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Capítulo Três

As Orações de Gajendra em Gesto de Rendição

Neste capítulo, relatam-se as orações de Gajendra, o rei dos elefantes. Parece que, anteriormente, o rei dos elefantes foi um ser humano chamado Indradyumna e que ele aprendera uma oração feita ao Senhor Supremo. Felizmente, ele se lembrou daquela oração e começou a proferi-la. Primeiro, ofereceu suas respeitosas reverên­cias à Suprema Personalidade de Deus, e, devido à incômoda situação em que se encontrava ao se tornar vítima do ataque de um crocodi­lo, ele expressou sua inabilidade em recitar a contento as orações. Não obstante, esforçou-se por cantar o mantra e conseguiu articular as seguintes palavras apropriadas.

“A Suprema Personalidade de Deus é a causa de todas as causas, a pessoa original de quem tudo emana. Ele é a causa fundamen­tal desta manifestação cósmica, e todo o cosmo repousa nEle; não obstante, Ele é transcendental, pois todas as Suas atitudes relacio­nadas com o mundo material são levadas a efeito através de Sua energia externa. Ele está eternamente situado no mundo espiritual – em Vaikuṇṭha ou Goloka Vṛndāvana –, onde Se ocupa em Seus passatempos eternos. O mundo material é um produto de Sua energia externa, ou natureza material, que funciona sob Sua orientação. É nesse contexto que a criação, a manutenção e a aniquilação acontecem. O Senhor existe em todas as épocas. Isso é extremamente difícil de ser entendido por não-devotos. Embora a transcendental Suprema Personalidade de Deus seja perceptível a todos, somente os devotos puros percebem Sua presença e atividades. A Suprema Personalidade de Deus é completamente livre de nascimento, morte, velhice e doenças materiais. Na verdade, se alguém neste mundo material se refugia nEle, situa-se também nessa mesma posição transcendental. Para a satisfação do devoto (paritrāṇāya sādhūnām), o Senhor aparece e manifesta Suas atividades. Seu aparecimento, desaparecimento e outros passatempos não são materiais de modo algum. Todo aquele que conhece este segredo pode ingressar no reino de Deus. No Senhor, todos os elementos opostos se ajustam. O Senhor está situado no coração de todos. Ele é o controlador de tudo, a testemunha de todas as atividades e a fonte da qual se originam todas as entidades vivas. Na verdade, todas as entidades vivas são partes dEle, pois Ele é a origem do Mahā-Viṣṇu, que, por Sua vez, é a fonte das entidades vivas deste mundo material. O Senhor pre­sencia as atividades dos nossos sentidos, permitindo-os funcionar e alcançar resultados materiais graças à Sua misericórdia. Embora seja a fonte que origina tudo, Ele não é tocado por nenhum de Seus sub­produtos. Dessa maneira, Ele Se assemelha a uma mina de ouro, que é a fonte do ouro das joias, mas é diferente das próprias joias. O Senhor é adorado através do método prescrito nos Pañcarātras. Ele é a fonte de nosso conhecimento e pode conceder-nos a liberação. Portanto, é nosso dever entendê-lO de acordo com as instruções dos devotos, em particular do mestre espiritual. Embora o modo da bondade esteja encoberto para nós, podemos libertar-nos das garras materiais seguindo as instruções de pessoas santas e do mestre espiritual.”

“A forma material da Suprema Personalidade de Deus, refulgente por si mesma, é adorada pelos não-devotos; Sua forma impessoal é adorada por aqueles que são avançados em conhecimento espi­ritual, e Seu aspecto como a Superalma localizada é apreciado pelos yogīs. Mas Sua original forma pessoal é compreendida apenas pelos devotos. Através de Suas instruções contidas na Bhagavad-gītā, essa Suprema Personalidade de Deus é competente para dissipar a escuri­dão que invade a alma condicionada. Ele é o oceano de qualidades transcendentais e pode ser compreendido somente pelas pessoas liberadas que estão livres do conceito de vida corpórea. Por Sua misericórdia imotivada, o Senhor pode tirar das garras materiais a alma condicionada e lhe propiciar a volta ao lar, a volta ao Supremo, para que ela se torne Seu associado pessoal. Todavia, o devoto puro não aspira a voltar ao Supremo; ele está satisfeito com a simples execução do seu serviço neste mundo material. O devoto puro nada pede à Suprema Personalidade de Deus. Sua única súplica consiste em que ele deseja livrar-se do conceito de vida material e ocupar-se no transcendental serviço amoroso ao Senhor.”

