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CAPÍTULO QUARENTA E CINCO

Kṛṣṇa Resgata o Filho de Seu Mestre

Este capítulo descreve como o Senhor Kṛṣṇa consolou Devakī, Vasudeva e Nanda Mahārāja e instalou Ugrasena como rei. Relata também como Kṛṣṇa e Balarāma completaram Sua educação, recuperaram o filho morto de Seu guru e, em seguida, voltaram para casa.

Notando que Seus pais – Vasudeva e Devakī – haviam perce­bido Sua verdadeira posição como Deus, Śrī Kṛṣṇa expandiu Sua yogamāyā para de novo fazê-los pensar nEle como seu filho querido. Então, com o Senhor Balarāma, Kṛṣṇa aproximou-Se deles e disse como estava infeliz por Ele e Seus pais não terem podido desfrutar a satisfação mútua de pais e filhos que vivem juntos. Então, Ele disse: “Nem mesmo com uma duração de vida de cem anos, pode um filho pagar, em algum momento, a dívida que tem para com seus pais, de quem ele re­cebe o próprio corpo. Qualquer filho apto que deixe de amparar seus pais será forçado, na vida seguinte, a comer sua própria carne. De fato, qualquer um que não mantenha e sustente seus dependentes – filhos, esposa, mestres espirituais, brāhmaas, pais idosos e assim por diante – não passa de um morto-vivo. Foi por medo de Kaṁsa que não pudemos servir-vos, então agora, por favor, perdoai-Nos.” Vasudeva e Devakī, dominados pela emoção ao ouvir estas palavras de Śrī Kṛṣṇa, abraçaram seus dois filhos e, em êxtase, derramaram uma torrente de lágrimas.

Tendo satisfeito assim Sua mãe e Seu pai, o Senhor Kṛṣṇa ofereceu o reino de Kaṁsa a Seu avô materno, Ugrasena, após o que providen­ciou para que todos os membros de Sua família que haviam fugido por temor a Kaṁsa retornassem para suas casas. Protegidos pelos poderosos braços de Kṛṣṇa e Balarāma, os Yādavas passaram a desfrutar de suprema bem-aventurança.

Kṛṣṇa e Balarāma, em seguida, aproximaram-Se de Nanda Mahārāja e louvaram-no por ter cuidado dEles, filhos alheios, com tanto amor. Kṛṣṇa, então, disse a Nanda: “Querido pai, por favor, volta para Vraja. Sabendo o quanto tua pessoa e Nossos outros parentes estais sofrendo por saudade de Nós, Eu e Balarāma iremos ver-vos logo que tivermos satis­feito vossos amigos aqui em Mathurā.” Depois dessas palavras, Kṛṣṇa adorou Nanda com várias oferendas, e Nanda ficou dominado de amor por seus filhos. Depois de abraçar Kṛṣṇa e Balarāma com lágrimas nos olhos, ele partiu para Vraja levando os vaqueiros consigo. A seguir, Vasudeva solicitou a seus sacerdotes que celebrassem o ritual de segundo nascimento de seus filhos, a iniciação bramânica. Kṛṣṇa e Balarāma, então, foram ter com Garga Muni para aceitar o voto de brahmacarya, celibato. Depois disso, Kṛṣṇa e Balarāma, embora oniscientes, quiseram residir na escola de um mestre espiritual, de modo que foram morar com Sāndīpani Muni em Avantīpura.

Para ensinarem a maneira correta de respeitar o próprio guru, Kṛṣṇa e Balarāma serviram Seu mestre espiritual com grande de­voção, como o fariam com a Deidade do próprio Senhor Supremo. Sāndīpani Muni, satisfeito com o serviço dEles, transmitiu-Lhes co­nhecimento detalhado acerca de todos os Vedas, bem como de seus seis corolários e das Upaniads. Kṛṣṇa e Balarāma só precisavam ouvir cada assunto uma vez para assimilá-lo por completo, e assim, em sessenta e quatro dias, Eles aprenderam as sessenta e quatro artes tradicionais.

Antes de Se despedirem de Seu guru, os dois Senhores ofereceram a Sāndīpani Muni qualquer presente que ele quisesse. O sábio Sāndīpani, vendo a espantosa potência dEles, pediu-Lhes que trouxessem de volta seu filho, que morrera no oceano em Prabhāsa.

