No edit permissions for Português

CAPÍTULO SESSENTA E DOIS

O Encontro entre Ūṣā e Aniruddha

Este capítulo narra o encontro entre Aniruddha e Ūṣā, e também a batalha de Aniruddha contra Bāṇāsura.

Dos cem filhos do rei Bali, o mais velho era Bāṇāsura. Ele era um grande devoto do senhor Śiva, que favorecia tanto Bāṇa que até mesmo semideuses como Indra o serviam. Bāṇāsura certa vez agra­dou Śiva tocando instrumentos musicais com suas mil mãos en­quanto Śiva dançava seu tāṇḍava-ntya. Em resposta, Śiva ofereceu a Bāṇa qualquer benção que este escolhesse, e Bāṇa pediu que Śiva se tornasse guardião de sua cidade.

Certo dia, em que Baṇa sentia o desejo de lutar, ele disse ao senhor Śiva: “Com exceção de ti, não existe nenhum guerreiro forte o bastante para lutar contra mim em nenhum lugar do mundo. Portanto, estes mil braços que me deste não passam de um grande fardo.” Irado com essas palavras, o senhor Śiva respondeu: “Teu orgulho será esmagado em combate quando encontrares alguém que se equipare a mim. De fato, a flâmula de tua quadriga cairá ao chão, quebrada.”

A filha de Bāṇāsura, Ūṣā, certa vez teve um encontro com um amante durante o sono. Isso aconteceu várias noites seguidas, até que, certa noite, ela não conseguiu vê-lO em seus sonhos. Ūṣā, em estado agitado, acordou de repente, falando alto com Ele, mas ela ficou embaraçada quando percebeu suas servas à sua volta. Citralekhā, companheira de Ūṣā, perguntou-lhe com quem ela estava falando, e Ūṣā lhe contou tudo. Ouvindo falar do amante que aparecia nos sonhos de Ūṣā, Citralekhā tentou aliviar a aflição de sua amiga desenhan­do retratos de Gandharvas e outras personalidades celestes, bem como de vários homens da dinastia Vṛṣṇi. Citralekhā pediu que Ūṣā apontasse o homem que vira em sonhos, e Ūṣā apontou para o re­trato de Aniruddha. Citralekhā, que tinha poderes místicos, soube na mesma hora que o jovem que sua amiga apontara era o neto do Senhor Kṛṣṇa, Aniruddha. Então, usando seus poderes místicos, Citralekhā voou pelo céu até Dvārakā, encontrou Aniruddha e levou-O consigo para Śoṇitapura, capital de Bāṇāsura. Ali, ela O ofertou a Ūṣā.

Tendo conseguido o homem de seus desejos, Ūṣā passou a servi­-lO com muita afeição dentro de seus aposentos particulares, que se supunha serem estritamente proibidos para homens. Depois de algum tempo, as guardiãs do palácio interior notaram sintomas de atividade sexual em Ūṣā e, por isso, foram até Bāṇāsura para informá-lo. Enormemente perturbado, Bāṇāsura correu para os aposentos de sua filha com muitos guardas armados e, para a sua grande surpresa, viu ali Ani­ruddha. Enquanto os guardas O atacavam, Aniruddha empunhou Sua maça e conseguiu matar alguns deles antes que o poderoso Bāṇa pudesse capturá-lO com suas cordas místicas nāga-pāśa, enchendo Ūṣā de lamentação.

VERSO 1: O rei Parīkṣit disse: O melhor dos Yadus se casou com a filha de Bāṇāsura, Ūṣā, e, como resultado, houve uma colossal e medonha batalha entre o Senhor Hari e o Senhor Śaṅkara. Por favor, explica-me tudo sobre esse incidente, ó mais poderoso dos místicos.

