 16: Ó rei dos Daityas, à Vossa Majestade, que vem de família tão nobre e que é capaz de fazer caridade muito generosamente, peço apenas três passos de terra, até onde alcancem Minhas passadas.

VERSO 17: Ó rei, controlador de todo o universo, embora sejas muito munificente e capaz de dar-Me tanta terra quanto Eu deseje, não quero de ti nada desnecessário. Se um brāhmaṇa erudito aceita dos outros apenas a caridade de que ele necessita, não se enreda em atividades pecaminosas.

VERSO 18: Bali Mahārāja disse: Ó filho de brāhmaṇa, Tuas instruções estão em nível de igualdade com as instruções de pessoas idosas e eruditas. Entretan­to, sendo um menino, Tua inteligência ainda é precária. Portanto, não és muito prudente no que diz respeito ao Teu interesse pessoal.

VERSO 19: Tenho condições de dar-Te uma ilha inteira porque sou o proprie­tário das três divisões do universo. Vieste até aqui para levar algo de mim e me satisfizeste com Tuas doces palavras, mas estás pedindo somente três passos de terra. Portanto, não és muito inteligente.

VERSO 20: Ó menininho, alguém que se aproxima de mim para pedir algo não precisará pedir nada mais em parte alguma. Portanto, se assim o desejas, podes pedir-me tanta terra quanto seja suficiente para suprir Tuas necessidades.

VERSO 21: A Personalidade de Deus disse: Ó meu querido rei, nem mesmo a totalidade do que quer que exista dentro dos três mundos capaz de satisfazer os sentidos de alguém pode satisfazer aquele cujos sen­tidos são descontrolados.

VERSO 22: Se Eu não Me satisfizesse com três passos de terra, então, decerto não ficaria satisfeito nem mesmo caso possuísse uma das sete ilhas, que consiste em nove varṣas. Mesmo se Eu possuísse uma ilha, desejaria obter outras.

VERSO 23: É do Nosso conhecimento que, apesar de tomarem posse das sete dvīpas, reis po­derosos, tais como Mahārāja Pṛthu e Mahārāja Gaya, não puderam ficar satisfeitos nem saciaram suas ambições.

VERSO 24: Todos devem satisfazer-se com aquilo que lhe é reservado por seu destino, pois o descontentamento jamais pode trazer felicidade. Aquele que não é autocontrolado não será feliz, nem mesmo caso possua os três mundos.

VERSO 25: A existência material produz descontentamento porque a pessoa não satisfaz seus desejos luxuriosos e sempre quer acumular cada vez mais dinheiro. É por causa disso que ela continua na vida mate­rial, que está repleta de repetidos nascimentos e mortes. Mas aquele que se satisfaz com aquilo que lhe reserva o destino está apto a liber­tar-se desta existência material.

VERSO 26: Um brāhmaṇa satisfeito com aquilo que lhe aparece naturalmente é cada vez mais iluminado com poder espiritual, mas a potência es­piritual de um brāhmaṇa insatisfeito diminui, assim como diminui a potência do fogo sobre o qual se derrama água.

VERSO 27: Portanto, ó rei, ó melhor dentre aqueles que fazem caridade, peço-te apenas três passos de terra. Com essa dádiva, ficarei muito satisfeito, pois o segredo da felicidade é estar plenamente satisfeito em receber aquilo que é imprescindível.

VERSO 28: Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Depois que a Suprema Personali­dade de Deus dirigiu essas palavras a Bali Mahārāja, Bali sorriu e Lhe disse: “Muito bem. Leva tudo o que desejares.” Para confir­mar a promessa de que realmente daria a Vāmanadeva a terra de­sejada, ele empunhou seu cântaro.

VERSO 29: Compreendendo as intenções do Senhor Viṣṇu, Śukrācārya, o melhor dos eruditos, imediatamente falou da seguinte maneira ao seu discípulo, que estava prestes a oferecer tudo ao Senhor Vāmana­deva.

VERSO 30: Śukrācārya disse: Ó filho de Virocana, este brahmacārī em forma de anão é diretamente a imperecível Suprema Personalidade de Deus, Viṣṇu. Aceitando Kaśyapa Muni como Seu pai e Aditi como Sua mãe, Ele acaba de aparecer a fim de atender os interesses dos se­mideuses.