Kṛṣṇa e Balarāma montaram em uma quadriga e foram para Prabhāsa, onde Se aproximaram da margem e adoraram a deidade que rege o oceano. Kṛṣṇa pediu que o oceano devolvesse o filho de Seu mestre espiritual, e o senhor do oceano respondeu que um demônio chamado Pāñcajana, que morava no oceano, levara embora o menino. Ouvindo isso, Śrī Kṛṣṇa entrou no oceano, matou aquele demônio e tomou o búzio que crescera de seu corpo. Contudo, por não encontrar o filho de Seu guru dentro do ventre do demônio, Kṛṣṇa foi para o planeta de Yamarāja, o senhor da morte. Ao ouvir Kṛṣṇa soar o búzio Pāñca­janya, Yamarāja apresentou-se diante dEle e adorou-O com devoção. O Senhor Kṛṣṇa, então, pediu a Yamarāja o filho de Sāndīpani Muni, e Yamarāja de imediato o entregou aos dois Senhores.

Kṛṣṇa e Balarāma, então, voltaram para Seu mestre espiritual e deram-lhe seu filho como presente, pedindo-lhe que escolhesse mais um favor. Sāndīpani Muni, porém, respondeu que, por ter obtido discípulos tais como Eles, todos os seus desejos estavam satisfeitos. Então, ele Os instruiu a voltarem para casa.

Kṛṣṇa e Balarāma viajaram de quadriga para Sua casa, e, ao chegarem, todos os cidadãos sentiram ilimitado êxtase por vê-lOs, assim como pessoas que recuperam um tesouro perdido.

VERSO 1: Śukadeva Gosvāmī disse: Compreendendo que Seus pais estavam ficando cientes de Suas opulências transcendentais, a Supre­ma Personalidade de Deus julgou correto não permitir que isso acontecesse. Assim, Ele expandiu Sua yogamāyā, que confunde os devotos.

VERSO 2: O Senhor Kṛṣṇa, o mais eminente dos Sātvatas, aproximou-Se de Seus pais junto com Seu irmão mais velho. Inclinando humildemente a cabeça e satisfazendo-os com expressões respeitosas tais como “Minha querida mãe” e “Meu querido pai”, Kṛṣṇa disse as seguintes palavras.

VERSO 3: [O Senhor Kṛṣṇa disse:] Querido pai, por causa de Nós, teus dois filhos, tu e mãe Devakī permanecestes sempre ansiosos e jamais pudestes gozar Nossa infância, meninice ou adolescência.

VERSO 4: Privados pelo destino, não pudemos viver contigo e gozar da mimada felicidade que a maioria das crianças desfruta na casa dos pais.

VERSO 5: Com o corpo, podemos lograr todas as metas da vida, e são nossos pais que proporcionam nascimento e sustento ao corpo. Portanto, nenhum homem mortal pode pagar a dívida que tem para com os pais, mesmo que os sirva por toda uma vida de cem anos.

VERSO 6: Um filho que, embora capaz de fazê-lo, deixa de amparar seus pais com os próprios recursos físicos e riquezas, é forçado a comer a própria carne depois da morte.

VERSO 7: Um homem que, embora capaz de fazê-lo, deixa de sustentar seus pais idosos, esposa casta, filho pequeno ou mestre espiritual, ou que despreza um brāhmaṇa ou qualquer um que recorra a ele em busca de abrigo, é considerado morto, embora respire.

VERSO 8: Incapazes como estávamos de honrar-vos de maneira conveniente porque Nossas mentes viviam perturbadas pelo temor a Kaṁsa, desperdiçamos assim todos esses dias.

VERSO 9: Queridos pai e mãe, por favor, perdoai-Nos por não vos termos servido. Não somos independentes e fomos muito importunados pelo cruel Kaṁsa.

VERSO 10: Śukadeva Gosvāmī disse: Iludidos assim pelas palavras do Senhor Hari, a Alma Suprema do universo, que parecia um ser humano devido à Sua potência ilusória interna, Seus pais alegremente puseram-nO em seus colos e abraçaram-nO.

VERSO 11: Derramando uma chuva de lágrimas sobre o Senhor, Seus pais, que estavam atados pela corda da afeição, não conseguiram falar. Eles ficaram perplexos, ó rei, e suas gargantas, embargadas pelo choro e lágrimas.

VERSO 12: Tendo assim confortado Sua mãe e Seu pai, a Suprema Personalidade de Deus, que apareceu como o filho de Devakī, instalou Seu avô materno, Ugrasena, como o rei dos Yadus.

VERSO 13: O Senhor lhe disse: Ó poderoso rei, somos teus súditos, então, por favor, comanda-Nos. De fato, por causa da maldição de Ya­yāti, nenhum Yadu pode sentar-se no trono real.

VERSO 14: Visto que estou presente em teu séquito como teu assistente pessoal, todos os semideuses e outras eminentes personalidades virão de cabeça inclinada oferecer-te tributo. Então, o que dizer dos governantes dos homens?

