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Capítulo Dez

A Batalha entre os Semideuses e Vṛtrāsura

Como se descreve neste capítulo, depois que Indra obteve de Dadhīci o corpo deste, preparou-se um raio com os ossos de Dadhīci, e ocorreu uma luta entre Vṛtrāsura e os semideuses.

Seguindo a ordem da Suprema Personalidade de Deus, os semi­deuses foram ter com Dadhīci Muni e lhe pediram o corpo. Como queria ouvir os semideuses falarem sobre os princípios da religião, Dadhīci Muni recusou-se a abdicar do corpo por simples troça, mas, por propósitos superiores, concordou em abandoná-lo mais tarde, pois, depois da morte, o corpo costuma ser comido por animais inferiores, tais como cães e chacais. Dadhīci Muni primei­ramente mergulhou seu corpo grosseiro feito de cinco elementos no conjunto original formado de cinco elemen­tos, após o que colocou sua alma aos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus. Assim, abandonou seu corpo grosseiro. Com a ajuda de Viśvakarmā, os semideuses prepararam um raio que seria formado pelos ossos de Dadhīci. Munidos dessa arma sob a forma de um raio, eles se dispuseram a lutar e montaram nas costas de elefantes.

No fim de Satya-yuga e no começo de Tretā-yuga, deu-se uma grande batalha travada entre os semideuses e os asuras. Incapazes de tolerar a refulgência dos semideuses, os asuras fugiram da bata­lha, deixando Vṛtrāsura, seu comandante, a lutar sozinho. Vṛtrāsura, entretanto, ao ver os demônios fugirem, instruiu-os sobre a impor­tância de lutar e morrer no campo de batalha. Aquele que sai vi­torioso na batalha ganha posses materiais, e aquele que morre no campo de batalha obtém imediatamente uma residência nos mundos celestiais. Em ambos os casos, o combatente se beneficia.

VERSO 1: Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Após transmitir a Indra essas instruções, Hari, a Suprema Personalidade de Deus, a causa da mani­festação cósmica, naquele mesmo instante e lugar desapareceu da presença dos semideuses que O observavam.

VERSO 2: Ó rei Parīkṣit, seguindo as instruções do Senhor, os semideuses foram ter com Dadhīci, o filho de Atharvā. Ele era muito liberal, e quando lhe pediram que lhes desse seu corpo, ele logo manifestou o seu consentimento parcial. Entretanto, somente para ouvi-los transmi­tir instruções religiosas, ele sorriu e falou as seguintes palavras jocosas.

VERSO 3: Ó elevados semideuses, na hora da morte, severas e insuportáveis dores tiram a consciência de todas as entidades vivas que aceitaram corpos materiais. Desconheceis que existe essa dor?

VERSO 4: Neste mundo material, toda entidade viva é muito apegada ao seu corpo material. Esforçando-se em manter seu corpo para sempre, a pessoa faz todo o possível para protegê-lo, sacrificando, inclusive, todas as suas posses. Portanto, quem estaria disposto a entregar o seu corpo a outrem, mesmo que o Senhor Viṣṇu estivesse requisi­tando tal corpo?

VERSO 5: Os semideuses responderam: Ó excelente brāhmaṇa, pessoas pie­dosas iguais a ti, cujas atividades são louváveis, mostram muita bon­dade e afeição para com as pessoas em geral. O que tais almas piedosas poderiam se recusar a fazer em prol dos demais? Elas podem dar tudo, inclusive seus próprios corpos.

VERSO 6: Aqueles que estão demasiadamente interessados em si mesmos pedem algo aos outros, ignorando a dor alheia. Contudo, se quem pede conhecesse a dificuldade enfrentada pelo doador, ele nada pediria. Do mesmo modo, aquele que é capaz de fazer caridade desconhece a dificuldade pela qual passa a pessoa que pede, pois, do contrário, não se recusaria a lhe dar qualquer coisa que este desejasse em caridade.

