CAPÍTULO TRINTA E TRÊS
A Dança da Rāsa
Este capítulo descreve a dança da rāsa do Senhor Śrī Kṛṣṇa, a qual Ele desfrutou com Suas queridas namoradas nas florestas ao longo do rio Yamunā.
A Suprema Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, é muito versado no conhecimento dos humores transcendentais. Na companhia das gopīs, que estavam fortemente presas a Ele pelas cordas da afeição e cem por cento dedicadas a Seu serviço, o Senhor expandiu-Se em numerosas formas. As gopīs ficaram inebriadas devido ao entusiasmo para desfrutar a dança da rāsa e, então, começaram a satisfazer os sentidos de Kṛṣṇa mediante canções, danças e gestos amorosos. As doces vozes das gopīs encheram todas as direções.
Mesmo depois que o Senhor Kṛṣṇa Se manifestou em numerosas formas, cada gopī pensava que Ele só estava perto de si. Aos poucos, as gopīs sentiram-se fatigadas devido ao contínuo dançar e cantar, e cada uma delas pôs o braço no ombro do Kṛṣṇa que estava a seu lado. Algumas gopīs cheiraram e beijaram o braço de Kṛṣṇa, que tinha a fragrância do lótus e estava ungido com pasta de sândalo. Outras colocaram a mão de Kṛṣṇa em seus corpos, e outras ainda deram prazer a Kṛṣṇa abraçando-O amorosamente.
O Senhor Kṛṣṇa, sendo a Suprema Verdade Absoluta, é o único verdadeiro desfrutador e objeto de prazer. Embora seja único e inigualável, Ele Se expande em muitas formas para aumentar Seus passatempos pessoais. Portanto, grandes estudiosos dizem que a rāsa-līlā de Kṛṣṇa é como a brincadeira de uma criança com o próprio reflexo. Śrī Kṛṣṇa é autossatisfeito e plenamente dotado de inconcebíveis opulências transcendentais. Quando Ele exibe passatempos tais como a rāsa-līlā, todos os seres vivos, desde Brahmā até as folhas de relva, imergem no oceano da admiração.
Depois de ouvir a narração dos passatempos conjugais de Kṛṣṇa com as gopīs, os quais superficialmente se assemelham às atividades de pessoas luxuriosas e libertinas, Mahārāja Parīkṣit expressou uma dúvida ao grande devoto Śrīla Śukadeva Gosvāmī. Śukadeva dissipou essa dúvida afirmando: “Uma vez que Śrī Kṛṣṇa é o desfrutador absoluto, passatempos tais como esses jamais poderão ser maculados de alguma maneira. Todavia, se alguém diferente da Suprema Personalidade de Deus tentar desfrutar de tais passatempos, sofrerá o mesmo destino que alguém sofreria se tentasse beber um oceano de veneno sem ser o senhor Rudra. Além disso, mesmo alguém que apenas pense em imitar a rāsa-līlā do Senhor Kṛṣṇa decerto sofrerá imensamente.”
A Suprema Verdade Absoluta, Śrī Kṛṣṇa, está presente nos corações de todas as entidades vivas como sua testemunha imanente. Quando, por Sua misericórdia, Ele exibe Seus passatempos íntimos a Seus devotos, estas atividades jamais são maculadas pela imperfeição mundana. Qualquer ser vivo que ouvir falar da espontânea atração amorosa que as gopīs sentiam pelo Senhor Kṛṣṇa terá seus desejos de gozo material dos sentidos destruídos pela raiz e desenvolverá sua propensão natural a servir o Senhor Supremo, o mestre espiritual e os devotos do Senhor.
VERSO 1: Śukadeva Gosvāmī disse: Ao ouvirem a Suprema Personalidade de Deus dizer essas palavras muito encantadoras, as vaqueirinhas esqueceram a aflição que sentiam por estarem separadas dEle. Tocando os membros transcendentais do Senhor, elas sentiram todos os seus desejos satisfeitos.
VERSO 2: Ali nas margens do Yamunā, o Senhor Govinda então iniciou o passatempo da dança da rāsa em companhia daquelas joias dentre as mulheres, as fiéis gopīs, que alegremente se deram os braços.
VERSO 3: A festiva dança da rāsa começou, com as gopīs dispostas em círculo. O Senhor Kṛṣṇa expandiu-Se, entrou no meio de cada par de gopīs e, como o mestre do poder místico, colocou os braços ao redor dos pescoços delas, fazendo com que cada mocinha pensasse que Ele estava apenas a seu lado. Os semideuses e suas esposas, dominados pela avidez de testemunhar a dança da rāsa, logo encheram o céu com suas centenas de aeroplanos celestiais.
VERSO 4: Timbales ressoavam no céu enquanto choviam flores, e os principais Gandharvas e suas esposas cantavam as imaculadas glórias do Senhor Kṛṣṇa.
VERSO 5: Os braceletes e os guizos de tornozelo e de cintura das gopīs provocavam um som tumultuoso enquanto elas se divertiam com seu amado Kṛṣṇa no círculo da dança da rāsa.