VERSO 2: Śukadeva Gosvāmī disse: Bāṇa era o mais velho dentre os cem filhos do eminente santo Bali Mahārāja, que deu a terra toda em caridade ao Senhor Hari quando este apareceu como Vāmanadeva. Bāṇāsura, nascido do sêmen de Bali, tornou-se um grande de­voto do senhor Śiva. Sua conduta era sempre respeitável, e ele era generoso, inteligente, veraz e firme em seus votos. A bela ci­dade de Śoṇitapura estava sob seu domínio. Porque o senhor Śiva o favorecera, os próprios semideuses serviam Bāṇāsura como criados. Certa vez, enquanto Śiva dançava o tāṇḍava-nṛtya, Bāṇa agradou de modo especial o Senhor tocando um acompanha­mento musical com seus mil braços.

VERSO 3: O senhor e amo de todos os seres criados, o compassivo refúgio de seus devotos, contentou Bāṇāsura oferecendo-lhe uma bênção à sua escolha. Bāṇa escolheu que ele, o senhor Śiva, fosse o guar­dião de sua cidade.

VERSO 4: Bāṇāsura estava inebriado com sua força. Certo dia, quando o senhor Śiva achava-se de pé a seu lado, Bāṇāsura tocou os pés de lótus do senhor com seu elmo, que brilhava como o Sol, e disse-lhe o seguinte.

VERSO 5: [Bāṇāsura disse:] Ó senhor Mahādeva, prostro-me diante de ti, o mestre espiritual e controlador dos mundos. És como a árvore celestial que satisfaz os desejos daqueles cujos desejos estão insatisfeitos.

VERSO 6: Estes mil braços que me concedeste tornaram-se nada além de um grande fardo. Além de ti, não encontro ninguém nos três mundos digno de me enfrentar.

VERSO 7: Ávido por lutar com os elefantes que regem as direções, ó senhor primordial, eu saí pulverizando montanhas com meus braços, que coçavam de desejo de lutar. Mas até mesmo aqueles magníficos elefantes fugiram amedrontados.

VERSO 8: Ouvindo isto, o senhor Śiva ficou irado e retrucou: “Tua bandeira será quebrada, tolo, quando entrares em combate com alguém que se equipara a mim. Essa luta aniquilará tua presunção.”

VERSO 9: Assim advertido, o ininteligente Bāṇāsura se deleitou. O tolo, então, foi para casa, ó rei, para esperar pelo que o senhor Giriśa havia predito: a destruição de sua valentia.

VERSO 10: Em sonho, a filha de Bāṇa, a donzela Ūṣā, teve um encontro amoroso com o filho de Pradyumna, embora nunca antes tivesse visto seu amante ou ouvido falar dele.

VERSO 11: Perdendo-O de vista em seu sonho, Ūṣā de repente sentou-se no meio de suas amigas, exclamando: “Onde estás, meu ama­do?” Ela ficou muito perturbada e embaraçada.

VERSO 12: Bāṇāsura tinha um ministro chamado Kumbhāṇḍa, cuja filha era Citralekhā. Companheira de Ūṣā, ela se encheu de curiosi­dade e, por isso, perguntou o seguinte à sua amiga.

VERSO 13: [Citralekhā disse:] Quem estás procurando, ó donzela de belas sobrancelhas? Que anseio é esse que estás sentindo? Até agora, ó princesa, não vi homem algum tomar tua mão em casamento.

VERSO 14: [Ūṣā disse:] Em meu sonho, vi certo homem que tinha uma tez azul­-escura, olhos de lótus, roupas amarelas e braços poderosos. Ele era do tipo que toca os corações das mulheres.

VERSO 15: É esse amante que procuro. Depois de me fazer beber o mel de Seus lábios, Ele foi para outro lugar e, assim, atirou esta moça, que O deseja ardentemente, no oceano de sofrimento.

VERSO 16: Citralekhā disse: Afastarei tua aflição. Se Ele Se encontra em algum lugar dentro dos três mundos, trarei esse teu futuro mari­do que te roubou o coração. Por favor, mostra-me quem Ele é.

VERSO 17: Após dizer isso, Citralekhā começou a desenhar retratos exatos dos vários semideuses, Gandharvas, Siddhas, Cāraṇas, Panna­gas, Daityas, Vidyādharas, Yakṣas e seres humanos.