Dessa maneira, Gajendra, o rei dos elefantes, ofereceu orações diretamente à Suprema Personalidade de Deus, sem O confundir com algum dos semideuses. Nenhum dos semideuses veio assistir-lhe – nem mesmo Brahmā ou Śiva. Em vez de algum semideus, foi a Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, sentado em Garuḍa, quem apareceu pessoalmente diante dele. Gajendra, erguendo sua tromba, ofereceu reverências ao Senhor, e o Senhor logo o puxou da água, trazendo também o crocodilo que agarrara sua perna. Então, o Senhor matou o cro­codilo e, dessa maneira, salvou Gajendra.

VERSO 1: Śrī Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Em seguida, o rei dos elefantes, Gajendra, fixou a mente em seu coração com inteligência perfeita e cantou um mantra que aprendera em seu nascimento anterior como Indradyumna e do qual se lembrou pela graça de Kṛṣṇa.

VERSO 2: Gajendra, o rei dos elefantes, disse: Ofereço minhas respeito­sas reverências à Pessoa Suprema, Vāsudeva [oṁ namo bhagavate vāsudevāya]. É por causa dEle que este corpo material age devi­do à presença do espírito, e, portanto, Ele é a causa fundamental que serve de sustentáculo para todas as pessoas. Ele é adorável para pessoas exímias, tais como Brahmā e Śiva, e Ele está no coração de todo ser vivo. Que eu medite nEle.

VERSO 3: A Divindade Suprema é a plataforma suprema na qual tudo repousa, o ingrediente com o qual tudo foi produzido e a pessoa que criou esta manifestação cósmica, da qual é a única causa. Entretanto, Ele é diferente da causa e do efeito. Rendo-me a Ele, a Suprema Personalidade de Deus, que é autossuficiente em tudo.

VERSO 4: A Suprema Personalidade de Deus, expandindo Sua própria ener­gia, mantém esta manifestação cósmica visível e, então, volta a torná-la invisível. Ele é tanto a causa suprema quanto o efeito supremo, o observador e a testemunha, em todas as circunstâncias. Assim, Ele é transcendental a tudo. Que essa Suprema Personalidade de Deus me proteja.

VERSO 5: No decorrer do tempo, quando todas as manifestações de causa e efeito vigentes no universo, incluindo os planetas e seus diretores ou mantenedores, são aniquilados, reina uma densa escuridão. Acima dessa escuridão, entretanto, está a Suprema Personalidade de Deus, em cujos pés de lótus eu me refugio.

VERSO 6: No palco, um artista que está usando vestes atrativas e dança com diferentes movimentos não é compreendido por sua audiência; do mesmo modo, as atividades e características do artista supremo não podem ser compreendidas nem mesmo pelos semideuses ou grandes sábios, e muito menos por aqueles cuja inteligência é como a dos animais. Nem os semideuses, nem os sábios, nem os homens sem in­teligência podem entender as características do Senhor, tampouco podem expressar verbalmente Sua verdadeira posição. Que essa Su­prema Personalidade de Deus me proteja.

VERSO 7: Os renunciantes e grandes sábios que veem com igualdade todos os seres vivos, que são amigos de todos e rigorosamente praticam na floresta os votos de brahmacarya, vānaprastha e sannyāsa desejam ver os auspiciosíssimos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus. Que essa mesma Suprema Personalidade de Deus seja o meu destino.

VERSOS 8-9: A Suprema Personalidade de Deus não tem nascimento, atividades, nome, forma, qualidades ou defeitos materiais. Para concretizar o propósito pelo qual este mundo material é criado e destruído, Ele, através de Sua potência interna original, vem sob a forma de um ser humano, tal como o Senhor Rāma ou o Senhor Kṛṣṇa. Sua potência é imensa, e, sob várias formas, todas livres de contaminações materiais, Ele age maravilhosamente. Portanto, Ele é o Brahman Su­premo. Ofereço-Lhe meus respeitos.

VERSO 10: Ofereço minhas respeitosas reverências à Suprema Personalidade de Deus, a Superalma autorrefulgente, que é a testemunha no cora­ção de todos, que ilumina a alma individual e que não pode ser al­cançado pelos esforços da mente, das palavras ou da consciência.

VERSO 11: A Suprema Personalidade de Deus é compreendida pelos devotos puros que agem no estado transcendental de bhakti-yoga. Ele é o outorgador da felicidade pura e é o senhor do mundo transcenden­tal. Portanto, ofereço-Lhe meus respeitos.

