VERSO 18
taṁ sarva-guṇa-vinyāsaṁ
jīve māyāmaye nyadhāt
taṁ cānuśayam ātma-stham
asāv anuśayī pumān
jñāna-vairāgya-vīryeṇa
svarūpa-stho ’jahāt prabhuḥ
tam — a Ele; sarva-guṇa-vinyāsam — o reservatório de todas as qualidades; jīve — com as designações; māyā-maye — o reservatório de todas as potências; nyadhāt — colocou; tam — isto; ca — também; anuśayam — designação; ātma-stham — situado em autorrealização; asau — ele; anuśayī — a entidade viva; pumān — o desfrutador; jñāna — conhecimento; vairāgya — renúncia; vīryeṇa — com a força de; svarūpa-sthaḥ — situando-se em sua posição constitucional; ajahāt — voltou ao lar; prabhuḥ — o controlador.
Então, Pṛthu Mahārāja ofereceu a designação total da entidade viva ao controlador supremo da energia ilusória. Libertando-se de todas as designações em cuja armadilha a entidade viva caiu, libertou-se através do conhecimento e da renúncia e mediante a força espiritual de seu serviço devocional. Dessa maneira, situando-se em sua posição constitucional original de consciência de Kṛṣṇa, ele abandonou este corpo como um prabhu, ou controlador dos sentidos.
SIGNIFICADO—Como se afirma nos Vedas, a Suprema Personalidade de Deus é a fonte da energia material. Consequentemente, às vezes Ele é chamado de māyā-maya, ou a Pessoa Suprema que pode criar Seus passatempos através de Sua potência conhecida como energia material. A jīva, ou a entidade viva individual, cai na armadilha da energia material pela vontade suprema da Suprema Personalidade de Deus. Na Bhagavad-gītā (18.61), é-nos trazida a seguinte compreensão:
īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ
hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati
bhrāmayan sarva-bhūtāni
yantrārūḍhāni māyayā
Īśvara, a Suprema Personalidade de Deus, encontra-Se dentro do coração de todas as almas condicionadas, e, por Sua vontade suprema, a entidade viva, ou alma individual, obtém a oportunidade de assenhorear-se da natureza material em várias classes de corpos, que são conhecidos como yantra, ou seja, os veículos móveis oferecidos pela totalidade da energia material, māyā. Embora a entidade viva individual (jīva) e o Senhor estejam ambos situados dentro da energia material, o Senhor orienta os movimentos da alma (jīva), oferecendo-lhe diferentes classes de corpos através da energia material, e, dessa maneira, a entidade viva vagueia pelos universos em várias formas de corpo e envolve-se em diferentes situações, compartilhando das reações das atividades fruitivas.
Quando Pṛthu Mahārāja tornou-se espiritualmente poderoso através do aprimoramento de seu conhecimento espiritual (jñāna) e de sua renúncia aos desejos materiais, tornou-se um prabhu, ou senhor de seus sentidos (às vezes chamado gosvāmī ou svāmī). Isso quer dizer que ele já não era controlado pela influência da energia material. Quem tem força suficiente para abandonar a influência da energia material é chamado de prabhu. Neste verso, a palavra svarūpa-sthaḥ também é muito significativa. A verdadeira identidade da alma individual está em ela entender ou obter o conhecimento de que é eternamente serva de Kṛṣṇa. Essa compreensão se chama svarūpopalabdhi. Cultivando o serviço devocional, o devoto pouco a pouco entende sua verdadeira relação com a Suprema Personalidade de Deus. Essa compreensão de sua posição espiritual pura se chama svarūpopalabdhi e, quando alguém atinge esza fase, pode entender como sua relação com a Suprema Personalidade de Deus é ou como servo, ou como amigo, ou como pai ou mãe, ou como amante conjugal. Essa fase de compreensão se chama svarūpa-sthaḥ. Pṛthu Mahārāja compreendeu perfeitamente esse svarūpa, e os versos posteriores deixarão claro que ele pessoalmente deixou este mundo, ou este corpo, montado em uma quadriga enviada de Vaikuṇṭha.
Também significativa neste verso é a palavra prabhu. Como se afirmou anteriormente, quem é perfeitamente autorrealizado e age de acordo com essa posição pode ser chamado de prabhu. O mestre espiritual é chamado de “Prabhupāda” por ser uma alma inteiramente autorrealizada. A palavra pāda significa “posição”, e “Prabhupāda” indica que ele recebeu a posição de prabhu, ou seja, a posição da Suprema Personalidade de Deus, pois age em nome da Suprema Personalidade de Deus. Quem não é prabhu, ou controlador dos sentidos, não pode agir como mestre espiritual, o qual é autorizado pelo prabhu supremo, ou seja, o Senhor Kṛṣṇa. Em seus versos de louvor ao mestre espiritual, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura escreve:
sākṣād-dharitvena samasta-śāstrair
uktas tathā bhāvyata eva sadbhiḥ
“O mestre espiritual recebe as mesmas honras que o Senhor Supremo por ser o servo mais íntimo do Senhor.” Assim, Pṛthu Mahārāja também pode ser chamado de Prabhupāda, ou, como se descreve nesta passagem, prabhu. Outra pergunta pode ser feita a esse respeito. Como Pṛthu Mahārāja era uma encarnação dotada de poder da Suprema Personalidade de Deus, um śāktyāveśa-avatāra, por que ele teve que executar os princípios reguladores a fim de se tornar um prabhu? Por ter aparecido nesta Terra como um rei ideal e por ser dever do rei instruir os cidadãos na execução do serviço devocional, ele seguiu todos os princípios reguladores do serviço devocional a fim de ensinar os outros. De modo semelhante, Caitanya Mahāprabhu, embora fosse o próprio Kṛṣṇa, ensinou-nos a como aproximar-nos de Kṛṣṇa como devotos. Afirma-se que āpani ācari ’bhakti śikhāinu sabāre. O Senhor Caitanya Mahāprabhu ensinava aos outros o processo do serviço devocional, estabelecendo Ele próprio o exemplo através de Suas próprias ações. Do mesmo modo, Pṛthu Mahārāja, apesar de ser uma encarnação śaktyāveśa-avatāra, comportou-se exatamente como um devoto para alcançar a posição de prabhu. Além disso, svarūpa-sthaḥ significa “liberação completa”. Como se diz no Śrīmad-Bhāgavatam (2.10.6), hitvānyathā-rūpaṁ svarūpeṇa vyavasthitiḥ: quando uma entidade viva abandona as atividades de māyā e atinge a posição na qual pode executar serviço devocional, esse estado se chama svarūpa-sthaḥ, ou liberação completa.