Capítulo Vinte e Oito
Purañjana Torna-se Mulher na Vida Seguinte
VERSO 1: O grande sábio Nārada continuou: Meu querido rei Prācīnabarhiṣat, depois disso, o rei dos Yavanas, cujo nome é o próprio medo, bem como Prajvāra, Kālakanyā e os soldados dele, começaram a viajar por todo o mundo.
VERSO 2: Certa vez, os perigosos soldados atacaram a cidade de Purañjana com grande vigor. Embora a cidade fosse repleta de facilidades para o gozo dos sentidos, ela estava sendo protegida pela velha serpente.
VERSO 3: Gradualmente, Kālakanyā, com a ajuda de perigosos soldados, atacou todos os habitantes da cidade de Purañjana e os incapacitou para todos os propósitos.
VERSO 4: Quando Kālakanyā, a filha do Tempo, atacou o corpo, os perigosos soldados do rei dos Yavanas entraram na cidade através de diferentes portões. Então, eles começaram a causar severas tribulações a todos os cidadãos.
VERSO 5: Quando a cidade foi assim ameaçada pelos soldados e por Kālakanyā, o rei Purañjana, estando extremamente absorto em afeição por sua família, viu-se em apuros devido ao ataque de Yavana-rāja e Kālakanyā.
VERSO 6: Quando o rei Purañjana foi abraçado por Kālakanyā, perdeu gradualmente toda a sua beleza. Tendo sido muito viciado em sexo, tornou-se muito pobre em inteligência e perdeu toda a sua opulência. Uma vez destituído de todas as suas posses, foi conquistado à força pelos Gandharvas e pelos Yavanas.
VERSO 7: Então, o rei Purañjana viu que tudo em sua cidade fora arruinado e que seus filhos e netos, servos e ministros, todos gradualmente se opunham a ele. Percebeu, também, que sua esposa se tornava cada vez mais fria e indiferente.
VERSO 8: Vendo que todos os seus membros familiares, parentes, seguidores, servos, secretários e todos os demais haviam se voltado contra ele, o rei Purañjana ficou de fato muito ansioso. Mas ele não podia neutralizar a situação porque estava inteiramente dominado por Kālakanyā.
VERSO 9: Os objetos de prazer se tornaram insípidos pela influência de Kālakanyā. Devido à continuação de seus desejos luxuriosos, o rei Purañjana ficou muito desolado sob todos os aspectos. Assim, ele não entendia o objetivo da vida. Contudo, ainda sentia muita afeição por sua esposa e filhos, e preocupava-se em mantê-los.
VERSO 10: A cidade do rei Purañjana foi dominada pelos soldados Gandharvas e Yavanas, e, embora o rei não quisesse deixar a cidade, viu-se obrigado pelas circunstâncias a fazê-lo, pois fora derrotado por Kālakanyā.
VERSO 11: Sob essas circunstâncias, o irmão mais velho de Yavana-rāja, conhecido como Prajvāra, incendiou a cidade para satisfazer seu irmão mais novo, cujo outro nome é o próprio medo.
VERSO 12: Quando a cidade foi posta em chamas, todos os cidadãos e servos do rei, bem como todos os membros familiares, filhos, netos, esposas e outros parentes, foram envolvidos pelo fogo. Assim, o rei Purañjana ficou muito infeliz.
VERSO 13: O superintendente da polícia da cidade, a serpente, viu que os cidadãos estavam sendo atacados por Kālakanyā, e ficou muito pesaroso ao ver sua própria residência incendiada após o ataque dos Yavanas.
VERSO 14: Assim como uma serpente que vive dentro da cavidade de uma árvore anseia fugir quando há incêndio na floresta, o superintendente da polícia da cidade, a serpente, quis deixar a cidade devido ao rigoroso calor do fogo.
VERSO 15: Os soldados Gandharvas e Yavanas, derrotando por completo a força corpórea da serpente, enfraqueceram os membros de seu corpo. Quando ela tentou deixar o corpo, seus inimigos a impediram de o fazer. Sendo assim frustrada em seu intento, colocou-se a chorar muito alto.
VERSO 16: Então, o rei Purañjana começou a pensar em suas filhas, filhos, netos, noras, genros, servos e outros associados, bem como em sua casa, sua parafernália doméstica e seu pequeno acúmulo de riqueza.
VERSO 17: O rei Purañjana estava apegadíssimo à sua família e às concepções de “eu” e “meu”. Como tinha muita atração por sua esposa, já se sentia muito infeliz. No momento da separação, ele ficou muito pesaroso.