VERSOS 18-19: Ó rei, dentre os seres humanos, Citralekhā desenhou retra­tos dos Vṛṣṇis, incluindo Śūrasena, Anakadundubhi, Balarāma e Kṛṣṇa. Ao ver o retrato de Pradyumna, Ūṣā ficou acanhada e, ao ver o retrato de Aniruddha, ela inclinou a cabeça, embaraçada, e exclamou sorrindo: “É ele! É ele!”

VERSO 20: Citralekhā, dotada de poderes místicos, reconheceu que Ele era o neto de Kṛṣṇa [Aniruddha]. Meu querido rei, ela então viajou pelo caminho místico do céu até Dvārakā, a cidade prote­gida pelo Senhor Kṛṣṇa.

VERSO 21: Ali, ela encontrou Aniruddha, o filho de Pradyumna, dormindo sobre um requintado leito. Com seu poder ióguico, ela O levou para Śoṇitapura, onde presenteou sua amiga Ūṣā com o amado desta.

VERSO 22: Quando Ūṣā contemplou aquele que era o mais belo dos homens, seu rosto se iluminou de júbilo. Ela levou o filho de Pradyumna a seus aposentos particulares, que não podiam nem mesmo ser vistos por homens, e lá desfrutou com Ele.

VERSOS 23-24: Ūṣā adorava Aniruddha com serviço fiel, oferecendo-Lhe rou­pas de valor inestimável, bem como guirlandas, perfumes, incen­so, lamparinas, assentos etc. Ela também Lhe oferecia bebidas, todo tipo de comida e palavras doces. Enquanto permanecia escondido nos aposentos das donzelas, Aniruddha não notou o passar dos dias, pois Seus sentidos estavam cativados por Ūṣā, cuja afeição por Ele aumentava sempre mais.

VERSOS 25-26: As guardiãs acabaram notando sintomas inconfundíveis do envolvimento amoroso de Ūṣā, que, tendo quebrado seu voto de virgindade, estava sendo desfrutada pelo herói Yadu e mostrava sinais de felicidade conjugal. As guardiãs foram a Bāṇāsura e disseram-lhe: “Ó rei, descobrimos em tua filha a espécie de mau comportamento que arruína a reputação da família de uma moça.”

VERSO 27: “Nós a temos vigiado com muita atenção, sem jamais deixar nossos postos, ó amo, de modo que não podemos entender como essa donzela, que nenhum homem pode ver sequer, foi corrompida dentro do palácio.”

VERSO 28: Muito agitado ao saber da corrupção de sua filha, Bāṇāsura dirigiu-se precipitadamente para os aposentos das jovens. Ali, ele viu o orgulho dos Yadus, Aniruddha.

VERSOS 29-30: Bāṇāsura viu diante de si o filho do próprio Cupido, dotado de beleza inigualável, de tez azul-escura, roupas amarelas, olhos de lótus e braços formidáveis. Seu rosto era adornado com brincos e cabelos refulgentes, e também com olhares que pareciam sorrir. Enquanto estava sentado defronte de Sua muito auspiciosa amante, jo­gando dados com ela, pendia entre Seus braços uma guirlanda de jasmins da primavera que fora manchada com o pó de kuṅkuma dos seios dela quando Ele a abraçara. Bāṇāsura ficou atô­nito ao ver tudo isso.

VERSO 31: Vendo Bāṇāsura entrar com muitos guardas armados, Aniruddha ergueu Sua maça de ferro e postou-Se resoluto, pronto para golpear quem quer que O atacasse. Ele parecia a morte personificada segurando a vara de castigo.

VERSO 32: Quando os guardas convergiram sobre Ele, tentando capturá­-lO, Aniruddha atacou-os assim como o líder de uma alcateia de javalis revida ao ataque dos cães. Atingidos por Seus golpes, os guardas, com as cabeças, coxas e braços quebrados, fugiram do palácio correndo a fim de salvar suas vidas.

VERSO 33: Mas bem quando Aniruddha estava derrotando o exército de Bāṇa, aquele poderoso filho de Bali iradamente O prendeu com suas cordas místicas nāga-pāśa. Ao ouvir falar da captura de Aniruddha, Ūṣā foi tomada de aflição e depressão; seus olhos encheram-se de lágrimas, e ela chorou.

« Previous Next »