VERSO 7: O grande sábio Dadhīci falou: Simplesmente para ouvir falardes sobre os princípios religiosos, recusei-me a oferecer meu corpo quando o pedistes. Agora, não obstante meu corpo me seja extremamente querido, devo dá-lo em prol de vossos excelentes propósi­tos, pois reconheço que o perderei hoje ou amanhã.

VERSO 8: Ó semideuses, alguém que não sente compaixão pelo sofrimento da humanidade e que não sacrifica seu corpo temporário em prol de causas superiores, tais como os princípios religiosos ou a glória eterna, com certeza é digno de lamentação mesmo entre os seres inertes.

VERSO 9: Se uma pessoa se entristece ao ver o sofrimento de outras entidades vivas e se alegra ao ver sua felicidade, os princípios religiosos dessa pessoa são apreciados como imperecíveis por parte de personalidades elevadas e consideradas piedosas e benevolentes.

VERSO 10: Este corpo, que, após a morte, torna-se comida para cães e chacais, realmente não faz nenhum bem a mim, a alma espiritual. Ele é útil apenas por pouco tempo e pode perecer a qualquer instante. O corpo e suas posses, suas riquezas e parentes devem ser direcionados em benefício alheio. Do contrário, serão uma fonte de tribulações e sofrimentos.

VERSO 11: Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Dadhīci Muni, o filho de Atharvā, decidiu, então, abandonar seu corpo para servir aos semideuses. Ele colocou a si próprio, a alma espiritual, aos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus e, dessa maneira, abandonou seu corpo material grosseiro feito de cinco elementos.

VERSO 12: Dadhīci Muni controlou seus sentidos, força vital, mente e inteligência e se absorveu em transe. Assim, ele rompeu todos os seus laços materiais. Ele não pôde perceber como seu corpo material se separou do seu eu.

VERSOS 13-14: Depois disso, o rei Indra, com muita firmeza, empunhou o raio que Viśvakarmā fabricara utilizando os ossos de Dadhīci. Investido do extraordinário poder de Dadhīci Muni e iluminado pelo poder da Suprema Personalidade de Deus, Indra, cercado por todos os semi­deuses, passeava montado nas costas de seu carregador, Airāvata, ao mesmo tempo em que todos os grandes sábios lhe ofereciam louvores. Assim, o brilho que dele emanava era muito belo, aprazendo os três mundos enquanto ele partia para matar Vṛtrāsura.

VERSO 15: Meu querido rei Parikṣit, da mesma forma que Rudra, estando muito irado contra Antaka [Yamarāja] em outra ocasião precipitou-se em direção a Antaka para matá-lo, Indra, irado e com muito vigor, atacou Vṛtrāsura, que estava cercado pelos líderes dos exércitos demoníacos.

VERSO 16: Depois disso, no final de Satya-yuga e no início de Treta-yuga, ocorreu uma feroz batalha entre os semi­deuses e os demônios às margens do Narmadā.

VERSOS 17-18: Ó rei, ao adentrarem o campo de batalha, todos os asuras, liderados por Vṛtrāsura, viram o rei Indra carregando o raio e cer­cado pelos Rudras, Vasus, Ādityas, Aśvinī-kumāras, Pitās, Vahnis, Maruts, Ṛbhus, Sādhyas e Viśvadevas. Cercado por seus partidários, Indra emanava tamanho brilho que ofuscava os demônios.

VERSOS 19-22: Muitas centenas e milhares de demônios, semidemônios, Yakṣas, Rākṣasas [canibais] e outros, encabeçados por Sumāli e Māli, resistiram aos exércitos do rei Indra, os quais até mesmo a morte personificada sente dificuldade de sujeitar. Entre os demônios, constavam Namuci, Śambara, Anarvā, Dvimūrdhā, Ṛṣabha, Asura, Hayagrīva, Śaṅkuśirā, Vipracitti, Ayomukha, Pulomā, Vṛṣaparvā, Praheti, Heti e Utkala. Rugindo tumultuosa e destemidamente como leões, esses demônios invencíveis, estando todos vestidos com joias de ouro e empunhando armas, tais como maças, clavas, flechas, azagaias, tacapes e lanças, afligiam os semideuses.