VERSOS 15-16: O Senhor, então, trouxe de volta todos os Seus parentes próximos e ou­tros familiares dos vários lugares para onde eles haviam fugido por temor a Kaṁsa. Ele recebeu os Yadus, Vṛṣṇis, Andhakas, Madhus, Dāśārhas, Kukuras e outros clãs com a devida honra, e também os consolou, pois terem morado em terras estrangeiras foi algo que os havia consumido. Em seguida, o Senhor Kṛṣṇa, o criador do universo, restabeleceu-os em suas casas e deu-lhes valiosos pre­sentes.

VERSOS 17-18: Os membros desses clãs, protegidos pelos braços do Senhor Kṛṣṇa e do Senhor Saṅkarṣaṇa, sentiam que todos os seus desejos estavam satisfeitos. Assim, enquanto viviam em casa com suas famílias, desfrutavam de uma felicidade perfeita. Devido à presença de Kṛṣṇa e Balarāma, eles não mais sofriam da febre da exis­tência material. Todo dia, esses amorosos devotos podiam ver o sempre jovial rosto de lótus de Mukunda, o qual era adornado por olhares belos, misericordiosos e sorridentes.

VERSO 19: Até os mais idosos habitantes da cidade pareciam jovens e cheios de força e vitalidade, porque, com os olhos, eles bebiam constantemente o elixir do rosto de lótus do Senhor Mukunda.

VERSO 20: Então, ó excelso rei Parīkṣit, o Supremo Senhor Kṛṣṇa, o filho de Devakī, junto do Senhor Balarāma, aproximaram-Se de Nanda Mahārāja. Os dois Senhores abraçaram-no e, então, disseram-lhe o seguinte.

VERSO 21: [Kṛṣṇa e Balarāma disseram:] Ó pai, tu e mãe Yaśodā mantivestes-Nos com muita afeição e cuidaram muitíssimo de Nós! De fato, os pais têm mais amor pelos filhos do que têm por suas próprias vidas.

VERSO 22: Verdadeiros pai e mãe são aqueles que cuidam, como se fossem os próprios filhos, de crianças abandonadas pelos parentes inca­pazes de sustentá-los e protegê-los.

VERSO 23: Agora, querido pai, todos vós deveis regressar a Vraja. Faremos uma visita a vós, Nossos queridos parentes que sofreis devido à sau­dade de Nós, logo que tivermos dado alguma felicidade a vossos amigos benquerentes.

VERSO 24: Consolando assim Nanda Mahārāja e os outros homens de Vraja, o infalível Senhor Supremo honrou-os respeitosamente dando-lhes de presente roupas, joias, utensílios domésticos e assim por diante.

VERSO 25: Nanda Mahārāja ficou dominado pela afeição ao ouvir as palavras de Kṛṣṇa, e seus olhos encheram-se de lágrimas quando abraçou os dois Senhores. Então, voltou para Vraja com os vaqueiros.

VERSO 26: Meu querido rei, em seguida, Vasudeva, o filho de Śūrasena, providenciou que um sacerdote e outros brāhmaṇas realizassem a iniciação de segundo nascimento de seus dois filhos.

VERSO 27: Vasudeva honrou esses brāhmaṇas adorando-os e dando-lhes ornamentos finos e vacas bem adornadas acompanhadas de seus bezerros. Todas essas vacas usavam colares de ouro e guirlandas de linho.

VERSO 28: O magnânimo Vasudeva lembrou-se, então, das vacas que havia dado mentalmente por ocasião do nascimento de Kṛṣṇa e Balarāma. Kaṁsa roubara aquelas vacas, e Vasudeva agora as recuperou e deu-as também em caridade.

VERSO 29: Após atingirem, através da iniciação, a condição de duas vezes nascidos, os Senhores, sinceros em Seus votos, aceitaram ainda de Garga Muni, o mestre espiritual dos Yadus, o voto de celibato.

VERSOS 30-31: Ocultando Seu perfeito conhecimento inato por meio de Suas atividades aparentemente humanas, aqueles dois oniscientes Senhores do universo, sendo Eles mesmos a origem de todos os ramos do conhecimento, desejaram, em seguida, residir na escola de um mestre espiritual. Por isso, aproximaram-Se de Sāndīpani Muni, um nativo de Kāśi que morava na cidade de Avantī.

VERSO 32: Sāndīpani tinha em altíssima estima estes dois discípulos auto­controlados, que ele obtivera de forma tão imprevista. Servindo-o com tanta devoção como alguém serviria ao próprio Senhor Supremo, Eles mostraram aos outros um exemplo irrepreensível de adoração ao mestre espiritual.