VERSO 6: No meio das gopīs a dançarem, o Senhor Kṛṣṇa parecia muito radiante, tal qual uma primorosa safira entre ornamentos de ouro.
VERSO 7: Enquanto as gopīs cantavam em louvor a Kṛṣṇa, seus pés dançavam, suas mãos gesticulavam e suas sobrancelhas se mexiam com sorrisos brincalhões. Com as tranças e cintos bem apertados, as cinturas dobrando-se, os rostos transpirando, as vestes que lhes cobriam os seios movendo-se de um lado para o outro e os brincos balançando em suas bochechas, as jovens consortes do Senhor Kṛṣṇa brilhavam como relâmpagos em um aglomerado de nuvens.
VERSO 8: Ávidas por desfrutar de amor conjugal e com os pescoços coloridos com vários pigmentos, as gopīs cantavam em voz alta e dançavam. Elas estavam exultantes devido ao contato com Kṛṣṇa e cantavam canções que enchiam o universo inteiro.
VERSO 9: Uma gopī, juntando-se ao canto do Senhor Mukunda, cantou tons melodiosos puros que se erguiam harmoniosamente acima dos dEle. Kṛṣṇa ficou satisfeito e mostrou grande apreciação pelo desempenho dela, dizendo: “Excelente! Excelente!” Então, outra gopī repetiu a mesma melodia, mas em um padrão métrico especial, e Kṛṣṇa também a elogiou.
VERSO 10: Cansada devido à dança da rāsa, uma gopī virou-Se para Kṛṣṇa, que estava a Seu lado segurando um bastão, e agarrou o ombro dEle com Seu braço. A dança havia soltado Seus braceletes e as flores de Seu cabelo.
VERSO 11: Sobre o ombro de uma gopī, Kṛṣṇa colocou Seu braço, cuja fragrância natural de lótus azul misturava-se com a da polpa de sândalo que o ungia. Enquanto a gopī saboreava aquela fragrância, os pelos de seu corpo se arrepiaram de júbilo e ela Lhe beijou o braço.
VERSO 12: Ao lado do rosto de Kṛṣṇa, uma gopī encostou o seu, embelezado pela refulgência de seus brincos, que reluziam enquanto ela dançava. Kṛṣṇa, então, deu-lhe cuidadosamente a noz de bétel que Ele estava mascando.
VERSO 13: Outra gopī, de tanto cantar e dançar, tilintando os guizos de seus tornozelos e cintura, ficou fatigada. Então, ela pôs sobre seus seios a confortante mão de lótus do Senhor Acyuta, que estava de pé a seu lado.
VERSO 14: Por terem conseguido como amante íntimo o Senhor Acyuta, o consorte exclusivo da deusa da fortuna, as gopīs desfrutavam de um grande prazer. Elas cantavam Suas glórias enquanto Ele segurava o pescoço delas com Seus braços.
VERSO 15: Realçando a beleza do rosto das gopīs, havia as flores de lótus sobre suas orelhas, os cachos de cabelo que lhes enfeitavam as bochechas e gotas de suor. A reverberação de seus braceletes e guizos de tornozelo produzia um alto som musical, e suas coroas de flores se desfaziam. Dessa maneira, as gopīs dançavam com o Senhor Supremo na arena da dança da rāsa enquanto enxames de abelhas cantavam em acompanhamento.
VERSO 16: Desse modo, o Senhor Kṛṣṇa, o original Senhor Nārāyaṇa, amo da deusa da fortuna, deleitava-Se na companhia das jovens de Vraja abraçando-as, acariciando-as e contemplando-as amorosamente enquanto dava largos e divertidos sorrisos. Era como se uma criança brincasse com o próprio reflexo.
VERSO 17: Com os sentidos dominados pela alegria de ter a associação física do Senhor, as gopīs não eram capazes de impedir que seu cabelo, vestidos e trajes que lhes cobriam os seios ficassem em desalinho e que suas guirlandas e ornamentos se espalhassem, ó herói da dinastia Kuru.
VERSO 18: As esposas dos semideuses, observando de seus aeroplanos as atividades divertidas de Kṛṣṇa, entraram em transe e se agitaram com a luxúria. De fato, até a Lua e seu séquito, as estrelas, surpreenderam-se.
VERSO 19: Expandindo-Se tantas vezes quantas eram as mulheres dos vaqueiros com quem Se associava, o Senhor Supremo, embora autossatisfeito, desfrutava e Se divertia na companhia delas.
VERSO 20: Vendo que as gopīs estavam cansadas devido ao desfrute conjugal, meu querido rei, o misericordioso Kṛṣṇa amorosamente enxugou-lhes o rosto com Sua mão reconfortante.
VERSO 21: As gopīs honravam seu herói com olhares sorridentes adoçados com a beleza de suas bochechas e a refulgência de seus cabelos encaracolados e brincos de ouro cintilante. Jubilosas devido ao toque de Suas unhas, elas cantavam as glórias de Seus auspiciosíssimos passatempos transcendentais.
