Capítulo Dezessete
Punição e Recompensa de Kali
VERSO 1: Sūta Gosvāmī disse: Após chegar àquele lugar, Mahārāja Parīkṣit observou que um śūdra de casta inferior, vestido como um rei, estava batendo numa vaca e num touro com uma maça, como se eles não tivessem dono.
VERSO 2: O touro era tão branco como uma flor de lótus branca. Ele estava aterrorizado com o śūdra que nele batia, e estava com tanto medo que permanecia em pé sobre uma só perna, tremendo e urinando.
VERSO 3: Embora a vaca seja benéfica porque dela podemos retirar os princípios religiosos, agora ela ficou pobre e sem nenhum bezerro. Suas pernas estavam sendo espancadas por um śūdra. Havia lágrimas em seus olhos e ela estava fraca e aflita. Ela ansiava por um pouco de grama do campo.
VERSO 4: Mahārāja Parīkṣit, bem equipado com arco e flechas, sentado numa quadriga decorada com lavores dourados em relevo, falou-lhe [ao śūdra] com uma voz profunda, que ressoava como o trovão.
VERSO 5: Oh! Quem és tu? Pareces forte, apesar do que ousas matar aqueles que são indefesos e estão sob minha proteção! Por tuas vestes, passas por um homem divino [rei], mas, por teus feitos, estás te opondo aos princípios dos kṣatriyas duas vezes nascidos.
VERSO 6: Velhaco! Ousas bater numa vaca inocente porque o Senhor Kṛṣṇa e Arjuna, o portador do arco Gāṇḍīva, estão fora de vista? Uma vez que estás batendo num animal inocente num lugar isolado, és considerado culpado e, portanto, mereces ser morto.
VERSO 7: Então, ele [Mahārāja Parīkṣit] perguntou ao touro: Oh! Quem és tu? És um touro tão cândido quanto uma flor de lótus branca, ou és um semideus? Perdeste três de tuas pernas e estás movendo-te sobre uma só. És algum semideus causando-nos pesar sob a forma de um touro?
VERSO 8: Agora, pela primeira vez num reino bem protegido pelos braços dos reis da dinastia Kuru, eu te vejo aflito com lágrimas nos olhos. Até agora, ninguém na Terra jamais derramou lágrimas devido à negligência real.
VERSO 9: Ó filho de Surabhi, agora já não precisas lamentar-te. Não há necessidade de temer este śūdra de classe inferior. Ó mãe vaca, enquanto eu estiver vivendo como governante e subjugador de todos os homens invejosos, não há motivo para chorares. Tudo irá bem para ti.
VERSOS 10-11: Ó detentora de castidade, o bom nome do rei, sua duração de vida e bom renascimento extinguem-se quando todos os tipos de seres vivos são aterrorizados por canalhas em seu reino. É certamente o dever primordial do rei subjugar primeiramente os sofrimentos daqueles que sofrem. Portanto, devo matar este mais miserável entre os homens, porque ele é violento contra outros seres vivos.
VERSO 12: Ele [Mahārāja Parīkṣit] se dirigiu repetidamente ao touro e o interrogou da seguinte maneira: Ó filho de Surabhi, quem cortou três de tuas pernas? Nos estados de reis que obedecem às leis da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, não há ninguém tão infeliz como tu.
VERSO 13: Ó touro, tu és inofensivo e completamente honesto; portanto, desejo todo o bem a ti. Por favor, dize-me quem é o perpetrador dessas mutilações, que caluniam a reputação dos filhos de Pṛthā.
VERSO 14: Qualquer pessoa que faça seres vivos inofensivos sofrerem deve temer-me em toda e qualquer parte do mundo. Refreando os canalhas desonestos, beneficiamos automaticamente os inofensivos.
VERSO 15: Um ser vivo arrogante que cometa ofensas ao torturar aqueles que são inofensivos será diretamente eliminado por mim, mesmo que seja um cidadão do céu com armadura e ornatos.
VERSO 16: O dever supremo do rei governante é dar toda a proteção às pessoas que cumprem a lei e castigar aqueles que se desviam das prescrições das escrituras em ocasiões ordinárias, quando não há emergência.
VERSO 17: A personalidade da religião disse: Essas palavras que acabaste de falar são dignas de uma pessoa da dinastia Pāṇḍava. Cativado pelas qualidades devocionais dos Pāṇḍavas, mesmo o Senhor Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus, executou os deveres de um mensageiro.
VERSO 18: Ó maior entre os seres humanos, é muito difícil determinar o canalha em particular que tem causado nossos sofrimentos, pois estamos confusos ante todas as diferentes opiniões de filósofos teóricos.
VERSO 19: Alguns filósofos, que negam toda sorte de dualidades, declaram que a própria pessoa é responsável por sua felicidade ou aflições pessoais. Outros dizem que poderes sobre-humanos são responsáveis, enquanto outros ainda dizem que a atividade é responsável, e os materialistas grosseiros afirmam que a natureza é a causa última.
VERSO 20: Há também certos pensadores que acreditam que ninguém pode descobrir a causa da aflição através da argumentação, nem a conhecer pela imaginação, nem a expressar por palavras. Ó sábio entre os reis, faz teu próprio juízo pensando em tudo isso com tua própria inteligência.
VERSO 21: Sūta Gosvāmī disse: Ó melhor entre os brāhmaṇas, o imperador Parīkṣit, ao ouvir a personalidade da religião falar, ficou plenamente satisfeito e, sem erro ou remorso, replicou.
