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VERSO 27

asti yajña-patir nāma
keṣāñcid arha-sattamāḥ
ihāmutra ca lakṣyante
jyotsnāvatyaḥ kvacid bhuvaḥ

asti — tem que haver; yajña-patiḥ — o desfrutador de todos os sacrifícios; nāma — do nome; keṣāñcit — na opinião de alguns; arha­-sattamāḥ — ó mais respeitáveis; iha — neste mundo material; amu­tra — após a morte; ca — também; lakṣyante — é visível; jyotsnā­-vatyaḥ — poderosos, belos; kvacit — em algum lugar; bhuvaḥ­ — corpos.

Meus queridos e respeitáveis senhores e senhoras, conforme as afirmações autorizadas do śāstra, é preciso que haja uma autoridade suprema que seja capaz de conceder os respectivos benefícios de nossas atividades atuais. Caso contrário, por que haveria pessoas incomumente belas e poderosas tanto nesta vida quanto na vida após a morte?

SIGNIFICADO—A única meta de Pṛthu Mahārāja ao governar seu reino era elevar os cidadãos ao padrão da consciência de Deus. Como havia uma grande assembleia na arena do sacrifício, havia diferentes classes de homens presentes, mas ele estava especialmente interessado em falar àqueles que não eram ateístas. Já se explicou nos versos anteriores que Pṛthu Mahārāja aconselhou os cidadãos a tornarem-se adhokṣaja-dhiyaḥ, que significa “conscientes de Deus”, ou “conscientes de Kṛṣṇa”, e, neste verso, ele apresenta especificamente a autoridade dos śāstras, muito embora seu pai fosse o ateísta número um, que não se guiava pelos preceitos mencionados nos śāstras védicos, que praticamente suspendeu todas as realizações de sacrifícios e que causou tanto desgosto aos brāhmaṇas que estes não somente o des­tronaram, mas também o amaldiçoaram e o mataram. Os homens ateístas não creem na existência de Deus, de modo que entendem tudo o que acontece em nossas atividades diárias como sendo devido ao arranjo físico e ao acaso. Os ateus acreditam na filosofia sāṅkhya ateísta da combinação de prakṛti e puruṣa. Eles acredi­tam unicamente na matéria e sustentam que a matéria, sob certas condições de amalgamação, dá origem à força vital, que então aparece como o puruṣa, o desfrutador; depois, quando a matéria se combina com a força vital, as muitas variedades de manifestação material passam a existir. Tampouco os ateístas creem nos preceitos dos Vedas. Segundo eles, todos os preceitos védicos são meras teorias que não têm aplicação prática na vida. Levando tudo isso em consideração, Pṛthu Mahārāja sugeriu que os homens teístas rejeitassem solida­mente as visões ateístas, com base em que não pode haver muitas variedades de existência sem o plano de uma inteligência superior. Os ateístas explicam muito vagamente que essas variedades de exis­tência ocorrem apenas por acaso, mas os teístas que creem nos preceitos dos Vedas devem chegar a todas as suas conclusões sob a orientação dos Vedas.

O Viṣṇu Purāṇa afirma que toda a instituição varṇāśrama destina-se a satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. As regras e regulações estabelecidas para o cumprimento dos deveres dos brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas e śūdras, ou dos brahmacārīs, gṛhas­thas, vānaprasthas e sannyāsīs, destinam-se todas a satisfazer o Senhor Supremo. Hoje em dia, embora os supostos brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas e śūdras tenham perdido sua cultura original, eles afirmam ser brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas e śūdras por hereditarie­dade. Todavia, têm rejeitado a proposição de que tais ordens sociais e espirituais destinam-se especialmente à adoração do Senhor Viṣṇu. A perigosa teoria māyāvāda apresentada por Śaṅkarācārya – de que Deus é impessoal – não corresponde aos preceitos dos Vedas. Portanto, Śrī Caitanya Mahāprabhu descrevia os filósofos māyāvādīs como sendo os maiores ofensores contra a Personalidade de Deus. Segundo o sistema védico, quem não se guia pelas ordens dos Vedas chama-se nāstika, ou ateísta. Ao pregar sua teoria de não­violência, o senhor Buddha foi obrigado a negar a autoridade dos Vedas, razão pela qual foi considerado nāstika pelos seguidores dos Vedas. Todavia, apesar de Śrī Caitanya Mahāprabhu denunciar muito claramente os seguidores da filosofia do senhor Buddha como nāstikas, ou ateístas, por estes negarem a autoridade dos Vedas, Ele considerou os śaṅkaristas, que queriam estabelecer a autoridade védica através de truques e que na verdade seguiam a filosofia māyāvāda da escola de Buddha, mais perigosos do que os próprios budistas. A teoria dos filósofos śaṅkaristas, de que temos de imaginar uma forma de Deus, é mais perigosa do que a negação da existência de Deus. Não obstante toda a teorização filosófica dos ateístas ou māyāvādīs, os seguidores da consciência de Kṛṣṇa vivem rigidamente conforme os preceitos dados na Bhagavad-gītā, que é aceita como a essência de todas as escrituras védicas. A Bhagavad­-gītā (18.46) afirma:

yataḥ pravṛttir bhūtānāṁ
yena sarvam idaṁ tatam
sva-karmaṇā tam abhyarcya
siddhiṁ vindati mānavaḥ