VERSO 18: O rei Purañjana pensava ansiosamente: “Ai de mim! Minha esposa está sobrecarregada com tantos filhos! Quando eu partir deste corpo, como ela poderá manter todos esses meus familiares? Ai de mim! Ela ficará muito aflita ao preocupar-se com a manutenção da família.
VERSO 19: O rei Purañjana começou, então, a pensar em como era seu relacionamento com sua esposa. Recordou-se de que sua esposa jantava apenas depois que ele terminava de jantar, que ela se banhava apenas depois que ele terminava de se banhar e que ela sempre tinha tanto apego por ele que, se ele às vezes se irritava e a censurava, ela simplesmente se mantinha em silêncio e tolerava seu comportamento inapropriado.
VERSO 20: O rei Purañjana continuou lembrando como, quando estava confuso, sua esposa lhe dava bons conselhos e como ela ficava triste quando ele se ausentava de casa. Embora ela fosse a mãe de tantos filhos e heróis, o rei ainda temia que ela não fosse capaz de arcar com as responsabilidades dos afazeres domésticos.
VERSO 21: O rei Purañjana continuou a meditar: “Depois que eu partir deste mundo, como meus filhos e filhas, que agora dependem inteiramente de mim, viverão e continuarão suas vidas? A posição deles será semelhante à dos passageiros de um navio naufragado no meio do oceano.”
VERSO 22: Muito embora o rei Purañjana não precisasse se lamentar pelo destino de sua esposa e de seus filhos, ele o fez em virtude de sua inteligência mesquinha. Entrementes, Yavana-rāja, cujo nome era o próprio medo, imediatamente se aproximou para prendê-lo.
VERSO 23: Enquanto os Yavanas levavam o rei Purañjana embora, a caminho da morada deles, tendo-o amarrado como um animal, os seguidores do rei ficaram muito entristecidos. Enquanto se lamentavam, eram forçados a acompanhá-lo.
VERSO 24: A serpente, que já havia sido presa pelos soldados de Yavana-rāja e estava fora da cidade, colocou-se a seguir seu mestre juntamente com os outros. Logo que todos eles deixaram a cidade, ela foi imediatamente desmantelada e reduzida a cinzas.
VERSO 25: Enquanto o poderoso Yavana arrastava o rei Purañjana com grande vigor, o rei, devido à sua ignorância grosseira, ainda não conseguia lembrar-se de seu amigo e benquerente, a Superalma.
VERSO 26: Purañjana, o mais cruel dos reis, havia matado muitos animais em diversos sacrifícios. Agora, aproveitando-se dessa oportunidade, todos esses animais começaram a trespassá-lo com seus chifres. Era como se ele estivesse sendo despedaçado por machados.
VERSO 27: Devido a ter-se dado à companhia de mulheres de maneira contaminada, uma entidade viva, como o rei Purañjana, sofre eternamente todas as dores da existência material e permanece na escura região da vida material, destituída de toda lembrança por muitos e muitos anos.
VERSO 28: O rei Purañjana abandonou seu corpo enquanto se lembrava de sua esposa, em decorrência do que, em sua próxima vida, tornou-se uma bela e próspera mulher. Ele teve seu próximo nascimento como a filha do rei Vidarbha, na própria casa do rei.
VERSO 29: Foi determinado que Vaidarbhi, a filha do rei Vidarbha, se casaria com um homem muito poderoso, Malayadhvaja, habitante das terras Pāṇḍu. Após vencer outros príncipes, ele se casou com a filha do rei Vidarbha.
VERSO 30: O rei Malayadhvaja gerou uma filha, a qual tinha olhos bem negros. Ele também teve sete filhos, que mais tarde tornaram-se governantes daquela região, conhecida como Draviḍa. Assim, havia sete reis naquela terra.
VERSO 31: Meu querido rei Prācīnabarhiṣat, os filhos de Malayadhvaja geraram muitos milhares e milhares de descendentes, os quais protegeram o mundo inteiro até o fim da duração de vida de um Manu, e mesmo depois disso.
VERSO 32: O grande sábio chamado Agastya se casou com a primogênita de Malayadhvaja, a fervorosa devota do Senhor Kṛṣṇa. Dela, nasceu um filho, cujo nome era Dṛḍhacyuta, e, de Dṛḍhacyuta, nasceu outro filho cujo nome era Idhmavāha.
VERSO 33: Depois disso, o grande rei santo Malayadhvaja dividiu todo o seu reino entre seus filhos. Em seguida, a fim de adorar o Senhor Kṛṣṇa com plena atenção, ele foi a um lugar solitário conhecido como Kulācala.