VERSO 22: A guirlanda do Senhor Kṛṣṇa fora esmagada durante Sua diversão conjugal com as gopīs e ficara avermelhada com o pó de kuṅkuma dos seios delas. Para dissipar a fadiga das gopīs, Kṛṣṇa entrou na água do Yamunā, seguido logo por abelhas que cantavam como os melhores dos Gandharvas. Ele parecia um imperioso elefante que entra na água para relaxar em companhia de suas consortes. De fato, o Senhor transgredira toda a moralidade mundana e védica assim como um poderoso elefante quebra os diques de um arrozal.
VERSO 23: Na água, meu querido rei, Kṛṣṇa viu-Se borrifado de todos os lados pelas risonhas gopīs, que O contemplavam com amor. Enquanto os semideuses O adoravam lançando de seus aeroplanos chuvas de flores, o Senhor autossatisfeito sentia prazer em brincar como o rei dos elefantes.
VERSO 24: Em seguida, o Senhor passeou por um bosque na margem do Yamunā. Esse bosque era pleno de brisas a transportarem a fragrância de todas as flores que cresciam na terra e na água. Seguido de Seu cortejo de abelhas e belas mulheres, o Senhor Kṛṣṇa parecia um elefante embriagado na companhia de suas elefantas.
VERSO 25: Embora as gopīs estivessem fortemente apegadas ao Senhor Kṛṣṇa, cujos desejos são sempre satisfeitos, o Senhor, no íntimo, não era afetado por nenhum desejo sexual mundano. Ainda assim, para executar Seus passatempos, o Senhor tirou proveito de todas aquelas enluaradas noites de outono, que inspiram descrições poéticas a respeito de casos amorosos transcendentais.
VERSOS 26-27: Parīkṣit Mahārāja disse: Ó brāhmaṇa, a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor do universo, desceu a esta Terra junto com Sua porção plenária para destruir a irreligião e restabelecer os princípios religiosos. De fato, Ele é o orador original, seguidor e guardião das leis morais. Como, então, Ele poderia tê-las violado tocando as esposas alheias?
VERSO 28: Ó fiel cumpridor de votos, por favor, destrói nossa dúvida explicando-nos que propósito o autossatisfeito Senhor dos Yadus tinha em mente ao proceder de modo tão desprezível.
VERSO 29: Śukadeva Gosvāmī disse: A posição de controladores poderosos não é ameaçada por nenhuma transgressão aparentemente audaciosa da moralidade que possamos ver neles, pois eles são tal qual o fogo, que devora tudo que lhe seja fornecido e permanece impoluto.
VERSO 30: Quem não é um grande controlador jamais deve imitar o comportamento de dirigentes dessa categoria, nem mesmo mentalmente. Se, devido à tolice, um homem qualquer imitar tal comportamento, ele apenas se destruirá, assim como alguém que não seja Rudra se destruiria caso tentasse beber um oceano de veneno.
VERSO 31: As declarações dos servos do Senhor que são dotados de poder são sempre verdadeiras, e os atos que executam são exemplares quando compatíveis com aquelas declarações. Portanto, quem é inteligente deve levar a cabo as instruções deles.
VERSO 32: Meu querido Prabhu, quando estas eminentes pessoas que estão livres do falso ego agem piedosamente neste mundo, elas não têm motivos egoístas a satisfazer, e mesmo quando agem em aparente contradição às leis da piedade, não estão sujeitas a reações pecaminosas.
VERSO 33: Como, então, o Senhor de todos os seres criados – animais, homens e semideuses – poderia ter qualquer conexão com a piedade e impiedade que afetam as criaturas subordinadas a Ele?
VERSO 34: As atividades materiais nunca enredam os devotos do Senhor Supremo, que estão sempre em completa satisfação por servir a poeira de Seus pés de lótus. Tampouco as atividades materiais enredam aqueles inteligentes sábios que se libertaram do cativeiro de todas as reações fruitivas mediante o poder do yoga. Então, como seria possível falar de cativeiro em relação ao Senhor, que assume formas transcendentais de acordo com Sua livre vontade?
VERSO 35: Aquele que vive como a testemunha supervisora dentro das gopīs e de seus maridos, e de fato dentro de todos os seres vivos corporificados, assume formas neste mundo para desfrutar de passatempos transcendentais.
VERSO 36: Quando o Senhor assume um corpo semelhante ao humano para mostrar misericórdia a Seus devotos, Ele Se ocupa em passatempos para que aqueles que ouvirem falar sobre eles sintam-se atraídos a dedicarem suas vidas ao Senhor.
VERSO 37: Os vaqueiros, iludidos pela potência ilusória de Kṛṣṇa, pensavam que suas esposas tinham ficado em casa ao lado deles. Portanto, não alimentavam nenhum sentimento de ciúme dEle.
VERSO 38: Uma vez transcorrida toda uma noite de Brahmā, o Senhor Kṛṣṇa aconselhou às gopīs que voltassem para suas casas. Embora não o desejassem fazer, as amadas consortes do Senhor obedeceram à Sua ordem.
VERSO 39: Qualquer um que descrever ou ouvir fielmente as divertidas aventuras do Senhor com as jovens gopīs de Vṛndāvana alcançará o serviço devocional puro ao Senhor. Desse modo, ele logo se tornará sóbrio e vencerá a luxúria, que é a doença do coração.