“Através da adoração ao Senhor, que é a fonte de todos os seres e que é onipenetrante, o homem pode, no desempenho de seu próprio dever, alcançar a perfeição.” Isso indica que a Suprema Personali­dade de Deus é a fonte original de tudo, como se descreve no Vedānta-sūtra (janmādy asya yataḥ). O próprio Senhor também confirma na Bhagavad-gītā que ahaṁ sarvasya prabhavaḥ: “Eu sou a origem de tudo.” A Suprema Personalidade de Deus é a fonte original de todas as emanações, e, ao mesmo tempo, como o Paramātmā, Ele Se difunde em toda a existência. A Verdade Absoluta é, portanto, a Suprema Personalidade de Deus, e todo ser vivo destina-se a satisfazer a Divindade Suprema, desempenhando seu respectivo dever (sva-karmaṇā tam abhyarcya). Mahārāja Pṛthu queria introduzir esta fórmula entre os cidadãos.

O ponto mais importante na civilização humana é que, enquanto alguém se dedica a diferentes deveres ocupacionais, ele deve tentar satisfazer o Senhor Supremo através do cumprimento de tais deveres. Esta é a perfeição máxima da vida. Svanuṣṭhitasya dharmasya saṁsiddhir hari-toṣaṇam: desempenhando nosso dever pres­crito, poderemos tornar-nos muito exitosos na vida se simplesmente satisfizermos a Suprema Personalidade de Deus. Um vívido exemplo disso é Arjuna. Ele era um kṣatriya, seu dever era lutar e, desem­penhando seu dever prescrito, ele satisfez o Senhor Supremo e, em virtude disso, tornou-se perfeito. Todos devem seguir este princípio. Os ateístas, que não o fazem, são condenados na Bhagavad-gītā (16.19) através da seguinte afirmação: tān ahaṁ dviṣataḥ krūrān saṁsāreṣu narādhamān. Este verso afirma claramente que pessoas que têm inveja da Suprema Personalidade de Deus são as mais baixas da humanidade e são muito perniciosas. Sob os princípios reguladores do Supremo, tais pessoas perniciosas são lançadas à mais escura região da existência material e nascem em famílias de asuras, ou ateus. Nascimento após nascimento, semelhantes asuras caem cada vez mais, chegando, por fim, às formas animais, como as de tigres ou animais ferozes semelhantes. Assim, por milhões de anos, eles são obrigados a permanecer na escuridão, sem conhecimento de Kṛṣṇa.

A Suprema Personalidade de Deus é conhecida como Puruṣot­tama, ou a melhor de todas as entidades vivas. Ele é uma pessoa como todas as demais entidades vivas, mas Ele é o líder ou o melhor de todos os seres vivos. Isso também se afirma nos Vedas, nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām: Ele é o principal de todos os eternos, a principal de todas as entidades vivas, sendo completo e pleno. Ele não tem necessidade de obter benefícios, interferindo nos afazeres de outras entidades vivas, mas, por ser o mantenedor de todos, Ele tem o direito de conduzi-las ao padrão adequado para que todas as entidades vivas possam tornar-se felizes. Um pai deseja que todos os seus filhos se tornem felizes sob sua orientação. Do mesmo modo, Deus, ou Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, tem o direito de zelar para que todas as entidades vivas sejam felizes. Não há possibilidade de alguém tornar-se feliz neste mundo material. O pai e os filhos são eternos, mas, se uma entidade viva não chega à plataforma de sua vida eterna de bem-aventurança e conhecimento, não há possibilidade de ser feliz. Embora Puruṣottama, a melhor de todas as entidades vivas, não tire proveito nenhum das entidades vivas comuns, tem o direito de discriminar entre seus procedi­mentos corretos e errados. O procedimento correto é o caminho de atividades destinadas a satisfazer a Suprema Personalidade de Deus, como já discutimos (svanuṣṭhitasya dharmasya saṁsiddhir hari-toṣaṇam). Uma entidade viva pode dedicar-se a qualquer dever ocupacional, mas, se ela deseja obter a perfeição em seus deveres, precisa satisfazer o Senhor Supremo. Sendo assim, quem quer que O satisfaça obtém melhores meios de vida, mas aquele que O desagrada vê-se envolvido em situações indesejáveis.