VERSO 34: Assim como o luar segue a Lua à noite, logo depois que o rei Malayadhvaja partiu para Kulācala, sua devotada esposa, cujos olhos eram muito encantadores, também o acompanhou, abandonando toda a felicidade doméstica, apesar de sua família e filhos.
VERSOS 35-36: Na província de Kulācala, havia os rios chamados Candravasā, Tāmraparṇī e Vaṭodakā. O rei Malayadhvaja costumava ir a esses rios piedosos regularmente e se banhar ali. Assim, ele se purificava externa e internamente. Ele tomava seu banho e comia tubérculos, sementes, folhas, flores, raízes, frutos e gramíneas e bebia água. Dessa maneira, ele praticava rigorosas austeridades. Em consequência disso, tornou-se muito magro.
VERSO 37: Através de austeridades, o rei Malayadhvaja, em corpo e mente, tornou-se gradualmente equânime diante das dualidades de frio e calor, felicidade e infelicidade, vento e chuva, fome e sede, prazer e desagrado. Dessa maneira, ele superou todas as relatividades.
VERSO 38: Adorando, praticando austeridades e seguindo os princípios reguladores, o rei Malayadhvaja conquistou seus sentidos, sua vida e sua consciência. Assim, ele concentrou tudo no ponto central do Brahman Supremo [Kṛṣṇa].
VERSO 39: Dessa maneira, ele permaneceu imóvel em um só lugar por cem anos, segundo os cálculos dos semideuses. Passado esse período, ele desenvolveu pura atração devocional por Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, e permaneceu fixo nessa posição.
VERSO 40: O rei Malayadhvaja alcançou conhecimento perfeito, sendo capaz de distinguir a Superalma da alma individual. A alma individual tem uma localização, ao passo que a Superalma é onipenetrante. Ele se tornou um perfeito conhecedor de que o corpo material não é a alma, mas que a alma é a testemunha do corpo material.
VERSO 41: Dessa maneira, o rei Malayadhvaja alcançou conhecimento perfeito porque, em seu estado puro, ele foi diretamente instruído pela Suprema Personalidade de Deus. Por meio desse conhecimento transcendental esclarecedor, ele pôde compreender tudo sob todas as perspectivas.
VERSO 42: O rei Malayadhvaja pôde, então, observar que a Superalma encontrava-Se sentada a seu lado, e que ele, como uma alma individual, estava sentado ao lado da Superalma. Uma vez que ambos estavam juntos, não havia necessidade de interesses separados, motivo pelo qual ele deixou de agir de maneira independente.
VERSO 43: A filha do rei Vidarbha aceitou seu esposo inteiramente como o Supremo. Ela abandonou todo o gozo sensual e, em completa renúncia, seguiu os princípios de seu esposo, que era muito avançado. Assim, ela permaneceu ocupada a serviço dele.
VERSO 44: A filha do rei Vidarbha usava roupas velhas estava magra e ressequida devido a seus votos de austeridade. Como não arrumava o cabelo, este ficou muito emaranhado. Embora permanecesse sempre perto de seu esposo, mantinha-se tão silenciosa e calma quanto a chama de um fogo imperturbado.
VERSO 45: A filha do rei Vidarbha continuou, como de costume, a servir seu esposo, que se encontrava sentado em uma postura fixa, até ter certeza de que ele deixara o corpo.
VERSO 46: Enquanto servia seu esposo massageando suas pernas, ela pôde sentir que os pés dele já não estavam mais quentes e, assim, pôde compreender que ele já havia deixado o corpo. Ela sentiu muita ansiedade ao se dar conta de que agora estava sozinha. Despojada da companhia de seu esposo, ela sentia exatamente o que a corça sente ao ser separada de seu macho.
VERSO 47: Estando agora sozinha e viúva naquela floresta, a filha de Vidarbha começou a lamentar-se e a chorar bem alto, derramando lágrimas incessantes, as quais umedeciam seus seios.
VERSO 48: Ó melhor dos reis, por favor, desperta! Desperta! Vê só este mundo cercado por água e infestado por trapaceiros e falsos monarcas. Este mundo está muito amedrontado, e é teu dever protegê-lo.
VERSO 49: Aquela obedientíssima esposa caiu assim aos pés de seu esposo falecido e começou a chorar angustiadamente naquela floresta solitária. Desse modo, as lágrimas cascateavam de seus olhos.
VERSO 50: Então, ela preparou uma fogueira com lenha e colocou o cadáver de seu esposo sobre as chamas. Terminada essa tarefa, ela se lamentou amargamente e se preparou para perecer na fogueira junto de seu esposo.