VERSO 33: Por estar satisfeito com o comportamento submisso dEles, aque­le melhor dos brāhmaṇas, o mestre espiritual Sāndīpani, ensi­nou-Lhes os Vedas por inteiro, junto de seus seis corolários e as Upaniṣads.

VERSO 34: Ele também Lhes ensinou o dhanur-veda, com seus segredos mais confidenciais; os livros normativos de lei; os métodos de raciocínio lógico e debate filosófico, bem como a ciência política, que é dividida em seis ramos.

VERSOS 35-36: Ó rei, aquelas excelentíssimas pessoas, Kṛṣṇa e Balarāma, sendo Eles mesmos os promulgadores originais de todas as variedades de conhecimento, puderam assimilar de imediato toda e qualquer matéria depois de ouvi-la ser explicada apenas uma vez. Assim, com concentração fixa, Eles aprenderam as sessenta e quatro artes e ofícios durante o mesmo número de dias e noites. Depois, ó rei, Eles satisfizeram Seu mestre espiritual oferecendo-lhe guru-dakṣiṇā.

VERSO 37: Ó rei, o erudito brāhmaṇa Sāndīpani analisou com atenção as gloriosas e surpreendentes qualidades dos dois Senhores e a inteligência sobre-humana dEles. Então, depois de consultar sua es­posa, ele escolheu como remuneração a volta de seu jovem filho, que morrera no oceano em Prabhāsa.

VERSO 38: “Assim seja”, responderam aqueles dois notáveis quadrigários de poder ilimitado. E, montando logo em Sua quadriga, partiram para Prabhāsa. Ao chegarem naquele lugar, caminharam até a praia e sentaram-Se. Após um momento, a deidade do oceano, reconhecendo que Eles eram os Senhores Supremos, aproximou-se dEles com oferendas de tributo.

VERSO 39: O Supremo Senhor Kṛṣṇa dirigiu-Se ao senhor do oceano: Traze agora mesmo o filho de Meu guru – aquele que apanhas­te aqui com tuas ondas poderosas.

VERSO 40: O oceano respondeu: Ó Senhor Kṛṣṇa, não fui eu quem o raptou, senão que foi um demoníaco descendente de Diti chamado Pañcajana, que viaja pelas águas sob a forma de búzio.

VERSO 41: “De fato”, disse o oceano, “aquele demônio levou-o embora”. Ouvindo isso, o Senhor Kṛṣṇa entrou no oceano, encontrou Pañcajana e o matou. O Senhor, todavia, não encontrou o menino dentro do ventre do demônio.

VERSOS 42-44: O Senhor Janārdana apanhou o búzio que crescera ao redor do corpo do demônio e voltou para a quadriga. Então, seguiu viagem para Saṁyamanī, a amada capital de Yamarāja, o Senhor da morte. Ao chegar lá com o Senhor Balarāma, Ele soprou bem alto Seu búzio, e Yamarāja, que mantém as almas condicionadas sob controle, logo que ouviu a ressoante vibração, veio a Seu encontro. Yamarāja meticulosamente adorou os dois Senhores com grande devoção e, em seguida, dirigiu-se ao Senhor Kṛṣṇa, que vive no coração de todos: “Ó Supremo Senhor Viṣṇu, o que devo fazer por Vós e pelo Senhor Balarāma, que estais representando o papel de seres humanos comuns?”

VERSO 45: A Suprema Personalidade de Deus disse: Sofrendo o enredamento decorrente de sua atividade passada, o filho de Meu mestre espiritual foi trazido aqui para ti. Ó grande rei, obedece a Minha ordem e traze este menino para Mim sem demora.

VERSO 46: Yamarāja disse: “Assim seja”, e trouxe o filho do guru. Então, aqueles dois excelentíssimos Yadus apresentaram o menino a Seu mestre espiritual e disseram-lhe: “Por favor, escolhe outra dádiva.”

VERSO 47: O mestre espiritual disse: Meus queridos meninos, Vós dois cumpristes na íntegra a obrigação do discípulo de recompen­sar seu mestre espiritual. De fato, com discípulos como Vós, que outros desejos um guru poderia ter?

VERSO 48: Ó heróis, agora, por favor, voltai para casa. Que Vossa fama santifique o mundo, e que os hinos védicos estejam sempre vivos em Vossas mentes, tanto nesta vida como na próxima.

VERSO 49: Recebendo assim a permissão do guru para partir, os dois Senhores voltaram para Sua cidade em Sua quadriga, que se movia com a velocidade do vento e ressoava como uma nuvem.

VERSO 50: Todos os cidadãos regozijaram-se ao ver Kṛṣṇa e Balarāma, a quem não tinham visto por muitos dias. As pessoas sentiam­-se exatamente como alguém que perdeu sua riqueza e depois a recuperou.

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