VERSO 22: O rei disse: Ó tu na forma de um touro! Tu conheces a verdade da religião, e estás falando de acordo com o princípio de que o destino prescrito para o perpetrador de atos irreligiosos também é prescrito para aquele que identifica o perpetrador. Sem dúvida, não és outro senão a personalidade da religião.
VERSO 23: Conclui-se, desse modo, que as energias do Senhor são inconcebíveis. Ninguém pode avaliá-las através da especulação mental, ou do malabarismo de palavras.
VERSO 24: Na era de Satya [veracidade], tuas quatro pernas estavam estabelecidas pelos quatro princípios de austeridade, limpeza, misericórdia e veracidade. Mas parece que três de tuas pernas estão quebradas devido ao predomínio da irreligião, sob a forma do orgulho, desejo ardente por mulheres e intoxicação.
VERSO 25: Agora permaneces de pé sobre uma perna só, que é tua veracidade, e, de alguma forma, andas a mancar. Porém, a desavença personificada [Kali], crescendo através de mentiras, também está tentando destruir essa perna.
VERSO 26: O fardo da Terra foi certamente diminuído pela Personalidade de Deus e também por outros. Quando Ele esteve presente como uma encarnação, todo o bem foi realizado por causa de Suas auspiciosas pegadas.
VERSO 27: Agora ela, a detentora de castidade, estando desafortunadamente abandonada pela Personalidade de Deus, lamenta-se por seu futuro com lágrimas nos olhos, pois agora ela está sendo governada e explorada por homens de classe inferior que se fazem passar por governantes.
VERSO 28: Mahārāja Parīkṣit, que podia lutar sozinho contra mil inimigos, assim apaziguou a personalidade da religião e a Terra. Então, ele pegou sua espada afiada para matar a personalidade de Kali, que é a causa de toda a irreligião.
VERSO 29: Quando a personalidade de Kali entendeu que o rei desejava matá-lo, ele abandonou de imediato a roupa de rei e, compelido pelo medo, rendeu-se completamente a ele, prostrando sua cabeça.
VERSO 30: Mahārāja Parīkṣit, que era qualificado para aceitar rendição e digno de ser celebrado na história, não matou o pobre Kali rendido e caído, mas sorriu compassivamente, pois ele era bondoso com os desamparados.
VERSO 31: Então, o rei disse o seguinte: Nós herdamos a fama de Arjuna; portanto, uma vez que te rendeste com mãos postas, não precisas temer por tua vida. Mas não podes permanecer em meu reino, pois és o amigo da irreligião.
VERSO 32: Se a personalidade de Kali, a irreligião, recebe permissão de agir como homem-deus ou líder executivo, certamente abundarão os princípios irreligiosos, como cobiça, falsidade, roubo, incivilidade, traição, infortúnio, trapaça, desavença e vaidade.
VERSO 33: Portanto, ó amigo da irreligião, tu não mereces permanecer num lugar onde os peritos realizam sacrifícios de acordo com a verdade e os princípios religiosos para a satisfação da Suprema Personalidade de Deus.
VERSO 34: Em todas as cerimônias sacrificatórias, embora às vezes se adore um semideus, o Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, é que é adorado, pois Ele é a Superalma de todos, e existe dentro e fora, como o ar. Assim, é unicamente Ele quem concede todo o bem-estar ao adorador.
VERSO 35: Śrī Sūta Gosvāmī disse: A personalidade de Kali, sendo assim ordenada por Mahārāja Parīkṣit, começou a tremer de medo. Vendo o rei diante de si como Yamarāja, pronto para matá-lo, Kali falou ao rei da seguinte maneira.
VERSO 36: Majestade, mesmo que eu possa viver em toda e qualquer parte sob tua ordem, não verei nada além de ti, com arco e flechas, para onde quer que eu olhe.
VERSO 37: Portanto, ó líder entre os protetores da religião, por favor, fixa para mim algum lugar onde eu possa viver de forma permanente sob a proteção de teu governo.
VERSO 38: Sūta Gosvāmī disse: Mahārāja Parīkṣit, sendo assim solicitado pela personalidade de Kali, deu-lhe permissão de residir em lugares onde se realizassem jogos, bebedeiras, prostituição e abatimento de animais.
VERSO 39: A personalidade de Kali pediu algo mais, e, por causa de seu pedido, o rei lhe deu permissão de viver onde houvesse ouro, pois onde quer que haja ouro também há falsidade, intoxicação, luxúria, inveja e inimizade.
VERSO 40: Assim, a personalidade de Kali, de acordo com as orientações de Mahārāja Parīkṣit, o filho de Uttarā, recebeu permissão de viver naqueles cinco lugares.
VERSO 41: Portanto, qualquer pessoa que deseje o bem-estar progressivo, especialmente os reis, religiosos, líderes públicos, brāhmaṇas e sannyāsīs, não deve jamais entrar em contato com os quatro princípios irreligiosos acima mencionados.
VERSO 42: A seguir, o rei restabeleceu as pernas perdidas da personalidade da religião [o touro] e, através de incentivo a atividades, melhorou suficientemente as condições da Terra.
VERSOS 43-44: O afortunadíssimo imperador Mahārāja Parīkṣit, a quem Mahārāja Yudhiṣṭhira confiou o reino de Hastināpura quando este desejou retirar-se para a floresta, está agora governando o mundo com grande sucesso, em razão do que o tornam glorioso as façanhas dos reis da dinastia Kuru.
VERSO 45: Mahārāja Parīkṣit, o filho de Abhimanyu, é tão experiente que, em virtude de sua administração e patrocínio competentes, vós podeis executar um sacrifício como este.