Conclui-se, portanto, que existem duas classes de deveres – o dever mundano e o dever desempenhado em nome de yajña, ou sacrifício (yajñārthāt karma). Qualquer karma (atividade) que alguém exe­cute sem a intenção de yajña é causa de cativeiro. Yajñārthāt karmaṇo ’nyatra loko ’yaṁ karma-bandhanaḥ: “Deve-se executar trabalho como um sacrifício a Viṣṇu, ou o trabalho nos prende a este mundo material.” (Bhagavad-gītā 3.9) Karma-bandhanaḥ, ou o cativeiro do karma, é administrado sob os regulamentos das estritas leis da natureza material. A existência material é uma luta para vencer os obstáculos apresentados pela natureza material. Os asuras estão sempre lutando para superar esses obstáculos, e, através do poder ilusório da natureza material, as entidades vivas tolas trabalham muito arduamente neste mundo material e aceitam isso como felici­dade. Isso se chama māyā. Nessa árdua luta pela vida, eles negam a existência da autoridade suprema, Puruṣottama, a Suprema Per­sonalidade de Deus.

A fim de regular as atividades das entidades vivas, Deus nos forneceu códigos, assim como um rei fornece códigos de leis no estado, e qualquer pessoa que viole a lei é punida. De forma semelhante, o Senhor deu o conhecimento infalível dos Vedas, que não são contaminados pelos quatro defeitos da vida humana – a saber, cometer erros, iludir-se, enganar e ter sentidos imperfeitos. Se não aceitarmos a orientação dos Vedas e, ao invés disso, agirmos caprichosamente conforme nossa própria escolha, decerto seremos punidos pelas leis do Senhor, que oferece diferentes espécies de corpos nas 8.400.000 espécies de formas. A existência material, ou o processo de gozo dos sentidos, é conduzida de acordo com a classe de corpo que a prakṛti, ou a natu­reza material, nos dá. Sendo assim, é preciso haver divisões de ativi­dades piedosas e impiedosas (puṇya e pāpa). A Bhagavad-gītā (7.28) afirma claramente:

yeṣāṁ tv anta-gataṁ pāpaṁ
janānāṁ puṇya-karmaṇām
te dvandva-moha-nirmuktā
bhajante māṁ dṛḍha-vratāḥ

“Quem supera inteiramente as atividades resultantes do caminho ímpio de vida [isto só é possível para quem se dedica com exclusividade a atividades piedosas] pode compreender sua relação eterna com a Suprema Personalidade de Deus. Deste modo, ocupa-se no transcendental serviço amoroso ao Senhor.” Esta vida constituída de sempre ocupar-se no serviço amoroso ao Senhor chama-se adhokṣaja-­dhiyaḥ, ou uma vida de consciência de Kṛṣṇa, a qual o rei Pṛthu queria que seus cidadãos seguissem.

As diferentes variedades de vida e de existência material não surgem por acaso e necessidade: o Senhor Supremo faz diferentes arranjos em termos das atividades piedosas e ímpias das entidades vivas. Quem realiza atividades piedosas pode nascer em boa família em uma boa nação, pode obter um belo corpo ou pode tornar-se muito bem instruído ou muito rico. Vemos, portanto, que, em dife­rentes locais e em diferentes planetas, há diferentes padrões de vida, feições corpóreas e níveis educacionais, todos outorgados pela Suprema Personalidade de Deus de acordo com as atividades pie­dosas ou ímpias. Portanto, as variedades de vida desenvolvem-se, não por acaso, mas por um arranjo pré-estabelecido. Existe um plano, que se encontra esboçado no conhecimento védico. Deve­mos tirar proveito desse conhecimento e moldar nossa vida de tal maneira que, no final, especialmente na forma de vida humana, possamos voltar ao lar, voltar ao Supremo, praticando a consciência de Kṛṣṇa.

A literatura védica pode explicar melhor a teoria do acaso com as palavras ajñāta-sukṛti, que se referem a atividades piedosas rea­lizadas sem o conhecimento do autor. Mas elas também são plane­jadas. Por exemplo, Kṛṣṇa aparece como um ser humano comum, Ele aparece como devoto na forma do Senhor Caitanya ou, então, envia Seu representante, o mestre espiritual, ou o devoto puro. Esta também é uma atividade planejada pela Suprema Per­sonalidade de Deus. Eles vêm para atrair as pessoas e educá-las, e, assim, uma pessoa situada na energia ilusória do Senhor Supremo tem a oportunidade de conviver com eles, falar com eles e receber lições deles. Se, de alguma forma, uma alma condicionada se rende a semelhantes personalidades e, através do contato íntimo com eles, acontece de se tornar consciente de Kṛṣṇa, ela é salva das condições materiais da vida. Portanto, Kṛṣṇa instrui:

sarva-dharmān parityajya
mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja
ahaṁ tvāṁ sarva-pāpebhyo
mokṣayiṣyāmi mā śucaḥ

“Abandona todas as variedades de religião e simplesmente rende-te a Mim. Eu te livrarei de todas as reações pecaminosas. Não temas.” (Bhagavad-gītā 18.66) A expressão sarva-pāpebhyaḥ significa “de todas as ativi­dades pecaminosas”. Uma pessoa que se rende a Ele, valendo-se da oportunidade de associar-se com o devoto puro, com o mestre espiritual ou com outras encarnações autorizadas da Divindade, tais como Pṛthu Mahārāja, é salva por Kṛṣṇa, e sua vida torna-se exitosa.

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