VERSO 12: Ofereço minhas respeitosas reverências ao Senhor Vāsudeva, que é onipenetrante; à atemorizante forma do Senhor Nṛsiṁhadeva; ao Senhor manifesto sob a forma de um animal [Senhor Varāhadeva]; ao Senhor Dattātreya, que pregou o impersonalismo; ao senhor Buddha e a todas as outras encarnações. Ofereço minhas respeitosas reverências ao Senhor, que, embora não tenha qualidades materiais, aceita as três qualidades de bondade, paixão e ignorância presentes neste mundo material. Ofereço, também, minhas respeitosas reverên­cias à refulgência Brahman impessoal.

VERSO 13: Ofereço minhas respeitosas reverências a Vós, que sois a Superalma, o superintendente de tudo e a testemunha de tudo o que ocorre. Sois a Pessoa Suprema, a origem da natureza mate­rial e da totalidade da energia material. Sois também o proprietário do corpo material. Portanto, sois o completo supremo. Ofereço­-Vos minhas respeitosas reverências.

VERSO 14: Meu Senhor, sois o observador de todos os objetivos dos sentidos. Sem Vossa misericórdia, não há possibilidade de resolvermos o problema das dúvidas. O mundo material é exatamente como uma sombra que se assemelha a Vós. Na verdade, aceita-se este mundo material como real porque ele concede um indicativo de Vossa existência.

VERSO 15: Meu Senhor, sois a causa de todas as causas, mas Vós não tendes causa. Portanto, sois a maravilhosa causa de tudo. Ofereço minhas respeitosas reverências a Vós, que sois o refúgio do co­nhecimento védico contido nos śāstras, tais como os Pañcarātras e o Vedānta-sūtra, que são Vossas representações, e que sois a fonte do sistema paramparā. Porque sois Vós quem pode outorgar a liberação, sois o único refúgio de todos os transcendentalistas. Ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.

VERSO 16: Meu Senhor, assim como o fogo na madeira araṇi está oculto, Vós e Vosso conhecimento ilimitado estais ocultos pelos modos da natureza material. Vossa mente, no entanto, não está absorta nas atividades dos modos da natureza. Aqueles que são avançados em conhecimento espiritual não estão sujeitos aos princípios reguladores prescritos nos textos védicos. Visto que essas almas avançadas são transcendentais, pessoalmente apareceis em suas mentes puras. Portanto, ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.

VERSO 17: Uma vez que um animal como eu se rendeu a Vós, que sois supremamente liberado, decerto me tirareis desta posição perigosa. Na verdade, sendo muitíssimo misericordioso, tentais libertar-me incessantemente. Através de Vosso aspecto parcial de Paramātmā, estais situado no coração de todos os seres corporificados. Sois louvado como o conhecimento transcendental direto, e sois ilimitado. Ofereço-Vos minhas respeitosas reverências, ó Suprema Personalidade de Deus!

VERSO 18: Meu Senhor, aqueles que são inteiramente livres da contaminação material sempre meditam em Vós no âmago de seus corações. Sois extremamente difícil de ser alcançado por aqueles que, como eu, estão demasiadamente apegados à invenção mental, ao lar, aos pa­rentes, aos amigos, ao dinheiro, aos servos e aos assistentes. Sois a Suprema Personalidade de Deus, não contaminado pelos modos da natureza material. Sois o reservatório de toda a iluminação, o controlador supremo. Portanto, ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.

VERSO 19: Depois de adorar a Suprema Personalidade de Deus, aqueles que estão interessados nos quatro princípios apresentados sob a forma de religião, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos e libera­ção obtêm dEle tudo o que desejam. O que dizer, então, de outras bênçãos? Na verdade, às vezes o Senhor confere um corpo espiritual a esses adoradores ambiciosos. Que essa Suprema Personalidade de Deus, que é ilimitadamente misericordioso, outorgue-me a bênção através da qual eu seja liberto do presente perigo e do modo de vida materialista.

VERSOS 20-21: Os devotos imaculados, cujo único desejo é servir ao Senhor, adoram-nO com plena rendição e sempre ouvem e louvam Suas atividades, que são muito maravilhosas e auspiciosas. Portanto, eles estão sempre imersos em um oceano de bem-aventurança transcendental. Esses devotos nunca pedem alguma bênção ao Senhor. Eu, entre­tanto, corro perigo. Assim, oro a essa Suprema Personalidade de Deus, que é eternamente existente, que é invisível, que é o Senhor de todas as grandes personalidades, tais como Brahmā, e que é acessível somente através do bhakti-yoga transcendental. Sendo extremamente sutil, Ele está além do alcance dos meus sentidos e é transcendental a toda a percepção externa. Ele é ilimitado, Ele é a causa original e é completamente pleno de tudo. Ofereço-Lhe minhas reverências.