VERSO 23: Munidos de lanças, tridentes, machados, espadas e outras armas, tais como śataghnīs e bhuśuṇḍis, os demônios atacavam de diferentes direções e dispersavam todos os líderes dos exércitos dos semideuses.

VERSO 24: Assim como as estrelas não podem ser vistas quando o céu está coberto por densas nuvens, os semideuses, estando completamente cobertos pela chuva de flechas que seguidamente caíam sobre eles, também não podiam ser vistos.

VERSO 25: A chuva de vários tipos de armas e flechas disparadas para matar os soldados dos semideuses não os atingiam porque os semideuses, agindo com presteza, cortavam as armas em milhares de pedaços enquanto elas ainda estavam no ar.

VERSO 26: Ao verem que suas armas e mantras escasseavam, os demônios passaram a arremessar picos de montanhas, árvores e pedras sobre os soldados dos semideuses, mas os semideuses eram tão poderosos e hábeis que, tal como antes, neutralizavam todas essas armas, despeda­çando-as no ar.

VERSO 27: Quando os soldados dos demônios, comandados por Vṛtrāsura, viram que os soldados do rei Indra estavam incólumes, não tendo sido feridos por nenhum de seus projéteis, tampouco pelas árvores, pedras e picos de montanhas, os demônios ficaram muito amedrontados.

VERSO 28: Quando pessoas insignificantes se valem de palavras ásperas para lançar acusações falsas e iradas contra pessoas santas, essas palavras vãs não perturbam as grandes personalidades. Do mesmo modo, eram inúteis todos os esforços dos demônios contra os semideuses, que, sob a proteção de Kṛṣṇa, estavam em posição vantajosa.

VERSO 29: Os asuras, que sempre se negam a ser devotos do Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, perderam seu orgulho na luta ao perceberem que todos os seus esforços eram em vão. Abandonando seu líder logo no começo da batalha, eles decidiram fugir, pois o inimigo os havia privado de todos os seus poderes.

VERSO 30: Vendo todo o seu exército destroçado e percebendo todos os asuras, mesmo aqueles com fama de grandes heróis, fugindo do campo de batalha devido ao medo intenso, Vṛtrāsura, que era realmente um herói magnânimo, sorriu e falou as seguintes palavras.

VERSO 31: De acordo com sua posição e levando em consideração o tempo e as circunstâncias, Vṛtrāsura, o herói entre os heróis, falou palavras dignas de serem apreciadas por homens dados à reflexão. Ele conclamou os heróis dos demônios: “Ó Vipracitti! Ó Namuci! Ó Pulomā! Ó Maya, Anarvā e Śambara! Por favor, escutai o que tenho a dizer e não fujais.”

VERSO 32: Vṛtrāsura disse: Todas as entidades vivas que nasceram neste mundo material morrerão. O fato é que, neste mundo, ninguém jamais encontrou algum meio de se livrar da morte. Nem mesmo a providência forneceu meios para alguém escapar da morte. Nessas circunstâncias, sendo a morte inevitável, se alguém pode ganhar uma promoção aos sistemas planetários superiores e, então, ganhar aqui fama per­pétua em consequência de sua morte heroica, que homem não acei­taria uma morte assim tão gloriosa?

VERSO 33: Existem duas maneiras de obter uma morte gloriosa, e ambas são muito raras. Uma delas consiste em a pessoa morrer após executar yoga místico, especialmente bhakti-yoga, através do que é possível con­trolar a mente e a força vital e morrer com o pensamento absorto na Suprema Personalidade de Deus. A segunda consiste em morrer no campo de batalha, liderando o exército e nunca dando as costas ao inimigo. Essas duas espécies de morte são recomendadas nos śāstras como gloriosas.

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