VERSO 31: Desconheces a perigosa situação que aceitaste ao prometer-Lhe uma doação de terras. Não creio que essa promessa seja boa para ti. Ela causará grande prejuízo aos demônios.

VERSO 32: Essa pessoa aparecendo disfarçada de brahmacārī é, na verdade, a Suprema Personalidade de Deus, Hari, que assumiu esta forma e aqui veio para levar toda a tua terra, riqueza, beleza, poder, fama e educação. Após tomar tudo de ti, Ele entregará tudo a Indra, teu ini­migo.

VERSO 33: Prometeste dar-Lhe em caridade três passos de terra, mas, quando Lhes deres, Ele ocupará os três mundos. És um patife! Não sabes o grande erro que cometeste. Após dares tudo ao Senhor Viṣṇu, não terás meios de subsistência. Como viverás, então?

VERSO 34: Vāmanadeva primeiramente ocupará os três mundos com um passo, após o que dará o Seu segundo passo e ocupará tudo o que há no espaço exterior e, em seguida, expandirá Seu corpo universal para ocupar tudo. Onde Ele poderá dar o terceiro passo?

VERSO 35: Certamente serás incapaz de cumprir tua promessa, e julgo que, devido a essa inabilidade, tua residência eterna será no inferno.

VERSO 36: Os estudiosos eruditos não louvam a caridade que põe em peri­go a subsistência do próprio doador. Caridade, sacrifício, austerida­de e atividades fruitivas são possíveis para quem tem condições de subsistir adequadamente. [Elas não são possíveis para aquele que não pode manter-se.]

VERSO 37: Portanto, aquele que tem pleno conhecimento deve dividir em cinco partes sua riqueza acumulada – para a religião, para a repu­tação, para a opulência, para o gozo dos sentidos e para a manutenção de seus membros familiares. Semelhante pessoa é feliz neste e no próximo mundo.

VERSO 38: Alguém poderia argumentar: Uma vez que já prometeste, como poderias recusar? Porém, ó melhor dos demônios, ouve-me enquanto falo sobre as evidências do Bahvṛca-śruti, que diz que é verdadeira apenas a promessa precedida pela palavra oṁ; caso contrário, ela é falsa.

VERSO 39: Os Vedas afirmam que o verdadeiro produto da árvore do corpo são os bons frutos e as flores provenientes dele. Todavia, se a árvore corpórea não existe, não há possibilidade de aparecerem verdadeiros frutos e flores. Mesmo que o corpo se baseie na inverdade, sem a ajuda da árvore corpórea, não pode haver frutos nem flores reais.

VERSO 40: Quando é desenraizada, uma árvore imediatamente cai e começa a secar. Do mesmo modo, se alguém não cuida do corpo, o qual é tido como inverdade – em outras palavras, se a inverdade é desar­raigada –, não restam dúvidas de que o corpo secará.

VERSO 41: Proferir a palavra “om” significa afastar-se dos bens financeiros. Em outras palavras, pronunciando essa palavra, a pessoa se livra do apego ao dinheiro porque seu dinheiro lhe é tirado. Ficar sem dinheiro não é muito confortável, pois, nessas condições, ninguém pode satis­fazer seus desejos. Ou seja, usando a palavra “om”, a pessoa se torna muito pobre. Especialmente quando se dá caridade a pobres e a pedintes, não se consegue concretizar a autorrealização ou o gozo dos sentidos.

VERSO 42: Portanto, a medida mais segura é dizer não. Embora isso seja uma mentira, protege a pessoa por completo, atrai para si a compaixão dos demais e tem plena facilidade de coletar para si mesma o dinheiro de outros. Entretanto, se alguém sempre alega não ter nada, torna-se um condenado, pois é um corpo morto mesmo enquanto vive, ou deve ser morto ainda enquanto respira.

VERSO 43: Ao dizer galanteios a uma mulher para mantê-la sob controle, ao fazer brincadeiras, por ocasião da cerimônia de um casamento, para ganhar a subsistência, quando a vida está em perigo, para proteger as vacas e a cultura bramânica ou para salvar alguém das mãos do inimigo, nunca é condenável falar uma mentira.

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