VERSO 51: Meu querido rei, certo brāhmaṇa, que era um velho amigo do rei Purañjana, chegou àquele lugar e começou a consolar a rainha com doces palavras.
VERSO 52: O brāhmaṇa perguntou o seguinte: Quem és tu? De quem és esposa ou filha? Quem é o homem que jaz aqui? Parece que estás te lamentando por esse cadáver. Não Me reconheces? Sou o teu amigo eterno. Talvez te lembres de que muitas vezes no passado tu Me consultaste.
VERSO 53: O brāhmaṇa continuou: Minha querida amiga, muito embora não possas reconhecer-Me imediatamente, não te lembras de que no passado tiveste um amigo muito íntimo? Infelizmente, abandonaste Minha companhia e aceitaste a posição de desfrutadora deste mundo material.
VERSO 54: Minha querida e gentil amiga, somos exatamente como dois cisnes. Vivemos juntos no mesmo coração, que é como o lago Mānasa. Muito embora tenhamos vivido juntos por muitos milhares de anos, estamos muito longe de nosso lar original.
VERSO 55: Minha querida amiga, continuas sendo Minha mesma amiga. Desde que Me deixaste, tu te tornaste cada vez mais materialista e, não Me vendo, tens viajado sob diferentes formas por todo este mundo material, que foi criado por uma mulher.
VERSO 56: Naquela cidade [o corpo material], existem cinco jardins, nove portões, um protetor, três apartamentos, seis famílias, cinco lojas, cinco elementos materiais e uma mulher, que é a proprietária da casa.
VERSO 57: Minha querida amiga, os cinco jardins são os cinco objetos de gozo dos sentidos, e o protetor é o ar vital, que passa pelos nove portões. Os três apartamentos são os ingredientes principais – fogo, água e terra. As seis famílias constituem a totalidade da mente e dos cinco sentidos.
VERSO 58: As cinco lojas são os cinco órgãos sensórios funcionais. Eles efetuam suas funções através das forças combinadas dos cinco elementos, que são eternos. Por trás de toda essa atividade, encontra-se a alma. A alma é uma pessoa e um desfrutador de verdade. Contudo, por estar agora escondida dentro da cidade do corpo, ela fica desprovida de conhecimento.
VERSO 59: Minha querida amiga, quando entras em semelhante corpo, juntamente com a mulher dos desejos materiais, ficas demasiadamente absorta em gozo dos sentidos. Devido a isso, esqueces tua vida espiritual. Devido a tuas concepções materiais, és colocada em diversas condições dolorosas.
VERSO 60: Na realidade, não és filha de Vidarbha, nem este homem, Malayadhvaja, é teu benévolo esposo. Tampouco foste o verdadeiro cônjuge de Purañjana. Tu ficaste simplesmente cativa nesse corpo de nove portões.
VERSO 61: Ora acreditas que és um homem, ora uma mulher casta, ora um eunuco. Tudo isso se deve ao corpo, que é criado pela energia ilusória. Esta energia ilusória é Minha potência, e, na verdade, nós dois – tu e Eu – somos identidades espirituais puras. Agora, esforça-te simplesmente por entender isso. Estou tentando explicar-te nossa verdadeira posição.
VERSO 62: Minha querida amiga, Eu, a Superalma, e tu, a alma individual, não somos diferentes em qualidade, pois somos ambos espirituais. De fato, Minha querida amiga, qualitativamente, não és diferente de Mim em tua posição constitucional. Delibera sobre este assunto. Aqueles que são eruditos realmente avançados, munidos de conhecimento, não encontram qualquer diferença qualitativa entre nós dois.
VERSO 63: Assim como uma pessoa vê o reflexo de seu corpo em um espelho como sendo ela própria e não diferente dela, ao passo que outros realmente veem dois corpos, do mesmo modo, em nossa condição material, que afeta e, ao mesmo tempo, não afeta o ser vivo, há uma diferença entre Deus e a entidade viva.
VERSO 64: Dessa maneira, os dois cisnes vivem juntos no coração. Quando um cisne é instruído pelo outro, ele se situa em sua posição constitucional. Isso significa que ele recupera sua consciência de Kṛṣṇa original, a qual estava perdida devido à sua atração pela matéria.
VERSO 65: Meu querido rei Prācīnabarhi, a Suprema Personalidade de Deus, a causa de todas as causas, é célebre por ser conhecida indiretamente. Assim, acabo de te contar a história de Purañjana. Na verdade, esta é uma instrução para a autorrealização.