VERSOS 22-24: A Suprema Personalidade de Deus cria Suas diminutas partes in­tegrantes, as jīva-tattvas, começando com o senhor Brahmā, os se­mideuses e as expansões do conhecimento védico [Sāma, Ṛg, Yajur e Atharva] e, também, todas as outras entidades vivas, móveis e imóveis, com seus diferentes nomes e características. Assim como as centelhas do fogo ou os raios brilhantes do Sol emanam de sua fonte e, repetidas vezes, imergem nela, a mente, a inteligência, os sen­tidos, os corpos materiais grosseiro e sutil e as contínuas transformações dos diferentes modos da natureza – todos emanam do Senhor e voltam a imergir no Senhor. Ele não é semideus, demônio, ser huma­no, pássaro ou animal selvagem. Ele não é mulher, homem ou assexuado, tampouco é um animal. Ele não é uma qualidade material, uma atividade fruitiva, uma manifestação ou imanifestação. Ele é a última palavra no processo de se discriminar “isto não, isto não”, e Ele é ilimitado. Todas as glórias à Suprema Personalidade de Deus!

VERSO 25: Não desejo continuar vivendo após me libertar do ataque do cro­codilo. Qual a utilidade do corpo de um elefante coberto externa e internamente pela ignorância? Tudo o que desejo é me livrar eternamente da cobertura da ignorância. Essa cobertura não é destruída pela influência do tempo.

VERSO 26: Portanto, desejando plenamente me libertar da vida material, ofe­reço minhas respeitosas reverências a essa Pessoa Suprema, que é o criador do universo, que é Ele próprio a forma do universo e que, não obstante, é transcendental a esta manifestação cósmica. Ele é o conhecedor supremo de todas as coisas deste mundo, a Superalma do universo. Ele é o Senhor não-nascido, cuja posição é suprema. Ofereço-Lhe minhas respeitosas reverências.

VERSO 27: Ofereço minhas respeitosas reverências ao Supremo, a Superalma, o mestre de todo o yoga místico, o qual é visto no âmago do cora­ção pelos místicos perfeitos quando, através da prática de bhakti-yoga, estão completamente puros e livres das reações de atividades fruitivas.

VERSO 28: Meu Senhor, com Vossa força descomunal, controlais as três classes de energia. Vós apareceis como o reservatório de todo o prazer sen­sorial e o protetor das almas rendidas. Possuis uma energia ilimitada, mas sois inacessível àqueles que são incapazes de controlar os senti­dos. Repetidas vezes, ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.

VERSO 29: Ofereço minhas respeitosas reverências à Suprema Personalidade de Deus. Sob o influxo de Sua energia ilusória, a jīva, que é parte integrante de Deus, esquece-se de sua verdadeira identidade devido ao conceito de vida corpórea. Refugio-me na Suprema Personalidade de Deus, cujas glórias dificilmente são entendidas.

VERSO 30: Śrī Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Quando descrevia a autoridade suprema sem mencionar alguma pessoa em particular, o rei dos elefantes não invocou os semideuses, encabeçados pelo senhor Brahmā, senhor Śiva, Indra e Candra. Logo, nenhum deles se aproximou do elefante. Entretanto, porque é a Superalma, Puruṣottama, a Personalidade de Deus, o Senhor Hari apareceu diante de Gajendra.

VERSO 31: Após perceber a situação periclitante de Gajendra, que havia ofe­recido suas orações, a Suprema Personalidade de Deus, Hari, que está em toda parte, apareceu com os semideuses, que Lhe ofereciam orações. Portando Seu disco e outras armas, Ele, montado nas costas de Seu carregador Garuḍa, que o levava com grande velocidade, apa­receu de acordo com o Seu desejo. Assim, Ele surgiu diante de Gajendra.

VERSO 32: Gajendra fora violentamente agarrado pelo crocodilo na água e sentia dores agudas, mas, ao ver que no céu, Nārāyaṇa, brandindo Seu disco, vinha montado nas costas de Garuḍa, imediatamente apanhou uma flor de lótus com sua tromba e, com muita dificuldade devido à sua posição dolorosa, pronunciou as seguintes palavras: “Ó meu Senhor, Nārāyaṇa, mestre do universo, ó Suprema Personalidade de Deus, ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.”

VERSO 33: Em seguida, vendo Gajendra naquela posição aflitiva, a não-­nascida Suprema Personalidade de Deus, Hari, movido por Sua misericórdia imotivada, imediatamente desceu das costas de Garuḍa e arrancou da água o rei dos elefantes, juntamente com o crocodi­lo. Então, na presença de todos os semideuses, que contemplavam a cena, o Senhor, arremessando Seu disco, decepou a boca do cro­codilo. Dessa maneira, Ele salvou Gajendra, o rei dos elefantes.

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